sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Meu nome é Clay? Qual é meu nome, idiota? - por Igor Ojeda

Meu nome é Clay? Qual é meu nome, idiota?
Entrevista com o cronista Dave Zirin sobre o livro que tem como personagem central Muhammad Ali, que completou 70 anos esta semana

“Se eu ganhasse um dólar por cada coisa que há de errado no esporte, Bill Gates seria meu mordomo”, disse certa vez o cronista esportivo estadunidense Dave Zirin. Vivendo em Washington, capital dos Estados Unidos, Zirin se diferencia da imensa maioria dos colegas de profissão por seu estilo contestador. Critica o esporte como negócio e seu uso por políticos oportunistas. Sobretudo, abomina a mídia esportiva de seu país que, de tão corporativa, “diminui os esportistas que expressam opiniões políticas”. Segundo ele, nunca houve espaço nos jornais para demonstrações de resistência, ou para manifestações radicais no setor esportivo. São histórias muitas vezes escondidas, “pela mesma razão que a maioria das histórias de radicalismo nos EUA está escondida”. Mas Zirin se propõe a trazê-las à luz. Pela editora Haymarket Books (www.haymarketbooks.org), lançou o livro What’s my name, fool? Resistance in the United States (em tradução livre, Qual é meu nome, idiota? Esportes e resistência nos Estados Unidos). Na obra, resgata exemplos de resistência no esporte desde o começo do século 20 até os dias atuais. Exemplos como o de Marvin Miller, pioneiro na conquista de benefícios, pensões e melhores condições de trabalho para jogadores de beisebol na década de 1960. Ou como o de Jackie Robinson, primeiro negro a ingressar na liga profissional de beisebol, em 1947. Ou ainda como o de Pat Tillman, jogador de futebol americano do Arizona Cardinals que, apesar de voluntário para lutar no Afeganistão depois dos atentados de 11 de setembro de 2001, recusou inúmeros convites do governo para fazer comerciais incentivando o alistamento. Mas, principalmente, exemplos como o de Muhammad Ali, campeão mundial de boxe que está semana completaria 70 anos e que, nos anos 1960, criou comoção nacional ao aderir à luta dos negros estadunidenses e ao movimento antiguerra – e que, além de tudo, inspirou o título do livro. Mas essa é uma história para o próprio Dave Zirin contar.Muhammad Ali, o atleta mais polêmico de sua época

Brasil de Fato – Esporte e política podem vir juntos? Devem vir juntos? Por quê?
Dave Zirin – O fato é que esporte já é muito político, queiramos admitir ou não. Os políticos usam o esporte como uma boa oportunidade de foto e também durante os ciclos eleitorais. Estádios foram construídos nos EUA com dinheiro dos contribuintes. O Pentágono tem acordos comerciais com todas as grandes ligas para estimular o recrutamento: as Forças Armadas são um dos maiores patrocinadores das ligas de beisebol e futebol americano. Lembre-se que esporte, nos EUA, é um negócio de 220 bilhões de dólares, mais lucrativo que o aço estadunidense. É um processo muito político. O meu objetivo com o livro é lembrar a tradição radical nos esportes para se contrapor à “política de sempre” nas ligas profissionais.

Por que o seu interesse por esse assunto?
Eu amo esportes. Sou um enorme fã da arte, da competição e da beleza nas disputas atléticas. Mas estou cheio e cansado de que os jogos que amo sejam usados como instrumentos para uma agenda que acho repulsiva.

Que tipo de agenda?
Por exemplo, o ufanismo e a transformação da mulher em objeto.

Que tipo de leitor você pretendia atingir com seu livro? Atletas, pessoas de esquerda, fãs de esportes em geral?
Eu queria que esse livro fosse lido por fãs de esportes que odeiam política e ativistas que odeiam esportes. Parece que vem cumprindo as duas metas, o que é muito excitante.

Você disse em uma entrevista que seu livro é sobre histórias escondidas de resistência. Por que essas histórias foram escondidas?
Elas estão escondidas pela mesma razão que a maioria das histórias de radicalismo nos EUA está escondida. Os EUA têm uma enorme tradição de lutas laborais, anti-racistas, batalhas contra opressão e por justiça social. O problema é que a mídia esportiva estadunidense é tão corporativa que sobra muito pouco oxigênio para contar a história esportiva de um povo.

Foi muito difícil pesquisar para o livro, já que as histórias são secretas?
Algumas histórias foram muito difíceis de trazer à luz, mas as entrevistas ajudaram muito. Eu entrevistei pessoas como o cronista esportivo radical dos anos 1930 Lester “Red” Rodney (editor de esportes do jornal do Partido Comunista The Daily Worker, que, nos anos 1930 usou a publicação como um centro organizativo da luta pela integração racial no beisebol) e o atleta olímpico John Carlos (velocista medalha de bronze nas Olimpíadas de 1968, na Cidade do México, que, junto com Tommie Smith, medalha de ouro, subiu ao pódio erguendo o braço direito com as mãos cerradas e vestidas com luvas negras, em um gesto típico dos Panteras Negras, grupo político radical de defesa dos negros nos EUA). Eles me contaram suas histórias sem filtro.Atletas fazem um gesto típico dos Panteras Negras - Foto: Divulgação

Muhammad Ali é o personagem central do livro. Por quê? Ele é o personagem central da resistência política nos esportes nos EUA?
Esse livro é sobre a intersecção entre esporte e política radical. E o ponto alto dessa história é o momento quando o campeão mundial peso-pesado de boxe tinha um pé na luta pela liberdade dos negros e um pé no movimento antiguerra (Ali recusou- se a lutar na Guerra do Vietnã). Essa é a história do grande Muhammad Ali, a pessoa a quem de fato devo o título de meu livro. Hoje fica difícil de imaginar, pois sua imagem é usada para vender de tudo, de Sprite a Microsoft, mas nos anos 1960 Ali foi o atleta mais polarizador, caluniado e destacado do planeta. O campeão tornou pública sua jornada política quando começou uma amizade com Malcolm X (líder do Movimento dos Muçulmanos Negros e mais tarde criador da organização Unidade Afro-Americana, não-religiosa e de inspiração socialista. Foi assassinado em fevereiro de 1965, com 13 tiros) e mudou seu nome de Cassius Clay primeiro para Cassius X e depois para Muhammad Ali. Não há palavras para descrever a tempestade que isso causou. O campeão dos peso-pesados, supostamente um símbolo da bandeira vermelha, branca e azul dos EUA, entra no Movimento dos Muçulmanos Negros, organização de Malcolm X que, de forma não-apologética, acreditava na violência dos negros em defesa própria. Se quiser pensar em uma comparação com os dias de hoje, imagine a filha de George W. Bush, Jenna Bush, casada com John Walker Lindh (jovem estadunidense preso em 2001 por lutar ao lado dos talebãs no Afeganistão).

E por que o título What´s my name, fool? (Qual é meu nome, idiota?)?
Chamar o campeão de Clay ou Ali dizia tudo sobre você. Dizia de que lado você estava na luta pela libertação dos negros, nas batalhas pelo direito à expressão e, em breve, na Guerra do Vietnã (1965-1975). Essa controvérsia sobre o nome alcançou seu auge em novembro de 1965, quando Ali lutou contra o patrioticamente e orgulhosamente chamado Floyd Patterson, boxeador que já havia sido duas vezes campeão mundial. Na coletiva de imprensa pré-luta, Patterson disse: “Esta luta é uma cruzada para recuperar o título dos muçulmanos negros. Como um católico, estou lutando contra Clay – e, sim, seu nome é Clay – como um dever patriótico para devolver a coroa para a América”. Ali prolongou a luta e golpeou Patterson brutalmente por nove rounds, gritando “Vamos América! Vamos, América Branca! Qual é meu nome? Meu nome é Clay? Qual é meu nome, idiota?” “Qual é meu nome, idiota?” foi uma declaração, um aviso de que uma voz emergente não seria silenciada.

Como foi a reação da sociedade e da mídia estadunidense aos exemplos de resistência no esporte?
Sempre depende do quão grandes são os movimentos sociais nos EUA. A mídia, quase de forma uniforme, diminui os esportistas que expressam opiniões políticas, principalmente se por trás do que eles falam há um movimento social avançado, ou se abraçam campanhas por justiça.

Parece que muitos dos exemplos de resistência no esporte têm um forte componente racial. É isso mesmo? Por quê?
Alguns têm. Isso acontece pelo modo como esporte e raça funcionam nos EUA. Esporte, na teoria, é um campo onde todos são iguais, então é um lugar onde os povos chamados “inferiores” podem desafiar ideias racistas em um ambiente muito público.

A Olimpíada é o melhor momento para protestar, como fizeram os Panteras Negras em 1968?
A Olimpíada é certamente o evento esportivo mais político e global do mundo. Então se torna uma plataforma onde os atletas podem expressar suas visões.

Você pretende um dia pesquisar histórias de resistência no esporte que aconteceram em outros países?
Certamente espero fazer isso em meus livros futuros, em especial pesquisar a função do futebol na Europa, África e América Latina.

Qual será o tema de seu próximo livro?
Quero pesquisar sobre futebol e movimentos sociais.

QUEM É
O cronista esportivo estadunidense Dave Zirin é editor do Prince George’s Post (jornal do condado de Prince George, em Maryland), onde escreve a coluna semanal Edge of Sports (EdgeOfSports.com). Colabora regularmente como comentarista esportivo no programa da rádio Air América “So What Else Is News”, que se propõe a desconstruir as notícias veiculadas pela mídia corporativa, e na revista Slam Magazine, especializada em basquete.
Fonte:http:www.brasildefato.com.br

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