Drogas: Estado, (anti)proibicionismo, (anti)capitalismo
Não é porque identificamos uma inevitabilidade do mercado e do Estado que temos de trabalhar com estratégias que os fortaleçam. Lidar com isso é um dos principais desafios do movimento antiproibicionista. Por Júlio Delmanto [*]
Este texto nasce a partir de uma série de debates realizados a respeito do Estado no interior do Coletivo Desentorpecendo a Razão (DAR) [1]. Apesar de se alimentar da discussão coletiva, a idéia aqui não é fazer uma síntese do pensamento presente no DAR, uma vez que este é bastante amplo e diverso, mas sim expor nossos debates atuais tanto para ajudar na compreensão do antiproibicionismo por parte de outros setores da esquerda como para, quem sabe, fomentar uma troca de formulações e experiências a respeito da prática política autônoma e suas relações com o Estado.
Forjada a partir de interesses econômicos, políticos e morais de determinados setores estadunidenses, e depois implementada globalmente a partir da sinergia destes paradigmas com necessidades locais de controle social, a proibição das drogas finalmente passa por um momento de questionamento cada vez mais amplo. Da Rede Globo ao PSTU, passando por intelectuais, cientistas, artistas e políticos, diversos novos atores juntam-se a, ou ao menos apóiam, um movimento que antes era formado praticamente apenas por usuários de maconha. Até entre aqueles que não têm nas liberdades individuais e no direito ao próprio corpo uma preocupação central cresce o entendimento de quantas mortes, prisões e arbítrios estão no pacote proibicionista de suposta defesa da saúde pública.
Mesmo com o também crescente poder político do pensamento conservador e religioso no Brasil, a entrada de novos atores neste debate e um contexto internacional de abertura de alternativas [2] levam a que não seja exagero coadunar com a afirmação do estadunidense Ethan Nadelmann, que após ver a proposta de legalização da maconha derrotada por pequena margem em plebiscito na Califórnia, em 2010, declarou que a dúvida não é mais em relação a se um dia legalizaremos as drogas, mas quando. Acrescentemos o que talvez seja, se não mais, no mínimo igualmente importante: e como.
Articulado na negativa da proibição, como o próprio nome bem diz, o antiproibicionismo congrega na prática uma ampla gama de proposições, atuações e enfoques, com diversos graus de convergência e diálogo. Desde os defensores da legalização para o livre mercado [3] aos influenciados pelo pensamento anarquista, defensores da “deslegalização”, passando pelos estatizantes ou defensores apenas do uso científico ou medicinal, há grande diversidade neste campo. Deixando de lado, por enquanto, a alternativa de legalização sob livre mercado, ou legalização liberal, avaliemos aqui duas propostas relevantes com enfoque de esquerda, como as do professor de História e trotskista Henrique Carneiro – um dos precursores do antiproibicionismo no Brasil – e a do pesquisador de relações internacionais e anarquista Thiago Rodrigues.
Legalização ou desregulamentação?
No artigo Legalização e controle estatal de todas as drogas para a constituição de um fundo social para a saúde pública, Henrique Carneiro parte inicialmente da caracterização das drogas em “três circuitos de circulação” na sociedade contemporânea: “o das substâncias ilícitas, o das lícitas de uso recreacional e o das lícitas de uso terapêutico”. Sua proposta é de que os três “devem ser objeto de um tipo de empreendimento que não permita a intensificação do estímulo contínuo ao consumo e, consequentemente, lucros sempre crescentes, inerentes ao interesse privado”, com a criação de um “fundo social”, “constituído com o faturamento de um mercado legalizado e estatizado de produção de drogas psicoativas em geral, tanto as ilícitas como as legais”.
Já Thiago Rodrigues, membro do Núcleo de Sociabilidade Libertária (Nu-Sol), grupo identificado com a tradição do anarquismo individualista, critica tanto a postura proibicionista – incluída aí a descriminalização apenas do consumo, qualificada de “proibicionismo renovado” por manter o tráfico criminalizado – quanto as alternativas de legalização, sejam liberais ou estatizantes. No artigo Drogas e liberação: enunciadores insuportáveis, por exemplo, aponta: “Em todos os casos mencionados — proibicionismo com enfoque na demanda, políticas de redução de danos, descriminalização, legalização estatizante ou liberal— percebe-se um ímpeto que contesta em graus variados o proibicionismo. No entanto, nenhuma das propostas foge à mesma lógica em que repousa a Proibição; todos estão no campo da normatização”.
Rodrigues prossegue: “O inconteste avanço com relação à Proibição esbarra na vontade de produzir outras estruturas e padrões que não se pode perceber como necessariamente favoráveis ao consumo de drogas”. “Nas medidas de redução de danos, o fatalismo referente ao uso de drogas norteia as ações [4]; nas reformas de descriminalização, o usuário é enredado por redes mais sutis que as grades do sistema prisional, mas não deixa de sê-lo; na defesa da legalização pela via do monopólio estatal, há a possibilidade de um controle potencializado dos usuários e na legalização liberal, uma redução do uso de psicoativos em termos utilitários e individualistas. O direito, terreno onde se cristalizam as demandas morais, segue sendo o agenciador a mediar a relação entre os indivíduos e as drogas psicoativas; razão pela qual se pode pressupor o porquê da grande difusão destas visões alternativas como legítimos vetores críticos ao proibicionismo”.
Para o autor, a legalização “não levantaria as guardas deste Estado provedor de vida, mas, em sentido oposto, tornaria mais sofisticada a normalização dos corpos ao produzir novos lugares, circuitos e identidades”. Sua proposta segue a linha de Thomas Szasz: “Nem proibir, tampouco permitir; simplesmente desregulamentar”.
Nota-se, portanto, que, querendo ou não, de uma forma ou de outra, deparamos inevitavelmente com o debate a respeito do Estado, sendo a compreensão deste um elemento importante em relação a uma tomada de posição a respeito de qual o melhor caminho “pós proibicionista” a ser defendido e almejado.
Estado? Que Estado?
Inicialmente, as proposições de Thiago Rodrigues parecem mais próximas às concepções anticapitalistas com as quais dialoga o DAR e sua trajetória. “O Estado é a forma na qual os indivíduos de uma classe dominante fazem valer seus interesses”, sintetizaram Marx e Engels em A ideologia alemã, que definiram também o Estado como “garantia de propriedade e interesses burgueses”.
Entendendo o Estado como necessariamente, e não apenas ocasional ou atualmente, a serviço da dominação e da exploração, Rodrigues formula sua alternativa em diálogo com a visão de John Holloway, para quem “o Estado está limitado e condicionado por existir somente como parte de uma rede de relações sociais. Essa rede se centra, de maneira crucial, na forma como o trabalho está organizado. O fato do trabalho estar organizado sobre a forma capitalista significa que o que o Estado faz ou pode fazer está limitado e condicionado pela necessidade de manter o sistema de organização capitalista do qual é parte” [5].
O diálogo é implícito mas facilmente identificável, uma vez que tanto Rodrigues como Holloway são tributários da concepção foucaultiana do Estado como prática, como conjunto de relações congeladas, mas não como lócus único do poder. Poder que não se detém, se exerce, segundo o filósofo francês, estando assim presente no Estado, sim, mas também disseminado pela sociedade em diferentes formas e intensidades. Como aponta Holloway, diante da constatação da multiplicidade das relações de poder deve corresponder uma multiplicidade de resistências, que visem não a tomada do poder estatal mas a diluição mesma do poder.
Em sua prática, o Coletivo DAR tem caminhado próximo a estas concepções no sentido de entender essa funcionalidade estrutural do Estado e, talvez sobretudo, essa “universalidade do normativo” que Foucault aponta em Vigiar e punir, lembrando a “onipresença dos dispositivos de disciplina” em uma sociedade em que “há juízes da normalidade em toda parte”: “Estamos na sociedade do professor-juiz, do médico-juiz, do educador-juiz, do assistente-social-juiz; todos fazem reinar a universalidade do normativo; e cada um no ponto em que se encontra aí submete o corpo, os gestos, os comportamentos, as condutas, as aptidões, os desempenhos”.
Elegemos assim como elemento central no planejamento de nossas ações e prioridades a busca por uma mudança de mentalidade, pela disseminação do entendimento de liberdade para além do enfoque nas instituições como meios de transformação, implicitamente corroborando a definição que Holloway dá ao papel que elas cumprem, o de canalizar a revolta.
Diante da universalidade do normativo nos parece apropriada a busca por alternativas que retirem do Estado a legitimidade para controlar corpos e vontades, mesmo que em um ambiente não proibitivo. No entanto, a proposição de Rodrigues parece esquecer de um “pequeno” detalhe: o capitalismo. Se é em seus marcos que estamos discutindo as possibilidades de transformação das políticas de drogas, não nos parece prudente olvidar o mercado nesta discussão.
Não à toa, no texto acima citado, Rodrigues fia-se diversas vezes em escritos do psiquiatra estadunidense Thomas Szasz, representante da tradição ultraliberal daquele país, defensor do mercado como única entidade regulamentadora legítima da atividade humana [6]. Uma “deslegalização” não significaria na prática uma legalização liberal, com o mercado provendo todas as substâncias para os consumidores, mas da forma que o horizonte do lucro considerar mais adequada? O exemplo da indústria tabagista, e das inúmeras substâncias tóxicas adicionadas ao tabaco na busca pelo máximo lucro, é bem ilustrativo de como a liberdade apregoada pelo mercado pode significar imposição de condutas aos consumidores.
Henrique Carneiro provavelmente afirmaria que não diverge da descrição do Estado feita por Marx e Engels, e que sabe bem a que interesses ele serve, mas que não é capaz de fazer como Rodrigues e alinhar-se, mesmo que involuntariamente, aos interesses do mercado. Sua defesa da legalização com forte controle estatal inclusive podia parecer a mais improvável até que o presidente uruguaio a apresentasse ao Congresso do país neste ano, defendendo que o Estado deste pequeno país passe a ter o monopólio da distribuição e da venda de maconha legal a seus cidadãos [7].
Mas de que Estado fala Henrique Carneiro quando defende controle estatal? Do mesmo Estado brasileiro que é o terceiro que mais encarcera pessoas no mundo e certamente um dos que mais assassina? Não estaria aqui o professor incorrendo no que Holloway classifica como “noção instrumental do Estado”?
Para o pensador irlandês radicado no México, os movimentos revolucionários marxistas “sempre foram conscientes da natureza capitalista do Estado”, mas têm uma visão “instrumental” acerca dessa natureza: instrumento da classe capitalista. Para ele, a noção de instrumento implicaria que a relação entre Estado e capitalistas seria externa, isolando o Estado de seu contexto, fetichizando-o, abstraindo-o da rede de relações de poder onde está imerso. “O erro dos movimentos marxistas revolucionários não foi negar a natureza capitalista do Estado, e sim compreender de maneira equivocada o grau de integração do Estado na rede de relações sociais capitalistas”, aponta Holloway.
Assim, diante da proposta de Henrique surgem algumas dúvidas. A primeira dela foi comentada acima, ou seja, é possível que o Estado, por sua própria natureza, exerça um tipo de controle que não esteja marcado por sua “integração na rede de relações sociais capitalistas”? Pode o Estado servir como contraponto ao arbítrio do mercado sendo ele mesmo parte dessa história?
E mais: é desejável que o Estado cumpra essa função? Se estamos com Marx, e entendemos o Estado como parte desta separação entre auto-atividade humana e produção da vida material, como garantidor da divisão social do trabalho e da propriedade privada, como fiador da falsa dicotomia entre político e econômico, por que o elegeríamos como o mecanismo de controle social do mercado das drogas hoje ilícitas? Por que fortaleceríamos um mecanismo que na prática joga todo o tempo contra nós?
Avaliando o que classifica como “novas governabilidades” na América Latina, resultado da potência dos movimentos sociais e também da intenção das elites em reconstituírem a crise do modelo de dominação, Raul Zibechi descreve no artigo A arte de governar os movimentos sociais [8] um cenário em que novas formas de controle buscam não mais tentar impedir, através da força, o crescimento dos movimentos populares, mas sim colocar em jogo outros elementos a fim de que o fenômeno que eles representam se anule em si mesmo. Neste contexto, o autor mostra a importância para o Estado das estratégias de diálogo e construção de políticas públicas junto aos movimentos sociais.
Este “compartilhamento de espaço-tempos” geraria um duplo reconhecimento: por um lado está o Estado reconhecendo a importância e o peso dos movimentos, mas por outro, e não menos importante, estão os movimentos reconhecendo e legitimando as novas governabilidades estatais.
Investindo no Estado o poder de legislar sobre nossas condutas privadas, o poder de legislar sobre nossos corpos, não estamos agindo de forma análoga a este duplo reconhecimento? Reconhece o Estado nosso direito a ingerir o que bem entendermos, mas nós reconhecemos também o direito deste Estado a proceder desta forma, a dizer o que podemos ou não fazer, e como.
Além disso, se a proposta de Rodrigues parece ter se “esquecido” do mercado, a de Carneiro tampouco lida com o papel simbólico de zelar pelo “interesse público” que o Estado diz exercer. Por que o Estado investiria na produção de substâncias alteradoras de consciência se não dá conta nem de prover educação e saúde para a população? Como justificar isso? Uma resposta poderia ser: “sim, também defendo a estatização da saúde, da educação, do transporte, etc.” Seria essa nossa alternativa de combate ao domínio do mercado, o fortalecimento de um super-Estado? Onde fica a emancipação humana nessa história, ela pode conviver com o Estado?
Por fim, última objeção: se deixamos ao Estado a prerrogativa de legislar sobre esse mercado, deixamos a ele também o direito de reprimir os que fujam das regras estabelecidas? Não deixamos aberto assim um flanco para a criminalização seletiva de setores sociais, uma vez que qualquer criminalização é sempre seletiva? Por que acreditar que um Estado penal que encarcera seletiva e arbitrariamente os setores indesejados de sua população procederia de maneira justa e parcimoniosa apenas no âmbito da regulamentação das drogas? E ainda que o fizesse, optaríamos por fortalecê-lo mesmo sabendo como são seus procedimentos com todo o restante da aplicação da Justiça?
Inconclusões
Bom, ok, a proposta de Thiago Rodrigues parece interessante ao retirar a legitimidade estatal, mas problemática ao lidar com o mercado; a de Henrique Carneiro parece interessante ao retirar a legitimidade do mercado, mas problemática ao fortalecer o Estado. O que fazer então?
Uma espécie de “terceira via” pode ser representada pelo modelo das cooperativas, muito fortes na Espanha, por exemplo. Como a lei do país já permite um número mínimo de pés de maconha para cultivo e consumo pessoal, diversos usuários se juntam em cooperativas sem fins lucrativos nas quais cada um utiliza-se desse limite pessoal de forma coletiva. Por não funcionar como uma empresa, a cooperativa não incentiva o consumo nem o propagandeia. Além disso, garante a qualidade do produto e o envolvimento do usuário no processo de produção. Por não ser uma iniciativa estatal, é passível de menos controle e nem conta com investimento “público”.
O modelo é interessante, poderia até apontar para concepções autogestionárias, no entanto parece improvável que possa dar conta de uma produção em larga escala, necessária diante de tamanha demanda global. Além disso, quanto mais fechada uma alternativa mais margem ela abre para o surgimento de mercados ilegais, invariavelmente regidos pela violência. Onde ficam os consumidores de drogas que simplesmente não querem ter uma ligação “não alienada” com o processo de produção de sua substância preferida? São obrigados a se engajarem no processo de produção e se não o quê? Havendo essa demanda não haverá oferta ilegal? Não se pode almejar aqui a saída holandesa de regulamentação da compra e do consumo em determinados locais, mas em paralelo à incoerente manutenção da criminalização da produção. Além disso, como ficam as substâncias cuja produção é sintética, que não envolvem essa tradição de cultivo e essa relação com as plantas que coca e cannabis representam?
Obviamente que qualquer das alternativas apresentadas representa um enorme avanço em relação à atual conjuntura proibicionista, sendo portanto a luta pelo fim da guerra às drogas o foco principal do movimento. Antiproibicionismo, articulado na negativa da proibição. Parece evidente também que, diante da atual conjuntura, não haverá alternativa que consiga “fugir” seja do Estado seja do mercado, a não ser que esperássemos sentadinhos o fim do capitalismo para aí pensar como queremos que se dêem produção, distribuição e consumo das substâncias psicoativas.
Analisar essa realidade não significa necessariamente aceitá-la, e muito menos colaborar com ela. Não é porque identificamos uma inevitabilidade do mercado e do Estado no presente momento que temos de trabalhar com estratégias que os fortaleçam. Lidar com isso certamente é um dos principais desafios do movimento antiproibicionista, e ainda há pouco debate e pensamento a respeito dessas questões em seu interior. Cogitamos que, para além do antiproibicionismo, talvez nos esteja colocada a demanda da construção de um antiproibicionismo anticapitalista.
No texto já citado, Raul Zibechi esboça alguns pontos que parecem interessantes de serem aplicados aqui. Podem ser um bom ponto de partida para que um debate mais estratégico seja feito pelo movimento, ampliando também o diálogo com outros setores da esquerda. Zibechi propõe: 1) compreender as novas governabilidades em toda a sua complexidade. Como resultado de nossas lutas mas também como uma tentativa de nos destruir. 2) Proteger nossos espaços e territórios da atuação estatal. 3) Não nos somarmos à agenda do poder, criar nossa própria agenda. 4) Delimitar campos, a fim de deixar bem claro até que ponto iniciativas com outros setores podem ser benéficas. 5) Não tomar a unidade como horizonte fundamental, pensando nas resistências múltiplas como positivas e no risco da unidade surgir como imposição, como freio aos movimentos de abajo.
Como apontou um texto do DAR do começo deste ano, vivemos um momento dúbio em relação ao debate de drogas, em que por um lado cresce o movimento, mas por outro fortalecem-se também os velhos ideais conservadores que formaram e sustentam nosso país. Nossa importante vitória frente às absurdas proibições e nosso fortalecimento convivem com a militarização crescente, que se agrava na onda dos megaeventos, com o imenso peso político de grupos religiosos praticamente fundamentalistas e com o caráter repressivo de alternativas supostamente médicas, como a internação compulsória de usuários de crack, ganhando cada vez mais espaço nas políticas públicas. Se queremos uma mudança de fato, e não apenas uma “revolução passiva” na qual os de cima absorvam os desejos de mudança provenientes de setores populares e movimentos sociais, a fim não de implementá-los em sua totalidade mas de contê-los, ao aceitá-los parcialmente, em sua lógica, certamente devemos avançar na compreensão não só do chão que estamos pisando mas do horizonte que norteia nossa caminhada.
Notas
[*] Jornalista, mestrando em História Social. Membro do Coletivo DAR e da Marcha da Maconha São Paulo.
[1] Nascido em 2009 através da articulação de ativistas de diferentes trajetórias políticas e acadêmicas, o Coletivo DAR é uma organização do chamado movimento antiproibicionista, conjunto de entidades, indivíduos, redes e articulações que questionam a proibição das substâncias psicoativas tornadas ilícitas há cerca de um século. Um dos organizadores da Marcha da Maconha de São Paulo, o grupo busca em sua atuação cotidiana ampliar o enfoque presente na defesa apenas da legalização da maconha, feita pela Marcha, tentando não só debater o proibicionismo em relação a todas as substâncias mas também conectar a busca por sua transformação às formulações e agendas de outros movimentos sociais. Com o tempo consolidou-se em nossas formulações e em nossa prática a compreensão de que não basta um trato justo às drogas em um mundo injusto, cabendo a nós também nos preocuparmos com lutas que visem transformações sistêmicas, levando-nos portanto à definição do DAR como um coletivo antiproibicionista e também anticapitalista.
[2] Ver, por exemplo, os casos de Chile, Colômbia, Uruguai, Estados Unidos. O tema ganhou atenção também na Cúpula das Américas, realizada em abril de 2012.
[3] O caso mais emblemático talvez seja o de George Soros, financiador de longa data de diversas campanhas e iniciativas contra a guerra às drogas.
[4] Neste ponto, o autor mostra desconhecimento em relação à amplitude do que se costuma classificar como “redução de danos”, partindo do equivocado pressuposto de que as técnicas de redução de danos primam pela busca da abstinência, quando em verdade partem da premissa de que há e sempre haverá consumo de drogas, cabendo às ações públicas ou privadas primarem pela informação e pela busca de um uso o mais seguro e consciente possível. A mentalidade da redução de danos, por partir de uma concepção das drogas como definidas por seu uso, e não a priori negativa, faz com que esse tipo de pensamento seja completamente oposto à abordagem proibicionista tradicional.
[5] Baseamo-nos aqui na versão em espanhol de Mudar o mundo sem tomar o poder, obra publicada em português pela Editora Boitempo. A tradução é livre e provavelmente pouco exata. A previsão é de que seja lançado neste ano no Brasil o novo livro de Holloway, Crack capitalism, pela editora Publisher, obra na qual ele busca avançar na proposição de transformação não ancorada na tomada do Estado, formulando a defesa da criação de “fendas” como forma de minar o sistema a partir de focos múltiplos de resistência e autonomia.
[6] No livro Nuestro derecho a las drogas, por exemplo, Szasz critica a guerra às drogas por permitir que produtores tenham suas terras expropriadas quando constatada produção de substâncias ilícitas. Assim, para Szasz, a guerra às drogas chega a ser “literalmente uma guerra contra a propriedade”.
[7] Interessante, e importante, notar aqui que a proposta de Carneiro é menos estatista do que a do presidente Pepe Mujica, uma vez que enquanto este defende o monopólio estatal, num primeiro momento sem previsão sequer de legalidade para a produção própria para consumo pessoal, o professor defende apenas o “controle estatal do grande atacado e produção”, dando espaço em sua proposta a “um campo imenso de iniciativas individuais, familiares, comunitárias e microempresarias que poderiam ser não só mantidas, mas estimuladas no campo do cultivo e da produção dessas substâncias. Tanto bebidas como vinhos, cervejas ou aguardentes, como cultivadores de fumos de qualidade, ou de “canabicultores”, deveriam ser estimulados com apoio creditício e fiscal”.
[8] Em espanhol El arte de gobernar los movimientos sociales, tradução livre. O artigo está no livro Los movimientos sociales y el poder; la otra campaña y la coyuntura política mexicana, publicado em 2007.
Fonte: http://passapalavra.info/
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