Naomi Klein: recuperando os bens comuns
O que é o "movimento antiglobalização"? (1) Coloco
a frase entre aspas porque tenho, imediatamente, duas dúvidas sobre isso. É
realmente um movimento? Se é um movimento, é antiglobalização? Deixe-me começar
com a primeira questão. Podemos facilmente nos convencer de que é um movimento,
ao trazê-lo à existência por falar dele em um fórum como esse - passo muito
tempo neles - agindo como se pudéssemos vê-lo, segurá-lo em nossas mãos. É
claro que já vimos isso - e sabemos que o movimento voltou ao Quebec e à
fronteira EUA-México durante a Cúpula das Américas e a discussão para uma Área
de Livre Comércio hemisférica. Mas então saímos de salas como essa, vamos para
casa, assistimos TV, fazemos algumas compras e qualquer sensação de que o
movimento existe desaparece e sentimos que talvez estamos ficando loucos.
Seattle… foi um movimento ou uma alucinação coletiva? Para a maioria de nós
aqui, Seattle significava uma espécie de festa de lançamento de um movimento de
resistência global, ou a 'globalização da esperança', como alguém descreveu
durante o Fórum Social Mundial em Porto Alegre. Mas para todos os outros,
Seattle ainda significa café espumoso ilimitado, culinária de fusão asiática,
bilionários de comércio eletrônico e filmes bobos de Meg Ryan. Ou talvez sejam
ambos, e uma Seattle criou a outra Seattle - e agora elas coexistem
desajeitadamente.
Esse movimento que às vezes invocamos tem muitos nomes:
anticorporativo, anticapitalista, antilivre-comércio, anti-imperialista. Muitos
dizem que começou em Seattle. Outros afirmam que isso começou quinhentos anos
atrás - quando os colonizadores disseram pela primeira vez aos povos indígenas
que teriam que fazer as coisas de maneira diferente se quisessem se
"desenvolver" ou se qualificar para o "comércio". Outros
ainda dizem que começou em 1 de janeiro de 1994, quando os zapatistas lançaram
seu levante com as palavras Ya Basta! na noite em que o NAFTA se tornou lei no
México. Tudo depende de a quem você pergunta. Mas acho que é mais preciso
imaginar um movimento de muitos movimentos - coalizões de coalizões. Hoje,
milhares de grupos estão trabalhando contra forças cujo fio comum é o que pode
ser descrito amplamente como a privatização de todos os aspectos da vida e a
transformação de todas as atividades e valores em mercadorias. Costumamos falar
da privatização da educação, da saúde e dos recursos naturais. Mas o processo é
muito mais vasto. Inclui a maneira como ideias poderosas são transformadas em
slogans publicitários e ruas públicas são transformadas em shopping centers;
novas gerações sendo alvo de propaganda desde o nascimento; escolas sendo
invadidas por anúncios; necessidades humanas básicas, como a água, sendo vendidas
como mercadoria; direitos trabalhistas básicos sendo revertidos; genes
patenteados e o surgimento de bebês projetados geneticamente: sementes são
geneticamente alteradas e compradas; políticos são comprados e modificados.
Ao mesmo tempo, existem linhas de oposição, que se formam em
muitas campanhas e movimentos diferentes. O espírito que eles compartilham é
uma recuperação radical dos bens comuns. À medida que nossos espaços comuns -
praças, ruas, escolas, fazendas, fábricas - são substituídos pelo mercado em
expansão, um espírito de resistência está se firmando em todo o mundo. As
pessoas estão reivindicando pedaços da natureza e da cultura e dizendo 'isso
vai ser um espaço público'. Estudantes norte-americanos estão expulsando
anúncios das salas de aula. Ambientalistas e ravers europeus estão dando festas
em cruzamentos movimentados. Camponeses tailandeses sem terra estão plantando
vegetais orgânicos em campos de golfe super irrigados. Trabalhadores bolivianos
estão revertendo a privatização de seu abastecimento de água. Serviços como o
Napster estão criando uma espécie de bem comum na internet, onde as crianças
podem trocar músicas umas com as outras, em vez de comprá-las de gravadoras
multinacionais. Outdoors foram liberados e redes independentes de mídia foram
criadas. Os protestos estão se multiplicando. Em Porto Alegre, durante o Fórum
Social Mundial, José Bové, muitas vezes caricaturado como o martelo do
McDonald's, viajou com ativistas locais do Movimento Sem Terra para um lugar de
teste da Monsanto, nas proximidades, onde destruíram três hectares de soja
geneticamente modificada. Mas o protesto não parou por aí. O MST ocupou a terra
e agora os membros estão plantando suas próprias colheitas orgânicas,
prometendo transformar a fazenda em um modelo de agricultura sustentável. Em
resumo, os ativistas não estão esperando a revolução, estão agindo agora, onde
vivem, onde estudam, onde trabalham, onde cultivam.
Mas algumas propostas formais também estão surgindo, cujo
objetivo é transformar essas reivindicações radicais dos bens comuns em lei.
Quando o NAFTA e acordos similares foram elaborados, houve muita conversa sobre
a adição de "acordos paralelos" à agenda de livre comércio, que
deveria abranger o meio ambiente, o trabalho e os direitos humanos. Agora, o
contra-ataque trata de eliminá-los. José Bové - juntamente com a Via Campesina,
uma associação global de pequenos agricultores - lançou uma campanha para
remover a segurança alimentar e produtos agrícolas de todos os acordos
comerciais, sob o lema 'O mundo não está à venda'. Eles querem desenhar uma
linha em torno dos bens comuns. Maude Barlow, diretora do Conselho dos
Canadenses, que tem mais membros do que a maioria dos partidos políticos no
Canadá, argumentou que a água não é um bem privado e não deveria estar em
nenhum acordo comercial. Há muito apoio para essa ideia, especialmente na
Europa, desde os recentes sustos com alimentos. Normalmente, essas campanhas
antiprivatização são iniciadas isoladamente. Mas elas também convergem
periodicamente - foi o que aconteceu em Seattle, Praga, Washington, Davos,
Porto Alegre e Quebec.
Além das fronteiras
O que isso significa é que o discurso mudou. Durante as
batalhas contra o NAFTA, surgiram os primeiros sinais de uma coalizão entre
trabalho organizado, ambientalistas, agricultores e grupos de consumidores nos
países em questão. No Canadá, muitos de nós sentimos que estávamos lutando para
manter algo distinto da "americanização" da nossa nação. Nos Estados
Unidos, a conversa foi muito protecionista: os trabalhadores estavam
preocupados com o fato de os mexicanos "roubarem" “nossos” empregos e
reduzirem “nossos” padrões ambientais. Durante todo o tempo, as vozes dos
mexicanos que se opunham ao acordo estavam praticamente fora do radar público -
mas essas eram as vozes mais fortes de todas. Mas apenas alguns anos depois, o
debate sobre o comércio foi transformado. A luta contra a globalização se
transformou em uma luta contra a ‘corporatização’ e, para alguns, contra o
próprio capitalismo. Também se tornou uma luta pela democracia. Maude Barlow
liderou a campanha contra o NAFTA no Canadá há doze anos. Desde que o NAFTA se
tornou lei, ela trabalha com organizadores e ativistas de outros países e
anarquistas desconfiados do Estado em seu próprio país. Ela já foi vista como o
rosto de um nacionalismo canadense. Hoje ela se afastou desse discurso.
"Eu mudei", ela diz, "eu costumava achar que essa luta era para
salvar a nação. Agora eu vejo que é para salvar a democracia”. Essa é uma causa
que transcende a nacionalidade e as fronteiras do Estado. A verdadeira notícia
de Seattle é que os organizadores de todo o mundo estão começando a ver suas
lutas locais e nacionais - por escolas públicas mais bem financiadas, contra a
destruição dos sindicatos e a precarização do trabalho, por fazendas familiares
e contra a crescente lacuna entre ricos e pobres - através de uma lente global.
Essa é a mudança mais significativa que vimos em anos.
Como isso aconteceu? Quem ou o que convocou esse novo movimento
internacional de pessoas? Quem enviou os memorandos? Quem construiu essas
coalizões complexas? É tentador fingir que alguém planejou um plano mestre de
mobilização em Seattle. Mas acho que foi muito mais uma questão de coincidência
em larga escala. Muitos grupos menores se organizaram para chegar lá e, para
surpresa deles, descobriram quão ampla e diversa era a coalizão da qual eles
haviam se tornado parte. Ainda assim, se há uma força que podemos agradecer por
criar essa frente, são as empresas multinacionais. Como observou um dos
organizadores do Reclaim the Streets, devemos agradecer aos CEOs por nos
ajudarem a ver os problemas mais rapidamente. Graças à pura ambição
imperialista do projeto corporativo neste momento da história - a busca
ilimitada pelo lucro, liberada pela desregulamentação comercial, e a onda de
fusões e aquisições, liberada pelas enfraquecidas leis antitruste - as
multinacionais ficaram ricas de forma tão ofuscante, sua propriedades são tão
vastas, seu alcance é tão global, que criaram nossas coalizões para nós.
Em todo o mundo, os ativistas estão carregando em seus
ombros as infraestruturas pré-montadas fornecidas pelas empresas globais. Isso
pode significar sindicalização transfronteiriça, mas também organização
intersetorial - entre trabalhadores, ambientalistas, consumidores e até
prisioneiros, que podem todos ter relações diferentes com uma multinacional.
Assim, você pode criar uma única campanha ou coalizão em torno de uma única
marca como a General Electric. Graças à Monsanto, os agricultores da Índia
estão trabalhando com ambientalistas e consumidores de todo o mundo para
desenvolver estratégias de ação direta que eliminam alimentos geneticamente
modificados nos campos e nos supermercados. Graças a Shell Oil e Chevron, ativistas
de direitos humanos na Nigéria, democratas na Europa, ambientalistas na América
do Norte se uniram em uma luta contra a insustentabilidade da indústria
petrolífera. Graças à decisão da gigante do setor de refeições,
Sodexho-Marriott, de investir na Corrections Corporation of America, [uma
empresa privada de administração de presídios], os estudantes universitários
podem protestar contra a crescente indústria prisional norte-americana com fins
lucrativos simplesmente boicotando a comida do restaurante do campus. Outros
alvos incluem empresas farmacêuticas que estão tentando inibir a produção e
distribuição de medicamentos de baixo custo para a Aids e cadeias de fast-food.
Recentemente, estudantes e trabalhadores rurais da Flórida uniram forças em torno
da Taco Bell. Na área de São Petersburgo [Flórida], trabalhadores rurais -
muitos deles imigrantes do México - recebem em média US$ 7.500 por ano para
colher tomates e cebolas. Devido a uma brecha na lei, eles não têm poder de
barganha: os chefes das fazendas se recusam a conversar com eles sobre
salários. Quando começaram a investigar quem comprava o que eles colhiam,
descobriram que a Taco Bell era o maior compradora dos tomates locais. Então
eles lançaram a campanha Yo No Quiero Taco Bell, juntamente com os alunos, para
boicotar a Taco Bell nos campi das universidades.
É a Nike, é claro, que mais ajudou no desenvolvimento dessa
nova marca de sinergia ativista. Os estudantes, que enfrentam o controle
corporativo de seus campi pelo logotipo da Nike, se associaram aos
trabalhadores que confeccionam suas roupas de marca, bem como aos pais
preocupados com comercialização da juventude e grupos de igrejas que fazem
campanha contra o trabalho infantil - todos unidos por seus diferentes
relacionamentos com um inimigo global comum. Expor o ponto fraco das marcas de
consumo de alto brilho municiou as narrativas iniciais desse movimento, uma
espécie de chamada e resposta às narrativas muito diferentes que essas empresas
contam todos os dias sobre si mesmas, por meio de publicidade e relações
públicas. O Citigroup oferece outro alvo principal, como a maior instituição
financeira da América do Norte, com inúmeras holdings, que lidam com alguns dos
piores malfeitores corporativos do mundo. A campanha contra ele reúne com
facilidade dezenas de questões - desde extração de madeira na Califórnia até
esquemas de oleoduto e petróleo no Chade e Camarões. Esses projetos são apenas
o começo. Mas eles estão criando um novo tipo de ativista: 'Nike é uma droga de
entrada' [que leva ao consumo de outras drogas mais pesadas], nas palavras da
estudante ativista do Oregon Sarah Jacobson.
Ao se concentrarem nas empresas, os organizadores podem
demonstrar com clareza quantas questões de justiça social, ecológica e
econômica estão interconectadas. Nenhum ativista que conheci acredita que a
economia mundial pode ser mudada gradualmente, uma corporação de cada vez, mas
as campanhas abriram uma porta para o mundo secreto do comércio e finanças
internacionais. Onde elas estão levando é para as instituições centrais que
escrevem as regras do comércio global: a OMC, o FMI, a ALCA e, para alguns, o
próprio mercado. Aqui também a ameaça unificadora é a privatização - a perda
dos bens comuns. A próxima rodada de negociações da OMC está projetada para
ampliar ainda mais o alcance da mercantilização. Por meio de acordos paralelos
como o GATS (Acordo Geral de Comércio e Serviços) e o TRIPS (Aspectos
Relacionados ao Comércio dos Direitos de Propriedade Intelectual), o objetivo é
obter ainda mais proteção dos direitos de propriedade sobre sementes e patentes
de medicamentos e comercializar serviços como assistência médica , educação e
abastecimento de água.
O maior desafio que enfrentamos é destilar tudo isso em uma mensagem amplamente
acessível. Muitos ativistas entendem as conexões, que unem as várias questões,
de maneira quase intuitiva - como o subcomandante Marcos diz: 'Zapatismo não é
uma ideologia, é uma intuição'. Mas, para quem está de fora, o mero escopo dos
protestos modernos pode ser um pouco confuso. Se você investigar o movimento
pelo lado de fora, que é o que a maioria das pessoas faz, é provável que ouça o
que parece ser uma cacofonia de slogans desarticulados, uma lista confusa de
demandas díspares sem objetivos claros. Na Convenção Nacional Democrata de Los
Angeles, no ano passado, lembro-me de estar do lado de fora do Staples Center
durante o concerto Rage Against the Machine [Fúria Contra a Máquina], pouco
antes de quase levar um tiro, e pensar que havia slogans para tudo e em todo
lugar, ao ponto de absurdo.
Falhas da ideologia dominante
Esse tipo de impressão é reforçado pela estrutura
descentralizada e não hierárquica do movimento, que sempre desconcerta a mídia
tradicional. Conferências de imprensa bem organizadas são raras, não há liderança
carismática, os protestos tendem a se sobrepor uns aos outros. Em vez de formar
uma pirâmide, como faz a maioria dos movimentos, com líderes no topo e
seguidores abaixo, parece mais uma teia elaborada. Em parte, essa estrutura
semelhante à um teia é o resultado da organização baseada na Internet. Mas é
também uma resposta às realidades políticas que provocaram os protestos em
primeiro lugar: o fracasso total da política partidária tradicional. Em todo o
mundo, os cidadãos têm trabalhado para eleger os partidos social-democratas e
dos trabalhadores, apenas para vê-los assumir sua impotência diante das forças
do mercado e das ordens do FMI. Nessas condições, os ativistas modernos não são
tão ingênuos a ponto de acreditar que a mudança virá da política eleitoral. É
por isso que eles estão mais interessados em desafiar as estruturas que tornam
a democracia ineficaz, como as políticas de ajuste estrutural do FMI, a
capacidade da OMC de substituir a soberania nacional, o financiamento de
campanhas corruptas e assim por diante. Isso não é apenas transformar uma
virtude em necessidade. Mas responde, no nível ideológico, a um entendimento de
que a globalização é essencialmente uma crise da democracia representativa. O
que causou essa crise? Uma das razões básicas para isso é a maneira como o
poder e a tomada de decisões foram levados a pontos cada vez mais distantes dos
cidadãos: de local a provincial, de provincial a nacional, de instituições
nacionais a internacionais, que carecem de toda transparência ou responsabilização.
Qual é a solução? Articular uma democracia participativa alternativa.
Se você pensa sobre a natureza das reclamações feitas contra
a Organização Mundial do Comércio, é que os governos de todo o mundo adotaram
um modelo econômico que envolve muito mais do que abrir fronteiras para bens e
serviços. É por isso que não é útil usar a linguagem da antiglobalização. A
maioria das pessoas realmente não sabe o que é globalização, e o termo torna o
movimento extremamente vulnerável a desqualificações das ações, como: 'Se você
é contra o comércio e a globalização, por que você bebe café?' Enquanto, na
realidade, o movimento é uma rejeição ao que está sendo amarrado junto com o
comércio e a chamada globalização - contra o conjunto de políticas políticas
transformadoras que todos os países do mundo são instados a aceitar para se
tornarem hospitaleiros ao investimento. Eu chamo este pacote de 'McGoverno'.
Essa feliz refeição de cortar impostos, privatizar serviços, liberalizar
regulamentações, exterminar sindicatos – para que serve essa dieta? Para
remover qualquer coisa que esteja no caminho do mercado. Deixe o mercado livre
rolar, e todos os outros problemas serão aparentemente resolvidos com os
benefícios que transbordarão para o resto da sociedade. Não se trata de
comércio. Trata-se de usar o comércio para aplicar a receita do McGoverno.
Portanto, a pergunta que estamos fazendo hoje, antes da
ALCA, não é: você é a favor ou contra o comércio? A questão é: temos o direito
de negociar os termos de nosso relacionamento com o capital e o investimento
estrangeiros? Podemos decidir como queremos nos proteger dos perigos inerentes
aos mercados desregulados - ou precisamos terceirizar essas decisões? Esses
problemas se tornarão muito mais agudos quando estivermos em recessão, porque
durante o crescimento econômico muito do que restava de nossa rede de segurança
social foi destruído. Durante um período de baixo desemprego, as pessoas não se
preocuparam muito com isso. É provável que eles fiquem muito mais preocupados
em um futuro muito próximo.
As questões mais controversas que a OMC enfrenta são essas questões sobre
autodeterminação. Por exemplo, o Canadá tem o direito de proibir um aditivo
nocivo da gasolina sem ser processado por uma empresa química estrangeira? Não
de acordo com a decisão da OMC em favor da Ethyl Corporation. O México tem o
direito de negar uma licença para um local perigoso de eliminação de resíduos
tóxicos? Não de acordo com a Metalclad, a empresa norte-americana está
processando o governo mexicano por danos de US$ 16,7 milhões sob o NAFTA. A
França tem o direito de proibir a entrada de carne bovina tratada com hormônios
no país? Não de acordo com os Estados Unidos, que revidaram proibindo
importações francesas como o queijo Roquefort - levando um fabricante de
queijos chamado Bové a destruir um McDonald's. Os norte-americanos pensaram que
ele simplesmente não gostava de hambúrgueres. A Argentina precisa cortar seu
setor público para se qualificar para empréstimos estrangeiros? Sim, de acordo com
o FMI - provocando greves gerais contra as consequências sociais. É o mesmo
problema em todos os lugares: trocar a democracia pelo capital estrangeiro.
Em escalas menores, as mesmas lutas pela autodeterminação e
sustentabilidade estão sendo travadas contra barragens do Banco Mundial,
exploração madeireira, pecuária e agricultura comerciais industriais e extração
de recursos em disputadas terras indígenas. A maioria das pessoas nesses
movimentos não é contra o comércio ou o desenvolvimento industrial. Eles estão
lutando pelo direito das comunidades locais de opinar sobre como seus recursos
são usados, para garantir que as pessoas que vivem na terra se beneficiem
diretamente de seu desenvolvimento. Essas campanhas são uma resposta não ao
comércio, mas a um compromisso que já tem quinhentos anos: o sacrifício do
controle democrático e a autodeterminação do investimento estrangeiro e a
panaceia do crescimento econômico. O desafio que eles enfrentam agora é mudar
um discurso em torno da vaga noção de globalização para um debate específico
sobre democracia. Em um período de 'prosperidade sem precedentes', foi dito às
pessoas que elas não tinham escolha a não ser cortar gastos públicos, revogar
leis trabalhistas, rescindir proteções ambientais - consideradas barreiras
comerciais ilegais – retirar os recursos de escolas, não construir moradias
populares. Tudo isso foi necessário para nos tornar prontos para o comércio,
favoráveis ao investimento e competitivos mundialmente. Imagine que alegrias
nos esperam durante uma recessão.
Precisamos ser capazes de mostrar que a globalização - essa
versão da globalização - foi construída às custas do bem-estar humano local.
Muitas vezes, essas conexões entre global e local não são feitas. Em vez disso,
às vezes parecemos ter dois ativismos isolados. Por um lado, há os ativistas
internacionais contra a globalização que podem estar desfrutando de um humor
triunfante, mas parecem estar lutando contra questões distantes, desconectadas
das lutas cotidianas das pessoas. Eles são frequentemente vistos como
elitistas: crianças brancas de classe média com dreadlocks. Por outro lado, há
ativistas comunitários que se ocupam diariamente das lutas pela sobrevivência
ou pela preservação dos serviços públicos mais elementares, que frequentemente
se sentem esgotados e desmoralizados. Eles estão dizendo: por que diabos vocês
estão tão animados?
O único caminho claro a seguir é que essas duas forças se
fundam. O que é agora o movimento antiglobalização deve se transformar em
milhares de movimentos locais, combatendo a maneira como a política neoliberal
está se desenvolvendo: sem-teto, estagnação salarial, escalada de aluguel,
violência policial, explosão de prisões, criminalização de trabalhadores
migrantes e assim por diante. São também lutas sobre todos os tipos de questões
prosaicas: o direito de decidir para onde vai o lixo local, de ter boas escolas
públicas, de ser abastecido com água limpa. Ao mesmo tempo, os movimentos
locais que lutam contra a privatização e a desregulamentação no local precisam
vincular suas campanhas a um grande movimento global, o que pode mostrar onde
seus problemas específicos se encaixam em uma agenda econômica internacional
aplicada em todo o mundo. Se essa conexão não for feita, as pessoas continuarão
desmoralizadas. O que precisamos é formular uma estrutura política que possa
assumir o poder e o controle corporativos e capacitar a organização e a
autodeterminação locais. Essa deve ser uma estrutura que incentive, celebre e
proteja ferozmente o direito à diversidade: diversidade cultural, diversidade
ecológica, diversidade agrícola - e sim, diversidade política também:
diferentes maneiras de fazer política. As comunidades devem ter o direito de
planejar e gerenciar suas escolas, seus serviços, seus ambientes naturais, de
acordo com suas próprias ideias. Obviamente, isso só é possível dentro de uma
estrutura de padrões nacionais e internacionais - educação pública, emissões de
combustíveis fósseis e assim por diante. Mas o objetivo não deve ser melhores
regras e governantes distantes, deve ser uma democracia próxima, no próprio
local. Os zapatistas têm uma frase para isso. Eles chamam de "um mundo com
muitos mundos". Alguns criticaram isso como uma ‘não resposta’ da Nova
Era. Eles querem um plano. ‘Sabemos o que o mercado quer fazer com esses
espaços, o que você quer fazer? Onde está o seu plano? 'Acho que não devemos
ter medo de dizer: “Isso não depende de nós”. Precisamos ter alguma confiança
na capacidade das pessoas de se governarem, de tomar as decisões que são
melhores para elas. Precisamos mostrar um pouco de humildade, onde agora há
tanta arrogância e paternalismo. Acreditar na diversidade humana e na
democracia local pode ser tudo menos insosso. Tudo no McGoverno conspira contra
elas. A economia neoliberal é tendenciosa em todos os níveis em direção à
centralização, consolidação e homogeneização. É uma guerra travada contra a
diversidade. Contra isso, precisamos de um movimento de mudança radical,
comprometido com um mundo único com muitos mundos, que se posicione por aquele
um ‘não’ e muitos ‘sim'.
*Esta é uma transcrição de uma palestra proferida no Centro de Teoria Social e
História Comparada da UCLA em abril de 2001.
**Publicado originalmente em 'New Left Review' | Tradução de César Locatelli
Fonte: https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Direitos-Humanos/Naomi-Klein-recuperando-os-bens-comuns/5/47963
segunda-feira, 29 de junho de 2020
Capitalismo e crise: o que o racismo tem a ver com isso? - Por Silvio Luiz de Almeida.
Capitalismo e crise: o que o racismo tem a ver
com isso?
A história do racismo moderno se entrelaça com a história das crises estruturais do capitalismo.
Há dois fatores sistematicamente negligenciados pelas analistas da atual crise econômica. O primeiro é o caráter estrutural e sistêmico da crise. Em geral, são destacados como motivos determinantes da crise os erros e ou excessos cometidos pelos agentes de mercado ou pelos governantes da vez. O caminho intelectual dessa explicação é o individualismo, o que reduz a crise a um problema moral e/ou jurídico. Desse modo, a avaliação da crise e suas graves conseqüências sociais – fome, desemprego, violência, encarceramento, mortes – convertem-se em libelos pela reforma dos sistemas jurídicos, pela imposição de mecanismos contra a corrupção ou ainda, por campanhas pela conscientização acerca dos males provocados pela “ganância” ou pela sede de lucro. Enfim, tanto causas como efeitos recaem apenas sobre os sujeitos e nunca são questionadas as estruturas sociais que permitem a repetição dos comportamentos e das relações que desencadeiam as crises.
O segundo fator esquecido pelos estudiosos da crise – intimamente ligado ao primeiro – é a especificidade que a crise assume no tocante aos grupos sociais que a sociologia denomina de minorias. Minorias caracterizam-se pelos processos de discriminação direta ou indireta a que são submetidas pessoas socialmente identificadas como pertencentes a determinados grupos sociais (negros, judeus, mulheres, pessoas LGBT etc.). A discriminação sistemática, processual e histórica cria uma estratificação social que se reverte em inúmeras desvantagens políticas e econômicas aos grupos minoritários, vivenciadas na forma de pobreza, salários mais baixos, menor acesso aos sistemas de saúde e educação, maiores chances de encarceramento e morte.
São duas as conclusões até este momento: 1) a identificação de um grupo social minoritário deve levar em conta as peculiaridades de cada formação social, vez que a dinâmica do processo discriminatório vincula-se à lógica da econômica e da política; 2) a discriminação só se torna sistêmica se forem reproduzidas as condições sócio-políticas que naturalizem a desigualdade de tratamento oferecido a indivíduos pertencentes a grupos minoritários. Por isso, em face da estrutura política e econômica da sociedade contemporânea, formas de discriminação como o racismo só se estabelecem se houver a participação do Estado, que pode atuar diretamente na classificação de pessoas e nos processos discriminatórios (escravidão, apartheid e nazismo) ou indiretamente, quando há omissão diante da discriminação, permitindo-se que preconceitos historicamente arraigados contra negros, mulheres e gays se transformem em critérios “ocultos” ou regras “não inscritas” que operam no funcionamento das instituições, na distribuição econômica (emprego e renda, por exemplo) e na ocupação de espaços de poder e decisão.
Crise como crise do capitalismo
Em primeiro lugar, o que chamamos de capitalismo é uma relação social, em que detentores de dinheiro e dos meios de produção (máquinas, terra, escritórios, ferramentas, computadores etc.) e trabalhadores assalariados relacionam-se com o fim de produzir mercadorias. O objetivo fundamental da produção de mercadorias é gerar mais dinheiro do que o investido na produção, e não satisfazer necessidades humanas. Portanto, além de cobrir os custos da produção, a venda de mercadorias deve gerar um excedente que será revertido para a aquisição de mais capital, ou seja, na ampliação dos fatores de produção. O capitalismo se define como um processo socialmente orientado para o acúmulo de capital. Mas ainda que a base da relação mantenha-se a mesma, a produção capitalista será organizada das mais diferentes maneiras, e isso irá variar de acordo com o local, com o desenvolvimento tecnológico, com as condições dos trabalhadores, com as condições políticas etc. Em suma: as formas de acumulação podem variar a fim de garantir a expansão do capital, o aumento da produtividade e a obtenção do lucro.
Uma sociedade de troca mercantil não é um dado natural, mas uma construção histórica. O mercado ou sociedade civil não seria possível sem instituições, direito e política. Como nos adverte Robert Boyer “as instituições básicas de uma economia mercantil pressupõem atores e estratégias para além dos atores e estratégias meramente econômicos”1. Para demonstrar como o mercado é de fato uma construção social, Boyer conta-nos como a intervenção estatal direta ou indireta foi imprescindível para: 1) tornar possível a concorrência, estipulando regras e limites à atuação das empresas. A concorrência que muitos consideram como da “natureza” do capitalismo só é possível pela mediação entre as esferas pública e privada; 2) liberar as forças de concorrência do trabalho, o que historicamente implicou na regulação das relações salariais, ora pelo direito privado (privilegiando regras pactuadas pela negociação entre capital e trabalho), ora ao denominado direito social (com imposição de certos limites ao contrato). Nesse sentido, a intervenção estatal “é mais evidente ainda quando referente à cobertura social: as lutas dos assalariados pelo reconhecimento dos acidentes de trabalho, dos direitos à aposentadoria e à saúde resultaram em casos de avanço em matéria de direitos sociais – avanços que dizem respeito tanto à natureza da cidadania quanto ao modo de regulação”2. A relação salarial, independentemente de quais mecanismos jurídico-políticos atuam na fixação de seus parâmetros, é decorrente de uma mediação estatal.
É nesse sentido que além das condições objetivas – e aqui referimo-nos às possibilidades materiais para o desenvolvimento das relações sociais capitalistas – o capitalismo necessita de condições subjetivas. Com efeito, os indivíduos precisam ser formados, subjetivamente constituídos, para reproduzir em seus atos concretos as relações sociais, cuja forma básica é a troca mercantil. Nisso, resulta o fato de que um indivíduo precisa tornar-se um trabalhador ou um capitalista, ou seja, precisa “naturalizar” a separação entre “Estado” e “sociedade civil”, sua condição social e seu pertencimento a determinada classe ou grupo. Esse processo, muitas vezes, passa pela incorporação de preconceitos e discriminação que serão “atualizadas” para funcionar como modos de subjetivação no interior do capitalismo. Este processo não é “espontâneo”; os sistemas de educação e meios de comunicação de massa são aparelhos funcionam justamente produzindo subjetividades culturalmente adaptadas em seu interior. Não é por outro motivo que parte da sociedade entende como um mero aspecto “cultural” o fato de negros e mulheres receberem os piores salários e trabalharem mais horas mesmo que isso contrarie disposições legais3.
Estado e crise
Mas o que é o Estado? Como define Joachim Hirsch4, o Estado é a “condensação material de uma relação social de força”. Está longe de ser, portanto, o resultado de um contrato social, a corporificação da vontade popular democrática, o ápice da racionalidade ou o instrumento de opressão da classe dominante. Essas definições que passeiam entre o idealismo e a simplificação abstrata, não revelam a materialidade do Estado, enquanto um complexo de relações sociais indissociável do movimento da economia.
“Ele é bem mais uma relação social entre indivíduos, grupos e classes, a ‘condensação material de uma relação social de força’. Material, porque essa relação assume uma forma marcada por mecanismos burocráticos e políticos próprios no sistema das instituições, organizações e aparelhos políticos. A aparelhagem do Estado tem uma consistência e uma estabilidade e por isso é mais do que a expressão direta de uma relação social de força. Mudanças nas relações de força sempre produzem efeitos no interior do Estado, mas ao mesmo tempo a estrutura existente do aparelho estatal reage sobre eles. O Estado expressa em sua concreta estrutura organizativa relações sociais de força, mas também simultaneamente as forma e as estabiliza” 5.
O Estado é a forma política do capitalismo, e não um mero instrumento dos capitalistas. Pode-se dizer que o Estado é de classe, mas não de uma classe, salvo em condições excepcionais e de profunda anormalidade. Em uma sociedade dividida em classes e grupos sociais, o Estado aparece como a unidade possível, em uma vinculação que se vale de mecanismos repressivos e material-ideológicos6. A manutenção desse modo de vida conflituoso depende da internalização, pelos indivíduos, das condições de funcionamento da sociedade capitalista como parte da “cultura”. A ideologia – e quando esta não for suficiente, a violência física – fornece o remendo para uma sociedade estruturalmente marcada por contradições, conflitos e antagonismos insuperáveis. Esses fatores explicam a importância da construção de um discurso ideológico calcado na meritocracia, no sucesso individual e no racismo a fim de “naturalizar” a desigualdade.
Ressalte-se que alterações das relações de força e dos conflitos sociais pressupõem a capacidade do Estado de manter “as estruturas socioeconômicas fundamentais” e a adaptação do Estado às transformações sociais sem comprometer sua unidade relativa e sua capacidade de garantir a estabilidade política e econômica7.
O conflito social entre capital e trabalho assalariado não é único conflito existente na sociedade capitalista. Há outros conflitos que se articulam com as relações de dominação e exploração, que não se originam nas relações de classe e tampouco “desapareceriam com ela”8: são conflitos raciais, sexuais, religiosos, culturais e regionais que remontam a períodos anteriores ao capitalismo, mas que nele tomam uma forma especificamente capitalista. Portanto, entender a dinâmica dos conflitos raciais e sexuais é absolutamente essencial à compreensão do capitalismo, visto que a dominação de classe se realiza nas mais variadas formas de opressão racial e sexual. A relação entre Estado e sociedade não se resume à troca e produção de mercadorias; as relações de opressão e de exploração sexuais e raciais são importantes na definição do modo de intervenção do Estado e na organização dos aspectos gerais da sociedade9.
“O racismo, tal como a moderna construção das relações de gênero, é um meio da divisão social e da desorganização das classes dominadas, seja no interior como no exterior das fronteiras estatais. Através desses mecanismos de opressão e de dominação funda-se o povo enquanto nação. Como as fronteiras estatais são sempre permeáveis e a unidade ‘étnica’ deve permanecer basicamente indefinida e instável, o racismo adquire sua contínua eficácia e dinâmica”10.
Há, portanto, um nexo estrutural entre as relações de classe e a constituição social de grupos raciais e sexuais que não pode ser ignorado11. Como afirmei no artigo “Estado, direito e análise materialista do racismo”, “as classes quando materialmente consideradas também são compostas de mulheres, pessoas negras, indígenas, gays, imigrantes, pessoas com deficiência, que não podem ser definidas tão somente pelo fato de não serem proprietários dos meios de produção. “Para entender as classes em seu sentido material, portanto, é preciso, antes de tudo, dirigir o olhar para a situação real das minorias”12.
O que é a crise afinal?
A crise é um elemento estrutural, inscrito na lógica da sociabilidade capitalista13. Deste modo, em sendo a crise parte do capitalismo, defini-la é, de certo modo, determinar o funcionamento não apenas da economia, mas das instituições políticas que devem manter a estabilidade14. O processo de produção capitalista depende de uma expansão permanente da produção e de uma acumulação incessante de capital. Entretanto, a acumulação incessante de capital e a necessidade de aumento da produção encontram limites históricos que se chocam com as características conflituosas da sociedade. A crise se dá justamente quando o processo econômico capitalista não encontra compatibilidade com as instituições e as normas que deveriam manter a instabilidade. As crises revelam-se, portanto, como a incapacidade do sistema capitalista em determinados momentos da história de promover a integração social por meio das regras sociais vigentes. Em outras palavras, o modo de regulação, constituído por normas jurídicas, valores, mecanismos de conciliação e integração institucionais entra em conflito com o regime de acumulação. A consequência disso é que a ligação entre Estado e sociedade civil, mantida, como foi visto, mediante a utilização de mecanismos repressivos e de inculcação ideológica, começa ruir. O sistema de regulação entra em colapso, o que resulta em conflitos entre instituições estatais, independência de órgãos governamentais que passam a se voltar uns contra os outros e funcionar para além de qualquer previsibilidade, falta de direção governamental e instabilidade política15. Não se torna mais possível convencer as pessoas de que viver debaixo de certas regras é normal e, a violência estatal passa a ser recorrente como meio de controle social.
O racismo e as crises
A crise de 1873, o imperialismo e o neocolonialismo
A história do racismo moderno se entrelaça com a história das crises estruturais do capitalismo. A necessidade de alteração dos parâmetros de intervenção estatal a fim de retomar a estabilidade econômica e política – e aqui entenda-se estabilidade como o funcionamento regular do processo de valorização capitalista – sempre resultou em formas renovadas de violência e estratégias de subjugação da população negra.
A primeira grande crise do capital, de 1873, resultou na alteração brutal das relações capitalistas. Além de alterar toda a produção industrial do mundo, redefinir o equilíbrio político e militar e alterar todo o sistema financeiro e monetário internacional, a crise de 1873 foi o ponto de partida para o imperialismo e, mais tarde, para a primeira grande guerra16.
O imperialismo marcou o início da dominação colonial e da transferência das disputas capitalistas do plano interno para o plano internacional. Isso porque a crise de superacumulação de capital obrigou o capitalismo a expandir-se além das fronteiras nacionais. Essa é a explicação econômica do imperialismo, mas que também teve como base um argumento ideológico preponderante: o racismo.
A ideologia imperialista baseou-se no racismo e na ideia eurocêntrica do progresso. Os povos da África, por exemplo, precisavam ser “salvos” pelo conquistador europeu de seu atraso natural. Essa ideologia racista, somada ao discurso pseudocientífico do “darwinismo social” – que afirmava a superioridade “natural” do homem branco –, foram o elemento legitimador da pilhagem, assassinatos e destruição promovida pelos europeus no continente africano17.
“A fúria da conquista colonial, que teve em considerações racistas de ‘superioridade civilizacional’ seu principal alicerce ideológico (até setores da Internacional Socialista, confinada basicamente à Europa, admitiam a expansão colonial em nome da ‘obra civilizadora’ e seus países, e se definiam, como o alemão Eduard David, ‘socialimperialistas’) produziu vítimas em número maior aos holocaustos europeus do século XX, e fez também nascerem movimentos de resistência, que, finalmente, incorporaram os povos coloniais à luta política mundial contemporânea.”18
Achille Mbembe, em Crítica da razão negra, apresenta os laços inextricáveis entre “morte” e “negócio” na esteira da relação entre imperialismo, colonialismo e racismo:
“Esta brutal investida fora da Europa ficará conhecida pelo termo “colonização” ou “imperialismo”. Sendo uma das maneiras de a pretensão européia ao domínio universal se manifestar, a colonização é uma forma de poder constituinte, na qual a relação com a terra, as populações e o território associa, de modo inédito na história da Humanidade, as três lógicas da raça, da burocracia e do negócio (commercium). Na ordem colonial, a raça opera enquanto princípio do corpo político. A raça permite classificar os seres humanos em categorias físicas e mentais específicas. A burocracia emerge como um dispositivo de dominação; já a rede que liga a morte e o negócio opera como matriz fulcral do poder. A força passa a ser lei, e alei tem por conteúdo a própria força.19
A bolsa de valores, o empreendimento colonial e o desenvolvimento do capital financeiro são, ao fim e ao cabo, os fundamentos econômicos que permitiram a constituição do racismo e do nacionalismo como a manifestação da ideologia do capitalismo após a grande crise do século XIX.
A crise de 1929, o Welfare State e a nova forma do racismo
Após a grande de depressão de 1929 e a segunda grande guerra, o arranjo social estabilizador resultou no regime fordista de acumulação e no Welfare State. A produção industrial em larga escala e o consumo de massa foram articulados com a ampliação de direitos sociais e políticas de integração de grupos sociais ao mercado consumidor. Entretanto, mesmo o Estado Social keynesiano ou Welfare State foi incapaz de lidar com os problemas sociais que estruturam o capitalismo. A desigualdade é um dado permanente do capitalismo, que pode ser, a depender de circunstâncias históricas e arranjos politicos específicos, no máximo, maior ou menor.
Mas como lembra David Harvey, mesmo na “Era de ouro do capitalismo”, o acesso aos direitos sociais pelos trabalhadores não foi simétrico e variava de acordo com a capacidade produtiva do país, o setor da economia e o grupo social a que pertencia o trabalhador. Setores de alto risco da economia e países de fraca demanda interna e com baixa capacidade de inovação tecnológica possuíam fracas redes de proteção social, com baixa permeabilidade às reivindicações da classe trabalhadora. Havia setores fordistas que se serviam de bases não fordistas de contratação, o que significa que alguns trabalhadores eram submetidos à superexploração ou mesmo ao trabalho compulsório, ainda que sob a égide de um Estado social e democrático20.
Outra importante distinção feita por Harvey para se compreender as limitações do Welfare State é entre os setores “monopolista” e “competitivo” da indústria. O setor monopolista caracteriza-se por alta demanda, em que os conflitos encontravam lugar para converter-se em “direitos”. Já o “setor competitivo” é de alto risco, baixos salários e subcontratação e é nele que mulheres, negros e imigrantes estão alocados, longe da proteção de sindicatos fortes e da incidência de direitos sociais. Assim que racismo e sexismo colocam determinadas pessoas em seu “devido lugar”, ou seja, nos setores menos protegidos e mais precarizados da economia.
A enorme contradição de uma sociedade em que se pregava a universalidade de direitos e que, ao mesmo tempo, negros, mulheres e imigrantes eram tratados como caso de polícia, gerou movimentos de contestação social que colocavam em xeque a coerência ideológica e a estabilidade política do arranjo socioeconômico do pós-guerra. Ressalte-se que até mesmo o movimento sindical e as organizações de esquerda mostraram profundas limitações – assim como ocorre ainda hoje -, para a realização de uma crítica e até uma autocrítica que expusesse o racismo e o machismo que impregnavam suas próprias estruturas. A única forma de lidar com a denúncia dos movimentos sociais às contradições do Welfare State foi a criminalização e a perseguição aos “radicais”, “criminosos” e “comunistas” que ameaçavam as bases de uma sociedade livre21.
Neoliberalismo e racismo
A crise do Estado de Bem Estar social e do modelo fordista de produção dá ao racismo uma nova forma. O fim do consumo de massa como padrão produtivo predominante, o enfraquecimento dos sindicatos, a produção baseada em alta tecnologia e a supressão dos direitos sociais em nome da austeridade fiscal tornaram populações inteiras submetidas às mais precárias condições ou simplesmente abandonadas à própria sorte, anunciando o que muito consideram o esgotamento do modelo expansivo do capital.
Chama-se por austeridade fiscal o corte das fontes de financiamento dos “direitos sociais” a fim de transferir parte do orçamento público para o setor financeiro privado por meio dos juros da dívida pública. Em nome de uma pretensa “responsabilidade fiscal” segue-se a onda de privatizações, precarização do trabalho e desregulamentação de setores da economia. Do ponto de vista ideológico, a produção de um discurso justificador da destruição de um sistema histórico de proteção social revela a associação entre parte dos proprietários dos meios de comunicação de massa e o capital financeiro: o discurso do empreendedorismo, da meritocracia, do fim do emprego e da liberdade econômica como liberdade política são diuturnamente martelados nos telejornais e até nos programas de entretenimento. Ao mesmo tempo, naturalizase a figura do inimigo, do “bandido” que ameaça a integração social, distraindo a sociedade que, amedrontada pelos programas policiais e pelo noticiário, aceita a intervenção repressiva do Estado em nome da segurança, mas que, na verdade, servirá para conter o inconformismo social diante do esgarçamento provocado pela da gestão neoliberal do capitalismo. Mais do que isso, o regime de acumulação que alguns denominam de pós-fordista dependerá cada vez mais da supressão da democracia22. A captura do orçamento pelo capital financeiro envolve a formulação de um discurso que transforma decisões políticas, em especial as que envolvem finanças públicas e macroeconomia, em decisões “técnicas”, de “especialistas”, infensas à participação popular.
O esfacelamento da sociabilidade regida pelo trabalho abstrato e pela “valorização do valor” resulta em terríveis tragédias sociais, haja vista que o movimento da economia e da política não é mais de integração ao mercado (há que se lembrar que na lógica liberal o “mercado” é a sociedade civil). Como não serão integrados ao mercado, seja como consumidores ou como trabalhadores, jovens negros, pobres, moradores de periferia e minorias sexuais serão vitimados por fome, epidemias ou pela eliminação física promovida direta ou indiretamente (e.g. corte nos direitos sociais) pelo Estado. Enfim, no contexto da crise, o racismo é um elemento de racionalidade, de “normalidade” e que se apresenta como modo de integração possível de uma sociedade em que os conflitos tornam-se cada vez mais agudos.
A superação do racismo passa pela reflexão sobre formas de sociabilidade que não se alimentem de uma lógica de conflitos, contradições e antagonismos sociais que não podem ser resolvidos, no máximo mantidos sob controle. Todavia, a busca por uma nova economia e por formas alternativas de organização é tarefa impossível sem que o racismo e outras formas de discriminação sejam compreendidas como parte essencial dos processos de exploração e de opressão de uma sociedade que se quer transformar.
* * *
Silvio Luiz de Almeida é natural de São Paulo, capital. Jurista e filósofo, doutor em filosofia e teoria geral do direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (Largo São Francisco).
NOTAS
1 BOYER, Robert. Teoria da regulação: os fundamentos. São Paulo: Estação Liberdade, 2009, p. 48.
2 BOYER, Robert. Teoria da regulação: os fundamentos. São Paulo: Estação Liberdade, 2009, p. 51. No mesmo sentido ver BRUNHOFF, Simone de. Estado e capital: uma análise da política econômica. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1985, p. 17.
3 É interessante notar que os discursos racistas assumem diferentes modulações a depender do contexto social, cultural e econômico. Como nota Van Dijk, uma das características centrais do racismo contemporâneo é a sua negação, “ilustrada de modo típico nas conhecidas ressalvas do tipo ‘não tenho nada contra negros, mas…”. VAN DIJK, Teun A. Discurso e poder. São Paulo: Contexto, 2015, p. 155.
4 HIRSCH, Joachim. Teoria materialista do Estado. Rio de Janeiro: Revan, 2010, p. 37
5 Idem, Ibidem, p. 37-38
6 Idem, Ibidem, p. 37
7 Idem, Ibidem, p. 39-40
8 Idem, Ibidem, p. 40.
9 Idem, Ibidem, p. 40
10 Idem, Ibidem, p. 86
11 “colocar a forma de socialização capitalista como ponto de partida de uma análise do Estado não quer dizer que tais antagonismos não sejam essenciais, ou que apresentem “contradições secundárias” subordinadas. Ao contrário, a relação com a natureza, de gênero, a opressão sexual e a racista estão inseparavelmente unidas com a relação de capital, e não poderiam existir sem ela. No entanto, o decisivo é que o modo de socialização capitalista, enquanto relação de reprodução material, é determinante na medida em que impregna as estruturas e as instituições sociais – as formas sociais determinadas por ele – nas quais todos essas antagonismos sociais ganham expressão e ligam-se uns aos outros. HIRSCH, Joachim. Teoria materialista do Estado. Rio de Janeiro: Revan, 2010, p. 134
12 ALMEIDA, Silvio Luiz de. “Estado, direito e análise materialista do racismo”. In: Celso Naoto Kashiura Junior; Oswaldo Akamine Junior, Tarso de Melo. (Org.). Para a crítica do direito: reflexões sobre teorias e práticas jurídicas. São Paulo: Outras Expressões; Dobra universitário, 2015, p. 747-767.
13 A sociedade capitalista é, em razão de seus antagonismos e conflitos estruturais, fundamentalmente portadora de crise, e por isso, só pode ser estável em suas respectivas estruturais sociais, políticas e institucionais por períodos limitados. Seu desenvolvimento não transcorre nem linear, nem continuamente; as fases de relativa estabilidade são sempre interrompidas por grandes crises. …” Idem, Ibidem, p. 131.
14 HIRSCH, Joachim. Teoria materialista do Estado. Rio de Janeiro: Revan, 2010, p. 134.
15 Idem, Ibidem, p. 134.
16 COGGIOLA, Osvaldo. As grandes depressões (1873-1896 e 1929-1939): fundamentos econômicos, consequencias geopolíticas e lições para o presente. São Paulo: Alameda, 2009, p. 104.
17 A população da ‘Africa negra’ era, no século XIX, de três a quatro vezes menor do que no século XVI. A conquista colonial capitalista (com uso de artilharia contra, no máximo, fuzis coloniais), o trabalho forçado multiforme e generalizado, a repressão das numerosas revoltas por meio do ferro e do fogo, a subalimentação, as diversas doenças locais, as doenças importadas e a continuação do tráfico negreiro oriental, reduziram ainda mais a população que baixou para quase um terço. Idem, Ibidem, p. 118.
18 Idem, Ibidem, p. 120.
19 MBEMBE, Achille. Crítica da razão negra. Lisboa: Antígona, 2014, p. 105.
20 HARVEY, David. Condição pós-moderna. São Paulo: Loyola, 2011, p. 132.
21 MARCUSE, Herbert. A ideologia da sociedade industrial: o homem unidimensional. Rio de Janeiro: Zahar, 1982.
22 DARDOT, Pierre; LAVAL, Cristian. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Boitempo, 2016.
REFERÊNCIAS
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ALMEIDA, Silvio Luiz de. “Estado, direito e análise materialista do racismo”. In: Celso Naoto Kashiura Junior; Oswaldo Akamine Junior, Tarso de Melo. (Org.). Para a crítica do direito: reflexões sobre teorias e práticas jurídicas. São Paulo: Outras Expressões; Dobra universitário, 2015, p. 747-767.
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BOYER, Robert. La flexibilité du travail en Europe. Paris: La découverte, 1986.
BRAVERMAN, Harry. Trabalho e capital monopolista: a degradação do trabalho no século XX. Rio de Janeiro, LTC, 1987.
BRUNHOFF, Simone de. Estado e capital: uma análise da política econômica. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1985
CALDAS, Camilo Onoda. A teoria da derivação do Estado e do Direito. São Paulo: Dobra; Outras Expressões, 2015.
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HIRSCH, Joachim. Teoria Materialista do Estado. Rio de Janeiro: Revan, 2010.
HOLLOWAY, John. Keynesianismo, uma peligrosa ilusión. Buenos Aires, Argentina: Herramienta, 2003.
JESSOP, Bob; SUM, Ngai-Ling. Beyond the regulation approach. Cheltenham, UK; Northhampton, MA, EUA: Edward Elgar, 2006.
MARCUSE, Herbert. A ideologia da sociedade industrial: o homem unidimensional. Rio de Janeiro: Zahar, 1982
MASCARO, Alysson Leandro. Estado e forma política. São Paulo: Boitempo, 2013.
MBEMBE, Achille. Crítica da razão negra. Lisboa: Antígona, 2014.
TIZESCU, Alessandra Devulsky da Silva. Aglietta e a teoria da regulação: direito e capitalismo. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo: tese de doutorado, 2014. VAN DIJK, Teun A. Discurso e poder. São Paulo: Contexto, 2015
Fonte: https://blogdaboitempo.com.br/2020/06/23/capitalismo-e-crise-o-que-o-racismo-tem-a-ver-com-isso/
A história do racismo moderno se entrelaça com a história das crises estruturais do capitalismo.
Há dois fatores sistematicamente negligenciados pelas analistas da atual crise econômica. O primeiro é o caráter estrutural e sistêmico da crise. Em geral, são destacados como motivos determinantes da crise os erros e ou excessos cometidos pelos agentes de mercado ou pelos governantes da vez. O caminho intelectual dessa explicação é o individualismo, o que reduz a crise a um problema moral e/ou jurídico. Desse modo, a avaliação da crise e suas graves conseqüências sociais – fome, desemprego, violência, encarceramento, mortes – convertem-se em libelos pela reforma dos sistemas jurídicos, pela imposição de mecanismos contra a corrupção ou ainda, por campanhas pela conscientização acerca dos males provocados pela “ganância” ou pela sede de lucro. Enfim, tanto causas como efeitos recaem apenas sobre os sujeitos e nunca são questionadas as estruturas sociais que permitem a repetição dos comportamentos e das relações que desencadeiam as crises.
O segundo fator esquecido pelos estudiosos da crise – intimamente ligado ao primeiro – é a especificidade que a crise assume no tocante aos grupos sociais que a sociologia denomina de minorias. Minorias caracterizam-se pelos processos de discriminação direta ou indireta a que são submetidas pessoas socialmente identificadas como pertencentes a determinados grupos sociais (negros, judeus, mulheres, pessoas LGBT etc.). A discriminação sistemática, processual e histórica cria uma estratificação social que se reverte em inúmeras desvantagens políticas e econômicas aos grupos minoritários, vivenciadas na forma de pobreza, salários mais baixos, menor acesso aos sistemas de saúde e educação, maiores chances de encarceramento e morte.
São duas as conclusões até este momento: 1) a identificação de um grupo social minoritário deve levar em conta as peculiaridades de cada formação social, vez que a dinâmica do processo discriminatório vincula-se à lógica da econômica e da política; 2) a discriminação só se torna sistêmica se forem reproduzidas as condições sócio-políticas que naturalizem a desigualdade de tratamento oferecido a indivíduos pertencentes a grupos minoritários. Por isso, em face da estrutura política e econômica da sociedade contemporânea, formas de discriminação como o racismo só se estabelecem se houver a participação do Estado, que pode atuar diretamente na classificação de pessoas e nos processos discriminatórios (escravidão, apartheid e nazismo) ou indiretamente, quando há omissão diante da discriminação, permitindo-se que preconceitos historicamente arraigados contra negros, mulheres e gays se transformem em critérios “ocultos” ou regras “não inscritas” que operam no funcionamento das instituições, na distribuição econômica (emprego e renda, por exemplo) e na ocupação de espaços de poder e decisão.
Crise como crise do capitalismo
Em primeiro lugar, o que chamamos de capitalismo é uma relação social, em que detentores de dinheiro e dos meios de produção (máquinas, terra, escritórios, ferramentas, computadores etc.) e trabalhadores assalariados relacionam-se com o fim de produzir mercadorias. O objetivo fundamental da produção de mercadorias é gerar mais dinheiro do que o investido na produção, e não satisfazer necessidades humanas. Portanto, além de cobrir os custos da produção, a venda de mercadorias deve gerar um excedente que será revertido para a aquisição de mais capital, ou seja, na ampliação dos fatores de produção. O capitalismo se define como um processo socialmente orientado para o acúmulo de capital. Mas ainda que a base da relação mantenha-se a mesma, a produção capitalista será organizada das mais diferentes maneiras, e isso irá variar de acordo com o local, com o desenvolvimento tecnológico, com as condições dos trabalhadores, com as condições políticas etc. Em suma: as formas de acumulação podem variar a fim de garantir a expansão do capital, o aumento da produtividade e a obtenção do lucro.
Uma sociedade de troca mercantil não é um dado natural, mas uma construção histórica. O mercado ou sociedade civil não seria possível sem instituições, direito e política. Como nos adverte Robert Boyer “as instituições básicas de uma economia mercantil pressupõem atores e estratégias para além dos atores e estratégias meramente econômicos”1. Para demonstrar como o mercado é de fato uma construção social, Boyer conta-nos como a intervenção estatal direta ou indireta foi imprescindível para: 1) tornar possível a concorrência, estipulando regras e limites à atuação das empresas. A concorrência que muitos consideram como da “natureza” do capitalismo só é possível pela mediação entre as esferas pública e privada; 2) liberar as forças de concorrência do trabalho, o que historicamente implicou na regulação das relações salariais, ora pelo direito privado (privilegiando regras pactuadas pela negociação entre capital e trabalho), ora ao denominado direito social (com imposição de certos limites ao contrato). Nesse sentido, a intervenção estatal “é mais evidente ainda quando referente à cobertura social: as lutas dos assalariados pelo reconhecimento dos acidentes de trabalho, dos direitos à aposentadoria e à saúde resultaram em casos de avanço em matéria de direitos sociais – avanços que dizem respeito tanto à natureza da cidadania quanto ao modo de regulação”2. A relação salarial, independentemente de quais mecanismos jurídico-políticos atuam na fixação de seus parâmetros, é decorrente de uma mediação estatal.
É nesse sentido que além das condições objetivas – e aqui referimo-nos às possibilidades materiais para o desenvolvimento das relações sociais capitalistas – o capitalismo necessita de condições subjetivas. Com efeito, os indivíduos precisam ser formados, subjetivamente constituídos, para reproduzir em seus atos concretos as relações sociais, cuja forma básica é a troca mercantil. Nisso, resulta o fato de que um indivíduo precisa tornar-se um trabalhador ou um capitalista, ou seja, precisa “naturalizar” a separação entre “Estado” e “sociedade civil”, sua condição social e seu pertencimento a determinada classe ou grupo. Esse processo, muitas vezes, passa pela incorporação de preconceitos e discriminação que serão “atualizadas” para funcionar como modos de subjetivação no interior do capitalismo. Este processo não é “espontâneo”; os sistemas de educação e meios de comunicação de massa são aparelhos funcionam justamente produzindo subjetividades culturalmente adaptadas em seu interior. Não é por outro motivo que parte da sociedade entende como um mero aspecto “cultural” o fato de negros e mulheres receberem os piores salários e trabalharem mais horas mesmo que isso contrarie disposições legais3.
Estado e crise
Mas o que é o Estado? Como define Joachim Hirsch4, o Estado é a “condensação material de uma relação social de força”. Está longe de ser, portanto, o resultado de um contrato social, a corporificação da vontade popular democrática, o ápice da racionalidade ou o instrumento de opressão da classe dominante. Essas definições que passeiam entre o idealismo e a simplificação abstrata, não revelam a materialidade do Estado, enquanto um complexo de relações sociais indissociável do movimento da economia.
“Ele é bem mais uma relação social entre indivíduos, grupos e classes, a ‘condensação material de uma relação social de força’. Material, porque essa relação assume uma forma marcada por mecanismos burocráticos e políticos próprios no sistema das instituições, organizações e aparelhos políticos. A aparelhagem do Estado tem uma consistência e uma estabilidade e por isso é mais do que a expressão direta de uma relação social de força. Mudanças nas relações de força sempre produzem efeitos no interior do Estado, mas ao mesmo tempo a estrutura existente do aparelho estatal reage sobre eles. O Estado expressa em sua concreta estrutura organizativa relações sociais de força, mas também simultaneamente as forma e as estabiliza” 5.
O Estado é a forma política do capitalismo, e não um mero instrumento dos capitalistas. Pode-se dizer que o Estado é de classe, mas não de uma classe, salvo em condições excepcionais e de profunda anormalidade. Em uma sociedade dividida em classes e grupos sociais, o Estado aparece como a unidade possível, em uma vinculação que se vale de mecanismos repressivos e material-ideológicos6. A manutenção desse modo de vida conflituoso depende da internalização, pelos indivíduos, das condições de funcionamento da sociedade capitalista como parte da “cultura”. A ideologia – e quando esta não for suficiente, a violência física – fornece o remendo para uma sociedade estruturalmente marcada por contradições, conflitos e antagonismos insuperáveis. Esses fatores explicam a importância da construção de um discurso ideológico calcado na meritocracia, no sucesso individual e no racismo a fim de “naturalizar” a desigualdade.
Ressalte-se que alterações das relações de força e dos conflitos sociais pressupõem a capacidade do Estado de manter “as estruturas socioeconômicas fundamentais” e a adaptação do Estado às transformações sociais sem comprometer sua unidade relativa e sua capacidade de garantir a estabilidade política e econômica7.
O conflito social entre capital e trabalho assalariado não é único conflito existente na sociedade capitalista. Há outros conflitos que se articulam com as relações de dominação e exploração, que não se originam nas relações de classe e tampouco “desapareceriam com ela”8: são conflitos raciais, sexuais, religiosos, culturais e regionais que remontam a períodos anteriores ao capitalismo, mas que nele tomam uma forma especificamente capitalista. Portanto, entender a dinâmica dos conflitos raciais e sexuais é absolutamente essencial à compreensão do capitalismo, visto que a dominação de classe se realiza nas mais variadas formas de opressão racial e sexual. A relação entre Estado e sociedade não se resume à troca e produção de mercadorias; as relações de opressão e de exploração sexuais e raciais são importantes na definição do modo de intervenção do Estado e na organização dos aspectos gerais da sociedade9.
“O racismo, tal como a moderna construção das relações de gênero, é um meio da divisão social e da desorganização das classes dominadas, seja no interior como no exterior das fronteiras estatais. Através desses mecanismos de opressão e de dominação funda-se o povo enquanto nação. Como as fronteiras estatais são sempre permeáveis e a unidade ‘étnica’ deve permanecer basicamente indefinida e instável, o racismo adquire sua contínua eficácia e dinâmica”10.
Há, portanto, um nexo estrutural entre as relações de classe e a constituição social de grupos raciais e sexuais que não pode ser ignorado11. Como afirmei no artigo “Estado, direito e análise materialista do racismo”, “as classes quando materialmente consideradas também são compostas de mulheres, pessoas negras, indígenas, gays, imigrantes, pessoas com deficiência, que não podem ser definidas tão somente pelo fato de não serem proprietários dos meios de produção. “Para entender as classes em seu sentido material, portanto, é preciso, antes de tudo, dirigir o olhar para a situação real das minorias”12.
O que é a crise afinal?
A crise é um elemento estrutural, inscrito na lógica da sociabilidade capitalista13. Deste modo, em sendo a crise parte do capitalismo, defini-la é, de certo modo, determinar o funcionamento não apenas da economia, mas das instituições políticas que devem manter a estabilidade14. O processo de produção capitalista depende de uma expansão permanente da produção e de uma acumulação incessante de capital. Entretanto, a acumulação incessante de capital e a necessidade de aumento da produção encontram limites históricos que se chocam com as características conflituosas da sociedade. A crise se dá justamente quando o processo econômico capitalista não encontra compatibilidade com as instituições e as normas que deveriam manter a instabilidade. As crises revelam-se, portanto, como a incapacidade do sistema capitalista em determinados momentos da história de promover a integração social por meio das regras sociais vigentes. Em outras palavras, o modo de regulação, constituído por normas jurídicas, valores, mecanismos de conciliação e integração institucionais entra em conflito com o regime de acumulação. A consequência disso é que a ligação entre Estado e sociedade civil, mantida, como foi visto, mediante a utilização de mecanismos repressivos e de inculcação ideológica, começa ruir. O sistema de regulação entra em colapso, o que resulta em conflitos entre instituições estatais, independência de órgãos governamentais que passam a se voltar uns contra os outros e funcionar para além de qualquer previsibilidade, falta de direção governamental e instabilidade política15. Não se torna mais possível convencer as pessoas de que viver debaixo de certas regras é normal e, a violência estatal passa a ser recorrente como meio de controle social.
O racismo e as crises
A crise de 1873, o imperialismo e o neocolonialismo
A história do racismo moderno se entrelaça com a história das crises estruturais do capitalismo. A necessidade de alteração dos parâmetros de intervenção estatal a fim de retomar a estabilidade econômica e política – e aqui entenda-se estabilidade como o funcionamento regular do processo de valorização capitalista – sempre resultou em formas renovadas de violência e estratégias de subjugação da população negra.
A primeira grande crise do capital, de 1873, resultou na alteração brutal das relações capitalistas. Além de alterar toda a produção industrial do mundo, redefinir o equilíbrio político e militar e alterar todo o sistema financeiro e monetário internacional, a crise de 1873 foi o ponto de partida para o imperialismo e, mais tarde, para a primeira grande guerra16.
O imperialismo marcou o início da dominação colonial e da transferência das disputas capitalistas do plano interno para o plano internacional. Isso porque a crise de superacumulação de capital obrigou o capitalismo a expandir-se além das fronteiras nacionais. Essa é a explicação econômica do imperialismo, mas que também teve como base um argumento ideológico preponderante: o racismo.
A ideologia imperialista baseou-se no racismo e na ideia eurocêntrica do progresso. Os povos da África, por exemplo, precisavam ser “salvos” pelo conquistador europeu de seu atraso natural. Essa ideologia racista, somada ao discurso pseudocientífico do “darwinismo social” – que afirmava a superioridade “natural” do homem branco –, foram o elemento legitimador da pilhagem, assassinatos e destruição promovida pelos europeus no continente africano17.
“A fúria da conquista colonial, que teve em considerações racistas de ‘superioridade civilizacional’ seu principal alicerce ideológico (até setores da Internacional Socialista, confinada basicamente à Europa, admitiam a expansão colonial em nome da ‘obra civilizadora’ e seus países, e se definiam, como o alemão Eduard David, ‘socialimperialistas’) produziu vítimas em número maior aos holocaustos europeus do século XX, e fez também nascerem movimentos de resistência, que, finalmente, incorporaram os povos coloniais à luta política mundial contemporânea.”18
Achille Mbembe, em Crítica da razão negra, apresenta os laços inextricáveis entre “morte” e “negócio” na esteira da relação entre imperialismo, colonialismo e racismo:
“Esta brutal investida fora da Europa ficará conhecida pelo termo “colonização” ou “imperialismo”. Sendo uma das maneiras de a pretensão européia ao domínio universal se manifestar, a colonização é uma forma de poder constituinte, na qual a relação com a terra, as populações e o território associa, de modo inédito na história da Humanidade, as três lógicas da raça, da burocracia e do negócio (commercium). Na ordem colonial, a raça opera enquanto princípio do corpo político. A raça permite classificar os seres humanos em categorias físicas e mentais específicas. A burocracia emerge como um dispositivo de dominação; já a rede que liga a morte e o negócio opera como matriz fulcral do poder. A força passa a ser lei, e alei tem por conteúdo a própria força.19
A bolsa de valores, o empreendimento colonial e o desenvolvimento do capital financeiro são, ao fim e ao cabo, os fundamentos econômicos que permitiram a constituição do racismo e do nacionalismo como a manifestação da ideologia do capitalismo após a grande crise do século XIX.
A crise de 1929, o Welfare State e a nova forma do racismo
Após a grande de depressão de 1929 e a segunda grande guerra, o arranjo social estabilizador resultou no regime fordista de acumulação e no Welfare State. A produção industrial em larga escala e o consumo de massa foram articulados com a ampliação de direitos sociais e políticas de integração de grupos sociais ao mercado consumidor. Entretanto, mesmo o Estado Social keynesiano ou Welfare State foi incapaz de lidar com os problemas sociais que estruturam o capitalismo. A desigualdade é um dado permanente do capitalismo, que pode ser, a depender de circunstâncias históricas e arranjos politicos específicos, no máximo, maior ou menor.
Mas como lembra David Harvey, mesmo na “Era de ouro do capitalismo”, o acesso aos direitos sociais pelos trabalhadores não foi simétrico e variava de acordo com a capacidade produtiva do país, o setor da economia e o grupo social a que pertencia o trabalhador. Setores de alto risco da economia e países de fraca demanda interna e com baixa capacidade de inovação tecnológica possuíam fracas redes de proteção social, com baixa permeabilidade às reivindicações da classe trabalhadora. Havia setores fordistas que se serviam de bases não fordistas de contratação, o que significa que alguns trabalhadores eram submetidos à superexploração ou mesmo ao trabalho compulsório, ainda que sob a égide de um Estado social e democrático20.
Outra importante distinção feita por Harvey para se compreender as limitações do Welfare State é entre os setores “monopolista” e “competitivo” da indústria. O setor monopolista caracteriza-se por alta demanda, em que os conflitos encontravam lugar para converter-se em “direitos”. Já o “setor competitivo” é de alto risco, baixos salários e subcontratação e é nele que mulheres, negros e imigrantes estão alocados, longe da proteção de sindicatos fortes e da incidência de direitos sociais. Assim que racismo e sexismo colocam determinadas pessoas em seu “devido lugar”, ou seja, nos setores menos protegidos e mais precarizados da economia.
A enorme contradição de uma sociedade em que se pregava a universalidade de direitos e que, ao mesmo tempo, negros, mulheres e imigrantes eram tratados como caso de polícia, gerou movimentos de contestação social que colocavam em xeque a coerência ideológica e a estabilidade política do arranjo socioeconômico do pós-guerra. Ressalte-se que até mesmo o movimento sindical e as organizações de esquerda mostraram profundas limitações – assim como ocorre ainda hoje -, para a realização de uma crítica e até uma autocrítica que expusesse o racismo e o machismo que impregnavam suas próprias estruturas. A única forma de lidar com a denúncia dos movimentos sociais às contradições do Welfare State foi a criminalização e a perseguição aos “radicais”, “criminosos” e “comunistas” que ameaçavam as bases de uma sociedade livre21.
Neoliberalismo e racismo
A crise do Estado de Bem Estar social e do modelo fordista de produção dá ao racismo uma nova forma. O fim do consumo de massa como padrão produtivo predominante, o enfraquecimento dos sindicatos, a produção baseada em alta tecnologia e a supressão dos direitos sociais em nome da austeridade fiscal tornaram populações inteiras submetidas às mais precárias condições ou simplesmente abandonadas à própria sorte, anunciando o que muito consideram o esgotamento do modelo expansivo do capital.
Chama-se por austeridade fiscal o corte das fontes de financiamento dos “direitos sociais” a fim de transferir parte do orçamento público para o setor financeiro privado por meio dos juros da dívida pública. Em nome de uma pretensa “responsabilidade fiscal” segue-se a onda de privatizações, precarização do trabalho e desregulamentação de setores da economia. Do ponto de vista ideológico, a produção de um discurso justificador da destruição de um sistema histórico de proteção social revela a associação entre parte dos proprietários dos meios de comunicação de massa e o capital financeiro: o discurso do empreendedorismo, da meritocracia, do fim do emprego e da liberdade econômica como liberdade política são diuturnamente martelados nos telejornais e até nos programas de entretenimento. Ao mesmo tempo, naturalizase a figura do inimigo, do “bandido” que ameaça a integração social, distraindo a sociedade que, amedrontada pelos programas policiais e pelo noticiário, aceita a intervenção repressiva do Estado em nome da segurança, mas que, na verdade, servirá para conter o inconformismo social diante do esgarçamento provocado pela da gestão neoliberal do capitalismo. Mais do que isso, o regime de acumulação que alguns denominam de pós-fordista dependerá cada vez mais da supressão da democracia22. A captura do orçamento pelo capital financeiro envolve a formulação de um discurso que transforma decisões políticas, em especial as que envolvem finanças públicas e macroeconomia, em decisões “técnicas”, de “especialistas”, infensas à participação popular.
O esfacelamento da sociabilidade regida pelo trabalho abstrato e pela “valorização do valor” resulta em terríveis tragédias sociais, haja vista que o movimento da economia e da política não é mais de integração ao mercado (há que se lembrar que na lógica liberal o “mercado” é a sociedade civil). Como não serão integrados ao mercado, seja como consumidores ou como trabalhadores, jovens negros, pobres, moradores de periferia e minorias sexuais serão vitimados por fome, epidemias ou pela eliminação física promovida direta ou indiretamente (e.g. corte nos direitos sociais) pelo Estado. Enfim, no contexto da crise, o racismo é um elemento de racionalidade, de “normalidade” e que se apresenta como modo de integração possível de uma sociedade em que os conflitos tornam-se cada vez mais agudos.
A superação do racismo passa pela reflexão sobre formas de sociabilidade que não se alimentem de uma lógica de conflitos, contradições e antagonismos sociais que não podem ser resolvidos, no máximo mantidos sob controle. Todavia, a busca por uma nova economia e por formas alternativas de organização é tarefa impossível sem que o racismo e outras formas de discriminação sejam compreendidas como parte essencial dos processos de exploração e de opressão de uma sociedade que se quer transformar.
* * *
Silvio Luiz de Almeida é natural de São Paulo, capital. Jurista e filósofo, doutor em filosofia e teoria geral do direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (Largo São Francisco).
NOTAS
1 BOYER, Robert. Teoria da regulação: os fundamentos. São Paulo: Estação Liberdade, 2009, p. 48.
2 BOYER, Robert. Teoria da regulação: os fundamentos. São Paulo: Estação Liberdade, 2009, p. 51. No mesmo sentido ver BRUNHOFF, Simone de. Estado e capital: uma análise da política econômica. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1985, p. 17.
3 É interessante notar que os discursos racistas assumem diferentes modulações a depender do contexto social, cultural e econômico. Como nota Van Dijk, uma das características centrais do racismo contemporâneo é a sua negação, “ilustrada de modo típico nas conhecidas ressalvas do tipo ‘não tenho nada contra negros, mas…”. VAN DIJK, Teun A. Discurso e poder. São Paulo: Contexto, 2015, p. 155.
4 HIRSCH, Joachim. Teoria materialista do Estado. Rio de Janeiro: Revan, 2010, p. 37
5 Idem, Ibidem, p. 37-38
6 Idem, Ibidem, p. 37
7 Idem, Ibidem, p. 39-40
8 Idem, Ibidem, p. 40.
9 Idem, Ibidem, p. 40
10 Idem, Ibidem, p. 86
11 “colocar a forma de socialização capitalista como ponto de partida de uma análise do Estado não quer dizer que tais antagonismos não sejam essenciais, ou que apresentem “contradições secundárias” subordinadas. Ao contrário, a relação com a natureza, de gênero, a opressão sexual e a racista estão inseparavelmente unidas com a relação de capital, e não poderiam existir sem ela. No entanto, o decisivo é que o modo de socialização capitalista, enquanto relação de reprodução material, é determinante na medida em que impregna as estruturas e as instituições sociais – as formas sociais determinadas por ele – nas quais todos essas antagonismos sociais ganham expressão e ligam-se uns aos outros. HIRSCH, Joachim. Teoria materialista do Estado. Rio de Janeiro: Revan, 2010, p. 134
12 ALMEIDA, Silvio Luiz de. “Estado, direito e análise materialista do racismo”. In: Celso Naoto Kashiura Junior; Oswaldo Akamine Junior, Tarso de Melo. (Org.). Para a crítica do direito: reflexões sobre teorias e práticas jurídicas. São Paulo: Outras Expressões; Dobra universitário, 2015, p. 747-767.
13 A sociedade capitalista é, em razão de seus antagonismos e conflitos estruturais, fundamentalmente portadora de crise, e por isso, só pode ser estável em suas respectivas estruturais sociais, políticas e institucionais por períodos limitados. Seu desenvolvimento não transcorre nem linear, nem continuamente; as fases de relativa estabilidade são sempre interrompidas por grandes crises. …” Idem, Ibidem, p. 131.
14 HIRSCH, Joachim. Teoria materialista do Estado. Rio de Janeiro: Revan, 2010, p. 134.
15 Idem, Ibidem, p. 134.
16 COGGIOLA, Osvaldo. As grandes depressões (1873-1896 e 1929-1939): fundamentos econômicos, consequencias geopolíticas e lições para o presente. São Paulo: Alameda, 2009, p. 104.
17 A população da ‘Africa negra’ era, no século XIX, de três a quatro vezes menor do que no século XVI. A conquista colonial capitalista (com uso de artilharia contra, no máximo, fuzis coloniais), o trabalho forçado multiforme e generalizado, a repressão das numerosas revoltas por meio do ferro e do fogo, a subalimentação, as diversas doenças locais, as doenças importadas e a continuação do tráfico negreiro oriental, reduziram ainda mais a população que baixou para quase um terço. Idem, Ibidem, p. 118.
18 Idem, Ibidem, p. 120.
19 MBEMBE, Achille. Crítica da razão negra. Lisboa: Antígona, 2014, p. 105.
20 HARVEY, David. Condição pós-moderna. São Paulo: Loyola, 2011, p. 132.
21 MARCUSE, Herbert. A ideologia da sociedade industrial: o homem unidimensional. Rio de Janeiro: Zahar, 1982.
22 DARDOT, Pierre; LAVAL, Cristian. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Boitempo, 2016.
REFERÊNCIAS
AGLIETTA, Michel. A theory of capitalist regulation: the US experience. London: Verso, 2000. _______. Régulation et crises du capitalism. Paris: Odile Jacob, 1997.
ALMEIDA, Silvio Luiz de. “Estado, direito e análise materialista do racismo”. In: Celso Naoto Kashiura Junior; Oswaldo Akamine Junior, Tarso de Melo. (Org.). Para a crítica do direito: reflexões sobre teorias e práticas jurídicas. São Paulo: Outras Expressões; Dobra universitário, 2015, p. 747-767.
BALIBAR, Etienne; WALLERSTEIN, Immanuel. Race, Class and Nation: ambiguous identity. Londres, Reino Unido: Verso, 2010.
BOYER, Robert. La flexibilité du travail en Europe. Paris: La découverte, 1986.
BRAVERMAN, Harry. Trabalho e capital monopolista: a degradação do trabalho no século XX. Rio de Janeiro, LTC, 1987.
BRUNHOFF, Simone de. Estado e capital: uma análise da política econômica. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1985
CALDAS, Camilo Onoda. A teoria da derivação do Estado e do Direito. São Paulo: Dobra; Outras Expressões, 2015.
COGGIOLA, Osvaldo. As grandes depressões (1873-1896 e 1929-1939): fundamentos econômicos, consequencias geopolíticas e lições para o presente. São Paulo: Alameda, 2009, p. 104
DARDOT, Pierre; LAVAL, Cristian. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Boitempo, 2016.
HARVEY, David. Condição pós-moderna. São Paulo: Loyola, 2011.
HIRSCH, Joachim. Teoria Materialista do Estado. Rio de Janeiro: Revan, 2010.
HOLLOWAY, John. Keynesianismo, uma peligrosa ilusión. Buenos Aires, Argentina: Herramienta, 2003.
JESSOP, Bob; SUM, Ngai-Ling. Beyond the regulation approach. Cheltenham, UK; Northhampton, MA, EUA: Edward Elgar, 2006.
MARCUSE, Herbert. A ideologia da sociedade industrial: o homem unidimensional. Rio de Janeiro: Zahar, 1982
MASCARO, Alysson Leandro. Estado e forma política. São Paulo: Boitempo, 2013.
MBEMBE, Achille. Crítica da razão negra. Lisboa: Antígona, 2014.
TIZESCU, Alessandra Devulsky da Silva. Aglietta e a teoria da regulação: direito e capitalismo. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo: tese de doutorado, 2014. VAN DIJK, Teun A. Discurso e poder. São Paulo: Contexto, 2015
Fonte: https://blogdaboitempo.com.br/2020/06/23/capitalismo-e-crise-o-que-o-racismo-tem-a-ver-com-isso/
quinta-feira, 25 de junho de 2020
Delbert Africa, Revolucionário! – por Mumia Abu-Jamal (A.N.A.)
Delbert Africa, Revolucionário!
Nasceu com o nome de Delbert Orr, mas é conhecido no mundo como Delbert Africa, um proeminente integrante da Organização MOVE.
Nos anos 70 na Filadélfia ele era, talvez, seu integrante mais conhecido e citado com mais frequência. Com mais anos que a maioria, era adepto de usar os meios de comunicação para difundir informação e promover os propósitos do MOVE.
Seu sotaque campestre dos arredores de Chicago e seu engenhoso jogo de palavras fizeram seus comentários interessantes e lhes deu valor jornalístico.
Lamento informar-lhes que Delbert Africa, que ganhou sua liberdade em janeiro de 2020 depois de 41 anos encarcerado, perdeu sua vida faz uns dias pelos estragos do câncer.
Mas esta não é toda a história. No final do ano passado, Delbert foi levado com urgência a um hospital próximo devido a um transtorno não divulgado.
Ao sair da prisão, Delbert consultou com alguns médicos que estavam horrorizados ao saber das drogas que lhe deram enquanto estava na prisão Dallas no estado da Pensilvânia. Um médico disse: “Os medicamentos que usavam nessa prisão eram veneno”.
Ainda assim, Delbert terminou sua estada na prisão forte em espírito. Amava a Organização MOVE e odiava o sistema podre.
Delbert criticou as pessoas negras que apoiavam o sistema e se opunham à revolução. Costumava chamá-los “niggapeans”, uma palavra que eu nunca escutei da boca de alguém mais.
Mais de uma década antes do golpe policial desferido em Rodney King e gravado em vídeo em Los Angeles, Delbert foi golpeado por quatro policiais da Filadélfia em 8 de agosto de 1978, e o golpe foi gravado por uma emissora local.
O vídeo mostra que Delbert saiu sem armas de uma janela do porão de sua casa depois de um enfrentamento com a polícia. Com seu torso desnudo, havia levantado os braços em um gesto de aceitar a detenção.
Imediatamente quatro policiais o rodearam e o golpearam selvagemente, batendo com o cabo de seus rifles, esmagando sua cabeça com um capacete de motocicleta, e chutando-o até que perdeu a consciência.
Sim, é o que fizeram.
Delbert sofreu uma fratura de mandíbula e um olho inchado do tamanho de um ovo de Páscoa.
Houve um julgamento branqueado de três dos policiais, no qual o juiz pôs o caso abaixo ao destituir o jurado composto de pessoas de áreas rurais da Pensilvânia, para logo declarar uma absolvição dos policiais apesar da evidência gravada em vídeo da brutalidade do Estado.
E essa brutalidade não se limitou às ruas do Oeste da Filadélfia, tampouco ao injusto julgamento e condenação de Delbert e outros integrantes do MOVE.
Continuou durante 41 anos em uma clausura esgota almas e de uma atenção médica vergonhosa. Delbert aguentou tudo e saiu livre com sua alma de revolucionário negro intacta.
Como um integrante do MOVE até o final, seguiu sendo seguidor dos ensinamentos de John Africa, e viveu abraçado pelo amor de sua família MOVE e de sua filha Yvonne Orr-El.
No fim das contas, o amor é o mais próximo que chegamos da liberdade.
Delbert Africa, depois de 72 verões, voltou para seus antepassados.
Desde a nação encarcerada, sou Mumia Abu-Jamal.
Tradução > Sol de Abril
Conteúdos relacionados:
https://noticiasanarquistas.noblogs.org/post/2020/06/18/eua-delbert-africa-membro-do-move-libertado-da-prisao-em-janeiro-apos-41-anos-morreu/
https://noticiasanarquistas.noblogs.org/post/2020/02/26/eua-fora-da-prisao-depois-de-41-anos-delbert-africa-membro-do-move-denuncia-o-injusto-sistema-de-justica-criminal/
https://noticiasanarquistas.noblogs.org/post/2020/02/05/eua-delbert-africa-livre/
agência de notícias anarquistas-ana
Partida, hora amarga
Enche-se alma de saudades
E os olhos de lágrimas…
Ulisses Cuiabano
Fonte: https://noticiasanarquistas.noblogs.org/post/2020/06/25/eua-delbert-africa-revolucionario/
Nasceu com o nome de Delbert Orr, mas é conhecido no mundo como Delbert Africa, um proeminente integrante da Organização MOVE.
Nos anos 70 na Filadélfia ele era, talvez, seu integrante mais conhecido e citado com mais frequência. Com mais anos que a maioria, era adepto de usar os meios de comunicação para difundir informação e promover os propósitos do MOVE.
Seu sotaque campestre dos arredores de Chicago e seu engenhoso jogo de palavras fizeram seus comentários interessantes e lhes deu valor jornalístico.
Lamento informar-lhes que Delbert Africa, que ganhou sua liberdade em janeiro de 2020 depois de 41 anos encarcerado, perdeu sua vida faz uns dias pelos estragos do câncer.
Mas esta não é toda a história. No final do ano passado, Delbert foi levado com urgência a um hospital próximo devido a um transtorno não divulgado.
Ao sair da prisão, Delbert consultou com alguns médicos que estavam horrorizados ao saber das drogas que lhe deram enquanto estava na prisão Dallas no estado da Pensilvânia. Um médico disse: “Os medicamentos que usavam nessa prisão eram veneno”.
Ainda assim, Delbert terminou sua estada na prisão forte em espírito. Amava a Organização MOVE e odiava o sistema podre.
Delbert criticou as pessoas negras que apoiavam o sistema e se opunham à revolução. Costumava chamá-los “niggapeans”, uma palavra que eu nunca escutei da boca de alguém mais.
Mais de uma década antes do golpe policial desferido em Rodney King e gravado em vídeo em Los Angeles, Delbert foi golpeado por quatro policiais da Filadélfia em 8 de agosto de 1978, e o golpe foi gravado por uma emissora local.
O vídeo mostra que Delbert saiu sem armas de uma janela do porão de sua casa depois de um enfrentamento com a polícia. Com seu torso desnudo, havia levantado os braços em um gesto de aceitar a detenção.
Imediatamente quatro policiais o rodearam e o golpearam selvagemente, batendo com o cabo de seus rifles, esmagando sua cabeça com um capacete de motocicleta, e chutando-o até que perdeu a consciência.
Sim, é o que fizeram.
Delbert sofreu uma fratura de mandíbula e um olho inchado do tamanho de um ovo de Páscoa.
Houve um julgamento branqueado de três dos policiais, no qual o juiz pôs o caso abaixo ao destituir o jurado composto de pessoas de áreas rurais da Pensilvânia, para logo declarar uma absolvição dos policiais apesar da evidência gravada em vídeo da brutalidade do Estado.
E essa brutalidade não se limitou às ruas do Oeste da Filadélfia, tampouco ao injusto julgamento e condenação de Delbert e outros integrantes do MOVE.
Continuou durante 41 anos em uma clausura esgota almas e de uma atenção médica vergonhosa. Delbert aguentou tudo e saiu livre com sua alma de revolucionário negro intacta.
Como um integrante do MOVE até o final, seguiu sendo seguidor dos ensinamentos de John Africa, e viveu abraçado pelo amor de sua família MOVE e de sua filha Yvonne Orr-El.
No fim das contas, o amor é o mais próximo que chegamos da liberdade.
Delbert Africa, depois de 72 verões, voltou para seus antepassados.
Desde a nação encarcerada, sou Mumia Abu-Jamal.
Tradução > Sol de Abril
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agência de notícias anarquistas-ana
Partida, hora amarga
Enche-se alma de saudades
E os olhos de lágrimas…
Ulisses Cuiabano
Fonte: https://noticiasanarquistas.noblogs.org/post/2020/06/25/eua-delbert-africa-revolucionario/
quarta-feira, 24 de junho de 2020
Noam Chomsky classifica Donald Trump como ''o pior criminoso da história''
Noam Chomsky classifica Donald Trump como ''o pior criminoso
da história''
Em entrevista para a revista trimestral Jacobin, o renomado linguista e filósofo estadunidense Noam Chomsky atualizou suas definições a respeito da importância histórica do atual presidente dos Estados Unidos, o magnata Donaldo Trump.
“Por mais forte que seja dizer isso, o fato é que é verdade: ele é o pior criminoso da história, sem dúvida. Nunca houve uma figura na história política que se dedique tão apaixonadamente a destruir projetos para a vida humana organizada na Terra no futuro próximo”, afirmou o intelectual.
Em outra passagem da entrevista, Chomsky chamou Trump de “ditador de estanho”, e completou dizendo que “não é um exagero”.
Na lista de criminosos notórios, Chomsky disse que colocaria Trump à frente de figuras icônicas nos Estados Unidos, como o estelionatário Bernie Madoff, o controverso Lee Harvey Oswald, envolvido no assassinato de John F. Kennedy, o gangster Al Capone, o empresário pedófilo Jeffrey Epstein, o terrorista Ted “Unabomber” Kaczynski, pistoleiro Jesse James, entre outras figuras.
O cientista político tem endurecido suas críticas a Trump há alguns meses. Em uma entrevista ao jornal britânico The Guardian, em maio deste ano, ele já havia apontado o presidente dos Estados Unidos como “responsável pela morte de milhares de pessoas nesta pandemia”, com os cortes no financiamento da saúde pública, que levaram ao colapso dos hospitais no país, tornando-o líder mundial em número de óbitos até o momento, com quase o dobro do segundo lugar – o Brasil do seu aliado Jair Bolsonaro, também de extrema direita.
“A política de Trump (na pandemia) é uma ótima estratégia para matar muitas pessoas e melhorar suas chances eleitorais”, analisou Chomsky, que também é crítico da medida de Trump de atacar a China e a OMS (Organização Mundial da Saúde), para desviar a atenção da sua responsabilidade na atual crise.
Em sua última entrevista, Chomsky analisou que o mundo se recuperará da pandemia a um custo terrível. “O custo é bastante ampliado pelo gangster da Casa Branca, que matou dezenas de milhares de americanos, tornando os Estados Unidos o pior lugar do mundo para as pessoas, e o melhor para o coronavírus”, disse ele.
Chomsky também alertou que o mundo sairá da pandemia, mas não “do outro crime que Trump fortaleceu, que é o aquecimento global. O pior ainda está por vir, e temo que, deste segundo, não poderemos escapar”.
O professor do Instituto de Tecnologia de Massachusetts também se dirigiu ao Partido Republicano, dizendo que “desapareceram como partido, o que vemos em seu silêncio diante de algumas das ações de Trump, como a demissão dos inspetores gerais para monitorar a corrupção”.
*Publicado originalmente em 'Página/12' | Tradução de Victor Farinelli
Fonte: https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Pelo-Mundo/Noam-Chomsky-classifica-Donald-Trump-como-o-pior-criminoso-da-historia-/6/47939
O filósofo estadunidense reforçou suas críticas ao
presidente: ''por mais forte que seja dizer isso, o fato é que é verdade: ele é
o pior criminoso da história, sem dúvida. Nunca houve uma figura na história
política que se dedique tão apaixonadamente a destruir projetos para a vida
humana organizada na Terra no futuro próximo''
Em entrevista para a revista trimestral Jacobin, o renomado linguista e filósofo estadunidense Noam Chomsky atualizou suas definições a respeito da importância histórica do atual presidente dos Estados Unidos, o magnata Donaldo Trump.
“Por mais forte que seja dizer isso, o fato é que é verdade: ele é o pior criminoso da história, sem dúvida. Nunca houve uma figura na história política que se dedique tão apaixonadamente a destruir projetos para a vida humana organizada na Terra no futuro próximo”, afirmou o intelectual.
Em outra passagem da entrevista, Chomsky chamou Trump de “ditador de estanho”, e completou dizendo que “não é um exagero”.
Na lista de criminosos notórios, Chomsky disse que colocaria Trump à frente de figuras icônicas nos Estados Unidos, como o estelionatário Bernie Madoff, o controverso Lee Harvey Oswald, envolvido no assassinato de John F. Kennedy, o gangster Al Capone, o empresário pedófilo Jeffrey Epstein, o terrorista Ted “Unabomber” Kaczynski, pistoleiro Jesse James, entre outras figuras.
O cientista político tem endurecido suas críticas a Trump há alguns meses. Em uma entrevista ao jornal britânico The Guardian, em maio deste ano, ele já havia apontado o presidente dos Estados Unidos como “responsável pela morte de milhares de pessoas nesta pandemia”, com os cortes no financiamento da saúde pública, que levaram ao colapso dos hospitais no país, tornando-o líder mundial em número de óbitos até o momento, com quase o dobro do segundo lugar – o Brasil do seu aliado Jair Bolsonaro, também de extrema direita.
“A política de Trump (na pandemia) é uma ótima estratégia para matar muitas pessoas e melhorar suas chances eleitorais”, analisou Chomsky, que também é crítico da medida de Trump de atacar a China e a OMS (Organização Mundial da Saúde), para desviar a atenção da sua responsabilidade na atual crise.
Em sua última entrevista, Chomsky analisou que o mundo se recuperará da pandemia a um custo terrível. “O custo é bastante ampliado pelo gangster da Casa Branca, que matou dezenas de milhares de americanos, tornando os Estados Unidos o pior lugar do mundo para as pessoas, e o melhor para o coronavírus”, disse ele.
Chomsky também alertou que o mundo sairá da pandemia, mas não “do outro crime que Trump fortaleceu, que é o aquecimento global. O pior ainda está por vir, e temo que, deste segundo, não poderemos escapar”.
O professor do Instituto de Tecnologia de Massachusetts também se dirigiu ao Partido Republicano, dizendo que “desapareceram como partido, o que vemos em seu silêncio diante de algumas das ações de Trump, como a demissão dos inspetores gerais para monitorar a corrupção”.
*Publicado originalmente em 'Página/12' | Tradução de Victor Farinelli
Fonte: https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Pelo-Mundo/Noam-Chomsky-classifica-Donald-Trump-como-o-pior-criminoso-da-historia-/6/47939
MDC | John Wayne Was a Nazi (Do$age antifa breakcore ReMix) – por A.N.A.
MDC | John Wayne Was a Nazi (Do$age antifa breakcore ReMix)
MDC é uma banda de punk rock americana formada em 1979 na cidade de Austin, Texas, sempre alinhando sua sonoridade e letras com visões políticas radicais à esquerda.
Após entrar num hiato em 1995, o fundador/vocalista Dave Dictor retornou em 2000 com uma banda rotativa.
A eH se orgulha de colaborar com o MDC, lançando techno remixes atualizados de alguns de seus materiais clássicos.
Novidades da MDC: www.mdcpunkofficial.com
Declaração de Do$age sobre o porquê ela remixou esse clássico: a situação política atual.
“A pouco tempo um amigo veio me procurar em nome da banda MDC (Millions of Dead Cops) para que eu fizesse um remix da faixa John Wayne Was a Nazi (John Wayne era um nazista). Como um amante de longa data de hardcore punk, e anarquista, eu topei. Eu não fazia ideia de quão politicamente relevante viria a ser. Esperei para fazer uma declaração quando a track estivesse pronta, então poderia anunciar que qualquer lucro que ela gerar será revertido para apoiar o movimento Black Lives Matter, e outros do gênero. Continuem lutando, continuem protestante, continuem pressionando por mudanças. O mundo está assistindo agora, tenha cuidado, fiquem atentos. Estou tão orgulhosa de como comunidade de todo os Estados Unidos se uniram para lutar contra as sistemáticas injustiças cometidas pela polícia, e também estou tão feliz em contribuir de qualquer modo ao meu alcance” – Do$age 2o2o
Todos os lucros irão para o Black Lives Matter.
>> Escute o remix da faixa John Wayne Was a Nazi aqui:
https://mdcaustin.bandcamp.com/album/john-wayne-was-a-nazi-do-age-antifa-breakcore-remix
emergencyhearts.com
Tradução > AnarcoSSA
agência de notícias anarquistas-ana
um tufo de algodão
flutuando na água
uma nuvem
Rogério Martins
Fonte: https://noticiasanarquistas.noblogs.org/post/2020/06/23/eua-mdc-john-wayne-was-a-nazi-doage-antifa-breakcore-remix/
MDC é uma banda de punk rock americana formada em 1979 na cidade de Austin, Texas, sempre alinhando sua sonoridade e letras com visões políticas radicais à esquerda.
Após entrar num hiato em 1995, o fundador/vocalista Dave Dictor retornou em 2000 com uma banda rotativa.
A eH se orgulha de colaborar com o MDC, lançando techno remixes atualizados de alguns de seus materiais clássicos.
Novidades da MDC: www.mdcpunkofficial.com
Declaração de Do$age sobre o porquê ela remixou esse clássico: a situação política atual.
“A pouco tempo um amigo veio me procurar em nome da banda MDC (Millions of Dead Cops) para que eu fizesse um remix da faixa John Wayne Was a Nazi (John Wayne era um nazista). Como um amante de longa data de hardcore punk, e anarquista, eu topei. Eu não fazia ideia de quão politicamente relevante viria a ser. Esperei para fazer uma declaração quando a track estivesse pronta, então poderia anunciar que qualquer lucro que ela gerar será revertido para apoiar o movimento Black Lives Matter, e outros do gênero. Continuem lutando, continuem protestante, continuem pressionando por mudanças. O mundo está assistindo agora, tenha cuidado, fiquem atentos. Estou tão orgulhosa de como comunidade de todo os Estados Unidos se uniram para lutar contra as sistemáticas injustiças cometidas pela polícia, e também estou tão feliz em contribuir de qualquer modo ao meu alcance” – Do$age 2o2o
Todos os lucros irão para o Black Lives Matter.
>> Escute o remix da faixa John Wayne Was a Nazi aqui:
https://mdcaustin.bandcamp.com/album/john-wayne-was-a-nazi-do-age-antifa-breakcore-remix
emergencyhearts.com
Tradução > AnarcoSSA
agência de notícias anarquistas-ana
um tufo de algodão
flutuando na água
uma nuvem
Rogério Martins
Fonte: https://noticiasanarquistas.noblogs.org/post/2020/06/23/eua-mdc-john-wayne-was-a-nazi-doage-antifa-breakcore-remix/
terça-feira, 23 de junho de 2020
segunda-feira, 22 de junho de 2020
Hobsbawm nas margens – por Emile Chabal
Hobsbawm nas margens
A historiografia do marxismo costuma imaginar um pensamento essencialmente europeu se espalhando pelo mundo. No entanto, como demonstra o trabalho de Eric Hobsbawm, os avanços revolucionários na “periferia” podem remodelar profundamente o próprio pensamento dos marxistas ocidentais.
Não é por acidente que a história do pensamento marxista é dominada por um pequeno grupo de pensadores europeus. Ocasionalmente, há espaço para um Frantz Fanon ou um C.L. R. James, cujas origens estão fora da Europa. Em ocasiões muito raras, há uma discussão séria de teóricos marxistas que operaram inteiramente fora da Europa, como o peruano José Carlos Mariátegui ou a escola indiana de “estudos subalternos”. Mas a realidade é que os pensadores europeus predominam. Ainda hoje, a história do marxismo é normalmente contada em termos da difusão de ideias de um centro ocidental para uma periferia não-ocidental.
Tais desequilíbrios são quase inevitáveis, dados o prestígio e a influência desproporcionais do pensamento europeu ao longo do século vinte. Entretanto, eles também levantam questões específicas para a história do marxismo. Afinal, o pensamento e a prática marxistas tiraram grande parte de sua vitalidade de desenvolvimentos fora da Europa. Governos de inspiração marxista em países como Cuba, Vietnã e China representam sem dúvida a contribuição do marxismo para a política do século vinte, que foi pelo menos tão importante quanto as várias tentativas pós-1917 de fazer o comunismo funcionar na Europa.
Isso coloca o problema de como a história do marxismo pode ser reescrita para levar em conta seu alcance global. Uma maneira é simplesmente abrir mais espaço para ideias e personalidades não-ocidentais. Outra é virar a geografia do marxismo ocidental de cabeça para baixo. Isso significa reconhecer que, embora o pensamento marxista europeu canônico viajasse para os cantos mais distantes do globo, havia também uma jornada de retorno, pois as ideias articuladas na periferia reformulavam as do centro.
Dos muitos intelectuais marxistas do século XX que se beneficiaram dessa troca de ideias nos dois sentidos, um dos mais interessantes é o historiador Eric Hobsbawm. Ao contrário de muitos intelectuais europeus, ele procurou ativamente – e encontrou – uma audiência global. Seus livros e artigos de enorme sucesso provocaram debates em lugares tão diversos quanto Delhi, Cidade do México e Palo Alto, e ele podia se orgulhar de ter um longo relacionamento com partidos como o Partito Comunista Italiano (PCI). Perto do fim de sua vida, ele seria elevado ao status de ícone cultural inclusive no Brasil.
Mas esse sucesso global impressionante é apenas parte da história. As interações de Hobsbawm com o resto do mundo nunca assumiram tão somente a forma de contratos para escrever livros, dar palestras como keynote speaker e ter artigos seminais discutidos por estudantes entusiasmados. Pelo contrário, suas experiências vividas na “periferia” moldaram profundamente suas estruturas teóricas e históricas. A partir de meados da década de 1950, deram origem aos seus insights mais originais e penetrantes sobre três debates no coração do pensamento marxista: a definição do ator revolucionário, a noção de revolução propriamente dita e a estratégia preferida para os partidos de esquerda democráticos.
Encontrando um ator revolucionário na periferia da Europa
Hobsbawm sempre teve interesse no mundo extra-europeu, pelo menos desde a sua chegada à Grã-Bretanha em 1934. Como um jovem comunista, o imperialismo estava na vanguarda de seu pensamento. Durante seu envolvimento com os congressos globais de estudantes em Paris em 1937 e 1939, ele se aproximou de jovens revolucionários de todo o mundo colonial e conseguiu financiamento do King’s College, em Cambridge, para fazer um trabalho de campo sobre o problema agrário no norte da África francês no verão de 1938. Ele passou meses lá, conversando com oficiais coloniais e jovens comunistas, e observando o funcionamento interno do colonialismo francês.
Se não fosse pelo início da Segunda Guerra Mundial, Hobsbawm poderia ter escrito seu doutorado sobre aquela região. Mas a guerra e seu primeiro casamento restringiram seus horizontes, e ele foi ficando cada vez mais absorvido pelo mundo intelectual e político do comunismo britânico. Desde o final da guerra até 1956, este se tornou seu ponto de referência dominante. Embora ainda permanecesse interessado no imperialismo e na descolonização, seu principal lar intelectual nesse período – o Grupo de Historiadores do Partido Comunista – negligenciou amplamente o tópico, e poucos historiadores marxistas britânicos de sua geração se envolveram com desenvolvimentos intelectuais em outras partes da Europa, quanto mais em outros lugares.
As múltiplas crises de 1956 despedaçaram o mundo hermeticamente fechado do comunismo britânico. Por ter se recusado a deixar o Partido Comunista da Grã-Bretanha (CPGB), Hobsbawm ficou preso do lado de dentro, enredado entre ex-camaradas que não conseguiam entender sua decisão de ficar e uma hierarquia do partido que desconfiava dele. Em parte como uma maneira de escapar do ambiente político sufocante da época, ele renovou seu antigo interesse em processos históricos, sociais e políticos que estavam ocorrendo longe dos centros da vida intelectual europeia. Ele não retornou ao norte da África francês – que naquela época se encontrava em meio a uma violenta guerra anticolonial – mas voltou sua atenção para o sul da Itália e da Espanha. Essas regiões, muitas vezes negligenciadas pelos pensadores marxistas, forneceram a matéria-prima do primeiro livro original de Hobsbawm, o conjunto de ensaios que passaram a ser conhecidos como Primitive Rebels [Rebeldes Primitivos] (1959).
Primitive Rebels foi uma combinação de duas vertentes distintas no pensamento inicial de Hobsbawm. Primeiro, um interesse pelas experiências vividas por pessoas comuns, que já era visível em seus artigos sobre a classe trabalhadora inglesa; segundo, uma preocupação em identificar os atores revolucionários mais promissores da história europeia moderna. Embora todo o impulso argumentativo dos ensaios representasse uma visão leninista ortodoxa de que os “rebeldes primitivos” que comandavam revoltas rurais eram pré-políticos, incapazes de organização sustentada e necessitando da orientação de um partido de vanguarda, o foco da análise de Hobsbawm não foi lá muito ortodoxo.
Até a década de 1950, tanto marxistas quanto não-marxistas consideravam as rebeliões rurais do século dezenove e início do século vinte como pouco mais do que uma raiva incipiente e mal direcionada. Hobsbawm, entretanto, fez um esforço sustentado para explicar as queixas econômicas e sociais dos rebeldes rurais, e escreveu com sensibilidade sobre suas façanhas. Ele reconheceu que as rebeliões primitivas não eram políticas no sentido marxista, mas acreditava firmemente no valor de estudá-las como formas de protesto que poderiam fornecer a matéria-prima para políticas revolucionárias subsequentes.
É impossível entender esse interesse inesperado na vida interior dos rebeldes rurais esquecidos sem apreciar o crescente envolvimento de Hobsbawm com a Espanha e a Itália nesse período. No início dos anos 1950, ele visitou a Espanha pela primeira vez e começou a fazer viagens regulares à Itália, onde foi apresentado a uma geração de intelectuais entusiasmados do PCI e trabalhadores do partido. Ele usou essas conexões para viajar para partes do sul da Itália e do sul da Espanha, na época lar de algumas das populações mais pobres da Europa Ocidental. Durante o tempo que passou lá, ele se esforçou para conversar com os habitantes locais sobre suas memórias e suas condições de vida, usando seu parco conhecimento de italiano e espanhol. Ele anotou essas conversas e, ao retornar à Grã-Bretanha, buscou trabalhos acadêmicos que sustentassem as ideias dispersas que ele havia adquirido em suas viagens.
Seu trabalho não tinha nada de sistemático. Pelos padrões de hoje, seu trabalho de campo não era rigoroso nem extenso. Na melhor das hipóteses, era o que se esperava que um jornalista estrangeiro fizesse enquanto pesquisava uma matéria – e, de fato, ele frequentemente escrevia sobre suas viagens em publicações como a New Statesman. Mesmo assim, suas viagens começaram a influenciar suas inclinações teóricas. Ele ainda acreditava na primazia da base econômica e sustentava que a rebelião primitiva era primitiva de fato. No entanto, seus encontros reforçaram seu senso da importância vital das tradições, práticas, histórias e experiências locais. E a maneira como ele escreveu sobre seus temas estabeleceu caminhos alternativos para a revolução, abrindo a porta para novos atores revolucionários.
Assim, as experiências de Hobsbawm na periferia desempenharam um papel central em sua reinterpretação da teoria marxista em Primitive Rebels, bem como em sua continuação, Bandidos, publicada originalmente em 1969. Após a amarga desilusão de 1956, as histórias esquecidas da Europa periférica ofereceram a possibilidade de renovação, sem perturbar uma hierarquia do CPGB que não tinha nenhum interesse nas canções folclóricas dos camponeses da Sardenha ou dos agricultores andaluzes. Seus encontros casuais nas praças das aldeias não foram apenas um produto da curiosidade de Hobsbawm. Ele os usou para refletir sobre a prática revolucionária sem se desviar para as discussões mais carregadas entre os historiadores marxistas ocidentais da época, como os debates em torno da transição da Inglaterra do feudalismo para o capitalismo ou a dinâmica de classes da Revolução Francesa.
Repensando a revolução a partir da América Latina
Hobsbawm encontrou a América Latina em etapas. Ele fez visitas rápidas a Cuba em 1960 e em 1961, como parte da onda de intelectuais europeus que queriam ver pessoalmente a revolução de Fidel. Mas seu primeiro envolvimento profundo com a região ocorreu em uma viagem de campo de três meses à América do Sul, financiada pela Fundação Rockefeller, no final de 1962. Sua viagem seguiu um padrão semelhante ao de suas viagens anteriores à Espanha e Itália. Em vez de passar muito tempo num lugar só, ele pulava de cidade em cidade, passando algumas semanas em cada. Ao longo de 1962, viajou para Recife e Rio de Janeiro, Buenos Aires, Santiago, Lima, Bogotá, La Paz e Caracas. Em cada cidade, ele organizava um encontro e conversava com acadêmicos e ativistas de esquerda. Quando tinha sorte, era apresentado a trabalhadores e sindicalistas, ou era levado a áreas mais rurais para conhecer camponeses, indígenas ou qualquer outra pessoa que quisesse conversar com um curioso historiador britânico.
Hobsbawm continuou a visitar a América Latina nos anos seguintes. Isso incluiu sua viagem ao Congresso Cultural em Havana, em 1968, e visitas frequentes ao Brasil nos anos 1970. Uma bolsa de estudos de longa duração na Universidad Nacional Autónoma de México, no início de 1971, foi seguida por um breve período de pesquisa no Peru naquele verão. Na década de 1980, ele havia parado de tentar fazer qualquer pesquisa na região, mas sua fama crescente significava que ele não precisava mais de uma desculpa para viajar até lá. Até sua morte em 2012, ele fazia visitas frequentes e cada vez mais bem-sucedidas a vários países da América Latina, geralmente de modo a coincidir com a publicação de algum de seus livros.
Dada a escassez de pesquisas de arquivo e de campo que Hobsbawm fez na América Latina, ele tomou cuidado para não afirmar que era um especialista na região. Mas, num momento em que o interesse pela região estava crescendo e não havia muita coisa escrita em inglês sobre a América Latina, ele foi rapidamente rotulado como especialista. Ele era contratado para escrever artigos sobre a situação política em vários países da América Latina – tarefa para a qual ele estava mais do que preparado devido a seus talentos jornalísticos – enquanto as associações britânicas de estudantes universitários o convidavam a explicar a dinâmica da Revolução Cubana ou das rebeliões camponesas.
Esse processo de se tornar um especialista regional, quase por acidente, ampliou a posição da América Latina nas constantes reformulações de Hobsbawm da teoria marxista. Em seu pedido de bolsa à Fundação Rockefeller, em 1962, ele argumentou que queria visitar a América Latina para estudar movimentos sociais primitivos, como uma continuação direta de seu trabalho anterior sobre rebelião primitiva. Mas, na década de 1970, seus horizontes haviam se expandido para envolver uma série de debates sobre a história e a política latino-americanas. Isso o incentivou a repensar a ideia de revolução num momento em que as perspectivas revolucionárias na Europa pareciam ter se retraído.
O envolvimento crítico de Hobsbawm com o histórico revolucionário latino-americano era visível em seus dois artigos acadêmicos mais substanciais sobre a região. O primeiro, publicado em 1969, se concentrou na rebelião camponesa na região de La Convención, no Peru, liderada pelo revolucionário dissidente Hugo Blanco; o segundo, publicado em 1974, era um estudo mais amplo sobre ocupações de terras camponesas na serra central do Peru, com base em milhares de documentos recuperados por um grupo de jovens pesquisadores de haciendas que estavam sendo transformadas em fazendas cooperativas. Como muitos críticos apontaram, ambos os artigos se apegavam às estruturas marxistas ortodoxas da ação revolucionária camponesa como pertencente a uma fase pré-política do desenvolvimento. Mas, como no caso de seus escritos sobre a Itália e a Espanha, o domínio que Hobsbawm tinha dos detalhes contextuais e sua óbvia simpatia por muitas das figuras-chave desmentiram essa interpretação mais rígida. Em meio à cuidadosa análise dos preços dos alimentos e dos padrões de concessão da terra, ele viu o potencial de uma transformação social revolucionária nas ações dos camponeses latino-americanos.
As experiências de Hobsbawm na América Latina também confirmaram sua visão do que a revolução não deveria ser. Seu encontro com movimentos radicais de esquerda (e seus seguidores na Europa) cimentou sua hostilidade de longa data em relação a estratégias baseadas em anarquistas e guerrilheiros. Ele criticou consistentemente as tentativas cubanas de incitar a revolução em diferentes partes do continente depois de 1959, e desdenhou a ideia de uma revolução espontânea do campesinato. Pelo contrário, ele chegou a acreditar que sociedades latino-americanas altamente estratificadas e desiguais só alcançariam a revolução através do Estado. Foi isso que o levou a apoiar a ditadura militar “progressista” do Peru, liderada por Juan Velasco Alvarado de 1968 a 1975. Num artigo importante publicado pela New York Review of Books em 1971, Hobsbawm argumentou que o Peru sob Velasco estava passando por uma “revolução peculiar”. Foi, em suas palavras, uma “transformação da estrutura econômica, social e institucional” do país, mas que não envolvia “nenhuma mobilização em massa de forças populares”.
Esse apoio aberto a um regime militar foi um choque para os interlocutores peruanos de Hobsbawm, muitos dos quais acreditavam que uma ditadura militar só poderia significar um desastre para a esquerda. Mas isso tipificava sua tentativa de lidar com o problema da revolução à luz de suas viagens. Hobsbawm reconhecia que as perspectivas de revolução eram boas na América Latina na década de 1960, mas também sabia que os partidos comunistas organizados eram fracos, e o fantasma do autoritarismo de direita estava sempre presente. O regime de Velasco, comprometido com uma extensa reforma agrária, a nacionalização da extração de recursos e uma certa redistribuição de riqueza, oferecia um meio-termo adequado. Era antidemocrático, mas prometia abordar as queixas legítimas de um campesinato rural empobrecido e semifeudal sem esbarrar no beco sem saída idealista da política guerrilheira guevarista.
Essa visão híbrida da revolução casou os reflexos comunistas ortodoxos de Hobsbawm com um reconhecimento da situação desesperadora das massas. É improvável que ele tivesse criado tal estrutura se não tivesse sido exposto à escala de desigualdade socioeconômica que existia na América Latina na década de 1960, algo que frequentemente mencionava em suas anotações de campo e nos artigos jornalísticos que escreveu após seu retorno. Os lugares que ele visitou, as pessoas que conheceu em trens e ônibus e as entrevistas que conduziu com acadêmicos e intelectuais de esquerda o forçaram a reavaliar as condições sob as quais a revolução poderia acontecer e a forma que ela poderia assumir. Ao contrário de muitos marxistas europeus mais jovens, ele nunca foi seduzido pela promessa da revolução global. Mas ele se livrou de algumas de suas suposições mais rígidas sobre como seria uma revolução social de sucesso.
O socialismo democrático nos anos 1980
No final da década de 1970, Hobsbawm provocou uma grande controvérsia na esquerda britânica com sua palestra “A Marcha Adiante do Trabalho Parou”, que mais tarde foi publicada como um artigo na revista do CPGB, Marxism Today, que havia sido revitalizada. O argumento dele era simples: o desenvolvimento do movimento trabalhista britânico, que fora tão crucial para o surgimento do Partido Trabalhista no início do século XX, havia estagnado em algum momento nas décadas de 1950 e 1960. Desde então, a classe trabalhadora tornou-se mais fragmentada e suas expressões sindicais mais fracas.
Essa intervenção provocou uma tempestade de críticas, especialmente daqueles que viam o aumento da atividade sindical no final da década de 1970 como um indicador de força. Mas o advento do governo conservador de Margaret Thatcher, em 1979, deu força renovada ao argumento de Hobsbawm. Seu neoliberalismo forte, as sucessivas derrotas eleitorais do Partido Trabalhista e o esmagamento da greve dos mineiros sugeriram que o movimento trabalhista britânico havia pisado no freio. Como alguém que foi creditado por “prever” o triunfo do Thatcherismo, Hobsbawm se viu cada vez mais envolvido em debates sobre as futuras estratégias da esquerda.
Para Hobsbawm, a resposta para a crise da esquerda britânica na década de 1980 foi a mesma que ele sempre deu, a saber, que diferentes tendências deveriam unir forças em uma frente unida para derrotar Thatcher. Essa posição estratégica foi um produto de sua política estudantil no final da década de 1930. Até o final da vida, Hobsbawm permaneceu francamente nostálgico com relação a estratégia de frente popular de sua juventude, quando os comunistas tentaram construir amplas alianças contra o fascismo. Ele acreditava seriamente que a esquerda não poderia vencer num contexto democrático europeu sem deixar de lado suas diferenças e lutar juntos para derrotar a direita. Ele estava tão comprometido com essa estratégia que, ao longo dos anos 1980, comparou Thatcher a Hitler repetidamente. Ele sempre acrescentava advertências à sua comparação, mas era um argumento surpreendentemente histórico para alguém que havia passado pela ascensão de Hitler ao poder e era historiador profissional da Europa moderna.
Por tudo que Hobsbawm enfatizou o valor de uma estratégia de frente popular entre as guerras, os exemplos contemporâneos de unidade de esquerda em que ele se baseava foram frequentemente retirados da periferia europeia e global. Em seus esforços para convencer o movimento trabalhista britânico a deixar de lado seus debates insulares e buscar mais inspiração no exterior, ele apontou não apenas para a esquerda unida na França (que chegou à presidência o cargo em 1981), mas também para exemplos da Espanha e da Itália. De modo crucial, no final da década de 1980, esses pontos de referência foram complementados pelo do Partido dos Trabalhadores do Brasil.
Com a atrofia da esquerda europeia na década de 1990 – especialmente na França e na Itália – Hobsbawm passou a considerar que a esquerda brasileira era o exemplo preeminente de uma estratégia bem-sucedida de frente unida. Ele ficou feliz em admitir sua admiração aberta pelo PT e reconheceu a composição social excepcionalmente ampla do partido, que refletia a ampla base social que a PCI da Itália havia alcançado nos auge das décadas de 1960 a 1970. Ele também comentou repetidamente o fato de o PT ser, na época, o único partido de esquerda de sucesso no mundo liderado por um trabalhador industrial de verdade, o carismático Luiz Inácio Lula da Silva. Ele até confessou que carregava consigo um chaveiro do PT nos últimos anos, um reconhecimento íntimo de sua ligação emocional com o partido.
Além do PT, Hobsbawm demonstrou um grande interesse pelo destino do movimento comunista na Índia. Na década de 1990, a Índia tinha um dos maiores movimentos comunistas do mundo, com décadas de experiência no governo democrático nos grandes estados de Bengala Ocidental e Kerala. Apesar da fragmentação do movimento comunista da Índia e do surgimento de uma violenta rebelião de inspiração maoísta no sul e leste do país na década de 1960, para Hobsbawm, o comunismo indiano era outro exemplo de estratégia de esquerda unida de base ampla e popular que podia se orgulhar de realizações concretas nas urnas.
Se por um lado o reflexo de frente popular de Hobsbawm era firmemente europeu em seus pontos de referência, por outro lado os exemplos que ele citou não vieram principalmente dos centros tradicionais do pensamento marxista. Em vez disso, eles vieram das experiências que ele discutira ou testemunhara além das margens da Europa. Na década de 1980, mesmo quando ancorava suas intervenções nos debates que ocorriam na esquerda britânica, ele também se baseava nas práticas marxistas em países tão distantes como Brasil e Índia. Nessa década, como na década de 1950, as experiências de Hobsbawm na periferia formaram suas intervenções estratégicas e moldaram sua imaginação política.
Abertura para o futuro
Enfatizar o papel da periferia ao longo da carreira de Hobsbawm não significa ignorar as muitas outras influências em seu trabalho. Simplesmente ajuda a pintar uma imagem mais completa de sua trajetória intelectual e a dar uma melhor noção da circulação de ideias marxistas na segunda metade do século XX. Ao dar o devido peso a encontros fugazes com camponeses da Calábria, trabalhadores mexicanos, agricultores peruanos, bandidos argentinos e comunistas indianos, podemos ver as interações de Hobsbawm com a periferia como mais do que uma série de encontros exóticos. Em vez disso, eles se tornam uma parte central de sua visão do que era a esquerda e do que ela poderia vir a ser.
Assim como seu próprio trabalho influenciou milhares de marxistas em lugares inesperados, também seu envolvimento com diferentes partes do mundo moldou profundamente seu próprio marxismo. Para Hobsbawm, a periferia nunca foi periférica. Era um laboratório empolgante para a elaboração de ideias marxistas – um laboratório que oferecia um futuro potencialmente mais dinâmico e aberto para a visão comunista com a qual ele permaneceria para sempre comprometido.
Tradução: Fábio Fernandes
Emile Chabal é um historiador na Universidade de Edimburgo. Ele trabalha na história política e intelectual européia do século XX, com um interesse especial na França.
Fonte: https://jacobin.com.br/2020/06/hobsbawm-nas-margens/
A historiografia do marxismo costuma imaginar um pensamento essencialmente europeu se espalhando pelo mundo. No entanto, como demonstra o trabalho de Eric Hobsbawm, os avanços revolucionários na “periferia” podem remodelar profundamente o próprio pensamento dos marxistas ocidentais.
January 1976: The British historian Eric Hobsbawm. (Photo by
Wesley/Keystone/Getty Images)
Não é por acidente que a história do pensamento marxista é dominada por um pequeno grupo de pensadores europeus. Ocasionalmente, há espaço para um Frantz Fanon ou um C.L. R. James, cujas origens estão fora da Europa. Em ocasiões muito raras, há uma discussão séria de teóricos marxistas que operaram inteiramente fora da Europa, como o peruano José Carlos Mariátegui ou a escola indiana de “estudos subalternos”. Mas a realidade é que os pensadores europeus predominam. Ainda hoje, a história do marxismo é normalmente contada em termos da difusão de ideias de um centro ocidental para uma periferia não-ocidental.
Tais desequilíbrios são quase inevitáveis, dados o prestígio e a influência desproporcionais do pensamento europeu ao longo do século vinte. Entretanto, eles também levantam questões específicas para a história do marxismo. Afinal, o pensamento e a prática marxistas tiraram grande parte de sua vitalidade de desenvolvimentos fora da Europa. Governos de inspiração marxista em países como Cuba, Vietnã e China representam sem dúvida a contribuição do marxismo para a política do século vinte, que foi pelo menos tão importante quanto as várias tentativas pós-1917 de fazer o comunismo funcionar na Europa.
Isso coloca o problema de como a história do marxismo pode ser reescrita para levar em conta seu alcance global. Uma maneira é simplesmente abrir mais espaço para ideias e personalidades não-ocidentais. Outra é virar a geografia do marxismo ocidental de cabeça para baixo. Isso significa reconhecer que, embora o pensamento marxista europeu canônico viajasse para os cantos mais distantes do globo, havia também uma jornada de retorno, pois as ideias articuladas na periferia reformulavam as do centro.
Dos muitos intelectuais marxistas do século XX que se beneficiaram dessa troca de ideias nos dois sentidos, um dos mais interessantes é o historiador Eric Hobsbawm. Ao contrário de muitos intelectuais europeus, ele procurou ativamente – e encontrou – uma audiência global. Seus livros e artigos de enorme sucesso provocaram debates em lugares tão diversos quanto Delhi, Cidade do México e Palo Alto, e ele podia se orgulhar de ter um longo relacionamento com partidos como o Partito Comunista Italiano (PCI). Perto do fim de sua vida, ele seria elevado ao status de ícone cultural inclusive no Brasil.
Mas esse sucesso global impressionante é apenas parte da história. As interações de Hobsbawm com o resto do mundo nunca assumiram tão somente a forma de contratos para escrever livros, dar palestras como keynote speaker e ter artigos seminais discutidos por estudantes entusiasmados. Pelo contrário, suas experiências vividas na “periferia” moldaram profundamente suas estruturas teóricas e históricas. A partir de meados da década de 1950, deram origem aos seus insights mais originais e penetrantes sobre três debates no coração do pensamento marxista: a definição do ator revolucionário, a noção de revolução propriamente dita e a estratégia preferida para os partidos de esquerda democráticos.
Encontrando um ator revolucionário na periferia da Europa
Hobsbawm sempre teve interesse no mundo extra-europeu, pelo menos desde a sua chegada à Grã-Bretanha em 1934. Como um jovem comunista, o imperialismo estava na vanguarda de seu pensamento. Durante seu envolvimento com os congressos globais de estudantes em Paris em 1937 e 1939, ele se aproximou de jovens revolucionários de todo o mundo colonial e conseguiu financiamento do King’s College, em Cambridge, para fazer um trabalho de campo sobre o problema agrário no norte da África francês no verão de 1938. Ele passou meses lá, conversando com oficiais coloniais e jovens comunistas, e observando o funcionamento interno do colonialismo francês.
Se não fosse pelo início da Segunda Guerra Mundial, Hobsbawm poderia ter escrito seu doutorado sobre aquela região. Mas a guerra e seu primeiro casamento restringiram seus horizontes, e ele foi ficando cada vez mais absorvido pelo mundo intelectual e político do comunismo britânico. Desde o final da guerra até 1956, este se tornou seu ponto de referência dominante. Embora ainda permanecesse interessado no imperialismo e na descolonização, seu principal lar intelectual nesse período – o Grupo de Historiadores do Partido Comunista – negligenciou amplamente o tópico, e poucos historiadores marxistas britânicos de sua geração se envolveram com desenvolvimentos intelectuais em outras partes da Europa, quanto mais em outros lugares.
As múltiplas crises de 1956 despedaçaram o mundo hermeticamente fechado do comunismo britânico. Por ter se recusado a deixar o Partido Comunista da Grã-Bretanha (CPGB), Hobsbawm ficou preso do lado de dentro, enredado entre ex-camaradas que não conseguiam entender sua decisão de ficar e uma hierarquia do partido que desconfiava dele. Em parte como uma maneira de escapar do ambiente político sufocante da época, ele renovou seu antigo interesse em processos históricos, sociais e políticos que estavam ocorrendo longe dos centros da vida intelectual europeia. Ele não retornou ao norte da África francês – que naquela época se encontrava em meio a uma violenta guerra anticolonial – mas voltou sua atenção para o sul da Itália e da Espanha. Essas regiões, muitas vezes negligenciadas pelos pensadores marxistas, forneceram a matéria-prima do primeiro livro original de Hobsbawm, o conjunto de ensaios que passaram a ser conhecidos como Primitive Rebels [Rebeldes Primitivos] (1959).
Primitive Rebels foi uma combinação de duas vertentes distintas no pensamento inicial de Hobsbawm. Primeiro, um interesse pelas experiências vividas por pessoas comuns, que já era visível em seus artigos sobre a classe trabalhadora inglesa; segundo, uma preocupação em identificar os atores revolucionários mais promissores da história europeia moderna. Embora todo o impulso argumentativo dos ensaios representasse uma visão leninista ortodoxa de que os “rebeldes primitivos” que comandavam revoltas rurais eram pré-políticos, incapazes de organização sustentada e necessitando da orientação de um partido de vanguarda, o foco da análise de Hobsbawm não foi lá muito ortodoxo.
Até a década de 1950, tanto marxistas quanto não-marxistas consideravam as rebeliões rurais do século dezenove e início do século vinte como pouco mais do que uma raiva incipiente e mal direcionada. Hobsbawm, entretanto, fez um esforço sustentado para explicar as queixas econômicas e sociais dos rebeldes rurais, e escreveu com sensibilidade sobre suas façanhas. Ele reconheceu que as rebeliões primitivas não eram políticas no sentido marxista, mas acreditava firmemente no valor de estudá-las como formas de protesto que poderiam fornecer a matéria-prima para políticas revolucionárias subsequentes.
É impossível entender esse interesse inesperado na vida interior dos rebeldes rurais esquecidos sem apreciar o crescente envolvimento de Hobsbawm com a Espanha e a Itália nesse período. No início dos anos 1950, ele visitou a Espanha pela primeira vez e começou a fazer viagens regulares à Itália, onde foi apresentado a uma geração de intelectuais entusiasmados do PCI e trabalhadores do partido. Ele usou essas conexões para viajar para partes do sul da Itália e do sul da Espanha, na época lar de algumas das populações mais pobres da Europa Ocidental. Durante o tempo que passou lá, ele se esforçou para conversar com os habitantes locais sobre suas memórias e suas condições de vida, usando seu parco conhecimento de italiano e espanhol. Ele anotou essas conversas e, ao retornar à Grã-Bretanha, buscou trabalhos acadêmicos que sustentassem as ideias dispersas que ele havia adquirido em suas viagens.
Seu trabalho não tinha nada de sistemático. Pelos padrões de hoje, seu trabalho de campo não era rigoroso nem extenso. Na melhor das hipóteses, era o que se esperava que um jornalista estrangeiro fizesse enquanto pesquisava uma matéria – e, de fato, ele frequentemente escrevia sobre suas viagens em publicações como a New Statesman. Mesmo assim, suas viagens começaram a influenciar suas inclinações teóricas. Ele ainda acreditava na primazia da base econômica e sustentava que a rebelião primitiva era primitiva de fato. No entanto, seus encontros reforçaram seu senso da importância vital das tradições, práticas, histórias e experiências locais. E a maneira como ele escreveu sobre seus temas estabeleceu caminhos alternativos para a revolução, abrindo a porta para novos atores revolucionários.
Assim, as experiências de Hobsbawm na periferia desempenharam um papel central em sua reinterpretação da teoria marxista em Primitive Rebels, bem como em sua continuação, Bandidos, publicada originalmente em 1969. Após a amarga desilusão de 1956, as histórias esquecidas da Europa periférica ofereceram a possibilidade de renovação, sem perturbar uma hierarquia do CPGB que não tinha nenhum interesse nas canções folclóricas dos camponeses da Sardenha ou dos agricultores andaluzes. Seus encontros casuais nas praças das aldeias não foram apenas um produto da curiosidade de Hobsbawm. Ele os usou para refletir sobre a prática revolucionária sem se desviar para as discussões mais carregadas entre os historiadores marxistas ocidentais da época, como os debates em torno da transição da Inglaterra do feudalismo para o capitalismo ou a dinâmica de classes da Revolução Francesa.
Repensando a revolução a partir da América Latina
Hobsbawm encontrou a América Latina em etapas. Ele fez visitas rápidas a Cuba em 1960 e em 1961, como parte da onda de intelectuais europeus que queriam ver pessoalmente a revolução de Fidel. Mas seu primeiro envolvimento profundo com a região ocorreu em uma viagem de campo de três meses à América do Sul, financiada pela Fundação Rockefeller, no final de 1962. Sua viagem seguiu um padrão semelhante ao de suas viagens anteriores à Espanha e Itália. Em vez de passar muito tempo num lugar só, ele pulava de cidade em cidade, passando algumas semanas em cada. Ao longo de 1962, viajou para Recife e Rio de Janeiro, Buenos Aires, Santiago, Lima, Bogotá, La Paz e Caracas. Em cada cidade, ele organizava um encontro e conversava com acadêmicos e ativistas de esquerda. Quando tinha sorte, era apresentado a trabalhadores e sindicalistas, ou era levado a áreas mais rurais para conhecer camponeses, indígenas ou qualquer outra pessoa que quisesse conversar com um curioso historiador britânico.
Hobsbawm continuou a visitar a América Latina nos anos seguintes. Isso incluiu sua viagem ao Congresso Cultural em Havana, em 1968, e visitas frequentes ao Brasil nos anos 1970. Uma bolsa de estudos de longa duração na Universidad Nacional Autónoma de México, no início de 1971, foi seguida por um breve período de pesquisa no Peru naquele verão. Na década de 1980, ele havia parado de tentar fazer qualquer pesquisa na região, mas sua fama crescente significava que ele não precisava mais de uma desculpa para viajar até lá. Até sua morte em 2012, ele fazia visitas frequentes e cada vez mais bem-sucedidas a vários países da América Latina, geralmente de modo a coincidir com a publicação de algum de seus livros.
Dada a escassez de pesquisas de arquivo e de campo que Hobsbawm fez na América Latina, ele tomou cuidado para não afirmar que era um especialista na região. Mas, num momento em que o interesse pela região estava crescendo e não havia muita coisa escrita em inglês sobre a América Latina, ele foi rapidamente rotulado como especialista. Ele era contratado para escrever artigos sobre a situação política em vários países da América Latina – tarefa para a qual ele estava mais do que preparado devido a seus talentos jornalísticos – enquanto as associações britânicas de estudantes universitários o convidavam a explicar a dinâmica da Revolução Cubana ou das rebeliões camponesas.
Esse processo de se tornar um especialista regional, quase por acidente, ampliou a posição da América Latina nas constantes reformulações de Hobsbawm da teoria marxista. Em seu pedido de bolsa à Fundação Rockefeller, em 1962, ele argumentou que queria visitar a América Latina para estudar movimentos sociais primitivos, como uma continuação direta de seu trabalho anterior sobre rebelião primitiva. Mas, na década de 1970, seus horizontes haviam se expandido para envolver uma série de debates sobre a história e a política latino-americanas. Isso o incentivou a repensar a ideia de revolução num momento em que as perspectivas revolucionárias na Europa pareciam ter se retraído.
O envolvimento crítico de Hobsbawm com o histórico revolucionário latino-americano era visível em seus dois artigos acadêmicos mais substanciais sobre a região. O primeiro, publicado em 1969, se concentrou na rebelião camponesa na região de La Convención, no Peru, liderada pelo revolucionário dissidente Hugo Blanco; o segundo, publicado em 1974, era um estudo mais amplo sobre ocupações de terras camponesas na serra central do Peru, com base em milhares de documentos recuperados por um grupo de jovens pesquisadores de haciendas que estavam sendo transformadas em fazendas cooperativas. Como muitos críticos apontaram, ambos os artigos se apegavam às estruturas marxistas ortodoxas da ação revolucionária camponesa como pertencente a uma fase pré-política do desenvolvimento. Mas, como no caso de seus escritos sobre a Itália e a Espanha, o domínio que Hobsbawm tinha dos detalhes contextuais e sua óbvia simpatia por muitas das figuras-chave desmentiram essa interpretação mais rígida. Em meio à cuidadosa análise dos preços dos alimentos e dos padrões de concessão da terra, ele viu o potencial de uma transformação social revolucionária nas ações dos camponeses latino-americanos.
As experiências de Hobsbawm na América Latina também confirmaram sua visão do que a revolução não deveria ser. Seu encontro com movimentos radicais de esquerda (e seus seguidores na Europa) cimentou sua hostilidade de longa data em relação a estratégias baseadas em anarquistas e guerrilheiros. Ele criticou consistentemente as tentativas cubanas de incitar a revolução em diferentes partes do continente depois de 1959, e desdenhou a ideia de uma revolução espontânea do campesinato. Pelo contrário, ele chegou a acreditar que sociedades latino-americanas altamente estratificadas e desiguais só alcançariam a revolução através do Estado. Foi isso que o levou a apoiar a ditadura militar “progressista” do Peru, liderada por Juan Velasco Alvarado de 1968 a 1975. Num artigo importante publicado pela New York Review of Books em 1971, Hobsbawm argumentou que o Peru sob Velasco estava passando por uma “revolução peculiar”. Foi, em suas palavras, uma “transformação da estrutura econômica, social e institucional” do país, mas que não envolvia “nenhuma mobilização em massa de forças populares”.
Esse apoio aberto a um regime militar foi um choque para os interlocutores peruanos de Hobsbawm, muitos dos quais acreditavam que uma ditadura militar só poderia significar um desastre para a esquerda. Mas isso tipificava sua tentativa de lidar com o problema da revolução à luz de suas viagens. Hobsbawm reconhecia que as perspectivas de revolução eram boas na América Latina na década de 1960, mas também sabia que os partidos comunistas organizados eram fracos, e o fantasma do autoritarismo de direita estava sempre presente. O regime de Velasco, comprometido com uma extensa reforma agrária, a nacionalização da extração de recursos e uma certa redistribuição de riqueza, oferecia um meio-termo adequado. Era antidemocrático, mas prometia abordar as queixas legítimas de um campesinato rural empobrecido e semifeudal sem esbarrar no beco sem saída idealista da política guerrilheira guevarista.
Essa visão híbrida da revolução casou os reflexos comunistas ortodoxos de Hobsbawm com um reconhecimento da situação desesperadora das massas. É improvável que ele tivesse criado tal estrutura se não tivesse sido exposto à escala de desigualdade socioeconômica que existia na América Latina na década de 1960, algo que frequentemente mencionava em suas anotações de campo e nos artigos jornalísticos que escreveu após seu retorno. Os lugares que ele visitou, as pessoas que conheceu em trens e ônibus e as entrevistas que conduziu com acadêmicos e intelectuais de esquerda o forçaram a reavaliar as condições sob as quais a revolução poderia acontecer e a forma que ela poderia assumir. Ao contrário de muitos marxistas europeus mais jovens, ele nunca foi seduzido pela promessa da revolução global. Mas ele se livrou de algumas de suas suposições mais rígidas sobre como seria uma revolução social de sucesso.
O socialismo democrático nos anos 1980
No final da década de 1970, Hobsbawm provocou uma grande controvérsia na esquerda britânica com sua palestra “A Marcha Adiante do Trabalho Parou”, que mais tarde foi publicada como um artigo na revista do CPGB, Marxism Today, que havia sido revitalizada. O argumento dele era simples: o desenvolvimento do movimento trabalhista britânico, que fora tão crucial para o surgimento do Partido Trabalhista no início do século XX, havia estagnado em algum momento nas décadas de 1950 e 1960. Desde então, a classe trabalhadora tornou-se mais fragmentada e suas expressões sindicais mais fracas.
Essa intervenção provocou uma tempestade de críticas, especialmente daqueles que viam o aumento da atividade sindical no final da década de 1970 como um indicador de força. Mas o advento do governo conservador de Margaret Thatcher, em 1979, deu força renovada ao argumento de Hobsbawm. Seu neoliberalismo forte, as sucessivas derrotas eleitorais do Partido Trabalhista e o esmagamento da greve dos mineiros sugeriram que o movimento trabalhista britânico havia pisado no freio. Como alguém que foi creditado por “prever” o triunfo do Thatcherismo, Hobsbawm se viu cada vez mais envolvido em debates sobre as futuras estratégias da esquerda.
Para Hobsbawm, a resposta para a crise da esquerda britânica na década de 1980 foi a mesma que ele sempre deu, a saber, que diferentes tendências deveriam unir forças em uma frente unida para derrotar Thatcher. Essa posição estratégica foi um produto de sua política estudantil no final da década de 1930. Até o final da vida, Hobsbawm permaneceu francamente nostálgico com relação a estratégia de frente popular de sua juventude, quando os comunistas tentaram construir amplas alianças contra o fascismo. Ele acreditava seriamente que a esquerda não poderia vencer num contexto democrático europeu sem deixar de lado suas diferenças e lutar juntos para derrotar a direita. Ele estava tão comprometido com essa estratégia que, ao longo dos anos 1980, comparou Thatcher a Hitler repetidamente. Ele sempre acrescentava advertências à sua comparação, mas era um argumento surpreendentemente histórico para alguém que havia passado pela ascensão de Hitler ao poder e era historiador profissional da Europa moderna.
Por tudo que Hobsbawm enfatizou o valor de uma estratégia de frente popular entre as guerras, os exemplos contemporâneos de unidade de esquerda em que ele se baseava foram frequentemente retirados da periferia europeia e global. Em seus esforços para convencer o movimento trabalhista britânico a deixar de lado seus debates insulares e buscar mais inspiração no exterior, ele apontou não apenas para a esquerda unida na França (que chegou à presidência o cargo em 1981), mas também para exemplos da Espanha e da Itália. De modo crucial, no final da década de 1980, esses pontos de referência foram complementados pelo do Partido dos Trabalhadores do Brasil.
Com a atrofia da esquerda europeia na década de 1990 – especialmente na França e na Itália – Hobsbawm passou a considerar que a esquerda brasileira era o exemplo preeminente de uma estratégia bem-sucedida de frente unida. Ele ficou feliz em admitir sua admiração aberta pelo PT e reconheceu a composição social excepcionalmente ampla do partido, que refletia a ampla base social que a PCI da Itália havia alcançado nos auge das décadas de 1960 a 1970. Ele também comentou repetidamente o fato de o PT ser, na época, o único partido de esquerda de sucesso no mundo liderado por um trabalhador industrial de verdade, o carismático Luiz Inácio Lula da Silva. Ele até confessou que carregava consigo um chaveiro do PT nos últimos anos, um reconhecimento íntimo de sua ligação emocional com o partido.
Além do PT, Hobsbawm demonstrou um grande interesse pelo destino do movimento comunista na Índia. Na década de 1990, a Índia tinha um dos maiores movimentos comunistas do mundo, com décadas de experiência no governo democrático nos grandes estados de Bengala Ocidental e Kerala. Apesar da fragmentação do movimento comunista da Índia e do surgimento de uma violenta rebelião de inspiração maoísta no sul e leste do país na década de 1960, para Hobsbawm, o comunismo indiano era outro exemplo de estratégia de esquerda unida de base ampla e popular que podia se orgulhar de realizações concretas nas urnas.
Se por um lado o reflexo de frente popular de Hobsbawm era firmemente europeu em seus pontos de referência, por outro lado os exemplos que ele citou não vieram principalmente dos centros tradicionais do pensamento marxista. Em vez disso, eles vieram das experiências que ele discutira ou testemunhara além das margens da Europa. Na década de 1980, mesmo quando ancorava suas intervenções nos debates que ocorriam na esquerda britânica, ele também se baseava nas práticas marxistas em países tão distantes como Brasil e Índia. Nessa década, como na década de 1950, as experiências de Hobsbawm na periferia formaram suas intervenções estratégicas e moldaram sua imaginação política.
Abertura para o futuro
Enfatizar o papel da periferia ao longo da carreira de Hobsbawm não significa ignorar as muitas outras influências em seu trabalho. Simplesmente ajuda a pintar uma imagem mais completa de sua trajetória intelectual e a dar uma melhor noção da circulação de ideias marxistas na segunda metade do século XX. Ao dar o devido peso a encontros fugazes com camponeses da Calábria, trabalhadores mexicanos, agricultores peruanos, bandidos argentinos e comunistas indianos, podemos ver as interações de Hobsbawm com a periferia como mais do que uma série de encontros exóticos. Em vez disso, eles se tornam uma parte central de sua visão do que era a esquerda e do que ela poderia vir a ser.
Assim como seu próprio trabalho influenciou milhares de marxistas em lugares inesperados, também seu envolvimento com diferentes partes do mundo moldou profundamente seu próprio marxismo. Para Hobsbawm, a periferia nunca foi periférica. Era um laboratório empolgante para a elaboração de ideias marxistas – um laboratório que oferecia um futuro potencialmente mais dinâmico e aberto para a visão comunista com a qual ele permaneceria para sempre comprometido.
Tradução: Fábio Fernandes
Emile Chabal é um historiador na Universidade de Edimburgo. Ele trabalha na história política e intelectual européia do século XX, com um interesse especial na França.
Fonte: https://jacobin.com.br/2020/06/hobsbawm-nas-margens/
Angela Davis: ''Sabíamos que o papel da polícia era proteger a supremacia branca'' - por Lanre Bakare
Angela Davis: ''Sabíamos que o papel da polícia era proteger
a supremacia branca''
É 1972, e Angela Davis está respondendo a uma pergunta sobre se aprova o uso da violência pelos Panteras Negras. Ela está sentada contra um fundo de tijolos azul-claro, a parede de uma cela da prisão estadual da Califórnia. Vestida com um suéter vermelho de gola rolê, com o cabelo afro que é sua marca registrada e um cigarro aceso, ela olha para o entrevistador sueco – quase através dele – enquanto responde: “Você me pergunta se eu aprovo a violência? Isso não faz nenhum sentido. Se eu aprovo as armas? Cresci em Birmingham, Alabama. Alguns amigos muito, muito próximos, foram mortos por bombas – bombas plantadas por racistas. Lembro-me, desde que era muito pequena, do som de bombas explodindo do outro lado da rua e da casa tremendo... Por isso, quando alguém me pergunta sobre violência, acho incrível porque significa que a pessoa que faz essa pergunta não tem a menor ideia do que os negros vivem e pelo que passam neste país desde o momento em que a primeira pessoa negra foi sequestrada na costa da África.”
Assistir ao pequeno trecho explica o ícone Davis em um instante: a imagem, a intenção, a inteligência. Ela foi imortalizada no documentário de 2011 The Black Power Mixtape, e trechos da entrevista foram compartilhados nas redes sociais desde que o assassinato de George Floyd por um policial de Minneapolis provocou protestos globais contra a violência policial. Seu livro de 1981, Mulheres, Raça e Classe, está sendo largamente compartilhado como uma leitura essencial para quem quer aprender sobre ser ativamente antirracista, ao lado de Da próxima vez, o fogo, de James Baldwin, e da autobiografia de Frederick Douglass.
Aos 76 anos, ela fala, via Zoom, de seu escritório na Califórnia. Pergunto se ela sente que hoje, depois de tantos anos, mudanças significativas são possíveis? “Bem, é claro que (as coisas) podem mudar", diz. "Mas não é garantido”. Seu tom é compreensivelmente cauteloso, já que ela viu tudo, desde a rebelião de Watts e a guerra do Vietnã até Ferguson e a guerra do Iraque. "Depois de muitos momentos de tomada de consciência dramática e tantas possibilidades de mudança, os tipos de reformas instituídas nos períodos subsequentes impediram o potencial radical de se concretizar."
Ela está, de forma geral, entusiasmada pelos vastos protestos desencadeados pela morte de Floyd. Embora tenha havido grandes protestos em 2014 – após a morte de Michael Brown, entre outros, como Tamir Rice, Sandra Bland e Eric Garner – Davis acha que, desta vez, algo mudou. Desta vez, os brancos estão começando a entender.
"Nunca vimos manifestações contínuas, deste tamanho e tão diversas", diz Davis. “Acho que é isso que está dando muita esperança. Muita gente, recentemente, em resposta ao slogan Black Lives Matter, perguntou: ‘Mas não deveríamos na verdade dizer que todas as vidas importam?’ Agora, finalmente, estão entendendo. Que enquanto os negros forem tratados dessa maneira, enquanto a violência do racismo existir, ninguém estará seguro.”
Se alguém é capaz de fazer uma análise da situação atual é Angela Davis. É uma intelectual que milita há cinco décadas pela justiça racial, mas as causas que defende – reforma penitenciária, desfinanciamento da polícia, reestruturação do sistema de fiança – eram até recentemente consideradas radicais demais para o pensamento político dominante. Havia o sentimento de que ela estava parada no tempo; que pertencia a uma categoria dos anos 60, chamada radical chique, e que suas ideias estavam ultrapassadas. Em um perfil escrito em 2016, um entrevistador do Wall Street Journal perguntou aos colegas se sabiam quem era Angela Davis. Ninguém com menos de 35 anos sabia.
Angela Davis pode ter se tornado um ícone da luta por justiça social 50 anos depois de se tornar conhecida, mas ela afirma que a troca com a nova geração de manifestantes e pensadores políticos é de mão dupla. "Vejo esses jovens tão inteligentes, que aprenderam com o passado e trazem novas ideias", diz ela. “Vejo-me aprendendo muito com pessoas 50 anos mais novas que eu. Para mim, é motivo de entusiasmo. E me faz querer continuar na luta”.
"Acho realmente importante ressaltar que, embora a imensidão dessa resposta seja nova, as lutas não são novas", diz. Davis não quer que o impacto da organização comunitária, das oficinas educacionais e dos bancos de alimentos – o trabalho de base iniciado pelos Panteras Negras nos anos 1960 – seja ignorado agora. "As lutas estão sendo travadas há muito tempo", acrescenta. "O que vemos hoje é resultado de um longo trabalho que não recebe necessariamente a atenção da mídia".
Davis cita a militarização da polícia dos EUA após o Vietnã e o potencial para uma reforma penitenciária após a rebelião na prisão de Attica, em 1971, que não se materializou, pelo menos não da forma como ela imaginou. A população carcerária dos EUA explodiu de cerca de 200 mil, na época dos eventos de Attica, para mais de um milhão de prisioneiros em meados dos anos 1990. “Olhando para trás, percebemos que as reformas na verdade ajudaram a consolidar a própria instituição e a torná-la mais permanente”, diz ela. “Esse é o medo agora”.
Então, que conselho daria ao movimento Black Lives Matter? "A coisa mais importante, do meu ponto de vista, é começar a expressar ideias sobre o que podemos fazer a seguir", diz.
Esta é, obviamente, uma grande questão e difícil de responder no calor dos crescentes protestos em todo o mundo. Uma coisa que Davis deixa clara é que momentos como o incêndio de uma delegacia em Minneapolis ou a remoção da estátua de Edward Colston em Bristol não são a resposta final. "Independentemente do que as pessoas pensem, isso não trará mudanças reais", diz ela sobre a remoção da estátua. "É a organização. É o trabalho. Se as pessoas continuarem esse trabalho, se continuarem se organizando contra o racismo e propondo novas formas de pensar a transformação de nossas respectivas sociedades, haverá mudanças”.
Angela Yvonne Davis nasceu em Birmingham, Alabama, em 1944. Na época, o Alabama era controlado pelo político e notório supremacista branco Bull Connor. Davis era amiga de algumas das meninas mortas no atentado à igreja Batista da 16th Street, em 1963 – um ato de terrorismo da Ku Klux Klan que matou quatro meninas e pelo qual nenhum processo foi instaurado até 1977. “Nós sabíamos que o papel da polícia era proteger a supremacia branca”, diz Davis.
Ela se mudou para Nova York aos 15 anos para fazer o ensino médio, foi para a Alemanha Ocidental estudar filosofia e marxismo com Herbert Marcuse na escola de Frankfurt e, de volta aos EUA no final dos anos 1960, atuava nos Panteras Negras e era membro do Partido Comunista. Seu vínculo com o comunismo fez com que o então governador da Califórnia, Ronald Reagan, a demitisse do cargo de professora assistente de filosofia da UCLA.
Então, em 1970, as coisas mudaram bruscamente. Uma espingarda comprada legalmente por ela foi usada em uma tentativa de fuga de um tribunal. Um juiz, que havia sido feito refém, foi morto, assim como Jonathan Jackson – o estudante que armou a tentativa de fuga – e os dois réus. Davis foi acusada de "sequestro agravado e assassinato em primeiro grau" por ter comprado a arma. Ela entrou na clandestinidade e foi presa em Nova York. Aretha Franklin ajudou a dar visibilidade a seu caso, oferecendo-se para pagar sua fiança, os Rolling Stones e John Lennon escreveram canções sobre ela, ela se tornou uma causa célebre em todo o mundo e foi absolvida das acusações após passar 18 meses na prisão. O episódio transformou Davis de uma líder acadêmica e comunitária radical em uma figura internacional de todo tipo de ativismo político. "Agradeço muito por ainda estar viva", diz Davis. "Porque sinto que testemunho tudo isso por todos aqueles que não chegaram até aqui."
Ela sabe o quão perto chegou de não sobreviver. Quando a entrevista de 1972 aconteceu, ela ainda estava presa e era acusada de assassinato, e poderia – em tese – ter sido executada. Muitos dos companheiros Panteras de Davis tiveram mortes violentas nas mãos do estado: Fred Hampton foi morto em uma invasão policial em Chicago, enquanto Bobby Hutton foi baleado enquanto se rendia em Oakland (Marlon Brando fez um discurso em sua homenagem). Muitos ainda estão na prisão (Mumia Abu-Jamal) ou no exílio (Assata Shakur). "Sei que eu poderia ser um deles... vários sucumbiram", diz Davis. “Eu poderia estar na prisão, poderia ter sido condenada a passar o resto da vida atrás das grades. E minha vida foi salva apenas por causa de um movimento e organizado no mundo todo. Então, de certa forma, meu trabalho permanente se baseia na consciência de que eu não estaria aqui se muitas pessoas não tivessem feito o mesmo tipo de trabalho por mim. E continuarei a fazer este trabalho até o dia da minha morte".
Um dos princípios fundamentais da vida de Davis após a prisão é garantir que a contribuição das mulheres para a luta pelos direitos civis não seja ignorada. É algo que ela vê ecoando hoje, quando se luta para que as mulheres vítimas da violência policial – pessoas como Breonna Taylor, baleada e morta pela polícia em Louisville, Kentucky, depois de arrombarem seu apartamento – ganhem a mesma visibilidade que os homens. "Essa masculinização da história remonta a décadas e séculos", diz Davis. "Discussões sobre linchamento, por exemplo, geralmente deixam de registrar não apenas que muitas das vítimas de linchamento eram mulheres negras, mas também que quem lutava contra o linchamento eram mulheres negras, como Ida B. Wells."
"Acho que é importante entender por que acontece essa tendência às representações masculinas de luta, e por que não reconhecemos que as mulheres sempre estiveram no centro dessas lutas, seja como vítimas ou como organizadoras".
Não são apenas as ideias de Davis sobre reforma da polícia e justiça social que estão ocupando espaço; suas ideias sobre como essa mudança pode ocorrer vêm se mostrando igualmente influentes. Há décadas, ela promove o pensamento feminista que rejeita uma liderança política e formas de resistência hipermasculinas. Ela acha que os movimentos Occupy e Black Lives Matter, que não deram ênfase a um líder ou, em alguns casos, até formaram grupos de liderança reconhecíveis, abrem novos caminhos.
"Tem gente que pergunta: 'Onde está o Martin Luther King de hoje?', 'Onde está o novo Malcolm X?' ',' Onde está o próximo Marcus Garvey? '", diz. “E, é claro, quando pensam em líderes, pensam em carismáticos homens negros. Mas a forma de organização radical mais recente entre os jovens, que tem sido um tipo feminista de organização, enfatiza a liderança coletiva.”
Mas não haveria uma tensão entre os ideais de coletividade de Davis e seu próprio status? "Não consigo me levar muito a sério", diz ela. “Digo isso sempre. Nada teria acontecido se dependesse só de mim como indivíduo. Foi o movimento e o impacto do movimento.”
Davis já tentou levar esse movimento para o mainstream antes. Ela foi candidata a vice-presidente pelo Partido Comunista dos EUA em 1980. Em uma palestra em 2006, ela se desesperou com o governo George W. Bush, e hoje nem consegue dizer o nome de Trump, optando pelo "atual morador da Casa Branca". Será que a democracia americana tem espaço hoje para ideias radicais sobre mudanças sociais? "Acho que não", diz Davis. "Não com a liderança das atuais formações políticas – não com os Democratas e certamente não com o Partido Republicano."
Mas e os democratas se ajoelhando e vestindo tecidos kente para mostrar solidariedade? Nancy Pelosi e outros democratas proeminentes usaram o tecido ganês, dado a eles pela bancada negra do Congresso, para mostrar “solidariedade” com os afro-americanos, uma base eleitoral crucial da qual seu candidato à presidência, Joe Biden, vem tentando se aproximar. "Isso é porque eles querem estar do lado certo da história", diz Davis, com desdém. "Não necessariamente porque farão a coisa certa."
Às vezes, Davis conta em suas palestras que, quando criança em Birmingham, perguntava à sua mãe por que não podia ir ao parque de diversões ou bibliotecas segregadas. Sua mãe, ativista igualmente, explicava como a segregação funcionava, mas não parava aí. "Ela sempre nos dizia que as coisas mudariam", diz Davis. “E que eles mudariam, e que poderíamos fazer parte dessa mudança. Assim, quando criança, aprendi a viver sob a segregação racial, mas ao mesmo tempo, a viver em um novo mundo imaginado e a perceber que as coisas não seriam para sempre como eram”.
"Minha mãe sempre nos dizia: 'Não é assim que as coisas deveriam ser, não é assim que o mundo deveria ser.'"
*Publicado originalmente em 'The Guardian' | Tradução de Clarisse Meireles
Fonte: https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Antifascismo/Angela-Davis-Sabiamos-que-o-papel-da-policia-era-proteger-a-supremacia-branca-/47/47890
A veterana ativista dos direitos civis fala sobre crescer
num país segregado, a oportunidade do movimento 'Black Lives Matter' e o que a
inspira a continuar lutando
Créditos da foto: Angela Davis fala em uma manifestação, em
1974 (Bettmann/Bettmann Archive)
É 1972, e Angela Davis está respondendo a uma pergunta sobre se aprova o uso da violência pelos Panteras Negras. Ela está sentada contra um fundo de tijolos azul-claro, a parede de uma cela da prisão estadual da Califórnia. Vestida com um suéter vermelho de gola rolê, com o cabelo afro que é sua marca registrada e um cigarro aceso, ela olha para o entrevistador sueco – quase através dele – enquanto responde: “Você me pergunta se eu aprovo a violência? Isso não faz nenhum sentido. Se eu aprovo as armas? Cresci em Birmingham, Alabama. Alguns amigos muito, muito próximos, foram mortos por bombas – bombas plantadas por racistas. Lembro-me, desde que era muito pequena, do som de bombas explodindo do outro lado da rua e da casa tremendo... Por isso, quando alguém me pergunta sobre violência, acho incrível porque significa que a pessoa que faz essa pergunta não tem a menor ideia do que os negros vivem e pelo que passam neste país desde o momento em que a primeira pessoa negra foi sequestrada na costa da África.”
Assistir ao pequeno trecho explica o ícone Davis em um instante: a imagem, a intenção, a inteligência. Ela foi imortalizada no documentário de 2011 The Black Power Mixtape, e trechos da entrevista foram compartilhados nas redes sociais desde que o assassinato de George Floyd por um policial de Minneapolis provocou protestos globais contra a violência policial. Seu livro de 1981, Mulheres, Raça e Classe, está sendo largamente compartilhado como uma leitura essencial para quem quer aprender sobre ser ativamente antirracista, ao lado de Da próxima vez, o fogo, de James Baldwin, e da autobiografia de Frederick Douglass.
Aos 76 anos, ela fala, via Zoom, de seu escritório na Califórnia. Pergunto se ela sente que hoje, depois de tantos anos, mudanças significativas são possíveis? “Bem, é claro que (as coisas) podem mudar", diz. "Mas não é garantido”. Seu tom é compreensivelmente cauteloso, já que ela viu tudo, desde a rebelião de Watts e a guerra do Vietnã até Ferguson e a guerra do Iraque. "Depois de muitos momentos de tomada de consciência dramática e tantas possibilidades de mudança, os tipos de reformas instituídas nos períodos subsequentes impediram o potencial radical de se concretizar."
Ela está, de forma geral, entusiasmada pelos vastos protestos desencadeados pela morte de Floyd. Embora tenha havido grandes protestos em 2014 – após a morte de Michael Brown, entre outros, como Tamir Rice, Sandra Bland e Eric Garner – Davis acha que, desta vez, algo mudou. Desta vez, os brancos estão começando a entender.
"Nunca vimos manifestações contínuas, deste tamanho e tão diversas", diz Davis. “Acho que é isso que está dando muita esperança. Muita gente, recentemente, em resposta ao slogan Black Lives Matter, perguntou: ‘Mas não deveríamos na verdade dizer que todas as vidas importam?’ Agora, finalmente, estão entendendo. Que enquanto os negros forem tratados dessa maneira, enquanto a violência do racismo existir, ninguém estará seguro.”
Se alguém é capaz de fazer uma análise da situação atual é Angela Davis. É uma intelectual que milita há cinco décadas pela justiça racial, mas as causas que defende – reforma penitenciária, desfinanciamento da polícia, reestruturação do sistema de fiança – eram até recentemente consideradas radicais demais para o pensamento político dominante. Havia o sentimento de que ela estava parada no tempo; que pertencia a uma categoria dos anos 60, chamada radical chique, e que suas ideias estavam ultrapassadas. Em um perfil escrito em 2016, um entrevistador do Wall Street Journal perguntou aos colegas se sabiam quem era Angela Davis. Ninguém com menos de 35 anos sabia.
Angela Davis pode ter se tornado um ícone da luta por justiça social 50 anos depois de se tornar conhecida, mas ela afirma que a troca com a nova geração de manifestantes e pensadores políticos é de mão dupla. "Vejo esses jovens tão inteligentes, que aprenderam com o passado e trazem novas ideias", diz ela. “Vejo-me aprendendo muito com pessoas 50 anos mais novas que eu. Para mim, é motivo de entusiasmo. E me faz querer continuar na luta”.
"Acho realmente importante ressaltar que, embora a imensidão dessa resposta seja nova, as lutas não são novas", diz. Davis não quer que o impacto da organização comunitária, das oficinas educacionais e dos bancos de alimentos – o trabalho de base iniciado pelos Panteras Negras nos anos 1960 – seja ignorado agora. "As lutas estão sendo travadas há muito tempo", acrescenta. "O que vemos hoje é resultado de um longo trabalho que não recebe necessariamente a atenção da mídia".
Davis cita a militarização da polícia dos EUA após o Vietnã e o potencial para uma reforma penitenciária após a rebelião na prisão de Attica, em 1971, que não se materializou, pelo menos não da forma como ela imaginou. A população carcerária dos EUA explodiu de cerca de 200 mil, na época dos eventos de Attica, para mais de um milhão de prisioneiros em meados dos anos 1990. “Olhando para trás, percebemos que as reformas na verdade ajudaram a consolidar a própria instituição e a torná-la mais permanente”, diz ela. “Esse é o medo agora”.
Então, que conselho daria ao movimento Black Lives Matter? "A coisa mais importante, do meu ponto de vista, é começar a expressar ideias sobre o que podemos fazer a seguir", diz.
Esta é, obviamente, uma grande questão e difícil de responder no calor dos crescentes protestos em todo o mundo. Uma coisa que Davis deixa clara é que momentos como o incêndio de uma delegacia em Minneapolis ou a remoção da estátua de Edward Colston em Bristol não são a resposta final. "Independentemente do que as pessoas pensem, isso não trará mudanças reais", diz ela sobre a remoção da estátua. "É a organização. É o trabalho. Se as pessoas continuarem esse trabalho, se continuarem se organizando contra o racismo e propondo novas formas de pensar a transformação de nossas respectivas sociedades, haverá mudanças”.
Angela Yvonne Davis nasceu em Birmingham, Alabama, em 1944. Na época, o Alabama era controlado pelo político e notório supremacista branco Bull Connor. Davis era amiga de algumas das meninas mortas no atentado à igreja Batista da 16th Street, em 1963 – um ato de terrorismo da Ku Klux Klan que matou quatro meninas e pelo qual nenhum processo foi instaurado até 1977. “Nós sabíamos que o papel da polícia era proteger a supremacia branca”, diz Davis.
Ela se mudou para Nova York aos 15 anos para fazer o ensino médio, foi para a Alemanha Ocidental estudar filosofia e marxismo com Herbert Marcuse na escola de Frankfurt e, de volta aos EUA no final dos anos 1960, atuava nos Panteras Negras e era membro do Partido Comunista. Seu vínculo com o comunismo fez com que o então governador da Califórnia, Ronald Reagan, a demitisse do cargo de professora assistente de filosofia da UCLA.
Então, em 1970, as coisas mudaram bruscamente. Uma espingarda comprada legalmente por ela foi usada em uma tentativa de fuga de um tribunal. Um juiz, que havia sido feito refém, foi morto, assim como Jonathan Jackson – o estudante que armou a tentativa de fuga – e os dois réus. Davis foi acusada de "sequestro agravado e assassinato em primeiro grau" por ter comprado a arma. Ela entrou na clandestinidade e foi presa em Nova York. Aretha Franklin ajudou a dar visibilidade a seu caso, oferecendo-se para pagar sua fiança, os Rolling Stones e John Lennon escreveram canções sobre ela, ela se tornou uma causa célebre em todo o mundo e foi absolvida das acusações após passar 18 meses na prisão. O episódio transformou Davis de uma líder acadêmica e comunitária radical em uma figura internacional de todo tipo de ativismo político. "Agradeço muito por ainda estar viva", diz Davis. "Porque sinto que testemunho tudo isso por todos aqueles que não chegaram até aqui."
Ela sabe o quão perto chegou de não sobreviver. Quando a entrevista de 1972 aconteceu, ela ainda estava presa e era acusada de assassinato, e poderia – em tese – ter sido executada. Muitos dos companheiros Panteras de Davis tiveram mortes violentas nas mãos do estado: Fred Hampton foi morto em uma invasão policial em Chicago, enquanto Bobby Hutton foi baleado enquanto se rendia em Oakland (Marlon Brando fez um discurso em sua homenagem). Muitos ainda estão na prisão (Mumia Abu-Jamal) ou no exílio (Assata Shakur). "Sei que eu poderia ser um deles... vários sucumbiram", diz Davis. “Eu poderia estar na prisão, poderia ter sido condenada a passar o resto da vida atrás das grades. E minha vida foi salva apenas por causa de um movimento e organizado no mundo todo. Então, de certa forma, meu trabalho permanente se baseia na consciência de que eu não estaria aqui se muitas pessoas não tivessem feito o mesmo tipo de trabalho por mim. E continuarei a fazer este trabalho até o dia da minha morte".
Um dos princípios fundamentais da vida de Davis após a prisão é garantir que a contribuição das mulheres para a luta pelos direitos civis não seja ignorada. É algo que ela vê ecoando hoje, quando se luta para que as mulheres vítimas da violência policial – pessoas como Breonna Taylor, baleada e morta pela polícia em Louisville, Kentucky, depois de arrombarem seu apartamento – ganhem a mesma visibilidade que os homens. "Essa masculinização da história remonta a décadas e séculos", diz Davis. "Discussões sobre linchamento, por exemplo, geralmente deixam de registrar não apenas que muitas das vítimas de linchamento eram mulheres negras, mas também que quem lutava contra o linchamento eram mulheres negras, como Ida B. Wells."
"Acho que é importante entender por que acontece essa tendência às representações masculinas de luta, e por que não reconhecemos que as mulheres sempre estiveram no centro dessas lutas, seja como vítimas ou como organizadoras".
Não são apenas as ideias de Davis sobre reforma da polícia e justiça social que estão ocupando espaço; suas ideias sobre como essa mudança pode ocorrer vêm se mostrando igualmente influentes. Há décadas, ela promove o pensamento feminista que rejeita uma liderança política e formas de resistência hipermasculinas. Ela acha que os movimentos Occupy e Black Lives Matter, que não deram ênfase a um líder ou, em alguns casos, até formaram grupos de liderança reconhecíveis, abrem novos caminhos.
"Tem gente que pergunta: 'Onde está o Martin Luther King de hoje?', 'Onde está o novo Malcolm X?' ',' Onde está o próximo Marcus Garvey? '", diz. “E, é claro, quando pensam em líderes, pensam em carismáticos homens negros. Mas a forma de organização radical mais recente entre os jovens, que tem sido um tipo feminista de organização, enfatiza a liderança coletiva.”
Mas não haveria uma tensão entre os ideais de coletividade de Davis e seu próprio status? "Não consigo me levar muito a sério", diz ela. “Digo isso sempre. Nada teria acontecido se dependesse só de mim como indivíduo. Foi o movimento e o impacto do movimento.”
Davis já tentou levar esse movimento para o mainstream antes. Ela foi candidata a vice-presidente pelo Partido Comunista dos EUA em 1980. Em uma palestra em 2006, ela se desesperou com o governo George W. Bush, e hoje nem consegue dizer o nome de Trump, optando pelo "atual morador da Casa Branca". Será que a democracia americana tem espaço hoje para ideias radicais sobre mudanças sociais? "Acho que não", diz Davis. "Não com a liderança das atuais formações políticas – não com os Democratas e certamente não com o Partido Republicano."
Mas e os democratas se ajoelhando e vestindo tecidos kente para mostrar solidariedade? Nancy Pelosi e outros democratas proeminentes usaram o tecido ganês, dado a eles pela bancada negra do Congresso, para mostrar “solidariedade” com os afro-americanos, uma base eleitoral crucial da qual seu candidato à presidência, Joe Biden, vem tentando se aproximar. "Isso é porque eles querem estar do lado certo da história", diz Davis, com desdém. "Não necessariamente porque farão a coisa certa."
Às vezes, Davis conta em suas palestras que, quando criança em Birmingham, perguntava à sua mãe por que não podia ir ao parque de diversões ou bibliotecas segregadas. Sua mãe, ativista igualmente, explicava como a segregação funcionava, mas não parava aí. "Ela sempre nos dizia que as coisas mudariam", diz Davis. “E que eles mudariam, e que poderíamos fazer parte dessa mudança. Assim, quando criança, aprendi a viver sob a segregação racial, mas ao mesmo tempo, a viver em um novo mundo imaginado e a perceber que as coisas não seriam para sempre como eram”.
"Minha mãe sempre nos dizia: 'Não é assim que as coisas deveriam ser, não é assim que o mundo deveria ser.'"
*Publicado originalmente em 'The Guardian' | Tradução de Clarisse Meireles
Fonte: https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Antifascismo/Angela-Davis-Sabiamos-que-o-papel-da-policia-era-proteger-a-supremacia-branca-/47/47890
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