Jacob GorenderPoucos países têm uma tradição historiográfica marxista como o Brasil. Nelson Werneck Sodré, Caio Prado Junior, Edgard Carone, Emilia Viotti da Costa, Alberto Passos Guimarães, Wilson do Nascimento Barbosa, Heitor Ferreira Lima e Leoncio Basbaum foram, em diferentes gerações, intérpretes que cultivaram a história numa perspectiva dialética e vinculada direta ou indiretamente a uma prática política.
Jacob Gorender é um exemplo tardio daquela “escola” tão variegada e até contraditória. Foi membro do PCB, integrou a Força Expedicionária Brasileira, foi dirigente comunista, esteve na URSS por ocasião do XX Congresso do PCUS e, de volta ao Brasil, foi um dos redatores da Declaração de Março de 1958, a qual mudou a orientação revolucionária do partido no sentido de um caminho parlamentar e reformista.
Depois do Golpe de 1964, Gorender dirigiu o PCBR, ao lado de Mario Alves. Preso, ele reinventou-se como intelectual. Não era um escritor. Seus artigos na Revista Fundamentos eram carregados da linguagem stalinista e caracterizavam o existencialismo, por exemplo, como filosofia de “degenerados e homossexuais”. Estudou a História do Brasil colonial e escreveu uma obra polêmica e original: O escravismo colonial. Neste livro, ele visava elevar a historiografia marxista a um novo patamar categorial e sistemático.
Criticou de maneira acerba a obra de Werneck Sodré e dele recebeu resposta não menos dura num artigo chamado “As Desventuras da Marxologia”. Também questionou as ideias de Caio Prado Junior.
Embora sua obra seja polêmica, foi fruto de pesquisa solitária e de ideias amadurecidas no cárcere com um objetivo claramente político: entender o fracasso da estratégia dos comunistas brasileiros a partir da sua inadequada leitura de nossa história. Mas Gorender não rompeu ao menos com uma linha de pesquisa dos comunistas brasileiros (excetuado Caio Prado): o estudo e a classificação das relações de produção internas.
Assim, Gorender se coloca no interior da mesma problemática de Werneck Sodré, Passos Guimarães e tantos outros, embora veja com mais simpatia o único que, de fato, polarizou o debate com aqueles autores: Caio Prado Junior.
Gorender ainda retornaria à polêmica com seu livro A escravidão reabilitada, a partir do qual teria como alvo não mais o PCB e sim historiadores acadêmicos. A tese central do livro, no entanto, é a do abolicionismo como a expressão política da Revolução Burguesa no Brasil.
Sua obra mais importante, contudo, talvez seja Combate nas trevas. Livro escrito de maneira romanesca, mas sem faltar com a verdade histórica. Ainda que marcado pelas antipatias do autor (como é o caso de sua crítica a Luiz Carlos Prestes) é uma obra difícil de ser igualada, pois combina a testemunha ocular da história e o historiador dotado de um método analítico insuperável.
Em 1990 ele ensaiava novos passos. Escreveu Marxismo sem utopia e Marcino e Liberatore, acompanhou a queda da URSS quando viajava por lá. Para obter apoio diplomático brasileiro, obteve intermediação do então Deputado Federal Florestan Fernandes. Gorender filiou-se depois ao Partido dos Trabalhadores, com o qual já colaborava antes e deu respaldo às tendências da esquerda petista, escrevendo para suas revistas e jornais. Ele participou de muitos debates do Núcleo de Estudos de O Capital e da Revista Práxis. Gorender telefonava solicitando livros, referências, mas era generoso em suas preocupações com os jovens militantes. Mais recentemente, ele se dedica a compreender o Brasil numa perspectiva crítica dos anos Lula.
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Lincoln Secco é professor de História Contemporânea na USP.
Fonte: http://boitempoeditorial.wordpress.com/
quinta-feira, 27 de outubro de 2011
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