Sete teses sobre Walter Benjamin e a teoria crítica
I – Walter Benjamin pertence à teoria crítica em sentido amplo, isto é, à corrente de pensamento inspirada em Marx que, a partir ou em torno da Escola de Frankfurt, pôs em questão não só o poder da burguesia, mas também os fundamentos da racionalidade e da civilização ocidental. Amigo íntimo de Theodor Adorno e Max Horkheimer, ele sem dúvida influenciou seus escritos e, sobretudo, a obra capital que é a Dialética do esclarecimento, em que se encontram muitas de suas ideias e, às vezes, “citações” sem referência à fonte. Ele, por sua vez, foi sensível aos principais temas da Escola de Frankfurt, mas distingue-se dela por alguns traços que lhe são particulares e constituem sua contribuição específica à teoria crítica.
Benjamin nunca conseguiu um cargo em universidades: a reprovação de sua tese – sobre o drama barroco alemão – condenou-o a uma existência precária de ensaísta, “homem de letras” e jornalista free-lancer, que, é claro, decaiu consideravelmente nos anos de exílio em Paris (1933-40). Exemplo ideal típico da freischwebende Intelligenz de que falava Mannheim: ele era um Aussenseiter em sentido estrito, um outsider, um marginal. Essa situação talvez tenha contribuído para a acuidade subversiva de seu olhar.
II – Benjamin foi, nesse grupo de pensadores, o primeiro a questionar a ideologia do progresso, filosofia “incoerente, imprecisa, sem rigor”, que só percebe no processo histórico “o ritmo mais ou menos rápido com que homens e épocas avançam no caminho do progresso” (“A vida dos estudantes”, 1915). Ele também foi mais longe do que os outros na tentativa de livrar o marxismo de uma vez por todas da influência das doutrinas burguesas “progressistas”; assim, em Passagens, ele se propunha o seguinte objetivo: “Também se pode considerar como alvo metodologicamente visado neste trabalho a possibilidade de um materialismo histórico que tenha anulado em si mesmo a ideia de progresso. É justamente se opondo aos hábitos do pensamento burguês que o materialismo histórico encontra forças”. Benjamin estava convencido de que as ilusões “progressistas”, especialmente a convicção de “nadar na corrente da história”, e uma visão acrítica da técnica e do sistema produtivo existentes contribuíram para a derrota do movimento operário alemão diante do fascismo. Entre essas ilusões nefastas, ele incluía o espanto de que o fascismo pudesse existir em nossa época, numa Europa moderna, produto de dois séculos de “processo de civilização” (no sentido dado por Norbert Elias), como se o Terceiro Reich não fosse precisamente uma manifestação patológica dessa mesma modernidade civilizada.
III – Se a maioria dos pensadores da teoria crítica partilhava o objetivo de Adorno de pôr a crítica romântica conservadora da civilização burguesa a serviço dos objetivos emancipadores das Luzes, Benjamin talvez tenha sido aquele que mostrou mais interesse pela apropriação crítica dos temas e das ideias do romantismo anticapitalista. Em Passagens, ele se refere a Korsch para destacar a dívida de Marx, via Hegel, com os românticos alemães e franceses, mesmo os mais contrarrevolucionários. Ele não hesitou em usar argumentos de Johannes von Baader, Bachofen ou Nietzsche para derrubar os mitos da civilização capitalista. Encontramos nele, como em todos os românticos revolucionários, uma surpreendente dialética entre o passado mais longínquo e o futuro emancipado; daí seu interesse pela tese de Bachofen – que inspirou tanto Engels quanto o geógrafo anarquista Elisée Réclus – sobre a existência de uma sociedade sem classes, sem poderes autoritários e sem patriarcado na aurora da história.
Essa sensibilidade permitiu que Benjamin compreendesse melhor que seus amigos da Escola de Frankfurt o significado e o alcance de um movimento romântico libertário como o surrealismo, ao qual ele atribuiu, num artigo de 1929, a missão de captar a força do inebriamento (Rausch) para a causa da revolução. Marcuse também se deu conta da importância do surrealismo como tentativa de associar arte e revolução, mas isso aconteceu quarenta anos depois.
IV – Mais do que os outros pensadores da teoria crítica, Benjamin soube mobilizar de forma produtiva os temas do messianismo judeu para o combate revolucionário dos oprimidos. Os temas messiânicos estão presentes em certos textos de Adorno (especialmente em Minima Moralia) ou Horkheimer, mas foi em Benjamin e, em particular, em suas teses “Sobre o conceito de história” que o messianismo se tornou um vetor central de refundação do materialismo histórico – para poupá-lo do destino de autômato que teve nas mãos do marxismo vulgar (social-democrata ou stalinista). Em Benjamin existe uma espécie de correspondência (no sentido baudelairiano da palavra) entre a irrupção messiânica e a revolução como interrupção da continuidade histórica – a continuidade da dominação.
No messianismo como Benjamin o entende (ou melhor, inventa), a questão não é alcançar a salvação de um indivíduo excepcional, de um profeta enviado pelos deuses: o “Messias” é coletivo, já que a cada geração foi dada “uma fraca força messiânica”, que deve ser exercida da melhor maneira possível.
V – De todos os autores da teoria crítica, Benjamin foi o mais apegado à luta de classes como princípio de compreensão da história e transformação do mundo. Como escreveu nas teses de 1940, a luta de classes “está sempre presente para o historiador formado pelo pensamento de Marx”. De fato, ela está sempre presente em seus textos, como elo essencial entre o passado, o presente e o futuro, e como lugar da unidade dialética entre teoria e prática. Para Benjamin, a história não aparece como um processo de desenvolvimento das forças produtivas, mas como um combate até a morte entre opressores e oprimidos. Rejeitando a visão evolucionista do marxismo vulgar, que percebe o movimento da história como uma acumulação de “conquistas”, ele insiste nas vitórias catastróficas das classes reinantes.
Ao contrário da maioria dos outros membros da Escola da Frankfurt, Benjamin apostou – até seu último suspiro – nas classes oprimidas como força emancipadora da humanidade. Profundamente pessimista, mas nunca resignado, considera a “última classe subjugada” – o proletariado – aquela que, “em nome das gerações vencidas, leva a cabo a obra de libertação” (Tese XII). Apesar de não compartilhar o otimismo míope dos partidos do movimento operário sobre sua “base de massa”, ele vê nas classes dominadas a única força capaz de derrubar o sistema de dominação.
VI – De todos os pensadores da teoria crítica, Benjamin era talvez o mais obstinadamente fiel à ideia marxiana de revolução. Na verdade, contrariando Marx, ele a definiu não como “locomotiva da história”, mas como interrupção de seu curso catastrófico, como ação salvadora de uma humanidade que puxa o freio de emergência. Mas a revolução social permanece o horizonte de sua reflexão, o ponto de fuga messiânico de sua filosofia da história, a pedra angular de sua reinterpretação do materialismo histórico.
Apesar das derrotas do passado – desde a revolta dos escravos liderada por Espártaco na Roma antiga até o levante do Spartakusbund de Rosa Luxemburgo, em janeiro de 1919 – “a revolução como Marx a concebeu”, o “salto dialético”, ainda é possível (Tese XIV). Sua dialética consiste em realizar, graças a “um salto de tigre no passado”, uma irrupção no presente, no “tempo de hoje” (Jetztzeit).
VII – O pensamento de Benjamin está profundamente enraizado na tradição romântica alemã e na cultura judaica da Europa Central e responde a uma conjuntura histórica precisa, a da época das guerras e das revoluções que vai de 1914 a 1940. E, no entanto, os temas principais de sua reflexão e, em particular, suas teses “Sobre o conceito de história” são de uma universalidade admirável: eles nos fornecem ferramentas para compreender realidades culturais, fenômenos históricos, movimentos sociais em outros contextos, outros períodos e outros continentes. Mas, em última análise, isso vale também para toda a teoria crítica.
***
Michael Löwy, sociólogo, é nascido no Brasil, formado em Ciências Sociais na Universidade de São Paulo, e vive em Paris desde 1969. Diretor emérito de pesquisas do Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS).
***
Em Walter Benjamin: aviso de incêndio, Michael Löwy faz uma aprofundada análise das teses “Sobre o conceito de história”. O livro integra a Coleção Marxismo e Literatura, coordenada por Leandro Konder, e ganhará versão eletrônica (ebook) em breve.
Traduzido do francês por Mariana Echalar
Fonte: http://boitempoeditorial.wordpress.com/
segunda-feira, 31 de outubro de 2011
Contra o capitalismo, Bauman convoca à imaginação - Por Zygmunt Bauman
Contra o capitalismo, Bauman convoca à imaginaçãoSociólogo não crê no colapso do sistema, alerta que seu parasitismo é incessante e sugere que para vencê-lo é preciso ser mais imaginativo que ele
As notícias sobre a morte do capitalismo são, parafraseando Mark Twain1, um pouco exageradas. A capacidade surpreendente de ressurreição e regeneração é inerente ao capitalismo. Uma capacidade parecida com a dos parasitas – organismos que se alimentam de outros organismos, estando agregados a outras espécies. Depois de exaurir completa ou quase completamente um organismo hospedeiro, o parasita normalmente procura outro, que o nutra por mais algum tempo.
Há cem anos, Rosa Luxemburgo compreendeu o segredo da misteriosa habilidade do sistema em ressurgir das cinzas repetidamente, assim como uma fênix; uma habilidade que deixa atrás de si traços de devastação – a história do capitalismo é marcada pelos túmulos de organismos que tiveram suas vidas sugadas até a exaustão. Luxemburgo, no entanto, restringiu o conjunto dos organismos que aguardavam em fila, esperando a conhecida visita do parasita, às “economias pré-capitalistas”, cujo número era limitado e em constante regressão, sob o impacto da expansão imperialista.
A cada visita sucessiva, outra terra “intocada” era convertida em campo de pastagem para a exploração capitalista. Portanto, mais cedo ou mais tarde, não serviriam mais às necessidades da “reprodução ampliada” do sistema, já que não ofereceriam os lucros que tal expansão requeria. Pensando por essa trilha (um viés completamente compreensível, dado que a expansão há cem anos era principalmente territorial, mais extensiva que intensiva, mais lateral que vertical), Luxemburgo só poderia antecipar os limites naturais da duração concebível do sistema capitalista. Uma vez que todas as terras “intocadas” do globo fossem conquistadas e integradas à máquina de reciclagem capitalista, a ausência de novas terras de exploração iria forçar, ao fim, o colapso do sistema. O parasita morre, quando faltam organismos vivos de onde possa retirar alimento.
Hoje o capitalismo já atingiu uma dimensão global, ou está muito próximo disso – um cenário que Luxemburgo via em horizonte distante. Sua previsão estará a ponto de se concretizar? Penso que não. Nos últimos 50 anos, o capitalismo aprendeu a inimaginável e desconhecida arte de criar novas “terras intocadas”, em vez de se limitar às já existentes. Essa nova arte tornou-se possível porque o sistema viveu uma transição. A “sociedade de produtores” converteu-se numa “sociedade de consumidores”. E a fonte principal da “agregação de valor” já não está na relação capital-trabalho, mas na que há entre mercadoria e cliente. Lucro e acumulação baseiam-se principalmente na progressiva mercantilização das funções da vida; na mediação, pelo mercado, da satisfação de necessidades sucessivas; na substituição do desejo pela necessidade, como engrenagem principal da economia voltada para o lucro.
A crise atual deriva da exaustão de uma dessas “terras intocadas” criadas artificialmente. Milhões que pessoas foram obrigadas a abandonar a “cultura dos cartões de crédito” para se dedicar à “cultura das planilhas de gastos”. Por algum tempo, elas foram estimuladas a gastar o dinheiro que ainda não haviam ganhado, vivendo com crédito, falando de empréstimos e pagando juros. A exploração dessa “terra intocada” particular está, em linhas gerais, acabada. O sistema entregou para os políticos a tarefa de limpar os detritos deixados pela farra dos banqueiros. É algo que entrou na lista dos “problemas políticos”: passou de “problema econômico” para (citando a chanceler alemã, Angela Merkel) algo dependente de “vontade política”. Mas alguém poderia duvidar que estão em construção novas “terras intocadas” – as quais também terão vida bastante limitada, dada a natureza parasítica do capitalismo?
O sistema funciona por um processo contínuo de destruição criativa. O que se cria é capitalismo numa “fórmula nova e melhorada”; o que se destrói é a capacidade de auto-sustentação e vida digna nos inúmeros “organismos hospedeiros” para os quais todos somos atraídos e ou seduzidos, de uma maneira ou de outra. Suspeito que um dos recursos cruciais do capitalismo deriva do fato de que a imaginação dos economistas – incluindo os que o criticam – está muito atrasada em relação à sua invenção, a arbitrariedade do seu procedimento e crueldade com que opera
1“As notícias de minha morte são exageradas”, teria dito Twain em 1897. Ele morreu em 1910. (Nota da Tradução)
Tradução: Daniela Frabasile | Imagem: René Magritte: Falso Espelho, 1935 (detalhe)
Fonte: http://www.outraspalavras.net
As notícias sobre a morte do capitalismo são, parafraseando Mark Twain1, um pouco exageradas. A capacidade surpreendente de ressurreição e regeneração é inerente ao capitalismo. Uma capacidade parecida com a dos parasitas – organismos que se alimentam de outros organismos, estando agregados a outras espécies. Depois de exaurir completa ou quase completamente um organismo hospedeiro, o parasita normalmente procura outro, que o nutra por mais algum tempo.
Há cem anos, Rosa Luxemburgo compreendeu o segredo da misteriosa habilidade do sistema em ressurgir das cinzas repetidamente, assim como uma fênix; uma habilidade que deixa atrás de si traços de devastação – a história do capitalismo é marcada pelos túmulos de organismos que tiveram suas vidas sugadas até a exaustão. Luxemburgo, no entanto, restringiu o conjunto dos organismos que aguardavam em fila, esperando a conhecida visita do parasita, às “economias pré-capitalistas”, cujo número era limitado e em constante regressão, sob o impacto da expansão imperialista.
A cada visita sucessiva, outra terra “intocada” era convertida em campo de pastagem para a exploração capitalista. Portanto, mais cedo ou mais tarde, não serviriam mais às necessidades da “reprodução ampliada” do sistema, já que não ofereceriam os lucros que tal expansão requeria. Pensando por essa trilha (um viés completamente compreensível, dado que a expansão há cem anos era principalmente territorial, mais extensiva que intensiva, mais lateral que vertical), Luxemburgo só poderia antecipar os limites naturais da duração concebível do sistema capitalista. Uma vez que todas as terras “intocadas” do globo fossem conquistadas e integradas à máquina de reciclagem capitalista, a ausência de novas terras de exploração iria forçar, ao fim, o colapso do sistema. O parasita morre, quando faltam organismos vivos de onde possa retirar alimento.
Hoje o capitalismo já atingiu uma dimensão global, ou está muito próximo disso – um cenário que Luxemburgo via em horizonte distante. Sua previsão estará a ponto de se concretizar? Penso que não. Nos últimos 50 anos, o capitalismo aprendeu a inimaginável e desconhecida arte de criar novas “terras intocadas”, em vez de se limitar às já existentes. Essa nova arte tornou-se possível porque o sistema viveu uma transição. A “sociedade de produtores” converteu-se numa “sociedade de consumidores”. E a fonte principal da “agregação de valor” já não está na relação capital-trabalho, mas na que há entre mercadoria e cliente. Lucro e acumulação baseiam-se principalmente na progressiva mercantilização das funções da vida; na mediação, pelo mercado, da satisfação de necessidades sucessivas; na substituição do desejo pela necessidade, como engrenagem principal da economia voltada para o lucro.
A crise atual deriva da exaustão de uma dessas “terras intocadas” criadas artificialmente. Milhões que pessoas foram obrigadas a abandonar a “cultura dos cartões de crédito” para se dedicar à “cultura das planilhas de gastos”. Por algum tempo, elas foram estimuladas a gastar o dinheiro que ainda não haviam ganhado, vivendo com crédito, falando de empréstimos e pagando juros. A exploração dessa “terra intocada” particular está, em linhas gerais, acabada. O sistema entregou para os políticos a tarefa de limpar os detritos deixados pela farra dos banqueiros. É algo que entrou na lista dos “problemas políticos”: passou de “problema econômico” para (citando a chanceler alemã, Angela Merkel) algo dependente de “vontade política”. Mas alguém poderia duvidar que estão em construção novas “terras intocadas” – as quais também terão vida bastante limitada, dada a natureza parasítica do capitalismo?
O sistema funciona por um processo contínuo de destruição criativa. O que se cria é capitalismo numa “fórmula nova e melhorada”; o que se destrói é a capacidade de auto-sustentação e vida digna nos inúmeros “organismos hospedeiros” para os quais todos somos atraídos e ou seduzidos, de uma maneira ou de outra. Suspeito que um dos recursos cruciais do capitalismo deriva do fato de que a imaginação dos economistas – incluindo os que o criticam – está muito atrasada em relação à sua invenção, a arbitrariedade do seu procedimento e crueldade com que opera
1“As notícias de minha morte são exageradas”, teria dito Twain em 1897. Ele morreu em 1910. (Nota da Tradução)
Tradução: Daniela Frabasile | Imagem: René Magritte: Falso Espelho, 1935 (detalhe)
Fonte: http://www.outraspalavras.net
sexta-feira, 28 de outubro de 2011
A nova batalha do WikiLeaks - Por A. Srivathsan
A nova batalha do WikiLeaks
Como as pressões de Washington e grandes instituições financeiras ameaçam asfixiar o site. De que modo colaborar com ele
Nos últimos quatro anos, o Wikileaks expôs diversos fatos desconhecidos e práticas anti-éticas como nunca antes. Ao combinar o espírito ético de hackers que procuram informações de graça com o desejo de aumentar a transparência publicando informações que os leitores deveriam conhecer, a organização mudou as regras do jogo para os jornais. Introduziu uma nova mentalidade entre os jornalistas, editores e professores e alunos de jornalismo no mundo inteiro. A questão agora é se a organização liderada por Julian Assange, indicado para o Nobel da Paz em 2011, conseguirá continuar com seu trabalho com espírito público – ou se irá ser derrubado por um bloqueio financeiro sem precedentes.
No último ano, desde que o Bank of America, VISA, MasterCard, PayPal e Western Union pararam de processar transações financeiras envolvendo o WikiLeaks, essa organização midiática sem fins lucrativos perdeu dezenas de millhões de dólares em doações. O bloqueio financeiro privou-a de 95% de suas receitas e forçou a queda das suas reservas.
A resposta é uma campanha de arrecadação de fundos, iniciada em 24 de outubro, com o nome de “WikiLeaks Needs You” [o WikiLeaks precisa de você]. Por meio de anúncios em jornais e em sites, apela aos apoiadores ao redor do mundo buscando doações. O bloqueio financeiro dificultou a contribuição. Apesar da possibilidade de transferência bancária ou de contribuições por cheques, taiss doações têm grandes custos de transferência, o que resulta em perda de receita.
O WikiLeaks agora conta com maneiras alternativas de transferência de fundos e divulgou os detalhes no website. Espera que as medidas opressoras de adversários poderosos sejam contornadas, e que se veja livre para retomar o que faz melhor — “oferecer uma maneira inovadora, segura e anônima” para que denúncias verdadeiras sejam difundidas ao mundo.
Em uma declaração emitida no mesmo 24/10, o WikiLeaks disse que o bloqueio dificultou a continuidade suas atividades em 50 países. Em virtude disso, a organização anunciou que parou as publicações temporariamente, e desloca sua atençaõ para arrecadar recursos e lutar contra os obstáculos. Essa luta não é apenas para a sobrevivência própria, mas também pelo direito dos apoiadores a “expressar economicamente o apoio a uma causa na qual acreditam”, diz a declaração.
Os problemas para o site intensificaram-se em novembro de 2010, depois de começou a publicação de trocas de correspondências confidenciais entre diplomatas norte-americanos no mundo inteiro. O WikiLeaks colaborou com cinco jornais – The Guardian, The New York Times, Le Monde, El País e Der Spiegel – e disponibilizou a eles cerca de 250 mil correspondências. Mais tarde, outros jornais, juntaram-se ao projeto. À medida que mais verdades desconfortáveis surgiam na superfície, esforços concentrados para bloquear o WikiLeaks intensificaram-se. Dois dias depois da publicação, o governo dos Estados Unidos anunciou que iria investigar o WikiLeaks por violação de leis de espionagem. Mike Huckabee, um político republicano, pediu a execução de Julian Assange, editor-chefe do site. Outra republicana, Sarah Pailin queria que Assange fosse “caçado”.
As consequências da pressão estadunidense tornaram-se claros. Já em 1º de dezembro de 2010, depois de receber uma ligação de Joe Liberman, presidente do Comitê do Senado dos EUA para Segurança Doméstica, os serviços da Amazon Web pararam de hospedar o website do WikiLeaks. Lieberman continuou o ataque, pedindo que as organizações que ajudavam o WikiLeaks “terminassem imediatamente” sua relação. Em 3 de dezembro, o serviço de pagamento online PayPal anunciou que “restringiu permanentemente” as contas do WikiLeaks usadas para buscar doações e mobilizar recursos. MasterCard, Bank of America e Western Union aderiram em seguida. No final de dezembro, as doações por meio de bancos a cartões de crédito não chegavam mais. A situação na Europa era similar: Visa e MasterCard, que juntos transferiam 95% dos pagamentos por crédito em 2010, bloqueados.
Um aplicativo do WikiLeaks que permitia que usuários da Apple acessassem os documentos foi removido da Apple no final de dezembro de 2010, apenas quatro dias depois de ter sido lançado. Citando Igor Barinov, o criador do aplicativo, o The Guardian anunciou que metade dos lucros obtidos na venda do aplicativo – que custava US$ 1,99 – havia sido doada ao WikiLeaks. Privado dos fundos, o site teve que usar suas reservas para continuar configurando servidores em diferentes países e publicando histórias e furos.
Companhias de cartões de crédito e bancos tentaram defender suas ações alegando que “o serviço de pagamento não pode ser utilizado para qualquer atividade que encoraje, promova ou instrua outros a se engajarem em atividades ilegais”. No entando, nenhuma acusação de ilegalidade foi oficialmente feita contra o WikiLeaks.
Em dezembro de 2010, a polícia federal australiana, que investigou se o WikiLeaks e Assange quebraram alguma lei, ao publicarem documentos confidencias dos Estados Unidos, concluiu que não havia nenhuma evidência para acusação. Em 14 de janeiro de 2011, The Wall Street Journal, citando Dow Jones Newswires, anunciou que o departamento do Tesouro dos Estados Unidos não tinha “evidências suficientes para aplicar alguma sanção contra” Assange ou o WikiLeaks. A Reuters confirmou que o Departamento de Estado dos EUA tinha uma visão similar. Citando um oficial do Congresso, as agências de notícias e de informações financeiras declararam que o governo foi “obrigado a dizer publicamente” que as revelações do WikiLeaks afetaram seriamente interesses americanos.
Como os jornais deveriam lidar com organizações desse tipo, que tiveram um grande impacto no jornalismo e promoveram mudanças nas relações entre o jornalista e a fonte? Essas questões foram debatidas por um grupo no 18º Fórum Mundial dos Editores (WEF), realizado em Viena, em outubro de 2011. À frente das discussões, Julian Assange, em uma conversa com N. Ram, editor chefe do The Hindu e palestrante, ofereceu sua perspectiva sobre o WikiLeaks como uma organzação jornalística e como uma fonte.
“O WikiLeaks é um editor… com notícias e histórias” disse ele. “E é um editor muito generoso. Quando o material que adquirimos é mais do que conseguimos usar ou tem mais relevância em outras regiões, como um ato de generosidade e espírito amistoso chamamos outra organização para compartilhar o tesouro”.
Quanto aos WikiLeaks como fonte, “frequentemente sua fonte não é a pessoa que escreveu o documento”, explicou Assange, “mas alguém em uma cadeia que talvez vá até você [com um material confidencial]. E dessa perspectiva, não somos diferentes de nenhuma outra fonte na cadeia”. O editor-chefe do WikiLeaks ainda ofereceu outra perspectiva: WikiLeaks é também “como um agente para escritores. [Sem um agente] os escritores não costumam obter transações muito boas. Mas se eles tiverem um agente que ofereça o material para editores diferentes, conseguem uma transação muito melhor. Isso é uma perspectiva do WikiLeaks como uma fonte”.
Citando a resposta de Assange na discussão da WEF em Viena, Ram, o editor-chefe do The Hindu, comentou que “a confusão está apenas em nossas mentalidades como jornalistas profissionais que frequentemente trabalham com a suposição de que temos, e seguimos, padrões profissionais aceitos e claros na relação com as ‘fontes’. Essa suposição é um mito. Quando falamos em lidar com fontes, especialmente fontes confidenciais, as práticas do mercado tomam um espaço surpreendente… desde regras éticas e garantias introduzidas pelos supervisores jornalísticos nas organizações midiáticas… até o vale tudo. O vasto meio termo é o ‘nebuloso’”. Quanto à questão da “agenda”, o editor chefe do The Hindu comentou que toda organização de notícias tem uma agenda e que “não há motivo especial para suspeitas, ou desconfianças a respeito da agenda do WikiLeaks” ou de qualquer organização de denúncia, por essa razão. “Você só precisa aplicar processos de verificação jornalística e padrões para lidar tanto com o conteúdo quanto com a fonte”.
Sendo esse o caso, acusar o WikiLeaks por ataques agressivos e sem precedentes cheira a hipocrisia e arbitrariedade. A organização sem fins lucrativos, que depende de voluntários, compreensivelmente tem caracterizado o bloqueio financeiro como ilegal. O bloqueio é visto como “um ataque sem precedentes aos defensores da liberdade de expressão” e “interferência direta na capacidade das pessoas em provocar mudança”.
Comparando as ações com a caça às bruxas da era McCarthy, Ram adverte que, a menos que a ação ilegal seja seriamente desafiada e revertida, “o Greenpeace, a Anistia Internacional e outras ONGs internacionais que trabalham para expor infrações de agentes poderosos correm o risco de ter o mesmo destino que o WikiLeaks”. Mesmo os jornais que publicaram furos podem não ser poupados no futuro, advertiu.
O WikiLeaks anunciou que está agindo para questionar o bloqueio legalmente “em diferentes jurisdições”. Como primeiro passo, junto à DataCell, uma companhia de tecnologia de informação sediada na Islândia, que manipulou as doações de cartões de crédito, o WikiLeaks entrou com uma queixa formal na Comissão Européia contra Visa Europa e MasterCard Europa. A Comissão pediu uma explicação das empresas.
Tradução: Daniela Frabasile
Fonte: http://www.outraspalavras.net/
Como as pressões de Washington e grandes instituições financeiras ameaçam asfixiar o site. De que modo colaborar com ele
Nos últimos quatro anos, o Wikileaks expôs diversos fatos desconhecidos e práticas anti-éticas como nunca antes. Ao combinar o espírito ético de hackers que procuram informações de graça com o desejo de aumentar a transparência publicando informações que os leitores deveriam conhecer, a organização mudou as regras do jogo para os jornais. Introduziu uma nova mentalidade entre os jornalistas, editores e professores e alunos de jornalismo no mundo inteiro. A questão agora é se a organização liderada por Julian Assange, indicado para o Nobel da Paz em 2011, conseguirá continuar com seu trabalho com espírito público – ou se irá ser derrubado por um bloqueio financeiro sem precedentes.
No último ano, desde que o Bank of America, VISA, MasterCard, PayPal e Western Union pararam de processar transações financeiras envolvendo o WikiLeaks, essa organização midiática sem fins lucrativos perdeu dezenas de millhões de dólares em doações. O bloqueio financeiro privou-a de 95% de suas receitas e forçou a queda das suas reservas.
A resposta é uma campanha de arrecadação de fundos, iniciada em 24 de outubro, com o nome de “WikiLeaks Needs You” [o WikiLeaks precisa de você]. Por meio de anúncios em jornais e em sites, apela aos apoiadores ao redor do mundo buscando doações. O bloqueio financeiro dificultou a contribuição. Apesar da possibilidade de transferência bancária ou de contribuições por cheques, taiss doações têm grandes custos de transferência, o que resulta em perda de receita.
O WikiLeaks agora conta com maneiras alternativas de transferência de fundos e divulgou os detalhes no website. Espera que as medidas opressoras de adversários poderosos sejam contornadas, e que se veja livre para retomar o que faz melhor — “oferecer uma maneira inovadora, segura e anônima” para que denúncias verdadeiras sejam difundidas ao mundo.
Em uma declaração emitida no mesmo 24/10, o WikiLeaks disse que o bloqueio dificultou a continuidade suas atividades em 50 países. Em virtude disso, a organização anunciou que parou as publicações temporariamente, e desloca sua atençaõ para arrecadar recursos e lutar contra os obstáculos. Essa luta não é apenas para a sobrevivência própria, mas também pelo direito dos apoiadores a “expressar economicamente o apoio a uma causa na qual acreditam”, diz a declaração.
Os problemas para o site intensificaram-se em novembro de 2010, depois de começou a publicação de trocas de correspondências confidenciais entre diplomatas norte-americanos no mundo inteiro. O WikiLeaks colaborou com cinco jornais – The Guardian, The New York Times, Le Monde, El País e Der Spiegel – e disponibilizou a eles cerca de 250 mil correspondências. Mais tarde, outros jornais, juntaram-se ao projeto. À medida que mais verdades desconfortáveis surgiam na superfície, esforços concentrados para bloquear o WikiLeaks intensificaram-se. Dois dias depois da publicação, o governo dos Estados Unidos anunciou que iria investigar o WikiLeaks por violação de leis de espionagem. Mike Huckabee, um político republicano, pediu a execução de Julian Assange, editor-chefe do site. Outra republicana, Sarah Pailin queria que Assange fosse “caçado”.
As consequências da pressão estadunidense tornaram-se claros. Já em 1º de dezembro de 2010, depois de receber uma ligação de Joe Liberman, presidente do Comitê do Senado dos EUA para Segurança Doméstica, os serviços da Amazon Web pararam de hospedar o website do WikiLeaks. Lieberman continuou o ataque, pedindo que as organizações que ajudavam o WikiLeaks “terminassem imediatamente” sua relação. Em 3 de dezembro, o serviço de pagamento online PayPal anunciou que “restringiu permanentemente” as contas do WikiLeaks usadas para buscar doações e mobilizar recursos. MasterCard, Bank of America e Western Union aderiram em seguida. No final de dezembro, as doações por meio de bancos a cartões de crédito não chegavam mais. A situação na Europa era similar: Visa e MasterCard, que juntos transferiam 95% dos pagamentos por crédito em 2010, bloqueados.
Um aplicativo do WikiLeaks que permitia que usuários da Apple acessassem os documentos foi removido da Apple no final de dezembro de 2010, apenas quatro dias depois de ter sido lançado. Citando Igor Barinov, o criador do aplicativo, o The Guardian anunciou que metade dos lucros obtidos na venda do aplicativo – que custava US$ 1,99 – havia sido doada ao WikiLeaks. Privado dos fundos, o site teve que usar suas reservas para continuar configurando servidores em diferentes países e publicando histórias e furos.
Companhias de cartões de crédito e bancos tentaram defender suas ações alegando que “o serviço de pagamento não pode ser utilizado para qualquer atividade que encoraje, promova ou instrua outros a se engajarem em atividades ilegais”. No entando, nenhuma acusação de ilegalidade foi oficialmente feita contra o WikiLeaks.
Em dezembro de 2010, a polícia federal australiana, que investigou se o WikiLeaks e Assange quebraram alguma lei, ao publicarem documentos confidencias dos Estados Unidos, concluiu que não havia nenhuma evidência para acusação. Em 14 de janeiro de 2011, The Wall Street Journal, citando Dow Jones Newswires, anunciou que o departamento do Tesouro dos Estados Unidos não tinha “evidências suficientes para aplicar alguma sanção contra” Assange ou o WikiLeaks. A Reuters confirmou que o Departamento de Estado dos EUA tinha uma visão similar. Citando um oficial do Congresso, as agências de notícias e de informações financeiras declararam que o governo foi “obrigado a dizer publicamente” que as revelações do WikiLeaks afetaram seriamente interesses americanos.
Como os jornais deveriam lidar com organizações desse tipo, que tiveram um grande impacto no jornalismo e promoveram mudanças nas relações entre o jornalista e a fonte? Essas questões foram debatidas por um grupo no 18º Fórum Mundial dos Editores (WEF), realizado em Viena, em outubro de 2011. À frente das discussões, Julian Assange, em uma conversa com N. Ram, editor chefe do The Hindu e palestrante, ofereceu sua perspectiva sobre o WikiLeaks como uma organzação jornalística e como uma fonte.
“O WikiLeaks é um editor… com notícias e histórias” disse ele. “E é um editor muito generoso. Quando o material que adquirimos é mais do que conseguimos usar ou tem mais relevância em outras regiões, como um ato de generosidade e espírito amistoso chamamos outra organização para compartilhar o tesouro”.
Quanto aos WikiLeaks como fonte, “frequentemente sua fonte não é a pessoa que escreveu o documento”, explicou Assange, “mas alguém em uma cadeia que talvez vá até você [com um material confidencial]. E dessa perspectiva, não somos diferentes de nenhuma outra fonte na cadeia”. O editor-chefe do WikiLeaks ainda ofereceu outra perspectiva: WikiLeaks é também “como um agente para escritores. [Sem um agente] os escritores não costumam obter transações muito boas. Mas se eles tiverem um agente que ofereça o material para editores diferentes, conseguem uma transação muito melhor. Isso é uma perspectiva do WikiLeaks como uma fonte”.
Citando a resposta de Assange na discussão da WEF em Viena, Ram, o editor-chefe do The Hindu, comentou que “a confusão está apenas em nossas mentalidades como jornalistas profissionais que frequentemente trabalham com a suposição de que temos, e seguimos, padrões profissionais aceitos e claros na relação com as ‘fontes’. Essa suposição é um mito. Quando falamos em lidar com fontes, especialmente fontes confidenciais, as práticas do mercado tomam um espaço surpreendente… desde regras éticas e garantias introduzidas pelos supervisores jornalísticos nas organizações midiáticas… até o vale tudo. O vasto meio termo é o ‘nebuloso’”. Quanto à questão da “agenda”, o editor chefe do The Hindu comentou que toda organização de notícias tem uma agenda e que “não há motivo especial para suspeitas, ou desconfianças a respeito da agenda do WikiLeaks” ou de qualquer organização de denúncia, por essa razão. “Você só precisa aplicar processos de verificação jornalística e padrões para lidar tanto com o conteúdo quanto com a fonte”.
Sendo esse o caso, acusar o WikiLeaks por ataques agressivos e sem precedentes cheira a hipocrisia e arbitrariedade. A organização sem fins lucrativos, que depende de voluntários, compreensivelmente tem caracterizado o bloqueio financeiro como ilegal. O bloqueio é visto como “um ataque sem precedentes aos defensores da liberdade de expressão” e “interferência direta na capacidade das pessoas em provocar mudança”.
Comparando as ações com a caça às bruxas da era McCarthy, Ram adverte que, a menos que a ação ilegal seja seriamente desafiada e revertida, “o Greenpeace, a Anistia Internacional e outras ONGs internacionais que trabalham para expor infrações de agentes poderosos correm o risco de ter o mesmo destino que o WikiLeaks”. Mesmo os jornais que publicaram furos podem não ser poupados no futuro, advertiu.
O WikiLeaks anunciou que está agindo para questionar o bloqueio legalmente “em diferentes jurisdições”. Como primeiro passo, junto à DataCell, uma companhia de tecnologia de informação sediada na Islândia, que manipulou as doações de cartões de crédito, o WikiLeaks entrou com uma queixa formal na Comissão Européia contra Visa Europa e MasterCard Europa. A Comissão pediu uma explicação das empresas.
Tradução: Daniela Frabasile
Fonte: http://www.outraspalavras.net/
Sobre o 15 de Outubro: democratização, “indignação”, partidos, etc. - Por Miguel Serras Pereira
Sobre o 15 de Outubro: democratização, “indignação”, partidos, etc.
Ainda que possamos ver em abstracto uma aspiração democrática, essa intenção está longe de se traduzir numa vontade política determinada e precisa. Por Miguel Serras PereiraOs acontecimentos e a situação política presentes têm posto na ordem do dia uma série de questões sobre a suficiência ou insuficiência da “indignação” e, mais profundamente, sobre as perspectivas de uma transformação democrática radical das relações de poder vigentes sob o governo das oligarquias capitalistas.
Quanto ao primeiro ponto, remeto, embora não subscreva tudo o que Zygmunt Bauman aí afirma, para as reflexões que aquele propõe numa entrevista publicada por El País, e que assinalam com pertinência os limites que, ainda com excepções e linhas de fuga abrindo novas perspectivas, têm até ao momento circunscrito o alcance das acampadas. Com efeito, na peça que transcreve as posições de Bauman, podemos ler:
«Bauman, é evidente, classifica este movimento como “emotivo” e, na sua opinião, “se a emoção serve para destruir, ela é especialmente incapaz de construir o que quer que seja. Pessoas de quaisquer classes e condições reunem-se nas praças e gritam os mesmos slogans. Estão todos de acordo quanto ao que rejeitam, mas teríamos cem respostas diferentes se lhes perguntássemos o que pretendem.
A emoção é (e não podia deixar de ser) “líquida”. Ferve facilmente, mas também arrefece passado pouco tempo. “A emoção é instável e inadequada para dar forma a algo de coerente e duradouro”. De facto, a modernidade líquida na qual se inserem os indignados tem como característica a temporalidade, “as manifestações são episódicas e propensas à hibernação”. […]
O movimento vai crescendo, mas “fá-lo mediante a emoção, falta-lhe pensamento. Só com emoções e sem pensamento não se chega a lugar nenhum”. A agitação resultante da emoção colectiva reproduz o espectáculo de um carnaval que termina por si mesmo, sem consequências. “Durante o carnaval tudo é permitido, mas, acabado o carnaval, volta o sistema de normas anterior”».(Entrevista de Vicente Verdú, “El 15-M es emocional, le falta pensamiento”, El País, 17.10.2011)Dito isto, haverá quem possa objectar com certa justificação a Bauman que os movimentos que culminaram nas acções internacionais do dia 15 de Outubro passado, ainda que tenham partido de uma indignação difusa, mais sentimental (senão moralizadora) do que política, souberam começar a politizar as questões que levantam, como é manifesto em divisas como ”Democracia Já”, ”A Democracia Sai à Rua” ou ”Nós Somos os 99%”. A objecção é pertinente, mas só até certo ponto.
Com efeito, ainda que possamos ver em abstracto uma aspiração democrática constituinte ou instituinte naquilo que as referidas palavras de ordem, entre outras, exprimem, essa intenção está longe de se traduzir numa vontade política determinada e precisa, configurando propostas consistentes de vias e formas alternativas à cena política estabelecida e às relações de poder hierárquicas vigentes. E este é um problema — ou, por excelência, o problema fundamental — que a reflexão mais lúcida não pode por si só resolver.
Podemos e devemos dizer que, se “a democracia é o governo do povo, pelo povo e para o povo”, implicando que seja o conjunto dos cidadãos comuns, ou os tais (um pouco menos de) 99%, a dotar-se de meios e formas de organização que permitam a cada um deles participar de pleno direito nas decisões que governam a sua existência. Não se trata apenas da igualdade perante a lei, mas da igualdade no deliberar e decidir das leis ou na tomada de muitas outras disposições que, não sendo leis, vinculam colectivamente a existência de cada ser humano comum. É evidente que a exigência de uma igualdade semelhante não é satisfeita pela chamadas “democracias representativas” que nos governam e que assentam justamente na passividade programada e regular da maioria dos cidadãos e na divisão hierárquica do trabalho político decorrente do estabelecimento de uma distinção permanente e estrutural entre governantes e governados. É evidente que a mesma exigência de igualdade é excluída dessa sede de um poder governamental discricionário que é a organização económica do capitalismo actual. Com efeito, na enorme medida em que a economia é uma instância determinante ou um campo de relações de poder decisivo no governo das nossas vidas de homens e mulheres comuns, não há democratização possível, no sentido que tenho vindo a indicar, do exercício do poder, que não tenha desde o início de começar a transformar essa mesma economia. Esta democratização da economia tem vários níveis, sendo importante insistir nesse aspecto: implica, nomeadamente, a democratização dos rendimentos e do mercado; a democratização das relações de poder no interior das empresas ou organizações; a democratização da decisão dos objectivos gerais e planeamento da actividade económica, etc. Sem igualização das condições de participação na direcção da economia, tanto ao nível macro da economia política, como ao nível de cada empresa ou unidade produtiva, e sem igualização dos rendimentos e democratização efectiva do mercado, não é possível conceber a existência de cidadãos que se governem a si próprios, ou que só reconheçam a legitimidade de os governar a um poder político cuja organização os institua também como governantes.Podemos dizer tudo isto, algumas (ou muitas) coisas mais, e faremos bem em insistirmos nelas. No entanto, a reflexão não pode, por mais longe que a levemos, e por definição, dar-nos a chave ou modelo do exercício do poder político democrático: este terá de ser feito e refeito, criado e recriado, no tempo, e dia após dia, pelos próprios cidadãos comuns, que efectivamente o detenham. Que assembleias e que magistrados responsáveis perante elas, por meio de que eleições e de que tiragens à sorte, através de que formas e sedes de deliberação e decisão comuns, poderá ser garantida aquilo a que tenho chamado a cidadania governante? Esta resposta só pode ser dada empiricamente e de facto pelas formas de acção que a sua reivindicação e afirmação forem criando e definindo por obra dos seus protagonistas.
Quererá isto dizer que a luta pela democratização aqui em causa pressuponha a condenação ou, pelo menos, a inutilidade de qualquer forma de partido ou associação política militante, como alguns parecem julgar e outros temem mais do que o diabo, diz-se, a cruz? É com esta questão que gostaria de terminar por agora esta proposta de debate.
Quanto aos partidos, o que aqui fica dito tende a exigir não a proibição deles ou de outras formas de expressão organizadas por grupos de cidadãos interessados em dar a conhecer as suas opiniões e propostas aos demais, mas, sem dúvida, a transformação radical das formas de organização existentes ou a criação de novas formas de associação política que nos permitam operar a substituição do voto em partidos comandados por políticos profissionais pela eleição de delegados, com partido ou sem ele, que mandatemos - possamos regularmente revogar segundo procedimentos simples e claramente definidos - e sejam responsáveis perante os eleitores e não partidos representativos no exercício das tarefas comuns cujo desempenho o exija. Ou seja, a substituição do voto que esgota e exclui até à convocação de novas eleições gerais a participação governante pelo voto que reforça e traduz essa participação permanente, que é uma das condições da cidadania.Em tudo isto, convém não esquecer que se a democracia que queremos é o governo que se dão e organizam os cidadãos livres e iguais, a organização de um movimento que a tenha por fim, terá de a ter também por meio e forma de organização. Ora, se todo o movimento é um poder e comporta relações de poder, o primeiro regime de exercício do poder a democratizar por uma “aliança de pessoas livres e iguais” é o da organização e direcção do próprio movimento. Esta democratização é, na realidade, condição necessária da que o movimento propõe no que se refere ao conjunto da sociedade. Acresce por fim que as mesmas razões fazem com que as lutas e acção política do movimento só possam visar a extensão e generalização da participação igualitária, responsável e regular - auto-organizada ou autónoma -, de cada cidadão nas decisões comuns, que vinculam a existência colectiva, pelo que será tendo-o em conta que delas melhor poderemos ajuizar a cada momento.
Estas fotografias representam as manifestações de 15 de Outubro em Lisboa e no Porto. A primeira a contar de cima deve-se a Debora Baldelli e a última a Horta do Rosário. Não conhecemos os autores das outras duas. A fotografia do destaque é de José Ferreira.
Fonte: http://passapalavra.info/
Ainda que possamos ver em abstracto uma aspiração democrática, essa intenção está longe de se traduzir numa vontade política determinada e precisa. Por Miguel Serras PereiraOs acontecimentos e a situação política presentes têm posto na ordem do dia uma série de questões sobre a suficiência ou insuficiência da “indignação” e, mais profundamente, sobre as perspectivas de uma transformação democrática radical das relações de poder vigentes sob o governo das oligarquias capitalistas.
Quanto ao primeiro ponto, remeto, embora não subscreva tudo o que Zygmunt Bauman aí afirma, para as reflexões que aquele propõe numa entrevista publicada por El País, e que assinalam com pertinência os limites que, ainda com excepções e linhas de fuga abrindo novas perspectivas, têm até ao momento circunscrito o alcance das acampadas. Com efeito, na peça que transcreve as posições de Bauman, podemos ler:
«Bauman, é evidente, classifica este movimento como “emotivo” e, na sua opinião, “se a emoção serve para destruir, ela é especialmente incapaz de construir o que quer que seja. Pessoas de quaisquer classes e condições reunem-se nas praças e gritam os mesmos slogans. Estão todos de acordo quanto ao que rejeitam, mas teríamos cem respostas diferentes se lhes perguntássemos o que pretendem.
A emoção é (e não podia deixar de ser) “líquida”. Ferve facilmente, mas também arrefece passado pouco tempo. “A emoção é instável e inadequada para dar forma a algo de coerente e duradouro”. De facto, a modernidade líquida na qual se inserem os indignados tem como característica a temporalidade, “as manifestações são episódicas e propensas à hibernação”. […]
O movimento vai crescendo, mas “fá-lo mediante a emoção, falta-lhe pensamento. Só com emoções e sem pensamento não se chega a lugar nenhum”. A agitação resultante da emoção colectiva reproduz o espectáculo de um carnaval que termina por si mesmo, sem consequências. “Durante o carnaval tudo é permitido, mas, acabado o carnaval, volta o sistema de normas anterior”».(Entrevista de Vicente Verdú, “El 15-M es emocional, le falta pensamiento”, El País, 17.10.2011)Dito isto, haverá quem possa objectar com certa justificação a Bauman que os movimentos que culminaram nas acções internacionais do dia 15 de Outubro passado, ainda que tenham partido de uma indignação difusa, mais sentimental (senão moralizadora) do que política, souberam começar a politizar as questões que levantam, como é manifesto em divisas como ”Democracia Já”, ”A Democracia Sai à Rua” ou ”Nós Somos os 99%”. A objecção é pertinente, mas só até certo ponto.
Com efeito, ainda que possamos ver em abstracto uma aspiração democrática constituinte ou instituinte naquilo que as referidas palavras de ordem, entre outras, exprimem, essa intenção está longe de se traduzir numa vontade política determinada e precisa, configurando propostas consistentes de vias e formas alternativas à cena política estabelecida e às relações de poder hierárquicas vigentes. E este é um problema — ou, por excelência, o problema fundamental — que a reflexão mais lúcida não pode por si só resolver.
Podemos e devemos dizer que, se “a democracia é o governo do povo, pelo povo e para o povo”, implicando que seja o conjunto dos cidadãos comuns, ou os tais (um pouco menos de) 99%, a dotar-se de meios e formas de organização que permitam a cada um deles participar de pleno direito nas decisões que governam a sua existência. Não se trata apenas da igualdade perante a lei, mas da igualdade no deliberar e decidir das leis ou na tomada de muitas outras disposições que, não sendo leis, vinculam colectivamente a existência de cada ser humano comum. É evidente que a exigência de uma igualdade semelhante não é satisfeita pela chamadas “democracias representativas” que nos governam e que assentam justamente na passividade programada e regular da maioria dos cidadãos e na divisão hierárquica do trabalho político decorrente do estabelecimento de uma distinção permanente e estrutural entre governantes e governados. É evidente que a mesma exigência de igualdade é excluída dessa sede de um poder governamental discricionário que é a organização económica do capitalismo actual. Com efeito, na enorme medida em que a economia é uma instância determinante ou um campo de relações de poder decisivo no governo das nossas vidas de homens e mulheres comuns, não há democratização possível, no sentido que tenho vindo a indicar, do exercício do poder, que não tenha desde o início de começar a transformar essa mesma economia. Esta democratização da economia tem vários níveis, sendo importante insistir nesse aspecto: implica, nomeadamente, a democratização dos rendimentos e do mercado; a democratização das relações de poder no interior das empresas ou organizações; a democratização da decisão dos objectivos gerais e planeamento da actividade económica, etc. Sem igualização das condições de participação na direcção da economia, tanto ao nível macro da economia política, como ao nível de cada empresa ou unidade produtiva, e sem igualização dos rendimentos e democratização efectiva do mercado, não é possível conceber a existência de cidadãos que se governem a si próprios, ou que só reconheçam a legitimidade de os governar a um poder político cuja organização os institua também como governantes.Podemos dizer tudo isto, algumas (ou muitas) coisas mais, e faremos bem em insistirmos nelas. No entanto, a reflexão não pode, por mais longe que a levemos, e por definição, dar-nos a chave ou modelo do exercício do poder político democrático: este terá de ser feito e refeito, criado e recriado, no tempo, e dia após dia, pelos próprios cidadãos comuns, que efectivamente o detenham. Que assembleias e que magistrados responsáveis perante elas, por meio de que eleições e de que tiragens à sorte, através de que formas e sedes de deliberação e decisão comuns, poderá ser garantida aquilo a que tenho chamado a cidadania governante? Esta resposta só pode ser dada empiricamente e de facto pelas formas de acção que a sua reivindicação e afirmação forem criando e definindo por obra dos seus protagonistas.
Quererá isto dizer que a luta pela democratização aqui em causa pressuponha a condenação ou, pelo menos, a inutilidade de qualquer forma de partido ou associação política militante, como alguns parecem julgar e outros temem mais do que o diabo, diz-se, a cruz? É com esta questão que gostaria de terminar por agora esta proposta de debate.
Quanto aos partidos, o que aqui fica dito tende a exigir não a proibição deles ou de outras formas de expressão organizadas por grupos de cidadãos interessados em dar a conhecer as suas opiniões e propostas aos demais, mas, sem dúvida, a transformação radical das formas de organização existentes ou a criação de novas formas de associação política que nos permitam operar a substituição do voto em partidos comandados por políticos profissionais pela eleição de delegados, com partido ou sem ele, que mandatemos - possamos regularmente revogar segundo procedimentos simples e claramente definidos - e sejam responsáveis perante os eleitores e não partidos representativos no exercício das tarefas comuns cujo desempenho o exija. Ou seja, a substituição do voto que esgota e exclui até à convocação de novas eleições gerais a participação governante pelo voto que reforça e traduz essa participação permanente, que é uma das condições da cidadania.Em tudo isto, convém não esquecer que se a democracia que queremos é o governo que se dão e organizam os cidadãos livres e iguais, a organização de um movimento que a tenha por fim, terá de a ter também por meio e forma de organização. Ora, se todo o movimento é um poder e comporta relações de poder, o primeiro regime de exercício do poder a democratizar por uma “aliança de pessoas livres e iguais” é o da organização e direcção do próprio movimento. Esta democratização é, na realidade, condição necessária da que o movimento propõe no que se refere ao conjunto da sociedade. Acresce por fim que as mesmas razões fazem com que as lutas e acção política do movimento só possam visar a extensão e generalização da participação igualitária, responsável e regular - auto-organizada ou autónoma -, de cada cidadão nas decisões comuns, que vinculam a existência colectiva, pelo que será tendo-o em conta que delas melhor poderemos ajuizar a cada momento.
Estas fotografias representam as manifestações de 15 de Outubro em Lisboa e no Porto. A primeira a contar de cima deve-se a Debora Baldelli e a última a Horta do Rosário. Não conhecemos os autores das outras duas. A fotografia do destaque é de José Ferreira.
Fonte: http://passapalavra.info/
quinta-feira, 27 de outubro de 2011
Processo de cura: Centro espírita dedica-se a receber cães, gatos e outros animais, em SP - por ANDA
Processo de cura: Centro espírita dedica-se a receber cães, gatos e outros animais, em SPPalestra antes do “passe”: pacientes em silêncio. Foto: Agliberto Lima
Uma casa de esquina pintada de verde, no Parque Vitória, na Zona Norte, apresenta um movimento parecido com o de um consultório veterinário às quintas, sextas e aos domingos. Dezenas de gatos e, principalmente, cachorros entram e saem presos em coleiras, dentro de caixinhas e aconchegados no colo de seus tutores. Não se trata de uma clínica médica, mas da Associação Espírita Amigos dos Animais (Asseama), o único centro dessa doutrina religiosa da capital especializado em receber aniamis de todas as espécies.
“Queremos mudar a consciência das pessoas em relação a esses seres vivos, que têm alma e dependem de nós”, afirma Sandra Denise Calado, presidente da entidade. Ela diz que se descobriu médium no fim da década de 90. Com dois amigos veterinários, Marcel Benedeti e Cristiane Villarista, criou, em 2006, a Asseama. Três anos depois, a associação ganhou sede própria, onde hoje são atendidos 200 pessoas por semana.A médium Sandra: “Aqui é só mais uma etapa no processo de cura". Foto: Agliberto Lima
Num domingo típico, o dia de maior movimento, os carros começam a chegar por volta das 8h30. Os frequentadores se reúnem em um quintalzinho, onde há uma lanchonete vegana (sem carne, laticínios e ovos). Só são vendidos produtos como croquete de alho-poró com tofu defumado e coxinha de proteína de soja. Em seguida, as pessoas com seus animais se dirigem a uma sala repleta de quadros religiosos — com imagens de Jesus e São Francisco de Assis, padroeiro dos animais — para orar e assistir a uma palestra. Durante quinze minutos, os animais permanecem surpreendentemente em silêncio, sentados junto de seus tutores. Vez ou outra uma sinfonia de miados ou latidos toma o ambiente, porém o barulho dura pouco tempo.
No fim da apresentação, um a um eles se dirigem para um cômodo separado a fim de “tomar passe”. De acordo com a doutrina, esse processo se dá quando um espírito transmite energias através das mãos de um médium, colocadas na cabeça do animal. A dona de casa Eloisa Lorenzetti, criada em família católica, aparece ali toda semana com seu pequeno poodle Kiko, de 11 anos. Ele foi diagnosticado com linfoma em maio e perdeu a maioria dos pelos por causa das sessões de quimioterapia. “Antes eu só chorava”, diz ela. “A Asseama me trouxe muito consolo.”
Sempre gratuito, o tratamento também pode ser realizado a distância. Cerca de 3.500 animais de outros locais do Brasil e até do exterior, entre cavalos, ovelhas, porcos e galinhas, foram cadastrados por seus tutor no site da entidade para receber as boas vibrações. Logo após as sessões ao vivo, o grupo de quinze voluntários se reúne para pedir auxílio divino para os animais distantes. Nessa hora, o tutor precisa estar junto do companheiro, em silêncio e concentrado. Mantida por doações, a Asseama promove ainda festas temáticas e aulas de culinária vegetariana. No começo do mês, a equipe lançou o livro “O Evangelho dos Animais”, psicografado pela própria Sandra.Oração: 200 pessoas vão ao centro por semana. Foto: Agliberto Lima
Quase todos os animais que aparecem por lá sofrem com algum problema de saúde. É o caso da gatinha Lola, que perdeu a visão por causa de um herpes-vírus. “Quando vim para cá, achei que aconteceria um milagre e ela se recuperaria totalmente”, conta a aposentada Yara Alves. “Isso não aconteceu, mas o atendimento ajudou muito em pequenos problemas, como a baixa imunidade dela.”
O alegre cão dachshund Bola, de 7 anos, se locomove com um carrinho acoplado a suas patas traseiras por causa de uma paraplegia. Já o cocker Boby enfrenta um câncer no fígado. “Ele sempre sai daqui muito tranquilo”, garante sua tutora, a psicóloga Márcia Souza.
Apesar das reações positivas, a presidente da Asseama não aconselha ninguém a abandonar o tratamento veterinário. “Aqui é só mais uma etapa para auxiliar na cura”, diz. Outra pergunta recorrente relacionada ao serviço é a seguinte: quem perdeu um animal querido pode encontrar sua “alma” circulando pelo local? Acredite se quiser: de acordo com Sandra, seria possível, sim, ter notícias de animais já falecidos. Mas somente médiuns como ela conseguiriam ver esses espíritos.
Associação Espírita Amigos dos Animais (Asseama)
Rua Manuel de Moura, 63, Parque Vitória
Fone - 3534-3643
Quinta, 16h30 e 17h30; sexta, 19h; domingo, 9h, 9h50, 10h45 e 11h35 www.asseama.com.br.
Fonte://www.anda.jor.br
Uma casa de esquina pintada de verde, no Parque Vitória, na Zona Norte, apresenta um movimento parecido com o de um consultório veterinário às quintas, sextas e aos domingos. Dezenas de gatos e, principalmente, cachorros entram e saem presos em coleiras, dentro de caixinhas e aconchegados no colo de seus tutores. Não se trata de uma clínica médica, mas da Associação Espírita Amigos dos Animais (Asseama), o único centro dessa doutrina religiosa da capital especializado em receber aniamis de todas as espécies.
“Queremos mudar a consciência das pessoas em relação a esses seres vivos, que têm alma e dependem de nós”, afirma Sandra Denise Calado, presidente da entidade. Ela diz que se descobriu médium no fim da década de 90. Com dois amigos veterinários, Marcel Benedeti e Cristiane Villarista, criou, em 2006, a Asseama. Três anos depois, a associação ganhou sede própria, onde hoje são atendidos 200 pessoas por semana.A médium Sandra: “Aqui é só mais uma etapa no processo de cura". Foto: Agliberto Lima
Num domingo típico, o dia de maior movimento, os carros começam a chegar por volta das 8h30. Os frequentadores se reúnem em um quintalzinho, onde há uma lanchonete vegana (sem carne, laticínios e ovos). Só são vendidos produtos como croquete de alho-poró com tofu defumado e coxinha de proteína de soja. Em seguida, as pessoas com seus animais se dirigem a uma sala repleta de quadros religiosos — com imagens de Jesus e São Francisco de Assis, padroeiro dos animais — para orar e assistir a uma palestra. Durante quinze minutos, os animais permanecem surpreendentemente em silêncio, sentados junto de seus tutores. Vez ou outra uma sinfonia de miados ou latidos toma o ambiente, porém o barulho dura pouco tempo.
No fim da apresentação, um a um eles se dirigem para um cômodo separado a fim de “tomar passe”. De acordo com a doutrina, esse processo se dá quando um espírito transmite energias através das mãos de um médium, colocadas na cabeça do animal. A dona de casa Eloisa Lorenzetti, criada em família católica, aparece ali toda semana com seu pequeno poodle Kiko, de 11 anos. Ele foi diagnosticado com linfoma em maio e perdeu a maioria dos pelos por causa das sessões de quimioterapia. “Antes eu só chorava”, diz ela. “A Asseama me trouxe muito consolo.”
Sempre gratuito, o tratamento também pode ser realizado a distância. Cerca de 3.500 animais de outros locais do Brasil e até do exterior, entre cavalos, ovelhas, porcos e galinhas, foram cadastrados por seus tutor no site da entidade para receber as boas vibrações. Logo após as sessões ao vivo, o grupo de quinze voluntários se reúne para pedir auxílio divino para os animais distantes. Nessa hora, o tutor precisa estar junto do companheiro, em silêncio e concentrado. Mantida por doações, a Asseama promove ainda festas temáticas e aulas de culinária vegetariana. No começo do mês, a equipe lançou o livro “O Evangelho dos Animais”, psicografado pela própria Sandra.Oração: 200 pessoas vão ao centro por semana. Foto: Agliberto Lima
Quase todos os animais que aparecem por lá sofrem com algum problema de saúde. É o caso da gatinha Lola, que perdeu a visão por causa de um herpes-vírus. “Quando vim para cá, achei que aconteceria um milagre e ela se recuperaria totalmente”, conta a aposentada Yara Alves. “Isso não aconteceu, mas o atendimento ajudou muito em pequenos problemas, como a baixa imunidade dela.”
O alegre cão dachshund Bola, de 7 anos, se locomove com um carrinho acoplado a suas patas traseiras por causa de uma paraplegia. Já o cocker Boby enfrenta um câncer no fígado. “Ele sempre sai daqui muito tranquilo”, garante sua tutora, a psicóloga Márcia Souza.
Apesar das reações positivas, a presidente da Asseama não aconselha ninguém a abandonar o tratamento veterinário. “Aqui é só mais uma etapa para auxiliar na cura”, diz. Outra pergunta recorrente relacionada ao serviço é a seguinte: quem perdeu um animal querido pode encontrar sua “alma” circulando pelo local? Acredite se quiser: de acordo com Sandra, seria possível, sim, ter notícias de animais já falecidos. Mas somente médiuns como ela conseguiriam ver esses espíritos.
Associação Espírita Amigos dos Animais (Asseama)
Rua Manuel de Moura, 63, Parque Vitória
Fone - 3534-3643
Quinta, 16h30 e 17h30; sexta, 19h; domingo, 9h, 9h50, 10h45 e 11h35 www.asseama.com.br.
Fonte://www.anda.jor.br
Occupy Wall Street: quatro etapas e um desafio - Por Immanuel Wallerestein
Occupy Wall Street: quatro etapas e um desafioMovimento deixará legado positivo e duradouro. Mas pode tornar-se ainda mais potente, e alcançar objetivos imediatos
O movimento Occupy Wall Street – por enquanto, é um movimento – é o acontecimento político mais importante nos Estados Unidos desde as rebeliões de 1968, das quais é descendente ou continuação direta.
Por que começou nos Estados Unidos em dado momento – e não três dias, três meses, três anos antes ou depois –, jamais saberemos ao certo. As condições estavam dadas: crescimento agudo do desastre econômico, não só para os realmente acometidos pela pobreza mas também para um segmento cada vez mais vasto dos trabalhadores pobres; incríveis exageros (exploração, ganância) do 1% mais rico da população americana (“Wall Street”); o exemplo de iradas rebeliões ao redor do mundo (a “Primavera Árabe”, os indignados espanhóis, os estudantes chilenos, os sindicatos de Wisconsin e mais uma longa lista). Não importa tanto qual fagulha acendeu a fogueira. Ela foi acesa.
Na primeira etapa – os dias iniciais –, o movimento resumia-se a um punhado de pessoas audaciosas, e na maioria jovens, procurando se manifestar. A imprensa ignorou-as completamente. Até que alguns chefes de polícia imbecis acharam que um pouco de brutalidade acabaria com as manifestações. Acabaram capturados por filmagens e as filmagens infestaram o YouTube.
O que nos leva à segunda etapa – a publicidade. A imprensa não pôde mais ignorar totalmente as manifestações. Então, tentou ser condescendente. O que esses tolos e ignorantes jovens (e uma e outra mulher mais velha) sabiam de economia? Será que tinham algum programa positivo? Eram “disciplinados”? Fomos informados de que logo as manifestações iriam minguar. O que não era esperado pela imprensa e pelos poderes correntes (parece que eles nunca aprendem) é que o tema do protesto ressoaria de maneira ampla e rapidamente se popularizaria. De cidade em cidade, “ocupações” similares foram iniciadas. Cinquentões desempregados começaram a aderir. Celebridades fizeram o mesmo. O mesmo para sindicatos, inclusive ninguém menos que o presidente da AFL-CIO (Federação Americana do Trabalho e Congresso de Organizações Industriais). A imprensa de fora dos Estados Unidos começava a cobrir os eventos. Questionados sobre o que queriam, os manifestantes respondiam: “justiça”. Esta começava a parecer uma resposta significativa para mais e mais pessoas.
Vem então a terceira etapa – a legitimidade. Acadêmicos de certa reputação passaram a sugerir que o ataque a “Wall Street” possuía alguma justificação. Repentinamente, a principal voz da respeitabilidade centrista, o New York Times, rodou em 8 de outubro um editorial dizendo que os protestantes tinham realmente “uma mensagem clara e preceitos políticos específicos”, e que o movimento era “mais que uma revolta de juventude.” O Times prosseguia: “Desigualdade extrema é a marca de uma economia disfuncional, dominada por um setor financeiro guiado em grande parte por especulação, trapaça e amparo governamental, tanto quanto por investimentos produtivos.” Linguagem pesada para o Times. Em seguida, o comitê de campanha democrata no Congresso passou a circular uma petição solicitando aos adeptos do partido que declarassem: “Estou com os protestos do Occupy Wall Street”.
O movimento tornara-se respeitável. E com a respeitabilidade veio o perigo – quarta etapa. Um grande movimento de protesto, ao se popularizar, costuma enfrentar duas grandes ameaças. Uma é a organização de significativa contramanifestação de direita nas ruas. Com efeito, Eric Cantor, o linha-dura (e muito astuto) líder republicano no Congresso, já foi convocado. Tais contramanifestações podem ser bastante ferozes. O Occupy Wall Street precisa estar preparado para isso e cogitar a maneira como pretende dominar ou neutralizar a eventual contra-ofensiva.
Mas a segunda e maior ameaça vem do sucesso genuíno do movimento. Conforme ganha mais apoio, ele amplia a diversidade de opiniões entre os manifestantes ativos. O problema aqui, como sempre, é como evitar ao mesmo tempo Cila e Caribdis1. Impedir que Occupy Wall Street torne-se um culto para poucos, que seria levado à derrota por ter bases muito limitadas; ou que, no esforço para atrair mais gente, o movimento perca coerência. Não há fórmula simples para manter-se afastado de ambos os extremos. É difícil.
Quanto ao futuro, pode ser que o movimento tenha força em momentos específicos. De duas coisas ele pode ser capaz. Forçar uma revisão rápida das medidas reais do governo para minimizar a dor aguda que pessoas estão obviamente sentindo. E transformar, a longo prazo, a visão de largos segmentos da população norte-americana sobre as realidades da crise estrutural do capitalismo e as grandes transformações geopolíticas que estão ocorrendo, por vivermos hoje em um mundo multipolar.
Mesmo que o Occupy Wall Street venha a se esgotar por exaustão ou repressão, ele já terá sido bem-sucedido e deixará um legado duradouro, assim como ocorreu com as revoltas de 1968. Os Estados Unidos terão mudado, e em sentido positivo. Como diz o ditado, “Roma não foi feita em um dia”. Construir uma ordem mundial nova e melhor; e um país novo e melhor, são tarefas que requerem esforço contínuo de várias gerações. Mas um outro mundo é de fato possível (embora não inevitável). E nós podemos fazer a diferença. Occupy Wall Street está fazendo a diferença – uma grande diferença.
–
1. Referência à mitologia grega. Cila e Caribdis são monstros poderosos e vorazes, que habitam rochedos opostos, às margens de um estreito. A distância entre eles é inferior ao alcance de uma seta. Por isso, os navegantes precisam de grande destreza para não se aproximar nem de um, nem de outro lado. Referência, na vida social, às situações em que duas posições extremas, e opostos, são igualmente desastrosas.
Tradução: Paulo Cezar de Mello
Fonte: www.outraspalavras.net/
O movimento Occupy Wall Street – por enquanto, é um movimento – é o acontecimento político mais importante nos Estados Unidos desde as rebeliões de 1968, das quais é descendente ou continuação direta.
Por que começou nos Estados Unidos em dado momento – e não três dias, três meses, três anos antes ou depois –, jamais saberemos ao certo. As condições estavam dadas: crescimento agudo do desastre econômico, não só para os realmente acometidos pela pobreza mas também para um segmento cada vez mais vasto dos trabalhadores pobres; incríveis exageros (exploração, ganância) do 1% mais rico da população americana (“Wall Street”); o exemplo de iradas rebeliões ao redor do mundo (a “Primavera Árabe”, os indignados espanhóis, os estudantes chilenos, os sindicatos de Wisconsin e mais uma longa lista). Não importa tanto qual fagulha acendeu a fogueira. Ela foi acesa.
Na primeira etapa – os dias iniciais –, o movimento resumia-se a um punhado de pessoas audaciosas, e na maioria jovens, procurando se manifestar. A imprensa ignorou-as completamente. Até que alguns chefes de polícia imbecis acharam que um pouco de brutalidade acabaria com as manifestações. Acabaram capturados por filmagens e as filmagens infestaram o YouTube.
O que nos leva à segunda etapa – a publicidade. A imprensa não pôde mais ignorar totalmente as manifestações. Então, tentou ser condescendente. O que esses tolos e ignorantes jovens (e uma e outra mulher mais velha) sabiam de economia? Será que tinham algum programa positivo? Eram “disciplinados”? Fomos informados de que logo as manifestações iriam minguar. O que não era esperado pela imprensa e pelos poderes correntes (parece que eles nunca aprendem) é que o tema do protesto ressoaria de maneira ampla e rapidamente se popularizaria. De cidade em cidade, “ocupações” similares foram iniciadas. Cinquentões desempregados começaram a aderir. Celebridades fizeram o mesmo. O mesmo para sindicatos, inclusive ninguém menos que o presidente da AFL-CIO (Federação Americana do Trabalho e Congresso de Organizações Industriais). A imprensa de fora dos Estados Unidos começava a cobrir os eventos. Questionados sobre o que queriam, os manifestantes respondiam: “justiça”. Esta começava a parecer uma resposta significativa para mais e mais pessoas.
Vem então a terceira etapa – a legitimidade. Acadêmicos de certa reputação passaram a sugerir que o ataque a “Wall Street” possuía alguma justificação. Repentinamente, a principal voz da respeitabilidade centrista, o New York Times, rodou em 8 de outubro um editorial dizendo que os protestantes tinham realmente “uma mensagem clara e preceitos políticos específicos”, e que o movimento era “mais que uma revolta de juventude.” O Times prosseguia: “Desigualdade extrema é a marca de uma economia disfuncional, dominada por um setor financeiro guiado em grande parte por especulação, trapaça e amparo governamental, tanto quanto por investimentos produtivos.” Linguagem pesada para o Times. Em seguida, o comitê de campanha democrata no Congresso passou a circular uma petição solicitando aos adeptos do partido que declarassem: “Estou com os protestos do Occupy Wall Street”.
O movimento tornara-se respeitável. E com a respeitabilidade veio o perigo – quarta etapa. Um grande movimento de protesto, ao se popularizar, costuma enfrentar duas grandes ameaças. Uma é a organização de significativa contramanifestação de direita nas ruas. Com efeito, Eric Cantor, o linha-dura (e muito astuto) líder republicano no Congresso, já foi convocado. Tais contramanifestações podem ser bastante ferozes. O Occupy Wall Street precisa estar preparado para isso e cogitar a maneira como pretende dominar ou neutralizar a eventual contra-ofensiva.
Mas a segunda e maior ameaça vem do sucesso genuíno do movimento. Conforme ganha mais apoio, ele amplia a diversidade de opiniões entre os manifestantes ativos. O problema aqui, como sempre, é como evitar ao mesmo tempo Cila e Caribdis1. Impedir que Occupy Wall Street torne-se um culto para poucos, que seria levado à derrota por ter bases muito limitadas; ou que, no esforço para atrair mais gente, o movimento perca coerência. Não há fórmula simples para manter-se afastado de ambos os extremos. É difícil.
Quanto ao futuro, pode ser que o movimento tenha força em momentos específicos. De duas coisas ele pode ser capaz. Forçar uma revisão rápida das medidas reais do governo para minimizar a dor aguda que pessoas estão obviamente sentindo. E transformar, a longo prazo, a visão de largos segmentos da população norte-americana sobre as realidades da crise estrutural do capitalismo e as grandes transformações geopolíticas que estão ocorrendo, por vivermos hoje em um mundo multipolar.
Mesmo que o Occupy Wall Street venha a se esgotar por exaustão ou repressão, ele já terá sido bem-sucedido e deixará um legado duradouro, assim como ocorreu com as revoltas de 1968. Os Estados Unidos terão mudado, e em sentido positivo. Como diz o ditado, “Roma não foi feita em um dia”. Construir uma ordem mundial nova e melhor; e um país novo e melhor, são tarefas que requerem esforço contínuo de várias gerações. Mas um outro mundo é de fato possível (embora não inevitável). E nós podemos fazer a diferença. Occupy Wall Street está fazendo a diferença – uma grande diferença.
–
1. Referência à mitologia grega. Cila e Caribdis são monstros poderosos e vorazes, que habitam rochedos opostos, às margens de um estreito. A distância entre eles é inferior ao alcance de uma seta. Por isso, os navegantes precisam de grande destreza para não se aproximar nem de um, nem de outro lado. Referência, na vida social, às situações em que duas posições extremas, e opostos, são igualmente desastrosas.
Tradução: Paulo Cezar de Mello
Fonte: www.outraspalavras.net/
Jacob Gorender - Por Lincoln Secco
Jacob GorenderPoucos países têm uma tradição historiográfica marxista como o Brasil. Nelson Werneck Sodré, Caio Prado Junior, Edgard Carone, Emilia Viotti da Costa, Alberto Passos Guimarães, Wilson do Nascimento Barbosa, Heitor Ferreira Lima e Leoncio Basbaum foram, em diferentes gerações, intérpretes que cultivaram a história numa perspectiva dialética e vinculada direta ou indiretamente a uma prática política.
Jacob Gorender é um exemplo tardio daquela “escola” tão variegada e até contraditória. Foi membro do PCB, integrou a Força Expedicionária Brasileira, foi dirigente comunista, esteve na URSS por ocasião do XX Congresso do PCUS e, de volta ao Brasil, foi um dos redatores da Declaração de Março de 1958, a qual mudou a orientação revolucionária do partido no sentido de um caminho parlamentar e reformista.
Depois do Golpe de 1964, Gorender dirigiu o PCBR, ao lado de Mario Alves. Preso, ele reinventou-se como intelectual. Não era um escritor. Seus artigos na Revista Fundamentos eram carregados da linguagem stalinista e caracterizavam o existencialismo, por exemplo, como filosofia de “degenerados e homossexuais”. Estudou a História do Brasil colonial e escreveu uma obra polêmica e original: O escravismo colonial. Neste livro, ele visava elevar a historiografia marxista a um novo patamar categorial e sistemático.
Criticou de maneira acerba a obra de Werneck Sodré e dele recebeu resposta não menos dura num artigo chamado “As Desventuras da Marxologia”. Também questionou as ideias de Caio Prado Junior.
Embora sua obra seja polêmica, foi fruto de pesquisa solitária e de ideias amadurecidas no cárcere com um objetivo claramente político: entender o fracasso da estratégia dos comunistas brasileiros a partir da sua inadequada leitura de nossa história. Mas Gorender não rompeu ao menos com uma linha de pesquisa dos comunistas brasileiros (excetuado Caio Prado): o estudo e a classificação das relações de produção internas.
Assim, Gorender se coloca no interior da mesma problemática de Werneck Sodré, Passos Guimarães e tantos outros, embora veja com mais simpatia o único que, de fato, polarizou o debate com aqueles autores: Caio Prado Junior.
Gorender ainda retornaria à polêmica com seu livro A escravidão reabilitada, a partir do qual teria como alvo não mais o PCB e sim historiadores acadêmicos. A tese central do livro, no entanto, é a do abolicionismo como a expressão política da Revolução Burguesa no Brasil.
Sua obra mais importante, contudo, talvez seja Combate nas trevas. Livro escrito de maneira romanesca, mas sem faltar com a verdade histórica. Ainda que marcado pelas antipatias do autor (como é o caso de sua crítica a Luiz Carlos Prestes) é uma obra difícil de ser igualada, pois combina a testemunha ocular da história e o historiador dotado de um método analítico insuperável.
Em 1990 ele ensaiava novos passos. Escreveu Marxismo sem utopia e Marcino e Liberatore, acompanhou a queda da URSS quando viajava por lá. Para obter apoio diplomático brasileiro, obteve intermediação do então Deputado Federal Florestan Fernandes. Gorender filiou-se depois ao Partido dos Trabalhadores, com o qual já colaborava antes e deu respaldo às tendências da esquerda petista, escrevendo para suas revistas e jornais. Ele participou de muitos debates do Núcleo de Estudos de O Capital e da Revista Práxis. Gorender telefonava solicitando livros, referências, mas era generoso em suas preocupações com os jovens militantes. Mais recentemente, ele se dedica a compreender o Brasil numa perspectiva crítica dos anos Lula.
***
Lincoln Secco é professor de História Contemporânea na USP.
Fonte: http://boitempoeditorial.wordpress.com/
Jacob Gorender é um exemplo tardio daquela “escola” tão variegada e até contraditória. Foi membro do PCB, integrou a Força Expedicionária Brasileira, foi dirigente comunista, esteve na URSS por ocasião do XX Congresso do PCUS e, de volta ao Brasil, foi um dos redatores da Declaração de Março de 1958, a qual mudou a orientação revolucionária do partido no sentido de um caminho parlamentar e reformista.
Depois do Golpe de 1964, Gorender dirigiu o PCBR, ao lado de Mario Alves. Preso, ele reinventou-se como intelectual. Não era um escritor. Seus artigos na Revista Fundamentos eram carregados da linguagem stalinista e caracterizavam o existencialismo, por exemplo, como filosofia de “degenerados e homossexuais”. Estudou a História do Brasil colonial e escreveu uma obra polêmica e original: O escravismo colonial. Neste livro, ele visava elevar a historiografia marxista a um novo patamar categorial e sistemático.
Criticou de maneira acerba a obra de Werneck Sodré e dele recebeu resposta não menos dura num artigo chamado “As Desventuras da Marxologia”. Também questionou as ideias de Caio Prado Junior.
Embora sua obra seja polêmica, foi fruto de pesquisa solitária e de ideias amadurecidas no cárcere com um objetivo claramente político: entender o fracasso da estratégia dos comunistas brasileiros a partir da sua inadequada leitura de nossa história. Mas Gorender não rompeu ao menos com uma linha de pesquisa dos comunistas brasileiros (excetuado Caio Prado): o estudo e a classificação das relações de produção internas.
Assim, Gorender se coloca no interior da mesma problemática de Werneck Sodré, Passos Guimarães e tantos outros, embora veja com mais simpatia o único que, de fato, polarizou o debate com aqueles autores: Caio Prado Junior.
Gorender ainda retornaria à polêmica com seu livro A escravidão reabilitada, a partir do qual teria como alvo não mais o PCB e sim historiadores acadêmicos. A tese central do livro, no entanto, é a do abolicionismo como a expressão política da Revolução Burguesa no Brasil.
Sua obra mais importante, contudo, talvez seja Combate nas trevas. Livro escrito de maneira romanesca, mas sem faltar com a verdade histórica. Ainda que marcado pelas antipatias do autor (como é o caso de sua crítica a Luiz Carlos Prestes) é uma obra difícil de ser igualada, pois combina a testemunha ocular da história e o historiador dotado de um método analítico insuperável.
Em 1990 ele ensaiava novos passos. Escreveu Marxismo sem utopia e Marcino e Liberatore, acompanhou a queda da URSS quando viajava por lá. Para obter apoio diplomático brasileiro, obteve intermediação do então Deputado Federal Florestan Fernandes. Gorender filiou-se depois ao Partido dos Trabalhadores, com o qual já colaborava antes e deu respaldo às tendências da esquerda petista, escrevendo para suas revistas e jornais. Ele participou de muitos debates do Núcleo de Estudos de O Capital e da Revista Práxis. Gorender telefonava solicitando livros, referências, mas era generoso em suas preocupações com os jovens militantes. Mais recentemente, ele se dedica a compreender o Brasil numa perspectiva crítica dos anos Lula.
***
Lincoln Secco é professor de História Contemporânea na USP.
Fonte: http://boitempoeditorial.wordpress.com/
quarta-feira, 26 de outubro de 2011
Cannabis: Luta cultural, política e apreciações generalizadas - Por Rafael M. Zanatto
Cannabis: Luta cultural, política e apreciações generalizadas
A tempestade se acirrava e as folhas das árvores e a maconha eram as alternativas para boicotar a indústria. Por Rafael M. Zanatto
Quando um cego grita pra outro cego, os dois
tropeçam na mesma pedra.
Vincent Van Gogh
De volta, com os dois pés firmes no chão, na terra que um dia foi dos papagaios. Trago mais que um “trago” de lembranças de Amsterdam. Mas não esqueci por lá a sistemática, que por mais que queira dissolver, ela corrói por dentro todas as possibilidades de criação. Vai e volta desgraçado, que não consegue falar das bicicletas que rasgam a cidade pra lá e pra cá. Mas os carros são pragas que não morrem fácil. Alguns persistentes motoristas se arriscam a atropelar uma multidão de ciclistas. As regras já estão incorporadas e qualquer deslize, qualquer desatenção, como atravessar desavisado pela ciclovia, uma voz que rasga o vento velozmente de pronto adverte-lhe: Veja por onde anda! O sistema é planejado, a cidade, plana, os canais, cheios de água e barcos, casas que flutuam. Flores de todas as espécies, multicoloridas, pés de maconha em escolas de cultivo. Turistas, quantos turistas para conhecer a cidade “mais livre do mundo”, onde a prostituição é legalizada e a maconha, se pode fumar em cafés.Red Light District - Amsterdã
Estarei eu falando do falanstério de Fourier ou da Utopia de Morus, que adormece ao som de Blues e acorda ao som de Jazz? Relíquia da contracultura, Amsterdam é mais que cidade de malucos, pervertidos, drogados de todas as espécies, turistas da droga que se reúnem como os bucaneiros na ilha de Tortuga. É uma cidade palco de lutas acirradas entre a população e as forças reais. Juventude, vontade, anos 60. Um amontoado de provocadores, vanguarda estética, happenings no menino de Lieverdje, escultura de Carel Kneuman na praça da Spui. Bela oferta da indústria do tabaco. A opulência holandesa insuflava o anticonformismo e a tradição anarquista florescia na mente de um grupo que se denominou “Provos”, mas não se conteve na luminosidade insuficiente da vanguarda. A desobediência civil alastrou-se e as lutas culturais foram violentamente reprimidas a golpes de sabres. Membros decepados adubariam o solo holandês. A juventude incendiária não se esquivaria de intervir no espetáculo e a imagem foi-lhes o instrumento.
Seria uma desilusão com a indústria e com o consumo? Pergunta retórica, a passividade saía de moda e logo as manifestações estéticas contra a indústria e propaganda empesteavam a cidade maçã. Contra a indústria do cigarro, levantou-se Robert Jasper Grootveld, fundador de um templo que tinha como ritual a execução de Happenings contra o vício disseminado e inconseqüente da nicotina. Do templo “Dependência Consciente da Nicotina”, os transeuntes podiam ouvir os fiéis entoando mantras como “cof cof cof”, e os K’s negros espalhavam-se pelos cartazes da indústria do tabaco em Amsterdam. A atividade de Grootveld rendeu-lhe duas prisões, mas os Kanker não saíam com uma pancada de chuva.Robert Jasper Grootveld em happenings no menino de Lieverdje
A tempestade se acirrava e as folhas das árvores e a maconha eram as alternativas para boicotar a indústria. Pobres empresários do tabaco. O que teriam feito eles para ser alvo de tanto estardalhaço. Eram eles o símbolo da manutenção do status quo, a empresa onde poderiam trabalhar pelo resto de seus dias em uma máquina desgraçada que não cessava em explorar as forças vitais de seus trabalhadores. A revolução cultural estava em curso e na estátua do pobre menino de rua, tornou-se o epicentro de uma turba de baderneiros pervertidos, e não se enganem anarquistas profundamente influenciados pelo dadaísmo e afinados com as tendências artísticas de seu tempo. O dadaísmo de Grootveld tomava o menino de Lieverdje, palco de danças, fogueiras, teatros, jogos e discursos dos mais absurdos, em contestação à estética discursiva dos políticos profissionais.
O vazio de ter tudo menos a liberdade de fazer tudo proporcionou uma mistura química fabulosa para a movimentação explosiva. Os sabres só ampliavam a insatisfação da juventude, que de ter tudo, nada mais tinha a perder. Os profetas faziam fila e logo uma comunidade de idéias fazia da repressão às suas atividades o motor propulsor para seu desenvolvimento. Duijin e Stolk lançam às ruas a revista “Provos”, distribuindo-as clandestinamente no meio dos jornais conservadores. A revista defendia uma conduta anti-social, o nomadismo, a arte, a ecologia e o fim da monarquia; resposta violenta ao consumismo levado às últimas conseqüências. Sua plataforma política concentrava-se em substituir a “caixa peidorenta de ferro” pelas bicicletas brancas, espalhadas pela cidade para uso público e gratuito, doadas pelos freqüentadores da Spui. A emancipação sexual, a legalização da maconha, o fim da propriedade privada e de qualquer forma de proibição estava entre as linhas gerais dos planos da juventude, que se aglomerava entorno dos Provos.Provos introduz as bicicletas brancas
O jornal conservador Telegraph em 1991 lamenta que “a sociedade holandesa nunca se recuperou das loucuras hippies, do “Flower Power” e das viagens para fora da realidade provocadas pela droga. Enquanto todas as sociedades ocidentais foram trazidas de volta à Terra, a sociedade holandesa ficou nas nuvens”. Discordar do Telegraph não basta e o argumento ideológico demonstra-nos ser insuficiente para analisar. Cabe um empirismo naturalista, o olhar do estrangeiro que provém de um país conservador que impede marchas, fecha universidades, destina a verba pública a aprisionar grande parte de seus cidadãos. Os críticos do Telegraph se esqueceram de mencionar que Amsterdam é um grande playground do consumo de drogas. Tem pra todos os gostos, sabores, haxixes em pacotes ou na balança. Coffee shops para maconheiros locais, para fumadores do mundo, para desavisados que nunca puxaram um fumo e que chegam sem saber fazer um cigarrinho. O Coffee Shop Central é um café que serve para velhos marujos e estivadores. A qualidade do produto é melhor e a forma de venda é mais simples. Um grande brutamonte de cabelos longos lhe apresenta seus produtos de cores das mais amarronzadas às mais negras, requerendo o passaporte. Já em outros, como o “Bulldog”, mais para marinheiros de primeira viagem, há também baseados bolados em cartelas, algo que achei extremamente tragicômico, mas acessível a um grande número de turistas que superam suas convenções sociais para saborear a erva proibida. Ali, o paraíso não lhes será tomado. Não se peca onde a legalidade da cannabis impera. As lojas de souvenires estão por todos os lados e a temática da cultura cannábica está totalmente mercantilizada. Lojas de sementes especializadas são os melhores lugares para comprar as premiadas no “Cannabis Cup”. Até a idéia das bicicletas provocadoras foram apropriadas pelo mercado e muitas empresas as locam para os turistas. A revolução cultural parece ter sido totalmente apropriada pela cultura do consumo e Amsterdam lhe é monumento.
A vitória parcial das lutas culturais e ou ecológicas se faz a partir de sua imediata inserção na lógica da sociedade do consumo, e este parece ser os objetivos das lutas de nosso tempo. Esse tempo sem ideologia. O pluralismo transforma-se na tábua de salvação do pensamento político, uma ideologia de uma era sem ideologia. Isso não quer dizer que as noções de diversidade não são falsas nem contestáveis. O mundo natural, o físico e o cultural são caracterizados pela diversidade, e nos regozijamos mais com as diferenças do que com a uniformidade, mas essas idéias não podem ser encaradas com dogmatismo, e a abrangência do termo fundamentado pela inclusão, é uma política que parece substituir a política. Se tudo é político, se tudo é cultural, tudo o é e nada existe ao mesmo tempo e esta combinação me parece o campo fértil para florescer a conformidade. Não devemos nos esquivar do fato de que a ascensão das lutas culturais está associada ao declínio da utopia, um indicador do esgotamento do pensamento político interessado nas transformações estruturais que eliminem a exploração do homem pelo homem. Maldito refluxo histórico. A partir do momento em que a cultura é definida como um conjunto de ferramentas, códigos, rituais e comportamentos, cada grupo ou subgrupo, e não apenas cada povo, terá sua cultura. Múltiplas culturas no interior da sociedade do consumo, a repousar sobre as mesmas infra-estruturas. O segredo da diversidade cultural parece ser sua uniformidade econômica e política.Desenho de Calma
As lutas culturais, em específico, as antiproibicionistas ou pela legalização da maconha, não se interessam pela revolução cultural, e sim batalham por um espaço para respirar fora da ilegalidade. A cultura cannábica está a todo o vapor, e produz lucros fabulosos nos países em que está legalizada. O comércio é dos mais lucrativos, mas a opção proibicionista lucra com a ilegalidade, e como efeito colateral: violência generalizada. Há mais de meio século, a guerra contra as drogas nos moldes dessa civilização padronizada e globalizada é das que mais cometem o assassínio e o encarceramento. Quem está a ganhar com essa máquina diabólica? É melhor saltarmos de cabeça nos anos 20, história dos nossos grandes amigos estadunidenses. É necessário dizer que, tanto lá quanto cá, a proibição assenta-se em uma ideologia profundamente moralista e sem escrúpulos, interessada na contenção social de grupos minoritários como os negros, indígenas, e nos states, também dos mexicanos. Mas a depressão que se seguiu ao crack da Bolsa de New York e com o New Deal, as minorias começaram a ascender socialmente, ocupando espaços na sociedade reservados aos brancos, e naturalmente, trazem consigo nesta escalada o hábito de consumir maconha, e seu uso começa a se disseminar entre os brancos. Além da questão racial ou moral, devemos compreender que a proibição não se fez apenas no campo ideológico, mas também com a atividade de uma burocracia montada para atender as demandas da política de repressão ao consumo de álcool. A lei seca dos anos 20 criou dois aparelhos mastodônticos: a máquina burocrática federal, encarregada de coibir o tráfico de destilados alcoólicos e o crime organizado, que auferia grandes lucros com o mercado negro de bebidas.
Nos anos 30, ambos os grupos se aperceberam que a liberação do consumo de álcool era inevitável e passaram a trabalhar na manutenção de seus lucros e privilégios. As campanhas da Liga da Decência serviram de plataforma para J. Edgar Hoover ascender à chefia do FBI, a partir de seus sucessos estratégicos contra o comércio de bebidas. Esse superburocrata amealhava poder a partir da máquina de estado e afirmava possuir um arquivo secreto com todos os podres dos políticos estadunidenses. Anslinger, seu antigo adversário, na luta pela sobrevivência pessoal após o fim da lei seca, é nomeado para o cargo de comissário do Bureau de Narcóticos e se apercebe do enorme potencial de suas novas funções, sendo capaz de gerar espaços maiores que a proibição do álcool.A orquestração proibicionista, composta pelo crime organizado e brancos racistas, encontrou em Anslinger seu maestro. Articula um lobby conservador na assembléia dos deputados e garante, graças às suas influências e pressões, amplos espaços na imprensa. Ele cria o problema, atemoriza com as conseqüências eventuais e goza as glórias de combatê-lo. Com o Marihuana Tax Stamp Act, a maconha é proibida em todo o território americano, e temos como conseqüências imediatas a reativação de departamentos fechados com o fim da lei seca a partir da liberação de pesados recursos e Anslinger tem novo cacife para sustentar seu ego na luta contra Hoover. Mas as coisas não param por aí e recrudescem as manifestações racistas contra latinos e negros, que estariam a envenenar a laboriosa juventude americana. E, por fim, o crime organizado logra sustentar sua grande estrutura, tão duramente montada nos anos de repressão aos alcoólicos, através da expansão e aumento dos lucros, como a colocação de opiáceos no mercado. Os preços da maconha vão aos céus, e a maconha torna-se a porta de acesso ao tráfico. Na ONU, a erva é inserida na Carta de Princípios como inimiga a ser combatida e debelada, e os traíras da vez foram os EUA, Venezuela, Brasil e Gana.
Pra acabar com esse texto de uma vez, cabe dizer que o uso da cannabis está completamente dessacralizado, sem rituais preestabelecidos [salvo muitas exceções], mas passível de ser adquirido nas esquinas, para o consumo hedonista, como recurso de lazer ou recurso estimulador da criatividade, ou indiretamente, num gesto de recusa aos padrões estabelecidos. Também não se encontra maciçamente incorporado nas práticas médicas, mas as pesquisas avançam e é ela a erva largamente recomendada para reduzir as náuseas e aumentar o apetite, geradas invariavelmente pelos tratamentos de câncer, e aos poucos os artistas reincorporam-na em seu processo de criação. Mas afinal, o problema reside em sua maior parte na proibição, que mantém a alta lucratividade do sistema de segurança, enquanto a saúde pública fica às moscas, ou reduzida a conglomerados de clínicas privadas para o tratamento de dependentes. Os religiosos que me perdoem, porque aqui não vou falar do uso religioso da maconha, não por ignorar a questão, mas para me concentrar exclusivamente no uso da diamba e das outras drogas na sociedade do consumo. Nessa modalidade social, desprovida de rituais ou ordenamentos de uma coletividade específica como o clube de diambistas do Maranhão, aparece como problema o vício. Então vamos ignorar cinco mil anos de história e nos concentrar nessa história do tempo relativamente presente.Burroughs por Alberto Ponticelli
Ninguém mais soube sobre drogas no ocidente do que William S. Burroughs, pelo menos é o que se diz nos guetos sobre o mais ilustre viciado de nossa cultura. O maior dos junkies, viciado em heroína e em tudo o que se pudesse provocar qualquer sensação distinta da cruel realidade. Freqüentador das casas de ópio, antes de Nick Tosches pudesse decretar seu fim. Mas não é porque um turista americano não as encontrou que elas deixaram de existir. Burroughs no Marrocos buscava nos opiáceos o tratamento de seu vício em heroína. Em 1953, Burroughs fizera a mesma busca na América do Sul, ali pro lado do Equador. E disponibiliza aos leitores as representações sobre o que sentia durante o período de desintoxicação. “Paranóia do início da abstinência… Tudo parece azul… Carne morta, pastosa, descorada” e nos pesadelos da abstinência podia ver “um café forrado de espelhos. Vazio… À espera de algo… surge um homem na porta lateral…um árabe baixo e franzino” e por aí vai a alucinação desse pesquisador, em busca da cura do vício em heroína. Durante sua busca, vê no Yage a possibilidade de abandonar as três picadas diárias. O colecionador levava consigo uma mala de substâncias das mais variadas, para controlar todos os impulsos possíveis de seu corpo. Em busca do líquido que o desintoxicaria, buscou os xamãs, que, para ele, prepararam a tão buscada poção. Mas, ali, naquele culto ritualístico, Burroughs sofre com as náuseas provocadas pelo chá, efeito que hoje se sabe esperado quando a substância entra em contato com um organismo intoxicado. No caso deste escritor de quem examinamos a trajetória, nada mais certeiro do que o chá o derrubar no chão e o fazer vomitar, devendo ele aceitar a ação daquela substância para completar o rito.
Porém, Burroughs, em sua obsessão por estar no comando de seu corpo como uma máquina, ingere em meio à crise substâncias industrializadas, cujo efeito pode controlar seus espasmos e náuseas. Neste episódio narrado em uma carta para Allen Ginsberg, ficam evidentes os limites entre rito e uso ocidental. Burroughs constitui em si uma metáfora da separação entre ritual e entretenimento. Em contrapartida, florescem estruturas de sociabilidade, transpassadas por fluxos e impulsos aleatoriamente humanos. O uso ocidental ou na sociedade do consumo das drogas é hoje uma cultura, não apenas da cannabis, mas todas as outras, inclusive das legalizadas como o álcool e o cigarro. São lutas culturais que têm por objetivo a legalidade, suprimindo as políticas proibicionistas em benefício da saúde, da qualidade de vida, educação, da criação legal de um mercado, que aponta talvez para uma atenuação da violência gerada pela guerra às drogas.
A luta cultural dos anos 60, contra o “American Way of Life”, valeu-se das drogas como instrumento político, como possibilidade de emancipação pessoal e coletiva, direitos civis, liberdade. Mas essa onda quebrou, deu tudo de si, e retrocedeu, restando apenas os resquícios de seu impacto na costa. O que Hunter S. Thompson metaforiza acima é a recuperação das lutas sociais pela sociedade do consumo. As lutas hoje não lutam pela transformação da sociedade embasada em um sonho hippie, de amor. Já se foi a época das revoluções, mas elas não parecem cessar de reflorescer, dando profundos impulsos pra frente. O que cabe é saber até que ponto a infra-estrutura está pronta para recuperar os impactos da luta social. Não podemos vislumbrar um futuro sem analisar esse movimento, e as lutas da cultura cannábica ou das drogas em geral não pretendem criar um modelo infra-estrutural, mas transformar a sociedade em noções embasadas em um número bastante grande de pesquisas atualizadas, para reduzir ou abolir a política de “guerra às drogas”, transferindo seus onerosos custos para o investimento em saúde pública. Tal noção construiu-se historicamente diante do completo fracasso da política de Anslinger.A sociedade brasileira, especialmente as autoridades da PUC, parecem ignorar que eles não podem segurar um processo histórico que cresce a todo o vapor, e o impedimento do “I Festival de Cultura Canábica” é mais uma pequenina pedra na luta pela legalização. Mas devemos entender que as lutas a favor da legalização não são recentes, e se estendem desde sua proibição. Um exemplo é o “I Simpósio Carioca de Estudos Sobre a Maconha”, realizado na IFCS – UFRJ em 1983, durante o período da abertura política no Brasil. Existiam também associações para a defesa de usuários outrora presos e agora presos até segunda ordem. Cabe aos movimentos culturais prosseguirem os trabalhos, e às autoridades, mais coerência. Devemos ampliar a estratégia que vem tomando cada vez mais corpo, que é a ebulição de células de debates. O caminho que nos conduz a uma sociedade democrática deve ser o mesmo que liquida a ignorância e a desigualdade de seu seio.
Livros para desfazer a neblina, mas não tanto
Provos: Amsterdan e o Nascimento da Contracultura - Matteo Guarnaccia
Cartas Do Yage - William Burroughs & Allen Ginsberg
Almoço Nu - William Burroughs
O Barato da História - Elizabeth Remini
Diamba Sarabamba - Anthony Henman & Osvaldo Pessoa Jr.
O fim da utopia: Política e cultura na época da apatia - Russel Jacoby
Fonte: http://passapalavra.info/
A tempestade se acirrava e as folhas das árvores e a maconha eram as alternativas para boicotar a indústria. Por Rafael M. Zanatto
Quando um cego grita pra outro cego, os dois
tropeçam na mesma pedra.
Vincent Van Gogh
De volta, com os dois pés firmes no chão, na terra que um dia foi dos papagaios. Trago mais que um “trago” de lembranças de Amsterdam. Mas não esqueci por lá a sistemática, que por mais que queira dissolver, ela corrói por dentro todas as possibilidades de criação. Vai e volta desgraçado, que não consegue falar das bicicletas que rasgam a cidade pra lá e pra cá. Mas os carros são pragas que não morrem fácil. Alguns persistentes motoristas se arriscam a atropelar uma multidão de ciclistas. As regras já estão incorporadas e qualquer deslize, qualquer desatenção, como atravessar desavisado pela ciclovia, uma voz que rasga o vento velozmente de pronto adverte-lhe: Veja por onde anda! O sistema é planejado, a cidade, plana, os canais, cheios de água e barcos, casas que flutuam. Flores de todas as espécies, multicoloridas, pés de maconha em escolas de cultivo. Turistas, quantos turistas para conhecer a cidade “mais livre do mundo”, onde a prostituição é legalizada e a maconha, se pode fumar em cafés.Red Light District - Amsterdã
Estarei eu falando do falanstério de Fourier ou da Utopia de Morus, que adormece ao som de Blues e acorda ao som de Jazz? Relíquia da contracultura, Amsterdam é mais que cidade de malucos, pervertidos, drogados de todas as espécies, turistas da droga que se reúnem como os bucaneiros na ilha de Tortuga. É uma cidade palco de lutas acirradas entre a população e as forças reais. Juventude, vontade, anos 60. Um amontoado de provocadores, vanguarda estética, happenings no menino de Lieverdje, escultura de Carel Kneuman na praça da Spui. Bela oferta da indústria do tabaco. A opulência holandesa insuflava o anticonformismo e a tradição anarquista florescia na mente de um grupo que se denominou “Provos”, mas não se conteve na luminosidade insuficiente da vanguarda. A desobediência civil alastrou-se e as lutas culturais foram violentamente reprimidas a golpes de sabres. Membros decepados adubariam o solo holandês. A juventude incendiária não se esquivaria de intervir no espetáculo e a imagem foi-lhes o instrumento.
Seria uma desilusão com a indústria e com o consumo? Pergunta retórica, a passividade saía de moda e logo as manifestações estéticas contra a indústria e propaganda empesteavam a cidade maçã. Contra a indústria do cigarro, levantou-se Robert Jasper Grootveld, fundador de um templo que tinha como ritual a execução de Happenings contra o vício disseminado e inconseqüente da nicotina. Do templo “Dependência Consciente da Nicotina”, os transeuntes podiam ouvir os fiéis entoando mantras como “cof cof cof”, e os K’s negros espalhavam-se pelos cartazes da indústria do tabaco em Amsterdam. A atividade de Grootveld rendeu-lhe duas prisões, mas os Kanker não saíam com uma pancada de chuva.Robert Jasper Grootveld em happenings no menino de Lieverdje
A tempestade se acirrava e as folhas das árvores e a maconha eram as alternativas para boicotar a indústria. Pobres empresários do tabaco. O que teriam feito eles para ser alvo de tanto estardalhaço. Eram eles o símbolo da manutenção do status quo, a empresa onde poderiam trabalhar pelo resto de seus dias em uma máquina desgraçada que não cessava em explorar as forças vitais de seus trabalhadores. A revolução cultural estava em curso e na estátua do pobre menino de rua, tornou-se o epicentro de uma turba de baderneiros pervertidos, e não se enganem anarquistas profundamente influenciados pelo dadaísmo e afinados com as tendências artísticas de seu tempo. O dadaísmo de Grootveld tomava o menino de Lieverdje, palco de danças, fogueiras, teatros, jogos e discursos dos mais absurdos, em contestação à estética discursiva dos políticos profissionais.
O vazio de ter tudo menos a liberdade de fazer tudo proporcionou uma mistura química fabulosa para a movimentação explosiva. Os sabres só ampliavam a insatisfação da juventude, que de ter tudo, nada mais tinha a perder. Os profetas faziam fila e logo uma comunidade de idéias fazia da repressão às suas atividades o motor propulsor para seu desenvolvimento. Duijin e Stolk lançam às ruas a revista “Provos”, distribuindo-as clandestinamente no meio dos jornais conservadores. A revista defendia uma conduta anti-social, o nomadismo, a arte, a ecologia e o fim da monarquia; resposta violenta ao consumismo levado às últimas conseqüências. Sua plataforma política concentrava-se em substituir a “caixa peidorenta de ferro” pelas bicicletas brancas, espalhadas pela cidade para uso público e gratuito, doadas pelos freqüentadores da Spui. A emancipação sexual, a legalização da maconha, o fim da propriedade privada e de qualquer forma de proibição estava entre as linhas gerais dos planos da juventude, que se aglomerava entorno dos Provos.Provos introduz as bicicletas brancas
O jornal conservador Telegraph em 1991 lamenta que “a sociedade holandesa nunca se recuperou das loucuras hippies, do “Flower Power” e das viagens para fora da realidade provocadas pela droga. Enquanto todas as sociedades ocidentais foram trazidas de volta à Terra, a sociedade holandesa ficou nas nuvens”. Discordar do Telegraph não basta e o argumento ideológico demonstra-nos ser insuficiente para analisar. Cabe um empirismo naturalista, o olhar do estrangeiro que provém de um país conservador que impede marchas, fecha universidades, destina a verba pública a aprisionar grande parte de seus cidadãos. Os críticos do Telegraph se esqueceram de mencionar que Amsterdam é um grande playground do consumo de drogas. Tem pra todos os gostos, sabores, haxixes em pacotes ou na balança. Coffee shops para maconheiros locais, para fumadores do mundo, para desavisados que nunca puxaram um fumo e que chegam sem saber fazer um cigarrinho. O Coffee Shop Central é um café que serve para velhos marujos e estivadores. A qualidade do produto é melhor e a forma de venda é mais simples. Um grande brutamonte de cabelos longos lhe apresenta seus produtos de cores das mais amarronzadas às mais negras, requerendo o passaporte. Já em outros, como o “Bulldog”, mais para marinheiros de primeira viagem, há também baseados bolados em cartelas, algo que achei extremamente tragicômico, mas acessível a um grande número de turistas que superam suas convenções sociais para saborear a erva proibida. Ali, o paraíso não lhes será tomado. Não se peca onde a legalidade da cannabis impera. As lojas de souvenires estão por todos os lados e a temática da cultura cannábica está totalmente mercantilizada. Lojas de sementes especializadas são os melhores lugares para comprar as premiadas no “Cannabis Cup”. Até a idéia das bicicletas provocadoras foram apropriadas pelo mercado e muitas empresas as locam para os turistas. A revolução cultural parece ter sido totalmente apropriada pela cultura do consumo e Amsterdam lhe é monumento.
A vitória parcial das lutas culturais e ou ecológicas se faz a partir de sua imediata inserção na lógica da sociedade do consumo, e este parece ser os objetivos das lutas de nosso tempo. Esse tempo sem ideologia. O pluralismo transforma-se na tábua de salvação do pensamento político, uma ideologia de uma era sem ideologia. Isso não quer dizer que as noções de diversidade não são falsas nem contestáveis. O mundo natural, o físico e o cultural são caracterizados pela diversidade, e nos regozijamos mais com as diferenças do que com a uniformidade, mas essas idéias não podem ser encaradas com dogmatismo, e a abrangência do termo fundamentado pela inclusão, é uma política que parece substituir a política. Se tudo é político, se tudo é cultural, tudo o é e nada existe ao mesmo tempo e esta combinação me parece o campo fértil para florescer a conformidade. Não devemos nos esquivar do fato de que a ascensão das lutas culturais está associada ao declínio da utopia, um indicador do esgotamento do pensamento político interessado nas transformações estruturais que eliminem a exploração do homem pelo homem. Maldito refluxo histórico. A partir do momento em que a cultura é definida como um conjunto de ferramentas, códigos, rituais e comportamentos, cada grupo ou subgrupo, e não apenas cada povo, terá sua cultura. Múltiplas culturas no interior da sociedade do consumo, a repousar sobre as mesmas infra-estruturas. O segredo da diversidade cultural parece ser sua uniformidade econômica e política.Desenho de Calma
As lutas culturais, em específico, as antiproibicionistas ou pela legalização da maconha, não se interessam pela revolução cultural, e sim batalham por um espaço para respirar fora da ilegalidade. A cultura cannábica está a todo o vapor, e produz lucros fabulosos nos países em que está legalizada. O comércio é dos mais lucrativos, mas a opção proibicionista lucra com a ilegalidade, e como efeito colateral: violência generalizada. Há mais de meio século, a guerra contra as drogas nos moldes dessa civilização padronizada e globalizada é das que mais cometem o assassínio e o encarceramento. Quem está a ganhar com essa máquina diabólica? É melhor saltarmos de cabeça nos anos 20, história dos nossos grandes amigos estadunidenses. É necessário dizer que, tanto lá quanto cá, a proibição assenta-se em uma ideologia profundamente moralista e sem escrúpulos, interessada na contenção social de grupos minoritários como os negros, indígenas, e nos states, também dos mexicanos. Mas a depressão que se seguiu ao crack da Bolsa de New York e com o New Deal, as minorias começaram a ascender socialmente, ocupando espaços na sociedade reservados aos brancos, e naturalmente, trazem consigo nesta escalada o hábito de consumir maconha, e seu uso começa a se disseminar entre os brancos. Além da questão racial ou moral, devemos compreender que a proibição não se fez apenas no campo ideológico, mas também com a atividade de uma burocracia montada para atender as demandas da política de repressão ao consumo de álcool. A lei seca dos anos 20 criou dois aparelhos mastodônticos: a máquina burocrática federal, encarregada de coibir o tráfico de destilados alcoólicos e o crime organizado, que auferia grandes lucros com o mercado negro de bebidas.
Nos anos 30, ambos os grupos se aperceberam que a liberação do consumo de álcool era inevitável e passaram a trabalhar na manutenção de seus lucros e privilégios. As campanhas da Liga da Decência serviram de plataforma para J. Edgar Hoover ascender à chefia do FBI, a partir de seus sucessos estratégicos contra o comércio de bebidas. Esse superburocrata amealhava poder a partir da máquina de estado e afirmava possuir um arquivo secreto com todos os podres dos políticos estadunidenses. Anslinger, seu antigo adversário, na luta pela sobrevivência pessoal após o fim da lei seca, é nomeado para o cargo de comissário do Bureau de Narcóticos e se apercebe do enorme potencial de suas novas funções, sendo capaz de gerar espaços maiores que a proibição do álcool.A orquestração proibicionista, composta pelo crime organizado e brancos racistas, encontrou em Anslinger seu maestro. Articula um lobby conservador na assembléia dos deputados e garante, graças às suas influências e pressões, amplos espaços na imprensa. Ele cria o problema, atemoriza com as conseqüências eventuais e goza as glórias de combatê-lo. Com o Marihuana Tax Stamp Act, a maconha é proibida em todo o território americano, e temos como conseqüências imediatas a reativação de departamentos fechados com o fim da lei seca a partir da liberação de pesados recursos e Anslinger tem novo cacife para sustentar seu ego na luta contra Hoover. Mas as coisas não param por aí e recrudescem as manifestações racistas contra latinos e negros, que estariam a envenenar a laboriosa juventude americana. E, por fim, o crime organizado logra sustentar sua grande estrutura, tão duramente montada nos anos de repressão aos alcoólicos, através da expansão e aumento dos lucros, como a colocação de opiáceos no mercado. Os preços da maconha vão aos céus, e a maconha torna-se a porta de acesso ao tráfico. Na ONU, a erva é inserida na Carta de Princípios como inimiga a ser combatida e debelada, e os traíras da vez foram os EUA, Venezuela, Brasil e Gana.
Pra acabar com esse texto de uma vez, cabe dizer que o uso da cannabis está completamente dessacralizado, sem rituais preestabelecidos [salvo muitas exceções], mas passível de ser adquirido nas esquinas, para o consumo hedonista, como recurso de lazer ou recurso estimulador da criatividade, ou indiretamente, num gesto de recusa aos padrões estabelecidos. Também não se encontra maciçamente incorporado nas práticas médicas, mas as pesquisas avançam e é ela a erva largamente recomendada para reduzir as náuseas e aumentar o apetite, geradas invariavelmente pelos tratamentos de câncer, e aos poucos os artistas reincorporam-na em seu processo de criação. Mas afinal, o problema reside em sua maior parte na proibição, que mantém a alta lucratividade do sistema de segurança, enquanto a saúde pública fica às moscas, ou reduzida a conglomerados de clínicas privadas para o tratamento de dependentes. Os religiosos que me perdoem, porque aqui não vou falar do uso religioso da maconha, não por ignorar a questão, mas para me concentrar exclusivamente no uso da diamba e das outras drogas na sociedade do consumo. Nessa modalidade social, desprovida de rituais ou ordenamentos de uma coletividade específica como o clube de diambistas do Maranhão, aparece como problema o vício. Então vamos ignorar cinco mil anos de história e nos concentrar nessa história do tempo relativamente presente.Burroughs por Alberto Ponticelli
Ninguém mais soube sobre drogas no ocidente do que William S. Burroughs, pelo menos é o que se diz nos guetos sobre o mais ilustre viciado de nossa cultura. O maior dos junkies, viciado em heroína e em tudo o que se pudesse provocar qualquer sensação distinta da cruel realidade. Freqüentador das casas de ópio, antes de Nick Tosches pudesse decretar seu fim. Mas não é porque um turista americano não as encontrou que elas deixaram de existir. Burroughs no Marrocos buscava nos opiáceos o tratamento de seu vício em heroína. Em 1953, Burroughs fizera a mesma busca na América do Sul, ali pro lado do Equador. E disponibiliza aos leitores as representações sobre o que sentia durante o período de desintoxicação. “Paranóia do início da abstinência… Tudo parece azul… Carne morta, pastosa, descorada” e nos pesadelos da abstinência podia ver “um café forrado de espelhos. Vazio… À espera de algo… surge um homem na porta lateral…um árabe baixo e franzino” e por aí vai a alucinação desse pesquisador, em busca da cura do vício em heroína. Durante sua busca, vê no Yage a possibilidade de abandonar as três picadas diárias. O colecionador levava consigo uma mala de substâncias das mais variadas, para controlar todos os impulsos possíveis de seu corpo. Em busca do líquido que o desintoxicaria, buscou os xamãs, que, para ele, prepararam a tão buscada poção. Mas, ali, naquele culto ritualístico, Burroughs sofre com as náuseas provocadas pelo chá, efeito que hoje se sabe esperado quando a substância entra em contato com um organismo intoxicado. No caso deste escritor de quem examinamos a trajetória, nada mais certeiro do que o chá o derrubar no chão e o fazer vomitar, devendo ele aceitar a ação daquela substância para completar o rito.
Porém, Burroughs, em sua obsessão por estar no comando de seu corpo como uma máquina, ingere em meio à crise substâncias industrializadas, cujo efeito pode controlar seus espasmos e náuseas. Neste episódio narrado em uma carta para Allen Ginsberg, ficam evidentes os limites entre rito e uso ocidental. Burroughs constitui em si uma metáfora da separação entre ritual e entretenimento. Em contrapartida, florescem estruturas de sociabilidade, transpassadas por fluxos e impulsos aleatoriamente humanos. O uso ocidental ou na sociedade do consumo das drogas é hoje uma cultura, não apenas da cannabis, mas todas as outras, inclusive das legalizadas como o álcool e o cigarro. São lutas culturais que têm por objetivo a legalidade, suprimindo as políticas proibicionistas em benefício da saúde, da qualidade de vida, educação, da criação legal de um mercado, que aponta talvez para uma atenuação da violência gerada pela guerra às drogas.
A luta cultural dos anos 60, contra o “American Way of Life”, valeu-se das drogas como instrumento político, como possibilidade de emancipação pessoal e coletiva, direitos civis, liberdade. Mas essa onda quebrou, deu tudo de si, e retrocedeu, restando apenas os resquícios de seu impacto na costa. O que Hunter S. Thompson metaforiza acima é a recuperação das lutas sociais pela sociedade do consumo. As lutas hoje não lutam pela transformação da sociedade embasada em um sonho hippie, de amor. Já se foi a época das revoluções, mas elas não parecem cessar de reflorescer, dando profundos impulsos pra frente. O que cabe é saber até que ponto a infra-estrutura está pronta para recuperar os impactos da luta social. Não podemos vislumbrar um futuro sem analisar esse movimento, e as lutas da cultura cannábica ou das drogas em geral não pretendem criar um modelo infra-estrutural, mas transformar a sociedade em noções embasadas em um número bastante grande de pesquisas atualizadas, para reduzir ou abolir a política de “guerra às drogas”, transferindo seus onerosos custos para o investimento em saúde pública. Tal noção construiu-se historicamente diante do completo fracasso da política de Anslinger.A sociedade brasileira, especialmente as autoridades da PUC, parecem ignorar que eles não podem segurar um processo histórico que cresce a todo o vapor, e o impedimento do “I Festival de Cultura Canábica” é mais uma pequenina pedra na luta pela legalização. Mas devemos entender que as lutas a favor da legalização não são recentes, e se estendem desde sua proibição. Um exemplo é o “I Simpósio Carioca de Estudos Sobre a Maconha”, realizado na IFCS – UFRJ em 1983, durante o período da abertura política no Brasil. Existiam também associações para a defesa de usuários outrora presos e agora presos até segunda ordem. Cabe aos movimentos culturais prosseguirem os trabalhos, e às autoridades, mais coerência. Devemos ampliar a estratégia que vem tomando cada vez mais corpo, que é a ebulição de células de debates. O caminho que nos conduz a uma sociedade democrática deve ser o mesmo que liquida a ignorância e a desigualdade de seu seio.
Livros para desfazer a neblina, mas não tanto
Provos: Amsterdan e o Nascimento da Contracultura - Matteo Guarnaccia
Cartas Do Yage - William Burroughs & Allen Ginsberg
Almoço Nu - William Burroughs
O Barato da História - Elizabeth Remini
Diamba Sarabamba - Anthony Henman & Osvaldo Pessoa Jr.
O fim da utopia: Política e cultura na época da apatia - Russel Jacoby
Fonte: http://passapalavra.info/
[EUA] A ocupação - por Mumia Abu-Jamal
[EUA] A ocupaçãoNo Parque Zucotti, ao sul de Manhattan (batizado “Praça da Liberdade” pelos manifestantes), a distribuição de milhares de atores cresce em uma rebelião contra a deslealdade dos bancos, a ganância implacável de Wall Street, o flagelo do desemprego e o servilismo rastejante da classe política - tanto do partido republicano quanto do democrata - ante seus senhores endinheirados.
Em suma, o foco do protesto é o capitalismo – a ganância em larga escala, especialmente desde o tropeço econômico de 2008.
Iniciada principalmente por jovens desempregados, a ocupação tem atraído a presença e apoio de funcionários públicos, estudantes, professores, da juventude urbana, e de um bom número de pessoas com cabelos grisalhos.
O descontentamento social é tão generalizado que se extende como um rastilho de pólvora. Primeiro Wall Street, e, alguns dias depois, Boston, Baltimore, Filadélfia, Los Angeles, e outros mais.
As manifestações surgem como cogumelos depois de uma tempestade, em protesto contra o capitalismo de compadrio apoiado por profissionais vendidos chamados políticos.
Eles caem em Wall Street como vampiros em um banco de sangue para sugar a vida de um movimento que possa ameaçar seu monopólio de poder. O único interesse que os políticos têm neste movimento é explorá-lo e enfraquecê-lo enquanto continuam a servir os mestres os quais se opõem os manifestantes.
Os políticos que estão realmente contra o poder financeiro de Wall Street podem ser contados nos dedos de uma só mão, e sobram alguns dedos ainda.
O abolicionista John Brown, talvez o mais importante revolucionário branco na história dos Estados Unidos, tinha pouco respeito aos políticos. Ele disse à sua família: “Nunca foi possível confiar em um político profissional porque mesmo que tenha tido uma vez convicções, sempre estaria disposto a vender seus princípios por benefício próprio”.
Pensem sobre isso. Agora pensem em cada político que conhecem. Me entendem?
O que estamos vendo é o poder popular, impulsionado em parte pelos massivos protestos no Cairo e em Wisconsin. Outros fatores detonantes são a injustiça da execução de Troy Davis, a agressão contra vários manifestantes pela polícia de Nova York, a repressão contra os pobres e a classe trabalhadora pela classe política e o descontentamento com os longos anos desperdiçados em guerras injustificáveis contra outros países.
Surge o poder do povo.
Que siga sendo seu.
Do corredor da morte, sou Mumia Abu-Jamal.
[Fontes: DuBois, W. E. B., John Brown: A Biography. (Armonk,NY/London:M. E. Sharpe, 1997 p.83.; Wells, Robert, Passing Through to the Territory (Novela histórica que mostra a vida e tempos de Huck Finn, Jim-- e John Brown!, no prelo, ca. 2011-12, p.224 ms.)]
Sexta-feira, 7 de outubro de 2011
agência de notícias anarquistas-ana
Onde estão os sonhos
nesta madrugada fria?
Chuva nos telhados.
Rogério Togashi
Em suma, o foco do protesto é o capitalismo – a ganância em larga escala, especialmente desde o tropeço econômico de 2008.
Iniciada principalmente por jovens desempregados, a ocupação tem atraído a presença e apoio de funcionários públicos, estudantes, professores, da juventude urbana, e de um bom número de pessoas com cabelos grisalhos.
O descontentamento social é tão generalizado que se extende como um rastilho de pólvora. Primeiro Wall Street, e, alguns dias depois, Boston, Baltimore, Filadélfia, Los Angeles, e outros mais.
As manifestações surgem como cogumelos depois de uma tempestade, em protesto contra o capitalismo de compadrio apoiado por profissionais vendidos chamados políticos.
Eles caem em Wall Street como vampiros em um banco de sangue para sugar a vida de um movimento que possa ameaçar seu monopólio de poder. O único interesse que os políticos têm neste movimento é explorá-lo e enfraquecê-lo enquanto continuam a servir os mestres os quais se opõem os manifestantes.
Os políticos que estão realmente contra o poder financeiro de Wall Street podem ser contados nos dedos de uma só mão, e sobram alguns dedos ainda.
O abolicionista John Brown, talvez o mais importante revolucionário branco na história dos Estados Unidos, tinha pouco respeito aos políticos. Ele disse à sua família: “Nunca foi possível confiar em um político profissional porque mesmo que tenha tido uma vez convicções, sempre estaria disposto a vender seus princípios por benefício próprio”.
Pensem sobre isso. Agora pensem em cada político que conhecem. Me entendem?
O que estamos vendo é o poder popular, impulsionado em parte pelos massivos protestos no Cairo e em Wisconsin. Outros fatores detonantes são a injustiça da execução de Troy Davis, a agressão contra vários manifestantes pela polícia de Nova York, a repressão contra os pobres e a classe trabalhadora pela classe política e o descontentamento com os longos anos desperdiçados em guerras injustificáveis contra outros países.
Surge o poder do povo.
Que siga sendo seu.
Do corredor da morte, sou Mumia Abu-Jamal.
[Fontes: DuBois, W. E. B., John Brown: A Biography. (Armonk,NY/London:M. E. Sharpe, 1997 p.83.; Wells, Robert, Passing Through to the Territory (Novela histórica que mostra a vida e tempos de Huck Finn, Jim-- e John Brown!, no prelo, ca. 2011-12, p.224 ms.)]
Sexta-feira, 7 de outubro de 2011
agência de notícias anarquistas-ana
Onde estão os sonhos
nesta madrugada fria?
Chuva nos telhados.
Rogério Togashi
terça-feira, 25 de outubro de 2011
A morte de Steve Jobs, o inimigo número um da colaboração - por Rodrigo Savazoni
A morte de Steve Jobs, o inimigo número um da colaboraçãoSteve Jobs morreu, após anos lutando contra um câncer que nem mesmo todos os bilhões que ele acumulou foram capazes de conter. Desde ontem, após o anúncio de seu falecimento, não se fala em outra coisa. Panegíricos de toda sorte circulam pelos meios massivos e pós-massivos. Adulado em vida por sua genialidade, é alçado ao status de ídolo maior da era digital. É inegável que Jobs foi um grande designer, cujas sacadas levaram sua empresa ao topo do mundo. Mas há outros aspectos a explorar e sobre os quais pensar neste momento de sua morte.
Jobs era o inimigo número um da colaboração, o aspecto político e econômico mais importante da revolução digital. Nesse sentido, não era um revolucionário, mas um contra-revolucionário. O melhor deles.
Com suas traquitanas maravilhosas, trabalhou pelo cercamento do conhecimento livre. Jamais acreditou na partilha. O que ficou particularmente evidente após seu retorno à Apple, em 1997. Acreditava que para fazer grandes inventos era necessário reunir os melhores, em uma sala, e dela sair com o produto perfeito, aquele que mobilizaria o desejo de adultos e crianças em todo o planeta, os quais formam filas para ter um novo Apple a cada lançamento anual.
A questão central, no entanto, é que o design delicioso de seus produtos é apenas a isca para a construção de um mundo controlado de aplicativos e micro-pagamentos que reduz a imensa conversação global de todos para todos em um sala fechada de vendas orientadas.
O que é a Apple Store senão um grande shopping center virtual, em que podemos adquirir a um clique de tela tudo o que precisamos para nos entreter? A distopia Jobiana é a do homem egoísta, circundado de aparelhos perfeitos, em uma troca limpa e “aparentemente residual”, mediada por apenas uma única empresa: a sua. Por isso, devemos nos perguntar: era isso que queríamos? É isso que queremos para o nosso mundo?
Essa pergunta torna-se ainda mais necessária quando sabemos que existem alternativas. Como escreve o economista da USP, Ricardo Abramovay, em resenha sobre o novo livro do professor de Harvard Yochai Benkler The Penguin and the Leviathan, a cooperação é a grande possibilidade deste nosso tempo.
“Longe de um paroquialismo tradicionalista ou de um movimento alternativo confinado a seitas e grupos eternamente minoritários, a cooperação está na origem das formas mais interessantes e promissoras de criação de prosperidade no mundo contemporâneo. E na raiz dessa cooperação (presente com força crescente no mundo privado, nos negócios públicos e na própria relação entre Estado e cidadãos) estão vínculos humanos reais, abrangentes, significativos, dotados do poder de comunicar e criar confiança entre as pessoas.”
Colaboração: essa, e não outra, é a palavra revolucionária. E Jobs não gostava dela.
Fonte: www.novae.inf.br/
Jobs era o inimigo número um da colaboração, o aspecto político e econômico mais importante da revolução digital. Nesse sentido, não era um revolucionário, mas um contra-revolucionário. O melhor deles.
Com suas traquitanas maravilhosas, trabalhou pelo cercamento do conhecimento livre. Jamais acreditou na partilha. O que ficou particularmente evidente após seu retorno à Apple, em 1997. Acreditava que para fazer grandes inventos era necessário reunir os melhores, em uma sala, e dela sair com o produto perfeito, aquele que mobilizaria o desejo de adultos e crianças em todo o planeta, os quais formam filas para ter um novo Apple a cada lançamento anual.
A questão central, no entanto, é que o design delicioso de seus produtos é apenas a isca para a construção de um mundo controlado de aplicativos e micro-pagamentos que reduz a imensa conversação global de todos para todos em um sala fechada de vendas orientadas.
O que é a Apple Store senão um grande shopping center virtual, em que podemos adquirir a um clique de tela tudo o que precisamos para nos entreter? A distopia Jobiana é a do homem egoísta, circundado de aparelhos perfeitos, em uma troca limpa e “aparentemente residual”, mediada por apenas uma única empresa: a sua. Por isso, devemos nos perguntar: era isso que queríamos? É isso que queremos para o nosso mundo?
Essa pergunta torna-se ainda mais necessária quando sabemos que existem alternativas. Como escreve o economista da USP, Ricardo Abramovay, em resenha sobre o novo livro do professor de Harvard Yochai Benkler The Penguin and the Leviathan, a cooperação é a grande possibilidade deste nosso tempo.
“Longe de um paroquialismo tradicionalista ou de um movimento alternativo confinado a seitas e grupos eternamente minoritários, a cooperação está na origem das formas mais interessantes e promissoras de criação de prosperidade no mundo contemporâneo. E na raiz dessa cooperação (presente com força crescente no mundo privado, nos negócios públicos e na própria relação entre Estado e cidadãos) estão vínculos humanos reais, abrangentes, significativos, dotados do poder de comunicar e criar confiança entre as pessoas.”
Colaboração: essa, e não outra, é a palavra revolucionária. E Jobs não gostava dela.
Fonte: www.novae.inf.br/
Lado B. A história das fitas-cassetes - por Petit Gabi
Lado B. A história das fitas-cassetesNos anos 80 elas eram uma opção barata e que acabou tomando conta dos Walkman de milhares de pessoas pelo mundo. Hoje, extintas do mercado convencional, as fitas cassetes se tornaram itens de coleção, são recicladas em diversos projetos e há quem aposte que elas estejam voltando a vida através das novas bandas independentes.© Daniel Pawlowsky.
Anos 80, uma das épocas mais marcantes do século XX. O fim da idade industrial e o início da idade da informação. Também chamada de “Década Perdida” na América Latina, por conta da estagnação econômica, em que os países dessa região tiveram um menor desenvolvimento na economia como um todo.
Foi um período marcado pelas roupas exageradamente coloridas e excêntricas, do “new wave”, da geração saúde, pelo surgimento da MTV, das primeiras raves, de bandas como The Smiths, U2, A-Ha e também pela consolidação do gênero Heavy Metal, entre outras vertentes. No Brasil, bandas que também fizeram muito sucesso nos anos 80 foram Legião Urbana, RPM, Barão Vermelho e Ira!. Nessa década também aconteceu o primeiro Rock In Rio, em 1985. Consolidava-se a MPB, surgida nos anos 60. Michael Jackson fazia um enorme sucesso com seu álbum Thriller. David Bowie, Cindy Lauper, Bruce Springsteen, entre outros artistas de peso, são referências dessa época.
Nesse emaranhado de coisas que aconteciam nos anos 80 não podemos deixar de lado as hoje nostálgicas fitas cassetes, ou K7 para muitos. A produção em massa dos cassetes compactos começou em 1964, na Alemanha. Os primeiros com músicas pré-gravadas foram lançados na Inglaterra, em 1965. Nos Estados Unidos, em 1966, teve uma oferta inicial de 49 títulos, lançados pela Mercury Record Company. A primeira gravação musical nessas pequenas caixas plásticas foi na Inglaterra, em 1978, pela banda The Tights, e continha um único hit: “Howard Hughes”. Mas foi na década de 80 que seu uso foi de fato consolidado, afinal, qualquer banda independente que se prezasse deveria ter uma demo gravada em uma fita K7 para levar as gravadoras e jornalistas. Entre a década de 70 e 90 o cassete era um dos formatos mais comuns para gravação, junto aos LP’s e posteriormente aos CD’s.© Jaime Bop.
Apesar da baixa qualidade sonora, geralmente com 60 minutos de duração (já existiram versões de 45 e 90 minutos), o lançamento das fitas cassetes foi uma grande revolução, por difundir a possibilidade de gravar e reproduzir som. O vinil era mais caro, além de mais dificil de transportar e tocar e principalmente para gravar. Por isso mesmo, as fitas cassetes nos deram mais liberdade para sair por aí e ouvir nossas canções favoritas onde bem entendêssemos. E apesar dos primeiros gravadores com áudio da Phillips já serem portáteis, foi a Sony, com sua invenção do “Walkman”, no final dos anos 70, que mais contribuiu para essa explosão do som individual.
Seu declínio aconteceu já no final da década de 80 e as vendas acabaram sendo superadas pelos CD’s nos anos 90. Mas em 2001 os cassetes virgens ainda eram produzidos. Extintas do mercado tradicional, hoje as fitas cassetes saíram de cena e ganharam um ar retrô, virando inclusive item de colecionador. E apesar de serem mais difícieis de encontrar na versão virgem, as velhas fitas cassetes tem se tornado um item cultuado e conquistado novas bandas independentes. Nos Eua, esse movimento foi nomeado de “Cassete Culture” e em um artigo para o site Rizhome, a escritora Ceci Moss diz ter identificado em torno de 101 selos que lançam fitas cassetes atualmente. Bandas conhecidas como Pearl Jam, Foo Fighters e Goldfrapp já aderiram ao movimento e recentemente lançaram trabalhos em cassete. No livro “Mix Tape: The Art of Cassete Culture” de Thurston Moore, o cantor do Sonic Youth reúne artigos e obras de arte sobre fitas cassetes.© Brunna Souza.© Pingente inspirado em uma fita de cassete da Capuleto.
Outro fato muito interessante, é que muitas pessoas tem reciclado as fitas K7 e utilizado para a produção de adereços e obras de arte e as utilizando com inspiração para criação de outros. Exemplo disso, é a artista Erika Iris Simmons. No seu projeto, intitulado Ghost in the Machine ela faz uma nova leitura de um material que estaria destinado ao descarte. Simmons faz verdadeiros desenhos com os rolinhos que ficam dentro dos K7’s e dá-se a impressão que stão saindo verdadeiros fantasmas de dentro das fitas e adquirisse uma nova dimensão, uma visão completamente impactante para quem observa.
E aí, será que teremos um revival nostálgico e voltaremos a andar por aí com nossos velhos Walkman munido de fitas cassetes com novíssimos sucessos? Só nos resta aguardar.© João Resende.© Iris Simmons, "Jimi Hendrix" (Série: Ghost in the Machine).© Iris Simmons, "Bob Dylan" (Série: Ghost in the Machine).
Fonte: http://obviousmag.org/
Anos 80, uma das épocas mais marcantes do século XX. O fim da idade industrial e o início da idade da informação. Também chamada de “Década Perdida” na América Latina, por conta da estagnação econômica, em que os países dessa região tiveram um menor desenvolvimento na economia como um todo.
Foi um período marcado pelas roupas exageradamente coloridas e excêntricas, do “new wave”, da geração saúde, pelo surgimento da MTV, das primeiras raves, de bandas como The Smiths, U2, A-Ha e também pela consolidação do gênero Heavy Metal, entre outras vertentes. No Brasil, bandas que também fizeram muito sucesso nos anos 80 foram Legião Urbana, RPM, Barão Vermelho e Ira!. Nessa década também aconteceu o primeiro Rock In Rio, em 1985. Consolidava-se a MPB, surgida nos anos 60. Michael Jackson fazia um enorme sucesso com seu álbum Thriller. David Bowie, Cindy Lauper, Bruce Springsteen, entre outros artistas de peso, são referências dessa época.
Nesse emaranhado de coisas que aconteciam nos anos 80 não podemos deixar de lado as hoje nostálgicas fitas cassetes, ou K7 para muitos. A produção em massa dos cassetes compactos começou em 1964, na Alemanha. Os primeiros com músicas pré-gravadas foram lançados na Inglaterra, em 1965. Nos Estados Unidos, em 1966, teve uma oferta inicial de 49 títulos, lançados pela Mercury Record Company. A primeira gravação musical nessas pequenas caixas plásticas foi na Inglaterra, em 1978, pela banda The Tights, e continha um único hit: “Howard Hughes”. Mas foi na década de 80 que seu uso foi de fato consolidado, afinal, qualquer banda independente que se prezasse deveria ter uma demo gravada em uma fita K7 para levar as gravadoras e jornalistas. Entre a década de 70 e 90 o cassete era um dos formatos mais comuns para gravação, junto aos LP’s e posteriormente aos CD’s.© Jaime Bop.
Apesar da baixa qualidade sonora, geralmente com 60 minutos de duração (já existiram versões de 45 e 90 minutos), o lançamento das fitas cassetes foi uma grande revolução, por difundir a possibilidade de gravar e reproduzir som. O vinil era mais caro, além de mais dificil de transportar e tocar e principalmente para gravar. Por isso mesmo, as fitas cassetes nos deram mais liberdade para sair por aí e ouvir nossas canções favoritas onde bem entendêssemos. E apesar dos primeiros gravadores com áudio da Phillips já serem portáteis, foi a Sony, com sua invenção do “Walkman”, no final dos anos 70, que mais contribuiu para essa explosão do som individual.
Seu declínio aconteceu já no final da década de 80 e as vendas acabaram sendo superadas pelos CD’s nos anos 90. Mas em 2001 os cassetes virgens ainda eram produzidos. Extintas do mercado tradicional, hoje as fitas cassetes saíram de cena e ganharam um ar retrô, virando inclusive item de colecionador. E apesar de serem mais difícieis de encontrar na versão virgem, as velhas fitas cassetes tem se tornado um item cultuado e conquistado novas bandas independentes. Nos Eua, esse movimento foi nomeado de “Cassete Culture” e em um artigo para o site Rizhome, a escritora Ceci Moss diz ter identificado em torno de 101 selos que lançam fitas cassetes atualmente. Bandas conhecidas como Pearl Jam, Foo Fighters e Goldfrapp já aderiram ao movimento e recentemente lançaram trabalhos em cassete. No livro “Mix Tape: The Art of Cassete Culture” de Thurston Moore, o cantor do Sonic Youth reúne artigos e obras de arte sobre fitas cassetes.© Brunna Souza.© Pingente inspirado em uma fita de cassete da Capuleto.
Outro fato muito interessante, é que muitas pessoas tem reciclado as fitas K7 e utilizado para a produção de adereços e obras de arte e as utilizando com inspiração para criação de outros. Exemplo disso, é a artista Erika Iris Simmons. No seu projeto, intitulado Ghost in the Machine ela faz uma nova leitura de um material que estaria destinado ao descarte. Simmons faz verdadeiros desenhos com os rolinhos que ficam dentro dos K7’s e dá-se a impressão que stão saindo verdadeiros fantasmas de dentro das fitas e adquirisse uma nova dimensão, uma visão completamente impactante para quem observa.
E aí, será que teremos um revival nostálgico e voltaremos a andar por aí com nossos velhos Walkman munido de fitas cassetes com novíssimos sucessos? Só nos resta aguardar.© João Resende.© Iris Simmons, "Jimi Hendrix" (Série: Ghost in the Machine).© Iris Simmons, "Bob Dylan" (Série: Ghost in the Machine).
Fonte: http://obviousmag.org/
segunda-feira, 24 de outubro de 2011
Visão crítica: Revelada a rede capitalista que domina o mundo - New Scientist
Visão crítica: Revelada a rede capitalista que domina o mundo
Além das ideologias
Conforme os protestos contra o capitalismo se espalham pelo mundo, os manifestantes vão ganhando novos argumentos.
Uma análise das relações entre 43.000 empresas transnacionais concluiu que um pequeno número delas - sobretudo bancos - tem um poder desproporcionalmente elevado sobre a economia global.
A conclusão é de três pesquisadores da área de sistemas complexos do Instituto Federal de Tecnologia de Lausanne, na Suíça.
[Este gráfico [à direita] mostra as interconexões entre o grupo de 1.318 empresas transnacionais que formam o núcleo da economia mundial. O tamanho de cada ponto representa o tamanho da receita de cada uma.[Imagem: Vitali et al.]
Este é o primeiro estudo que vai além das ideologias e identifica empiricamente essa rede de poder global.
"A realidade é complexa demais, nós temos que ir além dos dogmas, sejam eles das teorias da conspiração ou do livre mercado," afirmou James Glattfelder, um dos autores do trabalho. "Nossa análise é baseada na realidade."
Rede de controle econômico mundial
A análise usa a mesma matemática empregada há décadas para criar modelos dos sistemas naturais e para a construção de simuladores dos mais diversos tipos. Agora ela foi usada para estudar dados corporativos disponíveis mundialmente.
O resultado é um mapa que traça a rede de controle entre as grandes empresas transnacionais em nível global.
Estudos anteriores já haviam identificado que algumas poucas empresas controlam grandes porções da economia, mas esses estudos incluíam um número limitado de empresas e não levavam em conta os controles indiretos de propriedade, não podendo, portanto, ser usados para dizer como a rede de controle econômico poderia afetar a economia mundial - tornando-a mais ou menos instável, por exemplo.
O novo estudo pode falar sobre isso com a autoridade de quem analisou uma base de dados com 37 milhões de empresas e investidores.
A análise identificou 43.060 grandes empresas transnacionais e traçou as conexões de controle acionário entre elas, construindo um modelo de poder econômico em escala mundial.
Poder econômico mundial
Refinando ainda mais os dados, o modelo final revelou um núcleo central de 1.318 grandes empresas com laços com duas ou mais outras empresas - na média, cada uma delas tem 20 conexões com outras empresas.
Mais do que isso, embora este núcleo central de poder econômico concentre apenas 20% das receitas globais de venda, as 1.318 empresas em conjunto detêm a maioria das ações das principais empresas do mundo - as chamadas blue chips nos mercados de ações.
Em outras palavras, elas detêm um controle sobre a economia real que atinge 60% de todas as vendas realizadas no mundo todo.
E isso não é tudo.
Super-entidade econômica
Quando os cientistas desfizeram o emaranhado dessa rede de propriedades cruzadas, eles identificaram uma "super-entidade" de 147 empresas intimamente inter-relacionadas que controla 40% da riqueza total daquele primeiro núcleo central de 1.318 empresas.
"Na verdade, menos de 1% das companhias controla 40% da rede inteira," diz Glattfelder.
E a maioria delas são bancos.
Os pesquisadores afirmam em seu estudo que a concentração de poder em si não é boa e nem ruim, mas essa interconexão pode ser.
Como o mundo viu durante a crise de 2008, essas redes são muito instáveis: basta que um dos nós tenha um problema sério para que o problema se propague automaticamente por toda a rede, levando consigo a economia mundial como um todo.
Eles ponderam, contudo, que essa super-entidade pode não ser o resultado de uma conspiração - 147 empresas seria um número grande demais para sustentar um conluio qualquer.
A questão real, colocam eles, é saber se esse núcleo global de poder econômico pode exercer um poder político centralizado intencionalmente.
Eles suspeitam que as empresas podem até competir entre si no mercado, mas agem em conjunto no interesse comum - e um dos maiores interesses seria resistir a mudanças na própria rede.
As 50 primeiras das 147 empresas transnacionais super conectadas
Barclays plc
Capital Group Companies Inc
FMR Corporation
AXA
State Street Corporation
JP Morgan Chase & Co
Legal & General Group plc
Vanguard Group Inc
UBS AG
Merrill Lynch & Co Inc
Wellington Management Co LLP
Deutsche Bank AG
Franklin Resources Inc
Credit Suisse Group
Walton Enterprises LLC
Bank of New York Mellon Corp
Natixis
Goldman Sachs Group Inc
T Rowe Price Group Inc
Legg Mason Inc
Morgan Stanley
Mitsubishi UFJ Financial Group Inc
Northern Trust Corporation
Société Générale
Bank of America Corporation
Lloyds TSB Group plc
Invesco plc
Allianz SE 29. TIAA
Old Mutual Public Limited Company
Aviva plc
Schroders plc
Dodge & Cox
Lehman Brothers Holdings Inc*
Sun Life Financial Inc
Standard Life plc
CNCE
Nomura Holdings Inc
The Depository Trust Company
Massachusetts Mutual Life Insurance
ING Groep NV
Brandes Investment Partners LP
Unicredito Italiano SPA
Deposit Insurance Corporation of Japan
Vereniging Aegon
BNP Paribas
Affiliated Managers Group Inc
Resona Holdings Inc
Capital Group International Inc
China Petrochemical Group Company
Bibliografia:
The network of global corporate control
Stefania Vitali, James B. Glattfelder, Stefano Battiston
arXiv
19 Sep 2011
http://arxiv.org/abs/1107.5728
[artigo retirado de: http://www.inovacaotecnologica.com.br/noticias/noticia.php?artigo=rede-capitalista-domina-mundo&id=010150111022#.TqRvUDgBiCo.facebook]
Fonte: http://coletivokrisis.blogspot.com
Além das ideologias
Conforme os protestos contra o capitalismo se espalham pelo mundo, os manifestantes vão ganhando novos argumentos.
Uma análise das relações entre 43.000 empresas transnacionais concluiu que um pequeno número delas - sobretudo bancos - tem um poder desproporcionalmente elevado sobre a economia global.
A conclusão é de três pesquisadores da área de sistemas complexos do Instituto Federal de Tecnologia de Lausanne, na Suíça.
[Este gráfico [à direita] mostra as interconexões entre o grupo de 1.318 empresas transnacionais que formam o núcleo da economia mundial. O tamanho de cada ponto representa o tamanho da receita de cada uma.[Imagem: Vitali et al.]
Este é o primeiro estudo que vai além das ideologias e identifica empiricamente essa rede de poder global.
"A realidade é complexa demais, nós temos que ir além dos dogmas, sejam eles das teorias da conspiração ou do livre mercado," afirmou James Glattfelder, um dos autores do trabalho. "Nossa análise é baseada na realidade."
Rede de controle econômico mundial
A análise usa a mesma matemática empregada há décadas para criar modelos dos sistemas naturais e para a construção de simuladores dos mais diversos tipos. Agora ela foi usada para estudar dados corporativos disponíveis mundialmente.
O resultado é um mapa que traça a rede de controle entre as grandes empresas transnacionais em nível global.
Estudos anteriores já haviam identificado que algumas poucas empresas controlam grandes porções da economia, mas esses estudos incluíam um número limitado de empresas e não levavam em conta os controles indiretos de propriedade, não podendo, portanto, ser usados para dizer como a rede de controle econômico poderia afetar a economia mundial - tornando-a mais ou menos instável, por exemplo.
O novo estudo pode falar sobre isso com a autoridade de quem analisou uma base de dados com 37 milhões de empresas e investidores.
A análise identificou 43.060 grandes empresas transnacionais e traçou as conexões de controle acionário entre elas, construindo um modelo de poder econômico em escala mundial.
Poder econômico mundial
Refinando ainda mais os dados, o modelo final revelou um núcleo central de 1.318 grandes empresas com laços com duas ou mais outras empresas - na média, cada uma delas tem 20 conexões com outras empresas.
Mais do que isso, embora este núcleo central de poder econômico concentre apenas 20% das receitas globais de venda, as 1.318 empresas em conjunto detêm a maioria das ações das principais empresas do mundo - as chamadas blue chips nos mercados de ações.
Em outras palavras, elas detêm um controle sobre a economia real que atinge 60% de todas as vendas realizadas no mundo todo.
E isso não é tudo.
Super-entidade econômica
Quando os cientistas desfizeram o emaranhado dessa rede de propriedades cruzadas, eles identificaram uma "super-entidade" de 147 empresas intimamente inter-relacionadas que controla 40% da riqueza total daquele primeiro núcleo central de 1.318 empresas.
"Na verdade, menos de 1% das companhias controla 40% da rede inteira," diz Glattfelder.
E a maioria delas são bancos.
Os pesquisadores afirmam em seu estudo que a concentração de poder em si não é boa e nem ruim, mas essa interconexão pode ser.
Como o mundo viu durante a crise de 2008, essas redes são muito instáveis: basta que um dos nós tenha um problema sério para que o problema se propague automaticamente por toda a rede, levando consigo a economia mundial como um todo.
Eles ponderam, contudo, que essa super-entidade pode não ser o resultado de uma conspiração - 147 empresas seria um número grande demais para sustentar um conluio qualquer.
A questão real, colocam eles, é saber se esse núcleo global de poder econômico pode exercer um poder político centralizado intencionalmente.
Eles suspeitam que as empresas podem até competir entre si no mercado, mas agem em conjunto no interesse comum - e um dos maiores interesses seria resistir a mudanças na própria rede.
As 50 primeiras das 147 empresas transnacionais super conectadas
Barclays plc
Capital Group Companies Inc
FMR Corporation
AXA
State Street Corporation
JP Morgan Chase & Co
Legal & General Group plc
Vanguard Group Inc
UBS AG
Merrill Lynch & Co Inc
Wellington Management Co LLP
Deutsche Bank AG
Franklin Resources Inc
Credit Suisse Group
Walton Enterprises LLC
Bank of New York Mellon Corp
Natixis
Goldman Sachs Group Inc
T Rowe Price Group Inc
Legg Mason Inc
Morgan Stanley
Mitsubishi UFJ Financial Group Inc
Northern Trust Corporation
Société Générale
Bank of America Corporation
Lloyds TSB Group plc
Invesco plc
Allianz SE 29. TIAA
Old Mutual Public Limited Company
Aviva plc
Schroders plc
Dodge & Cox
Lehman Brothers Holdings Inc*
Sun Life Financial Inc
Standard Life plc
CNCE
Nomura Holdings Inc
The Depository Trust Company
Massachusetts Mutual Life Insurance
ING Groep NV
Brandes Investment Partners LP
Unicredito Italiano SPA
Deposit Insurance Corporation of Japan
Vereniging Aegon
BNP Paribas
Affiliated Managers Group Inc
Resona Holdings Inc
Capital Group International Inc
China Petrochemical Group Company
Bibliografia:
The network of global corporate control
Stefania Vitali, James B. Glattfelder, Stefano Battiston
arXiv
19 Sep 2011
http://arxiv.org/abs/1107.5728
[artigo retirado de: http://www.inovacaotecnologica.com.br/noticias/noticia.php?artigo=rede-capitalista-domina-mundo&id=010150111022#.TqRvUDgBiCo.facebook]
Fonte: http://coletivokrisis.blogspot.com
Assinar:
Postagens (Atom)