sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Na Dança de 'Dinam-Nietzsche'* por Eduardo Lamas

Na Dança de 'Dinam-Nietzsche'Filólogo, poeta, pianista e, mais que tudo, filósofo, Friedrich Wilhelm Nietzsche foi um iconoclasta que passou a vida inteira questionando o homem e a sua vida na sociedade, que de seu tempo para cá, na essência, pouco ou nada mudou. Há algumas semanas o jornal O Globo publicou uma matéria afirmando que o estudo de Nietzsche virou moda no Rio. Depois que Che, Gandhi, Jesus Cristo e outros revolucionários foram transformados pela sociedade capitalista em ícones para ávido consumo, não é de se estranhar que o filósofo alemão também entre na dança.

Mas, quem não ficar apenas vestido com uma estampa do bigodudo na camisa saberá que a dança do autor de Assim falou Zaratustra não tem coreografia, é livre e libertadora. E saberá, a partir da leitura do que escreveu Nietzsche, que da verdade mesmo, ninguém a suporta. Para ele a vida precisava ser vivida com a linha esticada ao máximo e desancava quem vendia terrenos no céu ou transmundos, como dizia. A noção de que existe vida após a morte era inconcebível para Nietzsche. Como se vê, o debate é mais do que atual.

"Eu só poderia crer num Deus que soubesse dançar"

Esse alemão, que admirou e depois se afastou de Richard Wagner, elaborou o conceito do eterno retorno e do super-homem, mas não o herói de Kriptônia. Para ele, o homem deve superar-se, usando ao máximo sua sensibilidade, mas sem perder a sua racionalidade. A vontade de poder a que se refere Nietzsche é exatamente esta: a do poder sobre si mesmo. Portanto, mais um ótimo tema para a discussão dos vários vícios a que se entregou a sociedade contemporânea.

A fraqueza do homem, segundo Nietzsche, o transformou num ressentido e a compaixão, a caridade, a anulação do indivíduo pelo coletivo nasce dessa reação a que o rebanho - as massas - se entrega com devoção. O filósofo alemão pregou a transvaloração dos valores, pois entendia que os valores tradicionais, especialmente os cristãos, nada mais eram do que uma moralidade escrava. “Deus está morto”, decretou na voz de Zaratustra.

Nietzsche era autor de frases verdadeiramente bombásticas, algumas proféticas. Alguém duvida da atualidade do que disse, no século em que viveu, o XVIII: “Mais um século de jornais e as palavras se corromperão”? E, em tempos de guerras sob justificativas absurdas, há como negar que ele estivesse certo quando afirmou que “As convicções são mais inimigas da verdade do que as mentiras”? E quem, senão os covardes, ousaria descrer no conselho “Floresça onde você estiver plantado”?

Em suma, Nietzsche buscou em toda a sua vida o que ensinou: a busca pelo conhecimento, mas não para segui-lo como doutrina e sim para a criação, a transformação, a reinvenção do mundo. Um trabalho, sem dúvida, para um super-homem ou, numa melhor tradução, para quem busca o além do homem.

"Agora sou leve, agora eu vôo... agora um deus dança em mim"

Para quem quer mesmo conhecer esse polêmico filósofo alemão, que teve a obra deturpada pela irmã ao associá-la ao nazismo, do qual ela era simpatizante, antes mesmo de ler seus livros uma boa pedida é a biografia intelectual traçada por Rüdiger Safranski em “Nietzsche, a biografia de uma tragédia”, lançado no Brasil pela Geração Editorial.

Lá está, por exemplo: “O animal consciente homem, com horizonte de passado e futuro, raramente se satisfaz de todo com o seu presente, e por isso sente algo que certamente nenhum animal conhece, isto é, o tédio. Fugindo do tédio, essa singular criatura procura uma excitação que, se não for encontrada, tem de ser inventada. O homem se torna um animal que brinca. O jogo é uma invenção que entretém os afetos. O jogo é a arte de auto-excitação dos afetos, a música, por exemplo. A fórmula antropológico-fisiológica para o segredo da arte é pois: a fuga do tédio é a mãe das artes.”Mini-biografia - Nietzsche nasceu em 15 de outubro de 1844, em Rocken, na Saxônia, e perdeu seu pai, que era luterano, aos cinco anos de idade. Foi criado pela mãe com sua avó, duas tias e uma irmã. Estudou filologia em Bonn e Leipzig e com 24 anos já era professor. No entanto, a prejudicada visão e as fortes dores de cabeça que o perseguiram até o fim da vida, em 25 de agosto de 1900, em Weimar, causaram a sua aposentadoria precoce em 1879. Dez anos depois ele sofreu um grave problema mental do qual nunca se recuperou.

Além da influência da cultura grega, da qual era mestre, Nietzsche foi influenciado por outro filósofo alemão, Schopenhauer, pela teoria da evolução e pelo seu amigo compositor Richard Wagner. Mas a todos questionou, afastou-se e criou seus próprios conceitos.

Entre seus principais livros estão O Nascimento da Tragédia (1872), Assim falou Zaratustra, um livro para todos e para ninguém (1883-85), Além do Bem e do Mal (1886), Sobre a Genealogia da Moral (1887), O Anticristo (1888), Ecce Homo (1889) e A Vontade de Poder (1901).

“Conheço minha sina. Algum dia meu nome estará ligado a qualquer coisa enorme – a uma crise como nunca houve na terra, ao mais profundo conflito de consciência, a uma decisão invocada contra tudo aquilo que, até aqui, se acreditou, se estimulou, se santificou. Eu não sou um ser humano, sou dinamite...” “...Tenho um medo horrível de que um dia me proclamem santo.” (Fridriech Nietzsche, em Ecce Homo)

* Este texto foi escrito em 2003
Fonte: http://www.eduardolamas.blogspot.com/

Nenhum comentário: