Washington e as revoltas árabes: Sacrificar ditadores para salvar o estado - por James Petras O ponto essencial é que Washington, após várias de décadas de profundo envolvimento nas estruturas de estado das ditaduras árabes, desde a Tunísia até o Marrocos, Egipto, Iémen, Líbano, Arábia Saudita e Autoridade Palestina, está a tentar reorientar as suas políticas para incorporar e/ou enxertar políticos liberais-eleitorais nas configurações de poder existentes.
Enquanto a maior parte dos comentadores e jornalistas despejam toneladas de tinta acerca dos "dilemas" da potência estado-unidense, com a novidade dos acontecimentos egípcios e dos pronunciamentos políticos diários de Washington, há amplos precedentes históricos que são essenciais para entender a direcção estratégica das políticas de Obama
Antecedentes históricos
A política externa dos EUA tem um longo historial de instalação, financiamento, armamento e apoio a regimes ditatoriais os quais suportam suas políticas e interesses imperiais ao mesmo tempo que mantêm controle sobre o seu povo.
No passado, presidentes republicanos e democratas trabalharam em estreito contacto durante mais de 30 anos com a ditadura Trujillo na República Dominicana; instalaram o autocrático regime Diem no Vietname pré-revolucionário na década de 1950; colaboraram com duas gerações da família Somoza em regimes de terror na Nicarágua; financiaram e promoveram os golpes militares em Cuba de 1953, no Brasil em 1964, no Chile em 1973 e na Argetina em 1976 e os subsequentes regimes repressivos. Quando levantamentos populares desafiaram estas ditaduras apoiadas pelos EUA e uma revolução social e política parecia provável ter êxito, Washington respondeu com uma política de três caminhos: publicamente a criticar as violações de direitos humanos e a advogar reformas democráticas; privadamente a assinalar a continuidade de apoio ao governante; e em terceiro lugar, a procurar uma alternativa de elite que pudesse substituir o dirigente e preservar o aparelho de estado, o sistema económico e apoiar os interesses imperiais estratégicos dos EUA.
Para os EUA não há relacionamentos estratégicos, apenas interesses imperiais permanentes, a preservação do estado cliente. As ditaduras assumem que o seu relacionamento com Washington é estratégico: daí o choque e horror quando são sacrificadas para salvar o aparelho de estado. Temendo a revolução, Washington tem tido clientes déspotas relutantes, pouco desejosos de se afastarem, assassinados (Trujillo e Diem). Para alguns são proporcionados santuários no exterior (Somoza, Batista), outros são pressionados à partilha de poder (Pinochet) ou nomeados académicos visitantes em Harvard, Georgetown ou algum outro posto académico "prestigioso".
O cálculo de Washington sobre quando rearranjar o regime baseia-se numa estimativa da capacidade do ditador para aguentar o levantamento político, a força e lealdade das forças armadas e a disponibilidade de uma substituição acomodatícia. O risco de esperar demasiado, de colagem ao ditador, é que radicaliza o levantamento: a mudança decorrente varre para longe tanto o regime como o aparelho de estado, transformando um levantamento político numa revolução social. Tal "erro de cálculo" verificou-se em 1959 no avanço da revolução cubana, quando Washington ficou ao lado de Batista e não foi capaz de apresentar uma alternativa de coligação pró-EUA viável e ligada ao velho aparelho de estado. Um erro de cálculo semelhante verificou-se na Nicarágua, quando o presidente Carter, enquanto criticava Somoza, manteve o curso e permaneceu passivo quando o regime era derrubado e as forças revolucionárias destruíam as forças militares treinadas pelos EUA e Israel, a polícia secreta, o aparelho de inteligência, avançaram na nacionalização de propriedade dos EUA e desenvolveram uma política externa independente.
Washington movimentou-se com maior iniciativa na América Latina da década de 1980. Promoveu transições eleitorais negociadas que substituíram ditadores por políticos neoliberais flexíveis, os quais comprometeram-se a preservar o aparelho de estado existente, defender as elites privilegiadas externas e internas e apoiar políticas regionais e internacionais dos EUA.
Lições do passado e políticas do presente
Obama tem sido extremamente hesitante na remoção de Mubarak por várias razões, mesmo quando o movimento cresce em números e o sentimento anti-Washington aprofunda-se. A Casa Branca tem muitos clientes por toda a parte do mundo – incluindo Honduras, México, Indonésia, Jordânia e Argélia – que acreditam terem um relacionamento estratégico com Washington e perderiam confiança no seu futuro se Mubarak fosse jogado fora.
Em segundo lugar, as altamente influentes organizações pro-Israel nos EUA (AIPAC, os presidentes das principais organizações judias americanas) e o seu exército de escribas mobilizaram líderes do Congresso para pressionar a Casa Branca a continuar a apoiar Mubarak, pois Israel é o primeiro beneficiário de um ditador que está à garganta do egípcios (e palestinos) e aos pés do estado judeu.
Em consequência o regime Obama tem-se movido vagarosamente, sob o temor e a pressão do crescente movimento popular egípcio. Ele procura uma fórmula política alternativa que remova Mubarak, retenha e fortaleça o poder político do aparelho de estado e incorpore uma alternativa eleitoral civil como meio de desmobilizar e des-radicalizar o vasto movimento popular.
O principal obstáculo para remover Mubarak é que um sector importante do aparelho de estado, especialmente os 325 mil membros das Forças Centrais de Segurança e os 60 mil da Guarda Nacional estão directamente sob a alçada do Ministério do Interior e de Mubarak. Em segundo lugar, os generais de topo do Exército (468.500 membros) sustentaram Mubarak durante 30 anos e enriqueceram-se através do seu controle sobre muitas companhias lucrativas num vasto conjunto de sectores. Eles não apoiarão qualquer "coligação" civil que ponha em causa seus privilégios económicos e o seu poder de estabelecer os parâmetros políticos de qualquer sistema eleitoral. O comandante supremo dos militares egípcios é um antigo cliente dos EUA e um colaborador aquiescente de Israel.
Obama é resolutamente favorável a colaborar e a assegurar a preservação destes corpos repressivos. Mas também precisa convencê-los a substituir Mubarak e levar em conta um novo regime que possa neutralizar o movimento de massa que cada vez mais se opõe à hegemonia dos EUA e à subserviência a Israel. Obama fará todo o necessário para manter a coesão do estado e esvaziar quaisquer aberturas que possam levar a um movimento de massa – alianças de soldados que poderiam converter o levantamento numa revolução.
Washington abriu conversações com os sectores liberais e clericais mais conservadores do movimento anti-Mubarak. A princípio tentou convencê-los a negociar com Mubarak – uma posição beco sem saída que foi rejeitada por todos os sectores da oposição, desde o topo até à base. Obama tentou então vender uma falsa "promessa" de Mubarak de que não concorreria às eleições, daqui a nove meses.
O movimento e seus líderes também rejeitaram aquela proposta. Assim Obama levantou a retórica de "mudanças imediatas" mas sem quaisquer medidas substantivas que a apoiassem. Para convencer Obama da sua contínua base de poder, Mubarak enviou a sua formidável polícia secreta de gangster-lumpen para tomar violentamente as ruas ao movimento. Um teste de força: o Exército ficou ao lado, o assalto elevou a aposta de uma guerra civil, com consequências radicais. Washington e a UE pressionaram o regime Mubarak a recuar – por agora. Mas a imagem de militares pró-democracia foi empanada, pois mortos e feridos multiplicaram-se aos milhares.
À medida que a pressão do movimento se intensifica, Obama pressionada em sentidos opostos por um lado pelo lobby Mubarak-Israel e o seus apoiantes no Congresso e por outro por conselheiros com discernimento a apelarem para seguir as práticas do passado e movimentar-se decisivamente para sacrificar o regime a fim de salvar o estado enquanto a opção liberal-clerical ainda está sobre a mesa.
Mas Obama hesita e, como um crustáceo cauteloso, move-se de lado e para trás, acreditando que a sua própria retórica grandiloquente substitui a acção... esperando que mais cedo ou mais tarde o levantamento acabe por cessar com um mubarakismo sem Mubarak: um regime capaz de desmobilizar os movimentos populares e desejoso de promover eleições que resultem em responsáveis eleitos que sigam a linha geral do seu antecessor.
No entanto, há muitas incertezas num rearranjo político: uma cidadania democrática, 83% desfavorável a Washington, possuirá a experiência de luta e liberdade para clamar por um realinhamento da política, especialmente para cessar de ser um polícia impondo o bloqueio israelense de Gaza e dando apoio a fantoches dos EUA na África do Norte, Líbano, Iémen, Jordânia e Arábia Saudita. Em segundo lugar, eleições livres abrirão o debate a aumentarão a pressão por maior despesa social, a expropriação dos 70 mil milhões de dólares do império do clã Mubarak e os capitalistas de compadrio que pilham a economia. As massas exigirão uma redistribuição da despesa pública do super inchado aparelho repressivo para emprego produtivo, gerador de emprego. Uma abertura política limitada pode levar a um segundo round, no qual novos conflitos sociais e políticos dividirão as forças anti-Mubarak, um conflito entre os advogados da social-democracia e os apoiantes de elite eleitoralismo neoliberal. O momento anti-ditatorial é apenas a primeira fase de uma luta prolongada rumo à emancipação definitiva não apenas do Egipto como de todo o mundo árabe. O resultado depende da medida em que as massas desenvolverão a sua própria organização e líderes independentes.
O original encontra-se em http://petras.lahaine.org/articulo.php?p=1837&more=1&c=1
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
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