sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Curtir or not curtir - por Passa Palavra

Curtir or not curtir
Será que só podemos falar das manifestações quando estas são sensatas? Não seria tão imperioso relatar estas coisas, assim como denunciar a burocratização interna dos movimentos ou a assimilação das lutas pelo capitalismo? Por Passa Palavra

Na sexta-feira, 30 de setembro, fui a uma manifestação contra a privatização do Elevador Lacerda, planos inclinados e estações de ônibus em frente à Prefeitura de Salvador.

Pelo que me disseram, mais de 3 mil pessoas colocaram “curtir” neste chamado de mobilização autônoma pelo Facebook, no qual não haveria bandeiras de partidos ou sindicatos.A mobilização estava marcada das 16 às 21h! As 17h, quando achei que não chegaria mais ninguém e estava me entretendo com um mendigo gritando e meia-dúzia de crianças apitando, os primeiros manifestantes começaram a surgir, levantando-se das mesas do café ao redor, do ponto de ônibus, e sentaram-se em frente à praça da Prefeitura, uma dezena de pessoas, talvez 15, tal como deveria ser a idade da maioria dos militantes.

Sem panfletos, competiam com o artista palhaço Gugu-Dadá, que estava cantando para o público de 6 crianças (que já haviam largado os apitos) a música: “tá morto, morto, morto… morreeeeuu”.

Bom, agora iria começar, pensei… os manifestantes já somavam umas quatro dezenas…

Então, após uma breve conversa com o palhaço Gugu-Dada, este “cedeu” um de seus instrumentos de trabalho e, por R$ 40,00, os manifestantes que não tinham panfletos já possuíam um megafone.

Neste, as primeiras frases remetiam às revoltas no Egito e na Líbia, e como precisamos fazer o mesmo em Salvador, mobilizar e conscientizar o povo.

As falas alternaram entre a necessidade da cidade mais negra fora de África ter uma prefeita mulher e negra, passando por evocações do poder popular e como a soberania emana do povo, ao fato do prefeito estar querendo limitar o direito de propriedade ao propor uma lei na qual os donos de som automotivo não original teriam que pagar uma taxa à prefeitura pela poluição sonora.

O primeiro (e único) momento de (pré) tensão ocorreu quando os quarenta militantes resolveram sentar-se na escadaria que dá acesso à Prefeitura. Neste momento um contingente da Polícia Militar aproximou-se para aparentemente impedir tal ação. Um militante sugeriu que o cordão fosse feito acima da escadaria, e o Sargento Aurélio que “só queria que fosse aqui ó” (nos primeiros degraus) acatou. Vitória dos militantes!

O megafone continuava a vociferar: “Você que trabalha, como todo mundo aqui, vem participar do protesto” (neste momento, olhei para trás e havia na praça uma pessoa que catava latinha olhando impávida e, ao fundo, o palhaço Gugu-Dadá).Chegadas as 18h, ou seja, duas horas após o momento marcado para o início da mobilização, juntaram-se outras pessoas, como alguns artistas, três militantes de bicicleta do “Massa Crítica” (que estavam a uns 30 metros da escadaria em que reuniam-se os demais)…

Às 18h30 fui embora…
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Fui embora, mas os fatos e significados da manifestação não saíram tão facilmente de mim.A primeira coisa que salta à vista é apenas 40 a 70 pessoas (considerando os demais artistas que chegaram e posteriormente mais pessoas de bicicleta) terem comparecido a uma manifestação de que 3 mil haviam “curtido” o seu chamado pelo Facebook. Onde estariam os 2.960 outros “militantes virtuais”?

Uma amiga perguntava-se em voz alta:
“Será uma tendência dos novos militantes acharem ser realmente possível creditar o “curtir” do Facebook a confirmação de presença nos atos? Será possível transpor para o mundo real, sobretudo quando falamos em organicidade de ação política, a mesma instantaneidade do mundo virtual?
Também aqui em Santos-SP existe a dificuldade em realizar ações; os novos militantes cibernéticos, os jovens militantes universitários e os libertários de plantão apresentam demasiada desconfiança em relação a processos organizativos mais racionais e objetivos, sob o pretexto de serem autônomos (é fácil ser autônomo num simples clicar de tecla…).
Parece que dizer-se autônomo significa ser contra organização, planejamento de ações e ‘ser contra partidos e bandeiras’. Também em Santos muitos nutrem certo fascínio pelas redes sociais; todavia, as ações foram levadas adiante efetivamente por uma meia dúzia de pessoas, menos por aqueles que disseram ‘curtir’ no Facebook.”


Não se trata, aqui, de voltar ao debate sobre o papel do partido em Lênin, a necessidade de uma organização centralizada democraticamente que faça o papel de reunir, e guiar, as revoltas, tampouco discutir qual o significado de autonomia e libertário, ou o que vem a ser espontaneidade para Rosa.

Mas quando se multiplicam os eventos militantes no Facebook e Twitter e não há a devida correspondência na vida real, não estaria ocorrendo um esvaziamento das causas e uma reificação das ferramentas empregues?

As analogias apressadas e ingênuas das rebeliões no norte da África e no Oriente Médio calam-se completamente sobre a necessidade de organização real e o grau de envolvimento dos militantes com a causa da luta.

Em artigo sobre o esvaziamento das mobilizações convocadas via redes sociais virtuais em Camarões, Dibussi Tande nos mostrava como havia ali a confusão fatal entre essas ferramentas (como Facebook e Twitter) e a sua estratégia ou o seu objetivo (a reforma política e a mudança de instituições no país).

Malcom Gladwel, por sua vez, procurou demonstrar que, para certo grau de ativismo que envolva riscos e o sair da zona de conforto de frente à tela do computador há a necessidade de vínculos sociais fortes e de organização e não os frágeis laços que ligam os militantes virtuais. Essas ferramentas em rede teriam grande potencial para formas de ativismo de baixo risco, como fazer barulho e protestar por algo que torne a ordem social existente mais eficaz; mas, na perspectiva de mudanças sistêmicas, demonstrariam grandes dificuldades, pois faltaria aí a organização prévia, o trabalho de base, mapeamentos, planos, treinamentos, reuniões políticas, núcleo de ativistas, divisão de tarefas, pensamento estratégico. As idealizações do ativismo on line tendem a não levar em conta estas expressões materiais e concretas do ativismo off line.Há quem considere as ferramentas como as causas das revoluções e não como catalisadores de um processo organizativo de luta. Por esta leitura, os zapatistas, nas montanhas e selvas de Chiapas, são apenas uma guerrilha informacional em uma guerra de palavras e pouco se entende sobre os processos organizativos que levaram, por exemplo, as lutas pelos direitos civis dos negros nos EUA (muito bem relatada pelo militante e historiador Howard Zinn [1]) ou de como eram recrutados e treinados os militantes da Frente Sandinista de Libertação Nacional (narrado belissimamente por um de seus militantes, Omar Cabezas [2]).

Recentemente tive a oportunidade de lecionar uma disciplina sobre Ciência, Tecnologia e Sociedade para alunos da Engenharia da Computação. No trabalho final pedido, e que deveria versar livremente sobre os impactos, latentes e manifestos, das novas tecnologias nas sociedades contemporâneas, foi sintomático o fato de quase metade dos alunos escreverem sobre os potenciais revolucionários e libertadores das novas tecnologias (citando a Líbia, a Tunísia e o Egito) – e poucos falarem sobre as formas de vigilância, manipulação e contra-insurgência propiciadas pelos meios virtuais – e a outra quase metade dissertar sobre a solidão sentida no cotidiano, a despeito de terem centenas de amigos em redes sociais e de jogos.

Como observou o jornalista bielorrusso Evgeny Morozov: “Associar as tecnologias da comunicação em rede a uma nova oportunidade para os oprimidos de todo o mundo é um argumento infantil e incorreto, pois não leva em consideração que os próprios dirigentes que são os alvos destas revoltas usam a Internet para fins políticos muitíssimo sofisticados. Usam-na precisamente para controlar, perseguir, prender e reprimir. Pode acontecer que durante um infinitésimo momento o povo tome o poder no Twitter. Mas é um momento efémero. Participar nas redes sociais não é resistir, não é organizar, não é libertar-se; é o contrário, é entregar-se ao sistema de maneira orwelliana. A Rede é um panóptico digital. E nós não somos os vigilantes, somos os vigiados”.

Sem desconsiderar as potencialidades concretas de comunicação em rede, rápida e em massa propiciadas pelas ferramentas sociais na internet, da mesma forma em que se confundem amigos reais e virtuais, não se estaria confundindo militância virtual com a real?

Notas
[1] Você não pode ser neutro num trem em movimento - Uma história pessoal dos nossos tempos. Howard Zinn. Editora L-Dopa, Curitiba.
[2] A montanha é algo mais do que uma imensa estepe verde. Omar Cabezas. Editora Expressão Popular, São Paulo.
Fonte: http://passapalavra.info/

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