Ano novo, velhos problemasUma estrela cruzou o céu escuro do deserto. Ninguém a seguia, nem reis, nem magos, nem pastores, nem virgens. As crianças que nasceram simplesmente nasceram, não mais repletas de esperança do que qualquer outra simples criança que vem ao mundo. Seus pais e mães olham preocupados com os modernos Erodes que ainda odeiam crianças e trabalhadores e renovam as alegrias que guardaram em seus olhos e corações, imprudentemente acreditando em um ano melhor.
Em 2011 mais de três mil palestinos foram presos pelas forças de ocupação de Israel. As forças israelenses soltaram 477 prisioneiros em outubro em troca de Gilad Shalit, mas de lá para cá prenderam 470 pessoas, incluindo 113 dos que haviam sido libertados em troca do soldado israelense [Ver "Mais de 3 mil palestinos presos pelas forças de ocupação em 2011" em www.pcb.org.br]. O representante da autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, pediu em seu discurso na ONU, em setembro de 2011, que a assembleia geral aprove a criação do Estado da Palestina, proposta que conta com a aprovação de mais de dois terços dos Estados ali representados. Na verdade, pede que se respeite uma votação que já ocorreu e já aprovou tal iniciativa… em 1988!
Os EUA, no entanto, mantêm sua decisão de vetar a criação do Estado da Palestina e repete a posição israelense de que tal criação só pode ser resultado das “negociações” (!?). Os quatro “mediadores” (EUA, Rússia, Comunidade Europeia e a própria ONU) deram o prazo de quatro semanas para que sejam obtidos “progressos substanciais”…
Uma estrela/obus cruza o céu gelado do deserto e pastores e carpinteiros se escondem assustados em meio aos escombros de suas casas. Um dos três reis Magos era negro, acredito que seu nome era Baltazar, ou Yazdegerd, ou ainda Bithisarea, não importa, mas vinha de Sabá. Enquanto o primeiro, um velho de barbas brancas, ofereceu ao menino que nascera um punhado de ouro, como se faziam aos reis; o segundo, um jovem chamado de Gaspar, um pote de incenso, o que remetia à divindade do bebe; o nosso terceiro trouxe mirra e profetizou que o menino ia morrer. Não há registro sobre um quarto rei, seja ele mago ou não, talvez porque nosso quarto membro da comitiva de “mediadores” tenha se calado, não deu presente algum, nem disse que o menino viveria ou morreria, permaneceu calado e omisso como está desde 1988.
Uma virgem sente as primeiras dores do parto e procura uma manjedoura… não encontra nenhuma. Fogos explodem nas areias de Copacabana, como antes já haviam pipocado em Tókio, na Austrália e na Nova Zelândia. Os palestinos continuam sem um Estado e sem um ano novo.
Os três ou quatro reis foram atraídos pelas luzes da Times Square e não estavam no deserto para presenciar o nascimento do menino que passa bem. Sua mãe o acolheu, embrulhando numa espécie de manto quadriculado em branco e negro, formando losângulos, com pingentes nas bordas, enquanto seu pai fez uma oração em árabe e o levantou em direção ao céu.
As tropas do Império não perdem por esperar. Feliz ano novo e um poema inédito:
Gaza, bombas e um feliz ano novo
Cada um luta como pode
fuzis, favelas, amuletos.
Na pré-história da humanidade
meu poema vive no gueto.
Em mim, que não tenho pátria, tudo explode.
Judeus e desterrados palestinos,
um velho alemão,
um jovem argentino.
Cada um luta como pode.
Sem bandeira e sem programa,
como água que não cabendo no pote
violenta se derrama.
Perdida no deserto em chamas,
cruzando um céu negro e gelado
a estrela de Belém, perdida,
cai sobre o messias que a conclama.
Tudo ou nada: intifada!
Sangue corre na terra santa.
Três reis magros, uma virgem, um carpinteiro
caminham no deserto
sem achar a manjedoura.
Quem já foi sem terra sabe da nossa sina.
Que sabe não foi o nazismo
que ensinou a vítima
Como se tornar assassina?
***
Mauro Iasi é professor adjunto da Escola de Serviço Social da UFRJ, presidente da ADUFRJ, pesquisador do NEPEM (Núcleo de Estudos e Pesquisas Marxistas).
Fonte: http://boitempoeditorial.wordpress.com/
sexta-feira, 20 de janeiro de 2012
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