quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Fogo nas Favelas de São Paulo - por Eduardo Marinho

Em todas as cidades os mais pobres são obrigados a flutuar para as periferias, à medida em que as cidades vão crescendo e "se desenvolvendo". Remoções, expulsões, pressões de todos os tipos, ameaças, coações, os mais pobres são tratados a cacete, quando estão no caminho dos poderosos, da especulação imobiliária, da indústria do turismo, do lucro de qualquer tipo.
No Rio de Janeiro, a pretexto do projeto "Porto Maravilha", virou rotina a sinistra incursão noturna das forças públicas nas ocupações da região, onde famílias desabrigadas ocuparam, ao longo de décadas, os prédios abandonados pelo poder público e por grandes empresários, que se dedicavam à exploração do desenvolvimento da zona oeste, Barra da Tijuca, São Conrado, Recreio dos Bandeirantes... onde há um enorme e triste histórico de remoções. Agora os olhos cobiçosos se voltam para o centro "histórico" e seu potencial turístico e cultural. Milhares de famílias atiradas à própria sorte, algumas poucas com ridículas indenizações ou absurdas instalações feitas de qualquer maneira, lá longe, apenas pra sair na mídia como prova de que o poder público estava cumprindo o seu papel. A área portuária só pôde conservar sua arquitetura por causa do desinteresse, do abandono a que foi relegada essa região da cidade, enquanto se explorava o "potencial imobiliário" das valorizadas terras do litoral oeste. Se sua cobiça estivesse no centro, certamente não haveria mais nada a preservar - a consciência cultural, histórica, social e humana dessas pessoas está em seus bolsos, em suas contas bancárias, em seu patrimônio e seu poder sobre as instituições públicas.
Em São Paulo, nos últimos governos, foi aberta a temporada caça aos pobres. Desabrigados do centro foram obrigados a sumir de vista, debaixo de pancadas, prisões, jatos de água no frio do inverno. As remoções de comunidades pobres evoluíram até a sucessão de incêndios nas favelas. Foram 79, no ano passado. Este ano, já se contam 32. Ontem, no bairro Campo Belo, a favela do Piolho queimou. Foram trezentas casas, mais de mil pessoas desabrigadas. O bairro é valorizado, pertinho do aeroporto de Congonhas. Um fenômeno paulistano, essa freqüência de incêndios em favelas. Paulistano e contemporâneo. Claro, já houve incêndios em comunidades pobres, alguns não criminosos, acidentes de verdade. Mas a seqüência de São Paulo me dá conta da segurança esquizofrênica da promiscuidade público-privada, tratando descaradamente a população como mercadoria, como gado ou como entulho.
No blog do Miro, Altamiro Borges faz dez perguntas sobre os incêndios nas favelas, muito bem colocadas.  http://altamiroborges.blogspot.com.br/2012/09/incendios-em-favelas-dez-perguntas.html

São Paulo ilustra o massacre promovido pelos poderes "privado-públicos" em cima das populações mais pobres, extensas massas humanas, por todo o planeta, com algumas poucas exceções. Onde existe resistência, como em vários países da América Latina, há mudanças, devidamente escondidas ou deformadas pela mídia comercial - em combate frontal a qualquer sociedade onde empresas não controlem os governos, mentindo, difamando, debochando, caluniando, desinformando, plantando alienação e criminalizando qualquer movimento de esclarecimento, conscientização e defesa da maioria das populações.

A existência da pobreza, da miséria, da ignorância, do abandono deixa claro o nível da sociedade em que vivemos e faz das suas pompas e solenidades ridículos rituais sem conteúdo, encenações de falsas superioridades e honrarias sem significado. Títulos e graduações são responsabilidades sociais, mas são vistos pelos medíocres de espírito como fator de superioridade pessoal. E assim aplicados na vida prática, construindo, consentindo e colaborando com essa estrutura social injusta, perversa, covarde, ecocida, genocida e suicida.

Quem trabalha em sua própria conscientização, conscientiza o mundo. Quem quer conscientizar sem começar por si próprio, só atrapalha e desacredita o processo de conscientização.

Eduardo Marinho (Fonte: http://observareabsorver.blogspot.com.br/)

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