segunda-feira, 22 de junho de 2020

Hobsbawm nas margens – por Emile Chabal

Hobsbawm nas margens

A historiografia do marxismo costuma imaginar um pensamento essencialmente europeu se espalhando pelo mundo. No entanto, como demonstra o trabalho de Eric Hobsbawm, os avanços revolucionários na “periferia” podem remodelar profundamente o próprio pensamento dos marxistas ocidentais.
January 1976: The British historian Eric Hobsbawm. (Photo by Wesley/Keystone/Getty Images)

Não é por acidente que a história do pensamento marxista é dominada por um pequeno grupo de pensadores europeus. Ocasionalmente, há espaço para um Frantz Fanon ou um C.L. R. James, cujas origens estão fora da Europa. Em ocasiões muito raras, há uma discussão séria de teóricos marxistas que operaram inteiramente fora da Europa, como o peruano José Carlos Mariátegui ou a escola indiana de “estudos subalternos”. Mas a realidade é que os pensadores europeus predominam. Ainda hoje, a história do marxismo é normalmente contada em termos da difusão de ideias de um centro ocidental para uma periferia não-ocidental.

Tais desequilíbrios são quase inevitáveis, dados o prestígio e a influência desproporcionais do pensamento europeu ao longo do século vinte. Entretanto, eles também levantam questões específicas para a história do marxismo. Afinal, o pensamento e a prática marxistas tiraram grande parte de sua vitalidade de desenvolvimentos fora da Europa. Governos de inspiração marxista em países como Cuba, Vietnã e China representam sem dúvida a contribuição do marxismo para a política do século vinte, que foi pelo menos tão importante quanto as várias tentativas pós-1917 de fazer o comunismo funcionar na Europa.

Isso coloca o problema de como a história do marxismo pode ser reescrita para levar em conta seu alcance global. Uma maneira é simplesmente abrir mais espaço para ideias e personalidades não-ocidentais. Outra é virar a geografia do marxismo ocidental de cabeça para baixo. Isso significa reconhecer que, embora o pensamento marxista europeu canônico viajasse para os cantos mais distantes do globo, havia também uma jornada de retorno, pois as ideias articuladas na periferia reformulavam as do centro.

Dos muitos intelectuais marxistas do século XX que se beneficiaram dessa troca de ideias nos dois sentidos, um dos mais interessantes é o historiador Eric Hobsbawm. Ao contrário de muitos intelectuais europeus, ele procurou ativamente – e encontrou – uma audiência global. Seus livros e artigos de enorme sucesso provocaram debates em lugares tão diversos quanto Delhi, Cidade do México e Palo Alto, e ele podia se orgulhar de ter um longo relacionamento com partidos como o Partito Comunista Italiano (PCI). Perto do fim de sua vida, ele seria elevado ao status de ícone cultural inclusive no Brasil.

Mas esse sucesso global impressionante é apenas parte da história. As interações de Hobsbawm com o resto do mundo nunca assumiram tão somente a forma de contratos para escrever livros, dar palestras como keynote speaker e ter artigos seminais discutidos por estudantes entusiasmados. Pelo contrário, suas experiências vividas na “periferia” moldaram profundamente suas estruturas teóricas e históricas. A partir de meados da década de 1950, deram origem aos seus insights mais originais e penetrantes sobre três debates no coração do pensamento marxista: a definição do ator revolucionário, a noção de revolução propriamente dita e a estratégia preferida para os partidos de esquerda democráticos.

Encontrando um ator revolucionário na periferia da Europa

Hobsbawm sempre teve interesse no mundo extra-europeu, pelo menos desde a sua chegada à Grã-Bretanha em 1934. Como um jovem comunista, o imperialismo estava na vanguarda de seu pensamento. Durante seu envolvimento com os congressos globais de estudantes em Paris em 1937 e 1939, ele se aproximou de jovens revolucionários de todo o mundo colonial e conseguiu financiamento do King’s College, em Cambridge, para fazer um trabalho de campo sobre o problema agrário no norte da África francês no verão de 1938. Ele passou meses lá, conversando com oficiais coloniais e jovens comunistas, e observando o funcionamento interno do colonialismo francês.

Se não fosse pelo início da Segunda Guerra Mundial, Hobsbawm poderia ter escrito seu doutorado sobre aquela região. Mas a guerra e seu primeiro casamento restringiram seus horizontes, e ele foi ficando cada vez mais absorvido pelo mundo intelectual e político do comunismo britânico. Desde o final da guerra até 1956, este se tornou seu ponto de referência dominante. Embora ainda permanecesse interessado no imperialismo e na descolonização, seu principal lar intelectual nesse período – o Grupo de Historiadores do Partido Comunista – negligenciou amplamente o tópico, e poucos historiadores marxistas britânicos de sua geração se envolveram com desenvolvimentos intelectuais em outras partes da Europa, quanto mais em outros lugares.

As múltiplas crises de 1956 despedaçaram o mundo hermeticamente fechado do comunismo britânico. Por ter se recusado a deixar o Partido Comunista da Grã-Bretanha (CPGB), Hobsbawm ficou preso do lado de dentro, enredado entre ex-camaradas que não conseguiam entender sua decisão de ficar e uma hierarquia do partido que desconfiava dele. Em parte como uma maneira de escapar do ambiente político sufocante da época, ele renovou seu antigo interesse em processos históricos, sociais e políticos que estavam ocorrendo longe dos centros da vida intelectual europeia. Ele não retornou ao norte da África francês – que naquela época se encontrava em meio a uma violenta guerra anticolonial – mas voltou sua atenção para o sul da Itália e da Espanha. Essas regiões, muitas vezes negligenciadas pelos pensadores marxistas, forneceram a matéria-prima do primeiro livro original de Hobsbawm, o conjunto de ensaios que passaram a ser conhecidos como Primitive Rebels [Rebeldes Primitivos] (1959).

Primitive Rebels foi uma combinação de duas vertentes distintas no pensamento inicial de Hobsbawm. Primeiro, um interesse pelas experiências vividas por pessoas comuns, que já era visível em seus artigos sobre a classe trabalhadora inglesa; segundo, uma preocupação em identificar os atores revolucionários mais promissores da história europeia moderna. Embora todo o impulso argumentativo dos ensaios representasse uma visão leninista ortodoxa de que os “rebeldes primitivos” que comandavam revoltas rurais eram pré-políticos, incapazes de organização sustentada e necessitando da orientação de um partido de vanguarda, o foco da análise de Hobsbawm não foi lá muito ortodoxo.

Até a década de 1950, tanto marxistas quanto não-marxistas consideravam as rebeliões rurais do século dezenove e início do século vinte como pouco mais do que uma raiva incipiente e mal direcionada. Hobsbawm, entretanto, fez um esforço sustentado para explicar as queixas econômicas e sociais dos rebeldes rurais, e escreveu com sensibilidade sobre suas façanhas. Ele reconheceu que as rebeliões primitivas não eram políticas no sentido marxista, mas acreditava firmemente no valor de estudá-las como formas de protesto que poderiam fornecer a matéria-prima para políticas revolucionárias subsequentes.

É impossível entender esse interesse inesperado na vida interior dos rebeldes rurais esquecidos sem apreciar o crescente envolvimento de Hobsbawm com a Espanha e a Itália nesse período. No início dos anos 1950, ele visitou a Espanha pela primeira vez e começou a fazer viagens regulares à Itália, onde foi apresentado a uma geração de intelectuais entusiasmados do PCI e trabalhadores do partido. Ele usou essas conexões para viajar para partes do sul da Itália e do sul da Espanha, na época lar de algumas das populações mais pobres da Europa Ocidental. Durante o tempo que passou lá, ele se esforçou para conversar com os habitantes locais sobre suas memórias e suas condições de vida, usando seu parco conhecimento de italiano e espanhol. Ele anotou essas conversas e, ao retornar à Grã-Bretanha, buscou trabalhos acadêmicos que sustentassem as ideias dispersas que ele havia adquirido em suas viagens.

Seu trabalho não tinha nada de sistemático. Pelos padrões de hoje, seu trabalho de campo não era rigoroso nem extenso. Na melhor das hipóteses, era o que se esperava que um jornalista estrangeiro fizesse enquanto pesquisava uma matéria – e, de fato, ele frequentemente escrevia sobre suas viagens em publicações como a New Statesman. Mesmo assim, suas viagens começaram a influenciar suas inclinações teóricas. Ele ainda acreditava na primazia da base econômica e sustentava que a rebelião primitiva era primitiva de fato. No entanto, seus encontros reforçaram seu senso da importância vital das tradições, práticas, histórias e experiências locais. E a maneira como ele escreveu sobre seus temas estabeleceu caminhos alternativos para a revolução, abrindo a porta para novos atores revolucionários.

Assim, as experiências de Hobsbawm na periferia desempenharam um papel central em sua reinterpretação da teoria marxista em Primitive Rebels, bem como em sua continuação, Bandidos, publicada originalmente em 1969. Após a amarga desilusão de 1956, as histórias esquecidas da Europa periférica ofereceram a possibilidade de renovação, sem perturbar uma hierarquia do CPGB que não tinha nenhum interesse nas canções folclóricas dos camponeses da Sardenha ou dos agricultores andaluzes. Seus encontros casuais nas praças das aldeias não foram apenas um produto da curiosidade de Hobsbawm. Ele os usou para refletir sobre a prática revolucionária sem se desviar para as discussões mais carregadas entre os historiadores marxistas ocidentais da época, como os debates em torno da transição da Inglaterra do feudalismo para o capitalismo ou a dinâmica de classes da Revolução Francesa.

Repensando a revolução a partir da América Latina

Hobsbawm encontrou a América Latina em etapas. Ele fez visitas rápidas a Cuba em 1960 e em 1961, como parte da onda de intelectuais europeus que queriam ver pessoalmente a revolução de Fidel. Mas seu primeiro envolvimento profundo com a região ocorreu em uma viagem de campo de três meses à América do Sul, financiada pela Fundação Rockefeller, no final de 1962. Sua viagem seguiu um padrão semelhante ao de suas viagens anteriores à Espanha e Itália. Em vez de passar muito tempo num lugar só, ele pulava de cidade em cidade, passando algumas semanas em cada. Ao longo de 1962, viajou para Recife e Rio de Janeiro, Buenos Aires, Santiago, Lima, Bogotá, La Paz e Caracas. Em cada cidade, ele organizava um encontro e conversava com acadêmicos e ativistas de esquerda. Quando tinha sorte, era apresentado a trabalhadores e sindicalistas, ou era levado a áreas mais rurais para conhecer camponeses, indígenas ou qualquer outra pessoa que quisesse conversar com um curioso historiador britânico.

Hobsbawm continuou a visitar a América Latina nos anos seguintes. Isso incluiu sua viagem ao Congresso Cultural em Havana, em 1968, e visitas frequentes ao Brasil nos anos 1970. Uma bolsa de estudos de longa duração na Universidad Nacional Autónoma de México, no início de 1971, foi seguida por um breve período de pesquisa no Peru naquele verão. Na década de 1980, ele havia parado de tentar fazer qualquer pesquisa na região, mas sua fama crescente significava que ele não precisava mais de uma desculpa para viajar até lá. Até sua morte em 2012, ele fazia visitas frequentes e cada vez mais bem-sucedidas a vários países da América Latina, geralmente de modo a coincidir com a publicação de algum de seus livros.

Dada a escassez de pesquisas de arquivo e de campo que Hobsbawm fez na América Latina, ele tomou cuidado para não afirmar que era um especialista na região. Mas, num momento em que o interesse pela região estava crescendo e não havia muita coisa escrita em inglês sobre a América Latina, ele foi rapidamente rotulado como especialista. Ele era contratado para escrever artigos sobre a situação política em vários países da América Latina – tarefa para a qual ele estava mais do que preparado devido a seus talentos jornalísticos – enquanto as associações britânicas de estudantes universitários o convidavam a explicar a dinâmica da Revolução Cubana ou das rebeliões camponesas.

Esse processo de se tornar um especialista regional, quase por acidente, ampliou a posição da América Latina nas constantes reformulações de Hobsbawm da teoria marxista. Em seu pedido de bolsa à Fundação Rockefeller, em 1962, ele argumentou que queria visitar a América Latina para estudar movimentos sociais primitivos, como uma continuação direta de seu trabalho anterior sobre rebelião primitiva. Mas, na década de 1970, seus horizontes haviam se expandido para envolver uma série de debates sobre a história e a política latino-americanas. Isso o incentivou a repensar a ideia de revolução num momento em que as perspectivas revolucionárias na Europa pareciam ter se retraído.

O envolvimento crítico de Hobsbawm com o histórico revolucionário latino-americano era visível em seus dois artigos acadêmicos mais substanciais sobre a região. O primeiro, publicado em 1969, se concentrou na rebelião camponesa na região de La Convención, no Peru, liderada pelo revolucionário dissidente Hugo Blanco; o segundo, publicado em 1974, era um estudo mais amplo sobre ocupações de terras camponesas na serra central do Peru, com base em milhares de documentos recuperados por um grupo de jovens pesquisadores de haciendas que estavam sendo transformadas em fazendas cooperativas. Como muitos críticos apontaram, ambos os artigos se apegavam às estruturas marxistas ortodoxas da ação revolucionária camponesa como pertencente a uma fase pré-política do desenvolvimento. Mas, como no caso de seus escritos sobre a Itália e a Espanha, o domínio que Hobsbawm tinha dos detalhes contextuais e sua óbvia simpatia por muitas das figuras-chave desmentiram essa interpretação mais rígida. Em meio à cuidadosa análise dos preços dos alimentos e dos padrões de concessão da terra, ele viu o potencial de uma transformação social revolucionária nas ações dos camponeses latino-americanos.

As experiências de Hobsbawm na América Latina também confirmaram sua visão do que a revolução não deveria ser. Seu encontro com movimentos radicais de esquerda (e seus seguidores na Europa) cimentou sua hostilidade de longa data em relação a estratégias baseadas em anarquistas e guerrilheiros. Ele criticou consistentemente as tentativas cubanas de incitar a revolução em diferentes partes do continente depois de 1959, e desdenhou a ideia de uma revolução espontânea do campesinato. Pelo contrário, ele chegou a acreditar que sociedades latino-americanas altamente estratificadas e desiguais só alcançariam a revolução através do Estado. Foi isso que o levou a apoiar a ditadura militar “progressista” do Peru, liderada por Juan Velasco Alvarado de 1968 a 1975. Num artigo importante publicado pela New York Review of Books em 1971, Hobsbawm argumentou que o Peru sob Velasco estava passando por uma “revolução peculiar”. Foi, em suas palavras, uma “transformação da estrutura econômica, social e institucional” do país, mas que não envolvia “nenhuma mobilização em massa de forças populares”.

Esse apoio aberto a um regime militar foi um choque para os interlocutores peruanos de Hobsbawm, muitos dos quais acreditavam que uma ditadura militar só poderia significar um desastre para a esquerda. Mas isso tipificava sua tentativa de lidar com o problema da revolução à luz de suas viagens. Hobsbawm reconhecia que as perspectivas de revolução eram boas na América Latina na década de 1960, mas também sabia que os partidos comunistas organizados eram fracos, e o fantasma do autoritarismo de direita estava sempre presente. O regime de Velasco, comprometido com uma extensa reforma agrária, a nacionalização da extração de recursos e uma certa redistribuição de riqueza, oferecia um meio-termo adequado. Era antidemocrático, mas prometia abordar as queixas legítimas de um campesinato rural empobrecido e semifeudal sem esbarrar no beco sem saída idealista da política guerrilheira guevarista.

Essa visão híbrida da revolução casou os reflexos comunistas ortodoxos de Hobsbawm com um reconhecimento da situação desesperadora das massas. É improvável que ele tivesse criado tal estrutura se não tivesse sido exposto à escala de desigualdade socioeconômica que existia na América Latina na década de 1960, algo que frequentemente mencionava em suas anotações de campo e nos artigos jornalísticos que escreveu após seu retorno. Os lugares que ele visitou, as pessoas que conheceu em trens e ônibus e as entrevistas que conduziu com acadêmicos e intelectuais de esquerda o forçaram a reavaliar as condições sob as quais a revolução poderia acontecer e a forma que ela poderia assumir. Ao contrário de muitos marxistas europeus mais jovens, ele nunca foi seduzido pela promessa da revolução global. Mas ele se livrou de algumas de suas suposições mais rígidas sobre como seria uma revolução social de sucesso.

O socialismo democrático nos anos 1980

No final da década de 1970, Hobsbawm provocou uma grande controvérsia na esquerda britânica com sua palestra “A Marcha Adiante do Trabalho Parou”, que mais tarde foi publicada como um artigo na revista do CPGB, Marxism Today, que havia sido revitalizada. O argumento dele era simples: o desenvolvimento do movimento trabalhista britânico, que fora tão crucial para o surgimento do Partido Trabalhista no início do século XX, havia estagnado em algum momento nas décadas de 1950 e 1960. Desde então, a classe trabalhadora tornou-se mais fragmentada e suas expressões sindicais mais fracas.

Essa intervenção provocou uma tempestade de críticas, especialmente daqueles que viam o aumento da atividade sindical no final da década de 1970 como um indicador de força. Mas o advento do governo conservador de Margaret Thatcher, em 1979, deu força renovada ao argumento de Hobsbawm. Seu neoliberalismo forte, as sucessivas derrotas eleitorais do Partido Trabalhista e o esmagamento da greve dos mineiros sugeriram que o movimento trabalhista britânico havia pisado no freio. Como alguém que foi creditado por “prever” o triunfo do Thatcherismo, Hobsbawm se viu cada vez mais envolvido em debates sobre as futuras estratégias da esquerda.

Para Hobsbawm, a resposta para a crise da esquerda britânica na década de 1980 foi a mesma que ele sempre deu, a saber, que diferentes tendências deveriam unir forças em uma frente unida para derrotar Thatcher. Essa posição estratégica foi um produto de sua política estudantil no final da década de 1930. Até o final da vida, Hobsbawm permaneceu francamente nostálgico com relação a estratégia de frente popular de sua juventude, quando os comunistas tentaram construir amplas alianças contra o fascismo. Ele acreditava seriamente que a esquerda não poderia vencer num contexto democrático europeu sem deixar de lado suas diferenças e lutar juntos para derrotar a direita. Ele estava tão comprometido com essa estratégia que, ao longo dos anos 1980, comparou Thatcher a Hitler repetidamente. Ele sempre acrescentava advertências à sua comparação, mas era um argumento surpreendentemente histórico para alguém que havia passado pela ascensão de Hitler ao poder e era historiador profissional da Europa moderna.

Por tudo que Hobsbawm enfatizou o valor de uma estratégia de frente popular entre as guerras, os exemplos contemporâneos de unidade de esquerda em que ele se baseava foram frequentemente retirados da periferia europeia e global. Em seus esforços para convencer o movimento trabalhista britânico a deixar de lado seus debates insulares e buscar mais inspiração no exterior, ele apontou não apenas para a esquerda unida na França (que chegou à presidência o cargo em 1981), mas também para exemplos da Espanha e da Itália. De modo crucial, no final da década de 1980, esses pontos de referência foram complementados pelo do Partido dos Trabalhadores do Brasil.

Com a atrofia da esquerda europeia na década de 1990 – especialmente na França e na Itália – Hobsbawm passou a considerar que a esquerda brasileira era o exemplo preeminente de uma estratégia bem-sucedida de frente unida. Ele ficou feliz em admitir sua admiração aberta pelo PT e reconheceu a composição social excepcionalmente ampla do partido, que refletia a ampla base social que a PCI da Itália havia alcançado nos auge das décadas de 1960 a 1970. Ele também comentou repetidamente o fato de o PT ser, na época, o único partido de esquerda de sucesso no mundo liderado por um trabalhador industrial de verdade, o carismático Luiz Inácio Lula da Silva. Ele até confessou que carregava consigo um chaveiro do PT nos últimos anos, um reconhecimento íntimo de sua ligação emocional com o partido.

Além do PT, Hobsbawm demonstrou um grande interesse pelo destino do movimento comunista na Índia. Na década de 1990, a Índia tinha um dos maiores movimentos comunistas do mundo, com décadas de experiência no governo democrático nos grandes estados de Bengala Ocidental e Kerala. Apesar da fragmentação do movimento comunista da Índia e do surgimento de uma violenta rebelião de inspiração maoísta no sul e leste do país na década de 1960, para Hobsbawm, o comunismo indiano era outro exemplo de estratégia de esquerda unida de base ampla e popular que podia se orgulhar de realizações concretas nas urnas.

Se por um lado o reflexo de frente popular de Hobsbawm era firmemente europeu em seus pontos de referência, por outro lado os exemplos que ele citou não vieram principalmente dos centros tradicionais do pensamento marxista. Em vez disso, eles vieram das experiências que ele discutira ou testemunhara além das margens da Europa. Na década de 1980, mesmo quando ancorava suas intervenções nos debates que ocorriam na esquerda britânica, ele também se baseava nas práticas marxistas em países tão distantes como Brasil e Índia. Nessa década, como na década de 1950, as experiências de Hobsbawm na periferia formaram suas intervenções estratégicas e moldaram sua imaginação política.

Abertura para o futuro

Enfatizar o papel da periferia ao longo da carreira de Hobsbawm não significa ignorar as muitas outras influências em seu trabalho. Simplesmente ajuda a pintar uma imagem mais completa de sua trajetória intelectual e a dar uma melhor noção da circulação de ideias marxistas na segunda metade do século XX. Ao dar o devido peso a encontros fugazes com camponeses da Calábria, trabalhadores mexicanos, agricultores peruanos, bandidos argentinos e comunistas indianos, podemos ver as interações de Hobsbawm com a periferia como mais do que uma série de encontros exóticos. Em vez disso, eles se tornam uma parte central de sua visão do que era a esquerda e do que ela poderia vir a ser.

Assim como seu próprio trabalho influenciou milhares de marxistas em lugares inesperados, também seu envolvimento com diferentes partes do mundo moldou profundamente seu próprio marxismo. Para Hobsbawm, a periferia nunca foi periférica. Era um laboratório empolgante para a elaboração de ideias marxistas – um laboratório que oferecia um futuro potencialmente mais dinâmico e aberto para a visão comunista com a qual ele permaneceria para sempre comprometido.

Tradução: Fábio Fernandes

Emile Chabal é um historiador na Universidade de Edimburgo. Ele trabalha na história política e intelectual européia do século XX, com um interesse especial na França.

Fonte: https://jacobin.com.br/2020/06/hobsbawm-nas-margens/

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