Desmistificando o pensamento anarquista através de Bakinin
No dia 30 de maio de 1814 nascia o revolucionário, filósofo
e sociólogo Mikhail Aleksandrovitch Bakunin, um dos principais fundadores da
tradição social anarquista, considerado uma das figuras mais importantes dentro
do anarquismo. Sua influência e prestígio lhe consolidaram como um dos
ideólogos mais famosos de sua época e seu legado lhe conferiu status um
tanto quanto lendário, de modo que sua imagem é um símbolo do
antiautoritarismo.
Com um gênio notadamente radicalista, Bakunin veio a ser
preso em 1849 por conta de sua participação na rebelião checa no ano anterior,
tendo passado posteriormente também por um campo de trabalho na Sibéria. Viria
a se livrar apenas em 1957, quando consegue fugir para o Japão. Sua experiência
com o cárcere indiscutivelmente contribuiu com o desenvolvimento do seu
pensamento antiautoritário.
Ao não reconhecer outra autoridade absoluta que não seja a
da ciência absoluta, não comprometemos de forma alguma nossa liberdade.
(BAKUNIN, 2002, p.34).
A exemplo do trecho supra, defendia acima de tudo a
liberdade, tanto individual quanto coletiva – sendo estas complementares uma à
outra, como duas faces de uma moeda –, bem como ideais de coletivismo (apoio
mútuo, possibilidade dos indivíduos de gerenciarem suas relações de forma
livre), antiestadismo, anticapitalismo, ateísmo, etc. Também se colocava contra
a ditadura do proletariado nas formas propostas por pensadores como Karl Marx,
uma vez que via a autoridade (principalmente quando composta na forma de
Estado), a hierarquia e as consequentes relações de submissão como o cerne da
problemática social.
Ferrenho crítico da teoria marxista, Bakunin foi pioneiro em
apontar uma grande falha no raciocínio do pensador: o fato de que a tomada de
poder pelo proletariado não resolveria a crise social, uma vez que a nova
dinâmica de poder acabaria mantendo as injustiças e opressões, trocando-se
apenas os detentores do poder e mantendo-se a estrutura que em última análise é
responsável pelo problema, qual seja, o Estado.
Após a entrada de Bakunin para a Associação Socialista
Internacional dos Trabalhadores (AIT) em 1868, sua influência se expandiu de
maneira viral, ocasionando uma divisão entre aqueles que defendiam seu
pensamento anarquista (em prol da substituição do Estado por federações locais
de trabalho autônomo) em contrapartida ao pensamento de Marx, que, conforme
acima mencionado, defendia a utilização do Estado de forma autoritária para
viabilizar e implantar o modelo socialista – que em sua concepção seria apenas
a continuação da opressão dos trabalhadores e camponeses.
A desavença entre os grupos de seguidores e os próprios
líderes teve seu ápice evidenciado no Congresso de Haia de 1872, onde Marx
expulsou Bakunin e seu grupo da organização. Neste momento histórico ocorreu a
cisão entre anarquistas, comunistas e sociais democratas.
Conforme alhures sublinhado, Bakunin se posicionava
contra qualquer tipo de autoridade, independente da sua origem – Estado,
religião, etc. – pois acreditava que os homens deveriam se relacionar fora de
um contexto de hierarquia forçada, onde a espinha dorsal das relações humanas
seria a livre convenção ou autogestão descentralizada. Seus
ideais influenciaram diversos acontecimentos políticos, especialmente a
Revolução Espanhola, assim como a insurreição anarquista do Rio de Janeiro em
1918.
Será necessário fundar toda a educação das crianças e sua
instrução sobre o desenvolvimento científico da razão, não sobre o da fé; sobre
o desenvolvimento da dignidade e da independência pessoais, não sobre o da
piedade e da obediência; sobre o culto da verdade e da justiça e, antes de
tudo, sobre o respeito humano, que deve substituir, em tudo e em todos os
lugares, o culto divino. (BAKUNIN, 2002, p.40).
Com efeito, se torna indispensável desmistificar o viés
preconceituoso e deveras equivocado que se tem em relação ao anarquismo, que é
considerado pela grande maioria das pessoas como sinônimo de desordem,
desorganização e caos. Esta forma pejorativa que surge automaticamente quando
se trata do tema impede que se possa ter uma discussão mais séria e abrangente
sobre o assunto.
A verdade é que a essência do anarquismo em nada faz jus a
este etiquetamento enviesado: a busca pela queda do Estado como
instituição não necessariamente remete a um contexto caótico e sem leis; muito
pelo contrário, a proposta de livre organização em comunidades não regidas pela
autoridade estatal tem um potencial muito forte de prosperar. Data máxima vênia, muito
embora existam críticas válidas e contundentes – afinal a perfeição é
inalcançável – o ideal do pensamento anarquista se mantém irrefutado.
Outro ponto que merece ser abordado é o de que o
anarquismo não é nem de esquerda e nem de direita, pois se situa
completamente fora dos padrões propostos por ambos os lados do espectro
político, ficando portanto fora do mesmo. Ao postular o
antiestadismo, não há de se falar em anarquismo quando ocorre uma coalizão com
agentes que visam, em última análise, a perpetuação do status quo –
pois mesmo os reformistas e membros da oposição aceitam, tacitamente ou não, o
regime de coisas regido pelo governo estatal.
No que diz respeito à diferença inerente às classes discorre
com maestria na seguinte passagem:
Assim, em regra geral, somos forçados a reconhecer que em
nosso mundo moderno, senão completamente como no mundo antigo, a civilização de
uma minoria ainda está fundamentada no trabalho forçado e na barbárie relativa
da maioria. Seria injusto dizer que esta classe privilegiada seja estranha ao
trabalho; ao contrário, em nossos dias trabalha-se muito, o número dos absolutamente
sem ocupação diminui de uma maneira sensível, começa-se a considerar o trabalho
como se a considerar o trabalho como honroso; os mais felizes compreendem,
hoje, que para permanecer à altura da civilização atual, para saber gozar de
seus privilégios e para poder mantê-los é preciso trabalhar muito. Mas há uma
grande diferença entre o trabalho das classes abastadas e o das classes
operárias: o primeiro é retribuído numa proporção infinitamente maior do que o
segundo. Ele deixa a seus privilegiados o lazer, esta condição suprema de todo
desenvolvimento humano, tanto intelectual quanto moral —— condição que nunca se
realizou para as classes operárias. Em seguida, o trabalho que se faz neste
mundo dos privilegiados é quase exclusivamente um trabalho nervoso, isto
é, o da imaginação, da memória e do pensamento; enquanto que o trabalho dos
milhões de proletários é um trabalho muscular e, frequentemente, como
em todas as fábricas, por exemplo, um trabalho que não exercita todo o sistema
muscular do homem ao mesmo tempo, mas desenvolve somente uma parte, em
detrimento de todas as outras, e se faz, geralmente, em condições nocivas à
saúde do corpo e contrárias a seu desenvolvimento harmônico. (BAKUNIN, 2012,
p.18).
O anarquismo, por conseguinte, se apresenta como uma forma
encontrada para corrigir injustiças sociais, propondo um modelo diferente de
sociedade, regido pelo coletivismo, pela fraternidade e pelo apoio mútuo,
baseado na razão e na ciência ao invés de dogmas advindos de autoridades que
buscam controlar as pessoas e manter seus privilégios.
REFERÊNCIAS
BAKUNIN, Mikhail. Deus e o Estado. Tradução de Plínio
Augusto. Ano de digitalização: 2002.
______. Federalismo, socialismo, antiteologismo:
Tradução e disponibilização de União Popular Anarquista – UNIPA. Ano de
digitalização: 2012.
Fonte: https://canalcienciascriminais.com.br/desmistificando-o-pensamento-anarquista-atraves-de-bakunin/
agência de notícias anarquistas-ana
planta com mil flores
uma é roubada –
ninguém notou…
Rosa Clement
Fonte: https://noticiasanarquistas.noblogs.org/post/2020/06/17/desmistificando-o-pensamento-anarquista-atraves-de-bakunin/
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