EUA tentam cooptar Brasil para sua disputa estratégica com a China - por Durval de Noronha Goyos Orientado pela típica desfaçatez da política externa dos Estados Unidos da América, visitou o Brasil na semana do dia 7 de fevereiro de 2011, o secretário do Tesouro americano, Timothy Geithner, em missão preparatória da visita de Estado do presidente Barack Obama, marcada para março próximo, para dizer às autoridades brasileiras que “o yuan desvalorizado é um problema maior para o Brasil do que para o seu país”.
Ora, a China acumulou com os EUA um superávit comercial de 181 bilhões de dólares em 2010, enquanto, com o Brasil, a China apresentou, ao contrário, um déficit comercial de aproximadamente 7 bilhões dólares no mesmo ano. De resto, a China é o maior investidor estrangeiro no Brasil. Para aqueles preocupados com a prevalência da ética nas relações internacionais, pergunta-se como é possível honestamente equiparar as duas situações.
A resposta certa, clara e segura é no sentido de que os EUA tradicionalmente não se pautam nem pela ética nem pelo direito nas suas relações externas. Pautam-se, como registra a História, única e exclusivamente pelo que é percebido como seu interesse nacional nas áreas econômica, financeira e militar. Para a consecução de seus objetivos, valem-se de todos os meios, sem restrições.
Freqüentemente, a formatação da política externa americana é feita com uma lógica maniqueística: o bem contra o mal. O bem é representado, é claro, sempre pelos seus próprios interesses diversos. Assim, como ao povo americano é difícil de criticar as falhas de gestão macroeconômica do país como a responsável pela formidável crise que aflige os EUA, mais conveniente é apresentar a China como a culpada. O racismo ajuda a aceitação do sofisma estigmatizante.
Na realidade, a crise americana é devida a inúmeros fatores de ordem interna dentre os quais desponta a doutrina do neoliberalismo e o desmesurado apetite rapace pelo lucro fácil, a qualquer custo institucional. Produtores americanos transferiram sua capacidade industrial para a China, na busca de ganhos mais amplos, e o povo foi incentivado a adquiri-los a crédito.
Para combater a perda de competitividade, sucessivos governos americanos têm recorrido a ações artificiais. Nos últimos tempos, os governos estadunidenses têm procurado desvalorizar artificialmente o dólar americano para alavancar a competitividade dos produtos domésticos. A manobra funcionou contra o Brasil, grande vítima histórica da ação predatória dos EUA, como demonstra o grande déficit acumulado.
Contudo, como a China atrelou sua moeda ao dólar, a cada desvalorização artificial deste, segue-se uma do Yuan. Assim, o problema causal do desequilíbrio cambial está na política monetária irresponsável do Tesouro americano e não na China. De mais a mais, o Brasil na defesa de sua moeda é forçado a acumular reservas de uma moeda podre, o dólar americano. Perde-se o comércio real em troca de lixo financeiro.
Dessa maneira, resta claro que o governo brasileiro deve resistir à ofensiva americana, por maior que seja o charme diplomático em que venha revestida, de antagonizar a China. O Brasil dispensa a ajuda de qualquer país para tratar de questões de interesse bilateral com o país asiático. As eventuais diferenças bilaterais devem ser tratadas entre apenas os dois países, com uma agenda positiva de negociações.
Por sua vez, o governo brasileiro deve instar, com energia, ao governo dos EUA a ter uma política macroeconômica responsável, a se abster de desvalorizações artificiais de sua moeda, bem como a eliminar as barreiras tarifárias e não tarifárias incidentes sobre os produtos brasileiros, de modo a diminuir, se não eliminar, o monstruoso déficit comercial do Brasil com aquele país.
Durval de Noronha Goyos Jr. é advogado admitido no Brasil, em Portugal e na Inglaterra e Gales. É árbitro do Brasil na OMC (Organização Mundial do Comércio), e professor de direito do comércio internacional na pós-graduação da Universidade Cândido Mendes (RJ).
Fonte: Opera Mundi
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