sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Estado Assassino: As mentiras e fantasias de Netanyahu na ONU - por Latuff

Fonte: http://twitpic.com/photos/CarlosLatuff

Política de matança: Austrália Ocidental vai exterminar tubarões que se aproximarem das praias - Por Robson Fernando de Souza

Política de matança: Austrália Ocidental vai exterminar tubarões que se aproximarem das praias.
Foto: James D. Watt/SeaPics.com

Quem mata mais, tubarões ou seres humanos? E quem merece consideração moral, humanos, tubarões ou ambos? Essas duas perguntas são respondidas com as respostas erradas pelo governo do estado australiano de Austrália Ocidental, que anunciou nesta quinta um plano para exterminar os tubarões que se aproximarem muito das praias. O pretexto é que isso seria uma “medida de proteção” depois que, em doze meses, cinco pessoas foram mortas por esses animais.

Colin Barnett, governador da Austrália Ocidental, declarou ao canal ABC que “em 100 anos houve 12 vítimas mortais por ataques de tubarão, mas nos últimos 12 meses morreram cinco pessoas”. O plano que ele anunciou envolve o encarregamento do Departamento de Pesca para rastrear matar os tubarões que “representarem perigo para os banhistas”. E também se pretende usar o rastreamento para entender o comportamento dos tubarões que vêm se aproximando.

Novamente o ser humano usa a morte de humanos como pretexto para “se vingar” e matar tubarões, numa falsa dicotomia moral que interdita a possibilidade de uma solução inteligente que harmonize o convívio entre tubarões e humanos cada um em suas áreas. Também é perceptível o descompromisso em se conhecer e remediar a causa dos ataques de tubarão, preferindo-se, ao invés, usar uma técnica que, desde com ratos e mosquitos até tubarões, tende a não funcionar, que é sair matando os “invasores”.

Com essa medida, trata-se tubarões pior do que lixo, como se fossem um estorvo a ser varrido das praias, não se reconhecendo que eles também têm direito de viver. Com morte, só se semeia ainda mais morte dos dois lados, e isso é o que a Natureza nos vem ensinando há milênios mas muitos seres humanos se recusam a aprender.

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Censura: NET bloqueia Diário Liberdade a todos e todas suas clientes no Brasil - Por Diário Liberdade

Censura: NET bloqueia Diário Liberdade a todos e todas suas clientes no Brasil
Chamamos a campanha de difusão do caso e reclamação à NET. A censura volta a agir contra o Diário Liberdade no Brasil.

Desde dia 21 de setembro começamos a receber avisos de leitores e leitoras do Diário Liberdade que indicavam a impossibilidade de acessar o portal. Em todos os casos, esse site era o único ao qual as pessoas afetadas não conseguiam entrar, e o ponto comum era o serviço fornecido pela NET no Brasil.

Dois dias depois, nosso serviço técnico confirmava que não havia qualquer tema técnico errado com o Diário Liberdade, e que a responsabilidade de que, ainda hoje, o portal esteja indisponível para os e as clientes da NET é exclusiva dessa companhia.

Começaram as suspeitas de uma campanha de sabotagem dessa companhia contra o portal anticapitalista, tal como a Telefônica fez anteriormente. Infelizmente, dias depois vê-se virtualmente confirmada a tese. Como na censura da Telefônica, a única solução é a pressão à NET e uma sólida campanha que reestabeleça a normalidade e a liberdade de expressão.

Evasão e mentiras da NET indiciam censura

A equipe editorial do Diário Liberdade, após confirmação junto do seu serviço técnico, contatou com a NET. Telefonicamente e via email, insistiu-se na responsabilidade da firma na barragem ao digital anticapitalista, e pressionou-se para liberar o acesso.

Como era previsível, a fornecedora não admite qualquer problema, responde com evasivas e não admite o evidente: 'Confirmei junto à área especializada e não existe nenhuma dificuldade de acesso ao referido site.' ?asseguram da NET. Todas e todos os nossos leitores no Brasil podem verificar a falsidade dessa afirmação, e é impossível que a própria NET não detecte qualquer problema num site que está, por alguma razão, bloqueado.
Antes de chegar a essa mentira descarada, a NET tentou convencer-nos várias vezes de que o problema era 'com o nosso computador', insultando a nossa inteligência e ignorando o que lhes confirmávamos: que todas e todos os clientes desse fornecedor sofrem o problema.

As mentiras e evasivas, junto dos antecedentes, não deixam praticamente qualquer outra possibilidade: o Diário Liberdade sofre, mais uma vez, o boicote de uma grande companhia na internet. É claro que a NET nunca admitirá isso, mas as provas estão do nosso lado.

Chamamos leitores e leitoras a reclamarem à NET

A única possibilidade para que a firma reestabeleça o acesso ao Diário Liberdade é a solidariedade de leitoras/es e amigos/as do portal e a pressão. Chamamos a uma campanha de reclamação à NET, exigindo a imediata recuperação da normalidade. No anterior episódio de censura, a Telefônica demorou três meses a ceder. Temos que evitar que esses prazos aconteçam de novo.

As reclamações podem ser feitas pelas seguintes vias:

Telefone: entrando aqui pode verificar os telefones de atendimento em sua cidade.

Email: entrando aqui pode acessar o formulário de envio de email à NET. Propomos o envio deste texto:
'Prezadas e Prezados Sres. da NET: Desde o dia 21/09 o acesso ao site www.diarioliberdade.org é impossível através do serviço fornecido pela sua companhia. O serviço técnico do diarioliberdade.org confirmou que a responsabilidade corresponde à companhia fornecedora do serviço, nesse caso a NET. Pela importância do assunto, peço o final da evidente censura e o reestabelecimento mais rápido possível da normalidade. Grato/a.'

Acesso ao Diário Liberdade para clientes da NET: através de proxy

Enquanto não se resolve o problema, felizmente, as vítimas da censura da NET poderão continuar lendo o Diário Liberdade através de um proxy. Um proxy é um site que faz de 'ponte' para chegar a um conteúdo banido por alguma razão. Neste link, clientes da NET podem entrar ao Diário Liberdade: hidemyass.com. Só precisam entrar, escrever diarioliberdade.org na caixa, e vão poder ler através dessa 'ponte'.

Diário Liberdade: um convidado desconfortável

Os que falam com a boca cheia de Liberdade, não duvidam em aplicar a censura direta contra os 'convidados desconfortáveis' na 'sua' rede. Assim, tal como a Telefônica já atacou o nosso jornal, igual do que tentou silenciar o portal do Basque Peace Process, da esquerda abertzale, e o Centro de Mídia Independente do Brasil,
agora, a NET censura de novo o Diário Liberdade.

Quais são as razões dessa 'razzia'? Provavelmente, a nossa desagradável teimosia em noticiar aquilo que o capital silencia, em dar voz às que lutam. Por citar algumas das matérias que poderão ter incomodado a NET e os seus amigos e amigas (as mais visitadas nos últimos tempos):

Pinheirinho: Naji Nahas, Alckmin, imprensa e polícia contra 7 mil moradores pobres Laerte Braga: 'FHC diz a americanos que domou Aécio e que Nordeste não vai vencer São Paulo? Luta do negro no Brasil: 175 anos da Revolta dos Malês Enchentes em São Paulo revelam falta de planejamento urbano Vulcabras-Azaléia mutilou mais de 80 trabalhadores em Itapetinga Existimos.

Esses esforços do capital e seus aliados em nos fazer calar não fazem mais do que encorajar o nosso trabalho. A sua obsessão confirma o trabalho bem feito, a efetiva consecução de um objetivo. Agora, apelamos à solidariedade de nossos amigos e amigas para que a NET não possa parar essa missão.

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Mais uma sugestão de cartoon para Charlie Hebdo - Liberdade de expressão é islamofobia - por Latuff

Fonte: http://twitpic.com/photos/CarlosLatuff

Um ano de ‘Occupy’: outra política é possível! – por Aline Carvalho

Um ano de ‘Occupy’: outra política é possível!
17 de setembro. Há exatamente um ano barracas se amontoavam no Zuccotti Park, em Nova York, fazendo eco à mobilização dos Indignados que, desde o início de 2011, ocupavam praças e parques do mundo inteiro. A denúncia? A submissão de 99% da população mundial às decisões políticas do 1% que detém o poder econômico. A reivindicação? Um sistema onde pessoas tenham mais importância do que bancos. A estratégia de luta? Solidariedade, consenso, não-violência.

Inspirados pelo levante popular da “Primavera Árabe”, um movimento – ou “momento”, diriam os tropicalistas – começou a tomar conta das ruas de diversas cidades espalhadas pelo mundo. Ainda que cada movimento tenha suas prioridades locais, de uma forma geral é colocada em questão a própria democracia no seu estado atual, onde representantes não correspondem aos anseios de quem os elegeu e onde o bem-estar do sistema financeiro se mostra mais relevante do que o de uma humanidade inteira. Por exemplo, quando milhares de protestos em todo o mundo se posicionavam contra a Guerra no Iraque, em 2003. Apesar de ter sido a maior mobilização da história da humanidade, ainda assim o presidente George W. Bush se sentiu no direito de ignorar a opinião pública e invadir o país, em busca do ouro preto que alimenta a máquina capitalista: petróleo.

Mas se o país tem sido o porta-voz do desrespeito à humanidade em nome de um modelo de vida, o movimento #OcuppyWallStreet questiona o tal “sonho americano”. Acampados nos entornos da Bolsa de Valores de Nova York, denunciam que a crise que o mundo enfrenta hoje não é uma questão de escassez de recursos, mas sim de sua distribuição. A manifestação busca assim lembrar que a luta é global: “Wall Street é um país estrangeiro, talvez mesmo um país inimigo”.

Não é de hoje que o sistema político e econômico articulado globalmente é questionado. Desde o fim da década de 90, uma nova onda de protestos se despedia do século XX e seu capitalismo industrial reivindicando que “um outro mundo é possível”. Num momento pós-Guerra Fria, a aparente vitória do sistema capitalista parecia ser incontestável, e alguns até se precipitavam declarando “o fim da história”. Em 1992, líderes políticos celebravam os “quinhentos anos da Descoberta das Américas”, anunciado como uma “primeira globalização”, ignorando completamente o histórico de massacre e dominação vivido pela América Latina nesses quinhentos anos. Com a entrada do México no Acordo de Livre Comércio entre as Américas, em 1994, o movimento guerrilheiro Zapatista, na zona rural do país, denunciava uma “Quarta Guerra Mundial”: a do neoliberalismo contra a humanidade.

O protesto se espalhou com uma velocidade considerável graças à difusão na internet de vídeos caseiros das ações do movimento. Assim, Chiapas recebia em 1996 o “Encontro Intercontinental pela humanidade e contra o neoliberalismo”, com cerca de três mil participantes de diversos países. Este momento foi considerado uma primeira convergência histórica de lutas, cada uma com sua especificidade, que reconheciam na globalização neoliberal um inimigo comum. Dois anos depois, é criada a Ação Global dos Povos, reunindo diversos movimentos como ecologistas, gays, feministas, negros, estudantes, etc, em torno de novas formas de mobilização à era da globalização, para além da tradicional luta operária. Em 1999, milhares de manifestantes bloqueavam as ruas de Seattle, nos Estados Unidos, levando à implosão da primeira reunião da recém-criada Organização Mundial do Comércio. Uma nova forma de luta chamava a atenção: se fazendo presente a cada encontro decisivo de organizações e líderes globais, variando entre formas mais ou menos violentas de protesto, e produzindo e compartilhando seu próprio conteúdo (via Centro de Mídia Independente – Indymedia).

O movimento “alter-globalização” seguia assim até o ano de 2001, quando a violência nos protestos contra o G8 em Gênova, na Itália, e a queda das Torres Gêmeas, nos Estados Unidos, confluíram para uma mudança de rumo nas mobilizações: a repressão e vigilância dos governos em nome da “luta contra o terrorismo” buscavam criminalizar e sufocar a menor manifestação nas ruas. Entretanto, dez anos depois – ou, mais precisamente, dez anos e seis dias depois – e a um quarteirão do World Trade Center, novamente homens e mulheres, jovens e velhos, estudantes e desempregados, se reuniam para a Assembleia Geral onde foi deliberado – por consenso, vale lembrar – o acampamento que ocupou o Zuccoti Park por diversas semanas. Sem violência e contando com a solidariedade dos moradores e trabalhadores locais que contribuíram com comida, agasalhos e necessidades básicas. A ocupação promoveu debates, oficinas, passeatas e recebeu políticos progressistas, jornalistas, pesquisadores e personalidades declarando apoio ao movimento.
 
Esta manhã, cerca de seiscentas pessoas estiveram presentes na manifestação de comemoração de um ano do movimento na zona financeira de Manhattan, e quase cem pessoas foram detidas pela polícia, embora se tratasse de um movimento de “desobediência civil não violenta”. No mundo inteiro, agitadores políticos são perseguidos e presos por seus governos (mais ou menos declarados ditadores), cidadãos são submetidos a medidas de austeridade para combater a crise financeira (enquanto seus governantes não hesitam em abastecer as reservas de instituições financeiras), povos e comunidades tradicionais são massacrados em nome de um projeto de desenvolvimento (pra quem? a que custo?).

Enquanto no Brasil se comemora as preparações para a Copa do Mundo em 2014 e os Jogos Olímpicos em 2016, moradores são expulsos de suas residências, trabalhadores se amontoam em transportes públicos cada vez mais caros e sem qualidade, e centros urbanos sofrem com obras intermináveis e corruptas, que pouco beneficiam a população local. Mais especificamente no Rio de Janeiro, quando um candidato à prefeitura ousa apontar claramente os verdadeiros problemas e soluções da cidade é chamado de utopista, segregador, ditador, radical.
Será que a gente perdeu a esperança de que a política pode (e deve) ser humana? Que se pode (e se deve) levar em consideração os interesses da população antes do interesse das elites econômicas e políticas mundiais? Até quando os governantes vão achar que podem fazer o que querem em nosso nome? Dia 7 de outubro é dia de eleições, pense bem em que projeto de cidade queremos para o futuro do país. E se informe, compartilhe e se manifeste. Está mais do que na hora de ocupar a ideia de que uma outra política é possível.

Aline Carvalho é ativista da cultura digital brasileira e pesquisadora na Universidade Paris 8 na França. Outros ensaios em www.tropicaline.wordpress.com.
Colunista do Canal Ibase

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Lançamento do Aviso Final zine # 30‏

Olá amigos!

Sabadão, dia 22 de setembro, estarei lançando oficialmente nova edição
do Aviso Final zine. Edição especial da banda paraibana Zefirina
Bomba.

Será no Hansen Studio Bar, novo espaço próximo da minha casa. Lá
acontecerá a 1ª feira de independentes do ABC, organizada pela
produtora Ataque Extremo. Além de vendas de muito material
independente, oficinas, encontro de zineiros com participação da
galera da Ugra Press, exibição do documentário Fanzineiros do Século
Passado (do Márcio Sno); haverá shows com os grupos Giallos, W.A.C.K.,
AjaxFree, Chaos Inc. e Imminent Chaos.

Abraços,
Renato Donisete
www.fotolog.com/aviso_final
 
ATAQUE EXTREMO1ª feira de independentes do ABC
Horário: a partir das 13:00 horas.
Entrada: R$10,00
Local: Hansen Studio Bar
Rua Henrica Grigoleto Rizzo, 1050
Bairro Barcelona - São Caetano do Sul - SP
www.ataqueextremo.com

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Europa: Outono Quente para reconstruir democracia - Por Ignacio Ramonet

Ignacio Ramonet saúda novas mobilizações sociais e sustenta, em diálogo com Zygmun Bauman: “são caminho para novo sistema político”

Como se as férias de verão fossem um manto de esquecimento, que dissipasse a brutalidade da crise, os meios de comunicação tentaram distrair os europeus com doses maciças de embrutecimento coletivo: Copa Europa de futebol, Jogos Olímpicos, aventuras das “celebridades” na praia etc. Tentaram fazer esquecer a onda de cortes de direitos que se aproxima – de forma particularmente dolorosa, na Espanha. Mas não conseguiram. Entre outras razões, porque as audazes ações de Juan Manuel Sánchez Gordillo e do Sindicato Andaluz de Trabalhadores (SAT) romperam a amnésia e mantiveram o alerta social. O outono será quente.

Numa conversa pública que mantive em agosto passado (1) com o filósofo Zygmunt Bauman, coincidíamos na necessidade de romper com o pessimismo que prevalece em nossa sociedade, desiludida com o modo tradicional de fazer política. Devemos deixar de ser sujeitos individuais e isolados, e nos converter em agentes da mudança, em ativistas sociais interligados. “Temos o dever de assumir o controle das nossas próprias vidas – afirmou Bauman. Vivemos um momento de grave incerteza, onde o cidadão não sabe realmente quem está no comando. Isso nos leva a perder a confiança nos políticos e nas instituições tradicionais.

Os políticos condicionam os cidadãos a que tenham sempre medo, para assim poder controlá-los, reduzir seus direitos e limitar as liberdades individuais. Estamos num momento muito perigoso, porque as consequências de tudo isto afetam nossa vida diária. Repetem-nos que devemos ter segurança no trabalho e conservá-lo, apesar das duras condições de emprego e de precariedade, porque assim obteremos dinheiro para poder gastar… O medo é uma forma de controle social muito poderosa”.

Se o cidadão já não sabe quem está no comando, é porque produziu-se uma bifurcação entre poder e política. Até há pouco, eles confundiam-se. Numa democracia, o candidato (ou a candidata) que, pela via política, conquistava eleitoralmente o poder Executivo, era o(a) único(a) que podia exercê-lo (ou delegá-lo) com toda a legitimidade. Hoje, na Europa neoliberal, já não é assim. O sucesso eleitoral de um presidente não lhe garante o exercício do poder real. Porque, acima do eleito político, encontram-se (além de Berlim e Angela Merkel) dois supremos poderes não-eleitos, que o governante não controla e que ditam sua conduta: a tecnocracia europeia e os mercados financeiros.

Estas duas instâncias impõem a sua agenda. Os eurocratas exigem obediência cega aos tratados e mecanismos europeus, que são geneticamente neoliberais. Pela sua parte, os mercados punem qualquer indisciplina que expresse desvio da ortodoxia neoliberal. De tal modo que, prisioneiro destas duas margens rígidas, o rio da política avança obrigatoriamente em direção única, sem nenhum espaço real de manobra. Ou seja: sem poder.

“As instituições políticas tradicionais são cada vez menos criveis – disse Zygmunt Bauman – porque não ajudam a solucionar os problemas com que os cidadãos se viram envolvidos de repente. Produziu-se um abismo entre as democracias (o que as pessoas votaram), e os diktats impostos pelos mercados – que engolem os direitos sociais das pessoas, os seus direitos fundamentais”.
Estamos assistindo à grande batalha do Mercado contra o Estado. Chegamos a um ponto em que o Mercado, na sua ambição totalitária, quer controlar tudo: a economia, a política, a cultura, a sociedade, os indivíduos… E agora, associado aos meios de comunicação de massas que funcionam como o seu aparelho ideológico, o Mercado deseja também desmantelar o edifício dos avanços sociais, aquilo a que chamamos: “Estado de bem-estar”.

Está em jogo algo fundamental: a igualdade de oportunidades. Por exemplo, privatiza-se de forma silenciosa (ou seja: transfere-se para o mercado), a educação. Com os cortes, vai-se criar uma educação pública de baixo nível, na qual as condições serão estruturalmente difíceis, tanto para os professores como para os alunos. O ensino público terá cada vez mais dificuldades para estimular a emergência de jovens de origem humilde. Em troca, para as famílias ricas, a educação privada vai seguramente crescer. Vão-se criar de novo categorias sociais privilegiadas, que acederão aos postos de comando. E outras, que só terão acesso aos postos de obediência. É intolerável.

Nesse sentido, a crise provavelmente atua como o choque, de que fala a socióloga Naomi Klein no seu livro A Doutrina do Choque (2): utiliza-se o desastre econômico para permitir que a agenda do neoliberalismo se realize. Criaram-se mecanismos para vigiar e manter sob controle as democracias nacionais. Aplicam-se (como está acontecendo na Espanha e ocorreu antes na Irlanda, Portugal ou na Grécia), ferozes “programas de ajuste”, supervisionados por uma nova autoridade: atroika, composta pelo Fundo Monetário Internacional, a Comissão Europeia e o Banco Central Europeu: instituições não democráticas, cujos membros não são eleitos pelo povo. Instituições que não representam os cidadãos.

Estas instituições – com o apoio dos meios de comunicação de massas, que obedecem aos interesses de grupos de pressão econômicos, financeiros e industriais – são encarregadas de criar as ferramentas de controle que reduzem a democracia a um teatro de sombras e de aparências. Com a cumplicidade dos grandes partidos de governo. Que diferença há entre a política de cortes praticada, na Espanha, por Rodríguez Zapatero e Mariano Rajoy? Muito pouca. Ambos curvaram-se servilmente aos especuladores financeiros e obedeceram cegamente às consignas eurocráticas. Ambos liquidaram a soberania nacional. Nenhum dos dois tomou qualquer decisão política para pôr um freio à irracionalidade dos mercados. Ambos consideraram que, face aosdiktatsde Berlim e ao ataque dos especuladores, a única solução consiste – à semelhança de um rito antigo e cruel – em sacrificar à população, como se o tormento infligido às sociedades pudesse acalmar a ganância dos mercados.

Em semelhante contexto, os cidadãos têm a possibilidade de reconstruir a política e de regenerar a democracia? Sem dúvida. O protesto social não para crescer. E os movimentos sociais reivindicativos vão-se multiplicar. Por agora, a sociedade ainda crê que esta crise é um acidente e as coisas voltarão rapidamente a ser como eram. É uma miragem. Quando tomar consciência de que isso não ocorrerá e de que os ajustes não são “de crise”, mas estruturais – então o protesto social alcançará um nível importante.

Que exigirão os que vão protestar? Nosso amigo Zygmunt Bauman é claro: “Devemos construir um novo sistema político que permita um novo modelo de vida e uma nova e verdadeira democracia do povo”. Que estamos esperando?

* Ignacio Ramonet é jornalista, editor do Le Monde Diplomatique, edição espanhola, e presidente da rede Memória das Lutas – Medelu.
Para ler todos os seus artigos em Outras Palavras, clique aqui
(1) No quadro do Fórum Social organizado durante o Festival Rototom Sunsplash, em Benicàssim (Castellón) de 16 a 23 de agosto de 2012.
(2) Naomi Klein, A doutrina do choque: ascensão do capitalismo de desastre. Nova Fronteira, Rio de Janeiro.
Tradução: Antonio Martins

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Quando o Estado A$$a$$ino faz doaçõe$ nada como à$ açõe$! – por Latuff

Fonte: http://twitpic.com/photos/CarlosLatuff

Drogas: Estado, (anti)proibicionismo, (anti)capitalismo - Por Júlio Delmanto [*]

Drogas: Estado, (anti)proibicionismo, (anti)capitalismo

Não é porque identificamos uma inevitabilidade do mercado e do Estado que temos de trabalhar com estratégias que os fortaleçam. Lidar com isso é um dos principais desafios do movimento antiproibicionista. Por Júlio Delmanto [*]

Este texto nasce a partir de uma série de debates realizados a respeito do Estado no interior do Coletivo Desentorpecendo a Razão (DAR) [1]. Apesar de se alimentar da discussão coletiva, a idéia aqui não é fazer uma síntese do pensamento presente no DAR, uma vez que este é bastante amplo e diverso, mas sim expor nossos debates atuais tanto para ajudar na compreensão do antiproibicionismo por parte de outros setores da esquerda como para, quem sabe, fomentar uma troca de formulações e experiências a respeito da prática política autônoma e suas relações com o Estado.
Forjada a partir de interesses econômicos, políticos e morais de determinados setores estadunidenses, e depois implementada globalmente a partir da sinergia destes paradigmas com necessidades locais de controle social, a proibição das drogas finalmente passa por um momento de questionamento cada vez mais amplo. Da Rede Globo ao PSTU, passando por intelectuais, cientistas, artistas e políticos, diversos novos atores juntam-se a, ou ao menos apóiam, um movimento que antes era formado praticamente apenas por usuários de maconha. Até entre aqueles que não têm nas liberdades individuais e no direito ao próprio corpo uma preocupação central cresce o entendimento de quantas mortes, prisões e arbítrios estão no pacote proibicionista de suposta defesa da saúde pública.

Mesmo com o também crescente poder político do pensamento conservador e religioso no Brasil, a entrada de novos atores neste debate e um contexto internacional de abertura de alternativas [2] levam a que não seja exagero coadunar com a afirmação do estadunidense Ethan Nadelmann, que após ver a proposta de legalização da maconha derrotada por pequena margem em plebiscito na Califórnia, em 2010, declarou que a dúvida não é mais em relação a se um dia legalizaremos as drogas, mas quando. Acrescentemos o que talvez seja, se não mais, no mínimo igualmente importante: e como.

Articulado na negativa da proibição, como o próprio nome bem diz, o antiproibicionismo congrega na prática uma ampla gama de proposições, atuações e enfoques, com diversos graus de convergência e diálogo. Desde os defensores da legalização para o livre mercado [3] aos influenciados pelo pensamento anarquista, defensores da “deslegalização”, passando pelos estatizantes ou defensores apenas do uso científico ou medicinal, há grande diversidade neste campo. Deixando de lado, por enquanto, a alternativa de legalização sob livre mercado, ou legalização liberal, avaliemos aqui duas propostas relevantes com enfoque de esquerda, como as do professor de História e trotskista Henrique Carneiro – um dos precursores do antiproibicionismo no Brasil – e a do pesquisador de relações internacionais e anarquista Thiago Rodrigues.

Legalização ou desregulamentação?
No artigo Legalização e controle estatal de todas as drogas para a constituição de um fundo social para a saúde pública, Henrique Carneiro parte inicialmente da caracterização das drogas em “três circuitos de circulação” na sociedade contemporânea: “o das substâncias ilícitas, o das lícitas de uso recreacional e o das lícitas de uso terapêutico”. Sua proposta é de que os três “devem ser objeto de um tipo de empreendimento que não permita a intensificação do estímulo contínuo ao consumo e, consequentemente, lucros sempre crescentes, inerentes ao interesse privado”, com a criação de um “fundo social”, “constituído com o faturamento de um mercado legalizado e estatizado de produção de drogas psicoativas em geral, tanto as ilícitas como as legais”.
Já Thiago Rodrigues, membro do Núcleo de Sociabilidade Libertária (Nu-Sol), grupo identificado com a tradição do anarquismo individualista, critica tanto a postura proibicionista – incluída aí a descriminalização apenas do consumo, qualificada de “proibicionismo renovado” por manter o tráfico criminalizado – quanto as alternativas de legalização, sejam liberais ou estatizantes. No artigo Drogas e liberação: enunciadores insuportáveis, por exemplo, aponta: “Em todos os casos mencionados — proibicionismo com enfoque na demanda, políticas de redução de danos, descriminalização, legalização estatizante ou liberal— percebe-se um ímpeto que contesta em graus variados o proibicionismo. No entanto, nenhuma das propostas foge à mesma lógica em que repousa a Proibição; todos estão no campo da normatização”.

Rodrigues prossegue: “O inconteste avanço com relação à Proibição esbarra na vontade de produzir outras estruturas e padrões que não se pode perceber como necessariamente favoráveis ao consumo de drogas”. “Nas medidas de redução de danos, o fatalismo referente ao uso de drogas norteia as ações [4]; nas reformas de descriminalização, o usuário é enredado por redes mais sutis que as grades do sistema prisional, mas não deixa de sê-lo; na defesa da legalização pela via do monopólio estatal, há a possibilidade de um controle potencializado dos usuários e na legalização liberal, uma redução do uso de psicoativos em termos utilitários e individualistas. O direito, terreno onde se cristalizam as demandas morais, segue sendo o agenciador a mediar a relação entre os indivíduos e as drogas psicoativas; razão pela qual se pode pressupor o porquê da grande difusão destas visões alternativas como legítimos vetores críticos ao proibicionismo”.

Para o autor, a legalização “não levantaria as guardas deste Estado provedor de vida, mas, em sentido oposto, tornaria mais sofisticada a normalização dos corpos ao produzir novos lugares, circuitos e identidades”. Sua proposta segue a linha de Thomas Szasz: “Nem proibir, tampouco permitir; simplesmente desregulamentar”.

Nota-se, portanto, que, querendo ou não, de uma forma ou de outra, deparamos inevitavelmente com o debate a respeito do Estado, sendo a compreensão deste um elemento importante em relação a uma tomada de posição a respeito de qual o melhor caminho “pós proibicionista” a ser defendido e almejado.

Estado? Que Estado?
Inicialmente, as proposições de Thiago Rodrigues parecem mais próximas às concepções anticapitalistas com as quais dialoga o DAR e sua trajetória. “O Estado é a forma na qual os indivíduos de uma classe dominante fazem valer seus interesses”, sintetizaram Marx e Engels em A ideologia alemã, que definiram também o Estado como “garantia de propriedade e interesses burgueses”.

Entendendo o Estado como necessariamente, e não apenas ocasional ou atualmente, a serviço da dominação e da exploração, Rodrigues formula sua alternativa em diálogo com a visão de John Holloway, para quem “o Estado está limitado e condicionado por existir somente como parte de uma rede de relações sociais. Essa rede se centra, de maneira crucial, na forma como o trabalho está organizado. O fato do trabalho estar organizado sobre a forma capitalista significa que o que o Estado faz ou pode fazer está limitado e condicionado pela necessidade de manter o sistema de organização capitalista do qual é parte” [5].

O diálogo é implícito mas facilmente identificável, uma vez que tanto Rodrigues como Holloway são tributários da concepção foucaultiana do Estado como prática, como conjunto de relações congeladas, mas não como lócus único do poder. Poder que não se detém, se exerce, segundo o filósofo francês, estando assim presente no Estado, sim, mas também disseminado pela sociedade em diferentes formas e intensidades. Como aponta Holloway, diante da constatação da multiplicidade das relações de poder deve corresponder uma multiplicidade de resistências, que visem não a tomada do poder estatal mas a diluição mesma do poder.
Em sua prática, o Coletivo DAR tem caminhado próximo a estas concepções no sentido de entender essa funcionalidade estrutural do Estado e, talvez sobretudo, essa “universalidade do normativo” que Foucault aponta em Vigiar e punir, lembrando a “onipresença dos dispositivos de disciplina” em uma sociedade em que “há juízes da normalidade em toda parte”: “Estamos na sociedade do professor-juiz, do médico-juiz, do educador-juiz, do assistente-social-juiz; todos fazem reinar a universalidade do normativo; e cada um no ponto em que se encontra aí submete o corpo, os gestos, os comportamentos, as condutas, as aptidões, os desempenhos”.

Elegemos assim como elemento central no planejamento de nossas ações e prioridades a busca por uma mudança de mentalidade, pela disseminação do entendimento de liberdade para além do enfoque nas instituições como meios de transformação, implicitamente corroborando a definição que Holloway dá ao papel que elas cumprem, o de canalizar a revolta.

Diante da universalidade do normativo nos parece apropriada a busca por alternativas que retirem do Estado a legitimidade para controlar corpos e vontades, mesmo que em um ambiente não proibitivo. No entanto, a proposição de Rodrigues parece esquecer de um “pequeno” detalhe: o capitalismo. Se é em seus marcos que estamos discutindo as possibilidades de transformação das políticas de drogas, não nos parece prudente olvidar o mercado nesta discussão.
Não à toa, no texto acima citado, Rodrigues fia-se diversas vezes em escritos do psiquiatra estadunidense Thomas Szasz, representante da tradição ultraliberal daquele país, defensor do mercado como única entidade regulamentadora legítima da atividade humana [6]. Uma “deslegalização” não significaria na prática uma legalização liberal, com o mercado provendo todas as substâncias para os consumidores, mas da forma que o horizonte do lucro considerar mais adequada? O exemplo da indústria tabagista, e das inúmeras substâncias tóxicas adicionadas ao tabaco na busca pelo máximo lucro, é bem ilustrativo de como a liberdade apregoada pelo mercado pode significar imposição de condutas aos consumidores.

Henrique Carneiro provavelmente afirmaria que não diverge da descrição do Estado feita por Marx e Engels, e que sabe bem a que interesses ele serve, mas que não é capaz de fazer como Rodrigues e alinhar-se, mesmo que involuntariamente, aos interesses do mercado. Sua defesa da legalização com forte controle estatal inclusive podia parecer a mais improvável até que o presidente uruguaio a apresentasse ao Congresso do país neste ano, defendendo que o Estado deste pequeno país passe a ter o monopólio da distribuição e da venda de maconha legal a seus cidadãos [7].

Mas de que Estado fala Henrique Carneiro quando defende controle estatal? Do mesmo Estado brasileiro que é o terceiro que mais encarcera pessoas no mundo e certamente um dos que mais assassina? Não estaria aqui o professor incorrendo no que Holloway classifica como “noção instrumental do Estado”?

Para o pensador irlandês radicado no México, os movimentos revolucionários marxistas “sempre foram conscientes da natureza capitalista do Estado”, mas têm uma visão “instrumental” acerca dessa natureza: instrumento da classe capitalista. Para ele, a noção de instrumento implicaria que a relação entre Estado e capitalistas seria externa, isolando o Estado de seu contexto, fetichizando-o, abstraindo-o da rede de relações de poder onde está imerso. “O erro dos movimentos marxistas revolucionários não foi negar a natureza capitalista do Estado, e sim compreender de maneira equivocada o grau de integração do Estado na rede de relações sociais capitalistas”, aponta Holloway.

Assim, diante da proposta de Henrique surgem algumas dúvidas. A primeira dela foi comentada acima, ou seja, é possível que o Estado, por sua própria natureza, exerça um tipo de controle que não esteja marcado por sua “integração na rede de relações sociais capitalistas”? Pode o Estado servir como contraponto ao arbítrio do mercado sendo ele mesmo parte dessa história?
E mais: é desejável que o Estado cumpra essa função? Se estamos com Marx, e entendemos o Estado como parte desta separação entre auto-atividade humana e produção da vida material, como garantidor da divisão social do trabalho e da propriedade privada, como fiador da falsa dicotomia entre político e econômico, por que o elegeríamos como o mecanismo de controle social do mercado das drogas hoje ilícitas? Por que fortaleceríamos um mecanismo que na prática joga todo o tempo contra nós?
Avaliando o que classifica como “novas governabilidades” na América Latina, resultado da potência dos movimentos sociais e também da intenção das elites em reconstituírem a crise do modelo de dominação, Raul Zibechi descreve no artigo A arte de governar os movimentos sociais [8] um cenário em que novas formas de controle buscam não mais tentar impedir, através da força, o crescimento dos movimentos populares, mas sim colocar em jogo outros elementos a fim de que o fenômeno que eles representam se anule em si mesmo. Neste contexto, o autor mostra a importância para o Estado das estratégias de diálogo e construção de políticas públicas junto aos movimentos sociais.

Este “compartilhamento de espaço-tempos” geraria um duplo reconhecimento: por um lado está o Estado reconhecendo a importância e o peso dos movimentos, mas por outro, e não menos importante, estão os movimentos reconhecendo e legitimando as novas governabilidades estatais.
Investindo no Estado o poder de legislar sobre nossas condutas privadas, o poder de legislar sobre nossos corpos, não estamos agindo de forma análoga a este duplo reconhecimento? Reconhece o Estado nosso direito a ingerir o que bem entendermos, mas nós reconhecemos também o direito deste Estado a proceder desta forma, a dizer o que podemos ou não fazer, e como.

Além disso, se a proposta de Rodrigues parece ter se “esquecido” do mercado, a de Carneiro tampouco lida com o papel simbólico de zelar pelo “interesse público” que o Estado diz exercer. Por que o Estado investiria na produção de substâncias alteradoras de consciência se não dá conta nem de prover educação e saúde para a população? Como justificar isso? Uma resposta poderia ser: “sim, também defendo a estatização da saúde, da educação, do transporte, etc.” Seria essa nossa alternativa de combate ao domínio do mercado, o fortalecimento de um super-Estado? Onde fica a emancipação humana nessa história, ela pode conviver com o Estado?

Por fim, última objeção: se deixamos ao Estado a prerrogativa de legislar sobre esse mercado, deixamos a ele também o direito de reprimir os que fujam das regras estabelecidas? Não deixamos aberto assim um flanco para a criminalização seletiva de setores sociais, uma vez que qualquer criminalização é sempre seletiva? Por que acreditar que um Estado penal que encarcera seletiva e arbitrariamente os setores indesejados de sua população procederia de maneira justa e parcimoniosa apenas no âmbito da regulamentação das drogas? E ainda que o fizesse, optaríamos por fortalecê-lo mesmo sabendo como são seus procedimentos com todo o restante da aplicação da Justiça?

Inconclusões
Bom, ok, a proposta de Thiago Rodrigues parece interessante ao retirar a legitimidade estatal, mas problemática ao lidar com o mercado; a de Henrique Carneiro parece interessante ao retirar a legitimidade do mercado, mas problemática ao fortalecer o Estado. O que fazer então?
Uma espécie de “terceira via” pode ser representada pelo modelo das cooperativas, muito fortes na Espanha, por exemplo. Como a lei do país já permite um número mínimo de pés de maconha para cultivo e consumo pessoal, diversos usuários se juntam em cooperativas sem fins lucrativos nas quais cada um utiliza-se desse limite pessoal de forma coletiva. Por não funcionar como uma empresa, a cooperativa não incentiva o consumo nem o propagandeia. Além disso, garante a qualidade do produto e o envolvimento do usuário no processo de produção. Por não ser uma iniciativa estatal, é passível de menos controle e nem conta com investimento “público”.

O modelo é interessante, poderia até apontar para concepções autogestionárias, no entanto parece improvável que possa dar conta de uma produção em larga escala, necessária diante de tamanha demanda global. Além disso, quanto mais fechada uma alternativa mais margem ela abre para o surgimento de mercados ilegais, invariavelmente regidos pela violência. Onde ficam os consumidores de drogas que simplesmente não querem ter uma ligação “não alienada” com o processo de produção de sua substância preferida? São obrigados a se engajarem no processo de produção e se não o quê? Havendo essa demanda não haverá oferta ilegal? Não se pode almejar aqui a saída holandesa de regulamentação da compra e do consumo em determinados locais, mas em paralelo à incoerente manutenção da criminalização da produção. Além disso, como ficam as substâncias cuja produção é sintética, que não envolvem essa tradição de cultivo e essa relação com as plantas que coca e cannabis representam?

Obviamente que qualquer das alternativas apresentadas representa um enorme avanço em relação à atual conjuntura proibicionista, sendo portanto a luta pelo fim da guerra às drogas o foco principal do movimento. Antiproibicionismo, articulado na negativa da proibição. Parece evidente também que, diante da atual conjuntura, não haverá alternativa que consiga “fugir” seja do Estado seja do mercado, a não ser que esperássemos sentadinhos o fim do capitalismo para aí pensar como queremos que se dêem produção, distribuição e consumo das substâncias psicoativas.

Analisar essa realidade não significa necessariamente aceitá-la, e muito menos colaborar com ela. Não é porque identificamos uma inevitabilidade do mercado e do Estado no presente momento que temos de trabalhar com estratégias que os fortaleçam. Lidar com isso certamente é um dos principais desafios do movimento antiproibicionista, e ainda há pouco debate e pensamento a respeito dessas questões em seu interior. Cogitamos que, para além do antiproibicionismo, talvez nos esteja colocada a demanda da construção de um antiproibicionismo anticapitalista.
No texto já citado, Raul Zibechi esboça alguns pontos que parecem interessantes de serem aplicados aqui. Podem ser um bom ponto de partida para que um debate mais estratégico seja feito pelo movimento, ampliando também o diálogo com outros setores da esquerda. Zibechi propõe: 1) compreender as novas governabilidades em toda a sua complexidade. Como resultado de nossas lutas mas também como uma tentativa de nos destruir. 2) Proteger nossos espaços e territórios da atuação estatal. 3) Não nos somarmos à agenda do poder, criar nossa própria agenda. 4) Delimitar campos, a fim de deixar bem claro até que ponto iniciativas com outros setores podem ser benéficas. 5) Não tomar a unidade como horizonte fundamental, pensando nas resistências múltiplas como positivas e no risco da unidade surgir como imposição, como freio aos movimentos de abajo.

Como apontou um texto do DAR do começo deste ano, vivemos um momento dúbio em relação ao debate de drogas, em que por um lado cresce o movimento, mas por outro fortalecem-se também os velhos ideais conservadores que formaram e sustentam nosso país. Nossa importante vitória frente às absurdas proibições e nosso fortalecimento convivem com a militarização crescente, que se agrava na onda dos megaeventos, com o imenso peso político de grupos religiosos praticamente fundamentalistas e com o caráter repressivo de alternativas supostamente médicas, como a internação compulsória de usuários de crack, ganhando cada vez mais espaço nas políticas públicas. Se queremos uma mudança de fato, e não apenas uma “revolução passiva” na qual os de cima absorvam os desejos de mudança provenientes de setores populares e movimentos sociais, a fim não de implementá-los em sua totalidade mas de contê-los, ao aceitá-los parcialmente, em sua lógica, certamente devemos avançar na compreensão não só do chão que estamos pisando mas do horizonte que norteia nossa caminhada.

Notas
[*] Jornalista, mestrando em História Social. Membro do Coletivo DAR e da Marcha da Maconha São Paulo.
[1] Nascido em 2009 através da articulação de ativistas de diferentes trajetórias políticas e acadêmicas, o Coletivo DAR é uma organização do chamado movimento antiproibicionista, conjunto de entidades, indivíduos, redes e articulações que questionam a proibição das substâncias psicoativas tornadas ilícitas há cerca de um século. Um dos organizadores da Marcha da Maconha de São Paulo, o grupo busca em sua atuação cotidiana ampliar o enfoque presente na defesa apenas da legalização da maconha, feita pela Marcha, tentando não só debater o proibicionismo em relação a todas as substâncias mas também conectar a busca por sua transformação às formulações e agendas de outros movimentos sociais. Com o tempo consolidou-se em nossas formulações e em nossa prática a compreensão de que não basta um trato justo às drogas em um mundo injusto, cabendo a nós também nos preocuparmos com lutas que visem transformações sistêmicas, levando-nos portanto à definição do DAR como um coletivo antiproibicionista e também anticapitalista.
[2] Ver, por exemplo, os casos de Chile, Colômbia, Uruguai, Estados Unidos. O tema ganhou atenção também na Cúpula das Américas, realizada em abril de 2012.
[3] O caso mais emblemático talvez seja o de George Soros, financiador de longa data de diversas campanhas e iniciativas contra a guerra às drogas.
[4] Neste ponto, o autor mostra desconhecimento em relação à amplitude do que se costuma classificar como “redução de danos”, partindo do equivocado pressuposto de que as técnicas de redução de danos primam pela busca da abstinência, quando em verdade partem da premissa de que há e sempre haverá consumo de drogas, cabendo às ações públicas ou privadas primarem pela informação e pela busca de um uso o mais seguro e consciente possível. A mentalidade da redução de danos, por partir de uma concepção das drogas como definidas por seu uso, e não a priori negativa, faz com que esse tipo de pensamento seja completamente oposto à abordagem proibicionista tradicional.
[5] Baseamo-nos aqui na versão em espanhol de Mudar o mundo sem tomar o poder, obra publicada em português pela Editora Boitempo. A tradução é livre e provavelmente pouco exata. A previsão é de que seja lançado neste ano no Brasil o novo livro de Holloway, Crack capitalism, pela editora Publisher, obra na qual ele busca avançar na proposição de transformação não ancorada na tomada do Estado, formulando a defesa da criação de “fendas” como forma de minar o sistema a partir de focos múltiplos de resistência e autonomia.
[6] No livro Nuestro derecho a las drogas, por exemplo, Szasz critica a guerra às drogas por permitir que produtores tenham suas terras expropriadas quando constatada produção de substâncias ilícitas. Assim, para Szasz, a guerra às drogas chega a ser “literalmente uma guerra contra a propriedade”.
[7] Interessante, e importante, notar aqui que a proposta de Carneiro é menos estatista do que a do presidente Pepe Mujica, uma vez que enquanto este defende o monopólio estatal, num primeiro momento sem previsão sequer de legalidade para a produção própria para consumo pessoal, o professor defende apenas o “controle estatal do grande atacado e produção”, dando espaço em sua proposta a “um campo imenso de iniciativas individuais, familiares, comunitárias e microempresarias que poderiam ser não só mantidas, mas estimuladas no campo do cultivo e da produção dessas substâncias. Tanto bebidas como vinhos, cervejas ou aguardentes, como cultivadores de fumos de qualidade, ou de “canabicultores”, deveriam ser estimulados com apoio creditício e fiscal”.
[8] Em espanhol El arte de gobernar los movimientos sociales, tradução livre. O artigo está no livro Los movimientos sociales y el poder; la otra campaña y la coyuntura política mexicana, publicado em 2007.

Cerco policial e prisões no aniversário de Ocupa Wall Street – por David Brooks

Cerco policial e prisões no aniversário de Ocupa Wall Street
Wall Street foi colocada sob sítio, em um dia de ações de protesto, desobediência civil, baile e música para celebrar o aniversário de um ano de nascimento do movimento Ocupa Wall Street. Na verdade, quem ocupou toda a periferia de Wall Street foi a polícia, para impedir que os manifestantes “ocupassem” essa famosa rua, símbolo do mundo financeiro. Ao final do dia já havia cerca de 180 prisões, muitas delas realizadas de maneira arbitrária.

Nova York - Wall Street foi colocada sob sítio, segunda-feira (17), em um dia de ações de protesto, desobediência civil, baile e música para celebrar o aniversário de um ano de nascimento do movimento Ocupa Wall Street. Na verdade, quem ocupou toda a periferia de Wall Street foi a polícia, para impedir que os manifestantes “ocupassem” essa famosa rua, símbolo do mundo financeiro deste país. Assim como ocorreu há um ano, mesmo antes de iniciar suas ações, às sete horas da manhã, o movimento Ocupa já havia conseguido seu objetivo graças à polícia e às autoridades: Wall Street ficou ocupada.

Durante toda a manhã, contingentes organizados em torno dos grandes temas do movimento – dívida, meio ambiente, educação e saúde -, formados por todo tipo de integrantes (Ocupa Fé – de religiosos -, veteranos de guerra pela paz, sindicalistas e trabalhadores, estudantes, entre outros) realizaram o que chamaram de “redemoinhos” ao redor do perímetro de segurança com a Bolsa de Valores no centro, avançando de maneira simultânea desde diversos pontos, a passo veloz, para se encontrarem no centro (e mostrar simbolicamente as inter-relações entre temas e setores), o que provocou certo alarme entre milhares de policiais.

Alguns deles estavam liderados por bandas de percussão e metal, outros por títeres e bandeiras de todo tipo, mas, como se tratava de um aniversário, também havia balões, faixas com mensagens de felicitações e até um grande boneco que dizia: as entranhas da besta. Também estava presente a brigadas das avós pela paz, outros que se identificaram como pacifistas indignados, os que iam dançando pelas ruas e os cartazes onde se lia: eu sou Spartacus, ajudem a despertar todos os demais.

Também havia integrantes dos Ocupa de Vermont, da Virgínia, de Oakland, Los Angeles, Houston e outros lugares. Com eles chegaram mensagens de Feliz Aniversário, vindas de várias partes do país. Ao mesmo tempo, várias pessoas lembraram que essa luta se inspira e faz parte de outras mobilizações na Europa, no mundo árave, Chile, México e Canadá. A Fundação Don Sergio Méndez Arceo (do México) enviou uma saudação aos Ocupa por ocasião de seu primeiro aniversário.

Ao final do dia já havia cerca de 180 prisões, muitas delas realizadas de maneira arbitrária, executadas por ações policiais desenhadas mais para intimidar que para deter delinquentes ou para manter a ordem (havia policiais de uma unidade para controle de tumultos). A forte presença de policiais a pé, a cavalo, em motos, patrulhas, caminhões e helicópteros para proteger as sedes de bancos, da Bolsa de Valores, de empresas financeiras de Wall Street – ou seja, as instituições do um por cento – ante várias centenas de civis desarmados, comprometidos com atos de não violência (não foi relatada nenhuma ação violenta da parte deles) manifestando-se em nome dos 99%, foi talvez a imagem que melhor define o que ocorreu.

Até o símbolo da fortaleza da indústria financeira, o touro de Wall Street (que está no final da Broadway), estava cercado por completo com barreiras de segurança, protegidas por policiais contra bandas de música, balões, bailarinas, estudantes, trabalhadores, religiosos, veteranos e outras ameaças que circulavam por essa zona. Entre os primeiros detidos da manhã estava o ex-bispo George Packer, da famosa e poderosa Igreja Trinity, que vigia a entrada de Wall Street, com muitos outros veteranos pacifistas e outros ativistas detidos em momentos de desobediência civil para fechar a Broadway e outras ruas.

Algumas destas cenas evocaram uma imagem do mural de Diego Rivera em Belas Artes: O homem controlador do universo, criada há 80 anos para ser colocada no Rockfeller Center desta cidade, disse ao La Jornada o antropólogo Charles Goff, de Cuernavaca, que documentava o dia de protestos em Nova York. Em sua parte superior esquerda, o mural mostra policiais a cavalo reprimindo uma manifestação de trabalhadores por justiça econômica em Wall Street, com o pico da Igreja Trinity ao fundo.

Na noite de segunda, a Praça Liberdade (parque Zuccotti), sede do famoso acampamento dos Ocupa, voltou a ficar cheio um ano depois sob um forte esquema de segurança para assegurar que os manifestantes não instalassem materiais para acampar. Neste local foram realizadas assembleias populares e fóruns com a utilização do microfone do povo, o microfone humano, para avaliar o dia e discutir o futuro do movimento, enquanto esperavam ser expulsos do parque pela polícia.

Não se sabe qual será o futuro do Ocupa, tema de grande debate dentro e fora de suas fileiras, mas não resta dúvida de que foi o nascimento de uma nova geração de ativistas e um renascimento para outras gerações de lutadores sociais, que terá um efeito multiplicador ao longo do país daqui para frente. O eco deste movimento ressoa nos velhos muros e edifícios da zona financeira e, obviamente, - a julgar pelo aparato de segurança – continua provocando alarme entre os mais poderosos dos Estados Unidos.

Tradução: Katarina Peixoto
Fotos: Xinhua/La Jornada

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Conheça a história de um nipo-americano que foi infiltrado pela polícia dos EUA para espionar o movimento negro dos anos 60 - Por Seth Rosenfeld

Conheça a história de um nipo-americano que foi infiltrado pela polícia dos EUA para espionar o movimento negro dos anos 60
Richard Masato Aoki, um descendente de japoneses que foi notório colaborador do movimento revolucionário Panteras Negras na década de 60, era um informante do FBI disfarçado de acordo com um ex-agente da organização e um relatório do próprio FBI analisado pelo Center for Investigative Reporting, parceiro da Pública.

Um dos ativistas radicais de mais destaque da época, Aoki se orgulhava de suas habilidades de luta de rua. Foi membro de vários grupos radicais antes de se juntar aos Panteras Negras. Depois de seu suicídio em 2009, tornou-se reverenciado como um destemido radical.

Mas sem o conhecimento de seus colegas ativistas, o nipo-americano servia ao governo do EUA como informante da inteligência do FBI, secretamente arquivando relatórios sobre uma ampla gama de grupos políticos dos arredores de São Francisco, no norte da Califórnia.
O agente que o recrutou, Burney Threadgill Jr, diz ter se aproximado de Aoki no final dos anos 1950, quando este estava se formando no colegial da Berkeley High School. Perguntou então se Aoki gostaria de se juntar a grupos de esquerda e relatar suas atividades ao FBI. “Era meu informante. Eu o treinei,” diz Threadgill. “Era uma das nossas melhores fontes.”

Antes disso, o policial diz ter perguntado o que Aoki achava da União Soviética, e ouviu que o jovem não tinha interesse no comunismo. “Eu disse, ‘bem, por que você não vai a algumas das reuniões e me diz quem estava lá e sobre o que eles falaram?’ Um sujeitinho muito agradável”, relembra Threadgill.

O trabalho de Aoki para o FBI, nunca antes relatado, foi revelado durante a pesquisa para o livro “Subversivos: A guerra do FBI contra estudantes radicais e a ascensão de Reagan”, publicado nos Estados Unidos no último dia 21 de agosto.
Em uma entrevista para o livro em 2007 este repórter perguntou se Aoki fora informante do FBI. Após um longo silêncio, ele respondeu: “ ’Oh’ é tudo o que eu posso dizer.” Perguntado se o repórter estava enganado, o nipo-americano respondeu: “Eu acho que você está (…) As pessoas mudam. É complexo. Camada sobre camada.”

Mais tarde, informações liberadas pelo FBI em resposta a um pedido feito pela lei de Acesso à Informação dos EUA reveleram que um relatório de inteligência sobre os Panteras Negras, datado de 16 de novembro de 1967, lista Aoki como “informante”, sob o código “T-2”.

Em Berkeley, no final dos anos 60, Aoki usava o cabelo para trás, exibia óculos de sol mesmo à noite e falava com gírias do gueto. Seu comportamento destemido intimidava até seus companheiros radicais. “Ele era arrogante até a lua,” lembrou a ex-ativista Victoria Wong.

Das gangues de rua para o Exército
Aoki nasceu em San Leandro, Califórnia, em 1938. Era o primeiro de dois filhos. Quando tinha quatro anos, durante a Segunda Guerra Mundial, sua família foi enviada para Topaz, no estado de Utah, com milhares de outros nipo-americanos. A mudança acabou com a família. Seu pai se tornou criminoso e os abandonou. E a mãe mudou-se de volta com os filhos para Berkeley, na região de São Francisco, em uma área que conhecida como Little Yokohama antes de se tornar um bairro negro.
Ali Aoki entrou para uma gangue, onde se tornaria excelente lutador de rua. Roubava lojas, assaltava casas e roubava peças de carros. Foi preso diversas vezes por “coisas pequenas”, como definiu em uma entrevista de 2007. Ainda assim, se saiu bem na escola e no ensino médio na Berkeley High School. Alistou-se no Exército americano co o sonho de se tornar o primeiro general nipo-americano, mas serviu apenas por um ano em serviço ativo, além de sete anos como reservista.

Nesta época, porém, tornou-se especialista em armas de fogo. “Eu pude brincar com todos os brinquedos que eu queria,” disse em uma entrevista. “Pistolas, rifles, metralhadoras, morteiros, lança-foguetes.”

Estar na reserva deu a ele bastante tempo livre. Foi assim que ele se tornou profundamente envolvido com organizações políticas de esquerda a mando do FBI, segundo o agente aposentado Threadgill: “Ele só se envolveu nessas atividades porque o usamos como informante”.

Segundo ele, primeiro Aoki reuniu informações sobre o Partido Comunista e depois se focou no Partido dos Trabalhadores Socialistas e na juventude afiliada ao partido, alvo de uma intensiva investigação do FBI nos anos 60. Aoki participava em todos. Foi eleito para o conselho executivo da Aliança Socialista Jovem de Berkeley, tornou-se membro do Partido dos Trabalhadores Socialistas, chegou à direção do Comitê para Defender o Direito de Viajar. Em 1965, se juntou ao Comitê do Dia do Vietnã, um influente grupo contra a guerra, atuando no seu comitê internacional.

“Eu ligava pra ele e dizia ‘quando você quer me encontrar?’”, relembrou Threadgill. “Eu dizia ‘eu encontro você na esquina das ruas tal e tal.’ Estacionava umas duas quadras longe do ponto de encontro, e ia conversar com ele.”

Depois de 1965, Threadgill mudou-se de escritório do FBI, mas segundo ele Aoki continuou sendo informante. Foi nesta época que o nipo-americano conheceu Huey Newton, um estudante de direito, e Bobby Seale, estudante de engenharia, atuantes no grupo político chamado Conselho Consultivo Alma de Estudantes. Tornaram-se tão próximos que, em outubro de 1966, Seale e Newton escreveram no apartamento de Aoki em Berkeley, entre bebidas e discussões acaloradas, um rascunho do programa do que se tornaria o Partido dos Panteras Negras para Defesa Pessoal. O programa exigia habitação, educação e emprego, um freio ao “roubo de nossa comunidade negra pelos capitalistas” e o “fim imediato à brutalidade da polícia”.

Fornecendo as primeiras armas aos Panteras Negras
Logo depois Aoki forneceu aos Panteras as suas primeiras armas. “No final de novembro de 1966, fomos encontrar um irmão do terceiro mundo que conhecíamos, um japonês radical. Ele tinha armas (…) Magnum .357, .22, 9mm (…). Dissemos a ele que se fosse um revolucionário de verdade era melhor que nos desse as armas porque precisávamos delas para começar a educação das pessoas e travar uma luta revolucionária. Então ele nos deu uma Magnum e uma 9mm”, registrou Bobby Seale em seu livro de memórias.
No início de 1967, Aoki se juntou aos Panteras Negras e trouxe consigo mais armas, além de treinamento sobre como manejá-las. “Eu tinha uma pequena coleção, e Bobby e Huey sabiam disso, então quando o partido se formou, eu decidi entregá-las para o grupo,” disse Aoki em entrevista em 2007. “Quando você vê os caras lá marchando e tudo, eu fui de algum modo responsável pela inclinação militar da imagem pública da organização.”

No início de 1967, os Panteras mostraram armas durante suas “patrulhas comunitárias”, que pretendiam defender a comunidade da violência polícia na cidade de Oakland; e também em um protesto diante da Assembleia Legislativa naquele ano. Ficaram conhecidos pelos confrontos com a polícia na cidade de Oakland naquele ano.

Mas, enquanto dava armas aos Panteras, Aoki também estava informando o FBI.
M. Wesley Swearingen, um agente do FBI aposentado, confirmou sob juramento que Aoki tinha sido um informante. Swearingen serviu no FBI de 1951 a 1977 e trabalhou em um esquadrão que investigava os Panteras. “Alguém como Aoki é perfeito para estar no Partido dos Panteras Negras, porque, como você vê, ele é japonês. Ninguém que ele é um informante”, disse.

Swearingen também afirmou que o FBI deve ter mais arquivos sobre o trabalho de Aoki como informante especial – mas estes arquivos permanecem secretos. “Para isso, Aoki nem precisava ser membro do partido. Se ele simplesmente conhecesse Huey Newton e Bobby Seale e fosse almoçar com eles todos os dias, o FBI já teria uma ficha completa dele.”

No fim dos anos 60 e início dos 70, o FBI buscou romper e “neutralizar” os Panteras Negras sob um programa secreto de contrainteligência chamado o COINTELPRO, de acordo com relatórios de um comitê do senado americano. O FBI usou informantes que levaram a diversas apreensões de armamentos dos Panteras em Chicago, Detroit, San Diego e Washington. No final de 1969, pelo menos 28 Panteras haviam sido mortos em confrontos armados com a polícia, e muito mais haviam sido presos por porte de armas.

No final de 1968, o presidente Hoover declarou que os Panteras representavam “a maior ameaça à segurança interna do país.”

Suicídio
Aoki se suicidou em 2009 com um tiro em sua casa, na cidade de Berkeley, depois de conviver durante anos com uma doença. Depois da sua morte, foi tema de um documentário e uma biografia intitulada “Um Samurai entre os Panteras”. No seu velório, Bobby Seale, junto com  outros ativistas, saudaram Aoki como um “líder destemido e servo do povo.”
Não houve nenhuma menção  sobre seu trabalho com o FBI. “Isso é algo muito chocante de ouvir,” disse seu companheiro de ativismo e amigo próximo, Harvey Dong, propcurado pela reportagem.  “Quer dizer, é uma grande surpresa para mim.”

Antes de se matar, conta Dong, Aoki estendera em seu apartamento dois uniformes bem passados. Um deles era a jaqueta de couro, boina e calças escuras dos Panteras Negras. O outro era seu uniforme do Exército dos Estados Unidos.

Texto basedo em reportagem do Center for Investigative ReportingClique aqui para ler o original em inglês.