segunda-feira, 31 de março de 2014
E se os bancos entrarem em extinção? - Por Kavin Maney
E se os bancos entrarem em extinção?
Internet e
novas tecnologias começam a abalar formas tradicionais de empréstimo e
poupança. Haverá espaço para sistema financeiro alternativo?
A atividade
bancária, na forma em que a conhecemos, está começando a parecer mais
ultrapassada que uma impressora matricial.
Na China,
os consumidores estão depositando suas poupanças em empresas de Internet, ao
invés de bancos. Nas Filipinas, uma classe média emergente paga suas despesas
utilizando-se de uma nova cepa de financiadores, baseados em redes sociais. Nos
Estados Unidos, um terço dos integrantes da geração nascida a partir de 1980
dizem que esperam usar serviços financeiros baseados em tecnologia, ao invés de
bancos. Ao mesmo tempo, 71% afirmam que “prefeririam ir ao dentista, ao que os
bancos dizem”.
Greg
McBride, analista sênior no Bankrate.com, teria
dito, recentemente: “Podem me chamar de ultrapassado, mas para construir
riquezas, poupar e investir, você precisará ser parte do sistema financeiro
tradicional”. À luz dos fatos mais recentes, esta sentença soa como a de um pai
dizendo aos filhos para evitar sexo antes do casamento.
Os bancos
são, em essência, dados – montanhas de dados financeiros. Eles trabalharam
intensamente, nas últimas décadas, para esvaziar suas próprias agências, por
meio da tecnologia. Por isso, para muitos de seus clientes, eles não são mais
uma entidade física. O dinheiro converteu-se em códigos trafegando em redes. A
principal vantagem comparativa dos bancos são, hoje, as regulações que mantêm
eventuais concorrentes afastados.
Mas mesmo
estas regras não poderão proteger os banqueiros por muito tempo. O velho
conceito de atividade bancária está sendo atacado por todos os lados, por
instituições de novo tipo, que são mais hábeis no manejo de dados e os utilizam
de forma mais imaginativa. Há anos, os bancos têm sido vistos, em teoria, como
organizações prestes a ser superadas. Mas agora, parece claro como isso pode
acontecer.
A superação
pode ser disparada pela evolução tecnológica. Fenômenos assim ocorrem, às
vezes, na forma de um colapso catastrófico provocado pela internet – como se
deu com os CDs, após o advento da música digital. Mas os bancos podem viver uma
experiência diferente – semelhante à lenta corrosão de uma casa infestada por
cupins, que em certo ponto atingem, simultaneamente, diversas vigas de
sustentação.
Um
destes cupins pode ser o Lenddo. É uma empresa norte-americana que opera na Ásia,
utilizando dados, para a atividade bancária, de uma forma que os bancos nunca
considerariam. O insight da Lenddo é: os dados sobre quem você conhece, nas
redes sociais, e sobre o que estas pessoas dizem de você, são mais precisos que
a pontuação estabelecida pelos bancos para calcular se você pagará um
empréstimo ou não.
“Por
séculos, os empréstimos foram baseados em reputação”, diz Jeff Steward, o
executivo-chefe da Lenddo. “As redes sociais permitem retornar a este
princípio, agora em escala global”. Por enquanto, a Lenddo opera apenas nas
Filipinas, México e Colômbia. Nestes países, surgiu uma classe média emergente
que, no entanto, não tem acesso a empréstimos bancários. A Lenddo está
oferecendo tais financiamentos com base em reputação social, desviando dos
bancos uma geração de clientes.
A Lenddo
não empresta nos EUA devido às regulações que favorecem o sistema bancário.
“Atuamos nas Filipinas e fazemos empréstimos gastando menos do que custaria
obter uma cotação de crédito no estado de Nova York”, diz Steward. Mas num mundo
hiperconectado, as finanças são globais. Se a Lenddo e inciativas similares
forem bem-sucedidas no mundo em desenvolvimento, isso não repercutirá nos
próprios EUA e Europa, por exemplo?
Na China,
empresas tecnológicas estão estabelecendo outro precedente. Há menos de um ano,
a Alibaba, [maior empresa de comércio eletrônico do mundo],
que tem centenas de milhões de usuários, começou a captar suas poupanças,
oferecendo taxas de juros mais altas que as dos bancos chineses. Até fevereiro,
81 milhões de pessoas haviam aderido. Há pouco, o Baidu [um similar do Google,
chinês], solicitou
do governo licença para praticar atividades bancárias.
Por que uma
empresa de internet entraria na atividade bancária? A resposta são dados! Nos
bastidores, os executivos do Google e Facebook certamente estão observando
Alibaba e Baidu, e sonhando em seguir seus exemplos. Nos EUA, apesar das
regulações em favor dos bancos, estes estão sendo obrigados a enfrentar novas
iniciativas, que os fustigam nas margens. Seis anos após a crise das hipotecas subprime,
os grandes bancos ainda temem emprestar para pequenas empresas, o que cria um
enorme contingente de sem-crédito. Isso abriu
brecha para um novo tipo de emprestador, como o Dealstruck. Ele usa a internet para
conectar gente com poupança disponível a donos de pequenos negócios que
precisam de dinheiro. Estes emprestadores alternativos, baseados em tecnologia,
estão crescendo muito rapidamente.
Há também
as moedas virtuais. Ou o Bitcoin, ou outro sistema de transações digitais, irá
explodir, em poucos anos. Exercerá, sobre as bandeiras de cartão de crédito, a
mesma pressão que o Skype exerceu entre as empresas de telefonia de longa
distância. Ao criar um modo mais simples e mais barato de pagamento, as
transações digitais atrairão usuários dos cartões bancários e corroerão rendas
vitais para o sistema.
À medida em
que novas iniciativas oferecerem maneiras inovadoras de lidar com dinheiro, os
bancos não poderão ser resgatados por suas relações com o público. A maior
parte das pessoas não conhece melhor os caixas ou gerentes de banco do que
conhece os operadores de pedágio. Ao operarem online, os bancos oferecem
produtos não-diferenciados, cobram juros, impõem tarifas e fazem o favor de não
deixar que nosso dinheiro seja roubado ou perdido.
A nova
geração não despejará uma lágrima pelos bancos. Uma pesquisa de três anos, da Scratch – a mesma que comparou ir ao dentista com ouvir as
instituições financeiras – concluiu que os nascidos entre 1981 e 2000
provocarão mudanças “sísmicas” na atividade bancária.
Mesmo a
consultoria Accenture afirma que o futuro não parece luminoso para os bancos:
“35% do mercado bancário nos EUA poderia ser abocanhado por outras iniciativas
até 2020”, diz um relatório da empresa. Segundo ele, 15% do faturamento dos
bancos tradicionais poderia migrar para empreendimentos baseados em tecnologia.
Os grandes bancos, com todos os seus custos operacionais, pode não suportar os
efeitos. Grandes estruturas precisam perder apenas uma ou duas vigas, antes de
tremer e entrar em colapso.
Tradução: Antonio Martins
Fonte: http://outraspalavras.net/
Para cientistas políticos, movimento Black Block é negação da política – por Maurício Thuswohl
Para cientistas políticos, movimento Black Block é negação da política
Carta Maior
ouviu três especialistas que atuam em universidades em três das cidades
brasileiras mais impactadas peça ação desses grupos.
Rio de
Janeiro – A expectativa em relação à ocorrência de novas manifestações de massa
no Brasil neste ano eleitoral e de Copa do Mundo é grande, sobretudo no que diz
respeito à ação violenta de grupos radicais. Tornado célebre, o movimento Black
Block é o que leva maior apreensão às autoridades, graças à imprevisibilidade
de seus integrantes mascarados e de seu método de luta baseado na depredação do
patrimônio, seja público ou privado. Compreender melhor o que é e o que
significa este movimento é uma tarefa a qual se dedicam diversos cientistas
políticos. Para indagar se a forma de luta personificada pelos Black Blocks
pode ser considerada moderna e se chegou ao Brasil para ficar, a Carta Maior
ouviu três especialistas que atuam em universidades em três das cidades
brasileiras – São Paulo, Brasília e Rio de Janeiro – mais impactadas pelas
ações dos grupos radicais, e pela reação da polícia, durante as manifestações
ocorridas desde junho do ano passado.
Respondendo às mesmas perguntas, os professores e cientistas políticos Marcia Ribeiro Dias, do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), Humberto Dantas, da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fesp) e Leonardo Barreto, da Universidade de Brasília (UnB), concordam que a forma de luta personificada pelos Black Blocks é radical e tem como alvo prioritário a destruição do sistema político, econômico e social vigente, se distanciando das formas de luta tradicionalmente utilizadas pelos movimentos sociais e partidos políticos no Brasil. Segundo os especialistas, o movimento, no entanto, carece de organização, é muito fragmentado e vulnerável a possíveis pressões de partidos políticos, extremistas ou não.
Leia a seguir a íntegra das entrevistas.
Os métodos utilizados pelos Black Blocks, que ganharam escala durante as manifestações antiglobalização na Europa e desde o ano passado chegaram ao Brasil, são uma forma de fazer política que veio para ficar? Ela pode ser considerada uma forma “moderna” de luta pelo poder político?
Humberto Dantas - Que é uma forma de fazer política, eu concordo. O que precisamos discutir é se essa é uma boa forma de fazer política. É moderna, talvez, no método de organizar, de marcar, de combinar seus encontros e de atuar em pequenos grupos tecnicamente treinados para se movimentar no meio de multidões e criar situações, em alguns casos, bastante radicais. Mas, eu não consigo enxergar isso como uma novidade expressiva, talvez ela possa ser a variação de alguma coisa que existe há muito tempo. São abusos em manifestações que por vezes transcendem os aspectos mais democráticos. Mas, sem dúvida nenhuma, é um jeito de fazer política. Não acho que seja moderno, são variações sobre o mesmo tema.
Leonardo Barreto - Difícil dizer. O que temos visto é uma onda de novas leis anti-Black Blocks, como a proibição de manifestações usando máscaras, por exemplo, que visa a enfraquecer o movimento. Além disso, aparentemente, a estratégia perdeu apoio popular. Particularmente, acredito que, na sua essência, os Black Blocks são movimentos de negação política, e tenho minhas dúvidas se eles podem se transformar em uma plataforma reformista. Por isso, tenho a impressão de que a sua presença na cena política acontecerá na forma de sombra, de um fantasma ou de uma ameaça desestabilizadora que poderá ocasionalmente voltar às ruas com os seus resultados imprevisíveis.
Márcia Ribeiro Dias - É um modo de fazer política que não deixa de ser um ativismo. Então, nesse sentido, é interessante porque é diferente daquilo que a gente conhece dos modos tradicionais de fazer política. Uma de suas características é que vem acompanhado de um certo grau de violência, de agressividade contra as instituições sociais, políticas e econômicas estabelecidas. É um movimento muito disforme, que se assume sem lideranças claramente definidas e tem, inclusive, anti-lideranças. O poder tradicional conta com lideranças, com instituições tradicionais como os partidos políticos. Esse movimento se assume como anti-político no sentido mais tradicional do termo, então é muito complicado tratar os Black Blocks como um movimento político. Sua principal característica é exatamente a anti-política, é um modo de fazer política contrário não só ao modo tradicional de fazer política, mas também contrário às instituições estabelecidas. Está muito mais próximo de um movimento anarquista.
Mas, ele tem também algumas características revolucionárias, pois não está propondo uma mudança do sistema de dentro para fora, mas de fora para dentro no sentido de uma ruptura. Mas, é um movimento pequeno. Nas grandes manifestações, os Black Blocks são uma amostra muito pequena da realidade. A grande maioria dos manifestantes não tem a mesma pré-disposição para ações violentas. Na medida em que eles se ocultam, tentam ocultar a face, facilitam ações ilegais como quebrar o patrimônio público ou privado. Estão contra a lei, isso os coloca em situação de fragilidade, por isso se ocultam. Mas, todos esses movimentos, mesmo os internacionais como o Occupy, por exemplo, contam com milhares de pessoas que não têm aquela mesma disposição. Os Black Blocks são um segmento deste movimento, que é muito importante, e se coloca de forma contrária às instituições políticas tradicionais e estabelecidas. Os Black Blocks são a ponta radical deste movimento.
Qual o papel dos partidos políticos (sobretudo os de extrema esquerda ou extrema direita) na consolidação dessa nova forma de fazer política?
Leonardo Barreto - Considerando os Black Blocks como movimentos com grande potencial de desestabilização, a tendência é que eles sejam “convocados” para criarem estados de comoção. O problema é que, a despeito do suposto envolvimento do PSOL com eles, a falta de organização e de lideranças reconhecidas dificulta a interação com os partidos formais. Ainda imagino os Black Blocks autênticos mais como fenômenos de combustão espontânea do que de estratégias orquestradas.
Márcia Ribeiro Dias - Eu acho difícil que cumpram algum papel, porque o movimento é anti-partidário e rejeita as instituições partidárias. Eu não atribuiria seus métodos a uma ação de extrema-esquerda ou extrema-direita, porque nossos partidos de extrema-esquerda ou extrema-direita não são anti-sistema, mas os Black Blocks são. Mas, em tese, pode, sim, ter partido político envolvido nas ações dos Black Blocks. Essas descobertas recentes sobre aquele episódio infeliz que acabou resultando na morte de um jornalista acabaram revelando que tem gente fomentando esse tipo de ação, ou seja, que nem todos os Black Blocks estão atuando por ideologia ou por uma causa. Estão atuando por dinheiro, e aí eu acredito que pode ser qualquer partido político por trás disso, não precisam ser partidos extremos, porque o objetivo pode ser desestabilizar os governos nesse ano eleitoral. Se tem algum partido político que se aproveita dessa situação para comprar manifestantes para deliberadamente complicar as manifestações, é muito mais no sentido de desestabilizar governos ou desestabilizar o próprio movimento, pois, uma vez que essas manifestações se tornam uma coisa mal vista pela opinião pública, um certo número de pessoas vai começar a desistir desse tipo de participação.
Eu acho que deve se considerar essa possibilidade de influência tanto de um lado quanto do outro, tanto da oposição quanto dos partidos que estão instituídos nos diversos níveis de governo. Mas, não acho que sejam os partidos de extrema-esquerda ou extrema-direita, porque no Brasil esses não são partidos tradicionalmente anti-sistema. O que a gente classificaria como extrema-esquerda no Brasil? Eu não incluiria o PSOL, que é um partido de esquerda bastante conformado com o sistema político que está aí. Incluiríamos o PCO? Mas, esse é um partido muito pequeno, praticamente não existe. Eles não teriam dinheiro para pagar manifestante. Quem tem dinheiro para pagar manifestante são os grandes partidos. A extrema-direita no Brasil não existe, pelo menos de forma declarada. O único partido de extrema-direita que a gente conheceu recentemente foi o PRONA, mas esse desapareceu junto com o seu líder. Tirando isso, a extrema-direita não se assume no Brasil. Ela pode existir, pode estar por trás do movimento Black Block, mas não de forma político-partidária.
Humberto Dantas - O interessante nesse caso é dividir a atuação dos partidos em dois grandes momentos. Há quem diga que os partidos nesse instante, e já há alguns meses, trabalham nos bastidores junto a esses manifestantes, mas não aparecem de forma expressiva. A gente precisa tomar cuidado com essas acusações e apontamentos, mas precisamos investir sobre eles para verificar em que medida estão corretos ou não. Por mais livre que o partido seja legalmente para fazer uso do recurso público que recebe, ele não pode ter grupos paramilitares montados. Isso é claro na lei dos partidos políticos e está, inclusive, na Constituição. Partido político não pode ter qualquer relação com grupo uniformizado que gere conflitos dentro da sociedade. Isso é a antítese do conceito de partido político legalmente instituído no Brasil. A gente precisa compreender em que medida os partidos têm agido dessa forma e, se estiverem agindo, obviamente serão punidos em virtude das lei que regem essas organizações.
Os partidos políticos sofrem no Brasil uma crise de legitimidade significativa diante do cidadão comum. As pesquisas de confiança nas instituições mostram os partidos políticos em situação expressivamente delicada em relação à visão pública. Então, esses partidos não conseguem encontrar espaço nessas manifestações porque elas não nasceram no seio desses partidos políticos. Eles pensaram ou objetivaram que seriam bem aceitos nessas manifestações, o problema é que devido ao desgaste frente à opinião pública eles não foram bem aceitos, independentemente da bandeira. Temos um problema de crise de legitimidade dos partidos políticos diante dos cidadãos comuns. Isso é muito ruim para uma democracia que se pauta de maneira muito forte nos partidos políticos enquanto organizações que legalmente deveriam de forma legítima representar interesses diferentes dentro da sociedade.
A velha forma de fazer política – com as tradicionais manifestações de rua e suas bandeiras de luta e lideranças bem definidas – está definitivamente condenada pelo surgimento de formas de luta como as utilizadas pelos Black Blocks?
Márcia Ribeiro Dias - O que a gente está vendo com esse movimento Black Block é que ele pode ser algo passageiro, exatamente porque se estrutura de forma anti-política, do que ter surgido para constituir uma nova forma duradoura de fazer política. Na medida em que se coloca contra as instituições estabelecidas, ele é uma forma que não interage com o sistema, mas age por fora do sistema. Então, eu acho que é muito mais momentâneo e pontual. Da mesma forma que se constituiu de forma espontânea, pode se desestruturar com uma certa facilidade desde que outras coisas se coloquem em seu lugar, porque não existe uma ideologia claramente definida e colocada. Por outro lado, as últimas manifestações, vistas em sua plenitude, trazem uma contribuição fantástica para a política estabelecida, que é parar e olhar que existe uma insatisfação latente na sociedade da qual esses manifestantes são porta-vozes. Se eles conseguirem uma resposta das instituições políticas estabelecidas em relação a essas demandas que estão latentes na sociedade, nós já teremos um ganho político enorme.
Humberto Dantas - Eu não sei se o formato antigo está com a validade vencida, mas o fato é que emergiu um jeito novo. E esse jeito novo é mais horizontal, ou seja, não tem um caminhão onde alguém que tenha o microfone manda na pauta, e também mais pulverizado do ponto de vista das vontades, demandas, expectativas e desejos que conseguem concentrar. Não são mais milhões de pessoas que vão às ruas para pedir eleições diretas para presidente e ponto ou o impeachment do Collor e ponto. São pessoas que se encontram em grandes movimentos e grandes manifestações com expectativas e motivações diversas. Essa diversidade é significativamente democrática e expressiva, mas também carrega pontos que se distanciam da curva comum da manifestação pacífica. Aí a gente percebe manifestantes às vezes exagerando, abusando, ultrapassando limites legais e colocando em risco não só a legitimidade de alguns movimentos, como também o caráter legal do que deveria acontecer. A gente também percebe um absoluto despreparo dos organismos públicos para lidarem com isso. Quando as duas partes não se entendem, a gente percebe um limite à intolerância que é perigoso.
Leonardo Barreto - Depende. Os “coxinhas”, por assim dizer, protestaram de forma mais parecida com a tradicional, exceto pela intolerância também demonstrada contra a presença de partidos políticos e de algumas organizações da mídia. Mas, concordo que deverá ficar mais difícil encontrar lideranças porque a horizontalidade é a grande marca dos movimentos na era das redes sociais. As organizações intermediárias, que eram essenciais para mobilizar pessoas no passado, perderam boa parte do seu sentido e as pessoas não querem delegar seu direito de voz para mais ninguém. Nesse sentido, é bom esperarmos por uma reorganização do espaço e das formas de protestos. Parece realmente tudo novo a partir daqui.
Respondendo às mesmas perguntas, os professores e cientistas políticos Marcia Ribeiro Dias, do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), Humberto Dantas, da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fesp) e Leonardo Barreto, da Universidade de Brasília (UnB), concordam que a forma de luta personificada pelos Black Blocks é radical e tem como alvo prioritário a destruição do sistema político, econômico e social vigente, se distanciando das formas de luta tradicionalmente utilizadas pelos movimentos sociais e partidos políticos no Brasil. Segundo os especialistas, o movimento, no entanto, carece de organização, é muito fragmentado e vulnerável a possíveis pressões de partidos políticos, extremistas ou não.
Leia a seguir a íntegra das entrevistas.
Os métodos utilizados pelos Black Blocks, que ganharam escala durante as manifestações antiglobalização na Europa e desde o ano passado chegaram ao Brasil, são uma forma de fazer política que veio para ficar? Ela pode ser considerada uma forma “moderna” de luta pelo poder político?
Humberto Dantas - Que é uma forma de fazer política, eu concordo. O que precisamos discutir é se essa é uma boa forma de fazer política. É moderna, talvez, no método de organizar, de marcar, de combinar seus encontros e de atuar em pequenos grupos tecnicamente treinados para se movimentar no meio de multidões e criar situações, em alguns casos, bastante radicais. Mas, eu não consigo enxergar isso como uma novidade expressiva, talvez ela possa ser a variação de alguma coisa que existe há muito tempo. São abusos em manifestações que por vezes transcendem os aspectos mais democráticos. Mas, sem dúvida nenhuma, é um jeito de fazer política. Não acho que seja moderno, são variações sobre o mesmo tema.
Leonardo Barreto - Difícil dizer. O que temos visto é uma onda de novas leis anti-Black Blocks, como a proibição de manifestações usando máscaras, por exemplo, que visa a enfraquecer o movimento. Além disso, aparentemente, a estratégia perdeu apoio popular. Particularmente, acredito que, na sua essência, os Black Blocks são movimentos de negação política, e tenho minhas dúvidas se eles podem se transformar em uma plataforma reformista. Por isso, tenho a impressão de que a sua presença na cena política acontecerá na forma de sombra, de um fantasma ou de uma ameaça desestabilizadora que poderá ocasionalmente voltar às ruas com os seus resultados imprevisíveis.
Márcia Ribeiro Dias - É um modo de fazer política que não deixa de ser um ativismo. Então, nesse sentido, é interessante porque é diferente daquilo que a gente conhece dos modos tradicionais de fazer política. Uma de suas características é que vem acompanhado de um certo grau de violência, de agressividade contra as instituições sociais, políticas e econômicas estabelecidas. É um movimento muito disforme, que se assume sem lideranças claramente definidas e tem, inclusive, anti-lideranças. O poder tradicional conta com lideranças, com instituições tradicionais como os partidos políticos. Esse movimento se assume como anti-político no sentido mais tradicional do termo, então é muito complicado tratar os Black Blocks como um movimento político. Sua principal característica é exatamente a anti-política, é um modo de fazer política contrário não só ao modo tradicional de fazer política, mas também contrário às instituições estabelecidas. Está muito mais próximo de um movimento anarquista.
Mas, ele tem também algumas características revolucionárias, pois não está propondo uma mudança do sistema de dentro para fora, mas de fora para dentro no sentido de uma ruptura. Mas, é um movimento pequeno. Nas grandes manifestações, os Black Blocks são uma amostra muito pequena da realidade. A grande maioria dos manifestantes não tem a mesma pré-disposição para ações violentas. Na medida em que eles se ocultam, tentam ocultar a face, facilitam ações ilegais como quebrar o patrimônio público ou privado. Estão contra a lei, isso os coloca em situação de fragilidade, por isso se ocultam. Mas, todos esses movimentos, mesmo os internacionais como o Occupy, por exemplo, contam com milhares de pessoas que não têm aquela mesma disposição. Os Black Blocks são um segmento deste movimento, que é muito importante, e se coloca de forma contrária às instituições políticas tradicionais e estabelecidas. Os Black Blocks são a ponta radical deste movimento.
Qual o papel dos partidos políticos (sobretudo os de extrema esquerda ou extrema direita) na consolidação dessa nova forma de fazer política?
Leonardo Barreto - Considerando os Black Blocks como movimentos com grande potencial de desestabilização, a tendência é que eles sejam “convocados” para criarem estados de comoção. O problema é que, a despeito do suposto envolvimento do PSOL com eles, a falta de organização e de lideranças reconhecidas dificulta a interação com os partidos formais. Ainda imagino os Black Blocks autênticos mais como fenômenos de combustão espontânea do que de estratégias orquestradas.
Márcia Ribeiro Dias - Eu acho difícil que cumpram algum papel, porque o movimento é anti-partidário e rejeita as instituições partidárias. Eu não atribuiria seus métodos a uma ação de extrema-esquerda ou extrema-direita, porque nossos partidos de extrema-esquerda ou extrema-direita não são anti-sistema, mas os Black Blocks são. Mas, em tese, pode, sim, ter partido político envolvido nas ações dos Black Blocks. Essas descobertas recentes sobre aquele episódio infeliz que acabou resultando na morte de um jornalista acabaram revelando que tem gente fomentando esse tipo de ação, ou seja, que nem todos os Black Blocks estão atuando por ideologia ou por uma causa. Estão atuando por dinheiro, e aí eu acredito que pode ser qualquer partido político por trás disso, não precisam ser partidos extremos, porque o objetivo pode ser desestabilizar os governos nesse ano eleitoral. Se tem algum partido político que se aproveita dessa situação para comprar manifestantes para deliberadamente complicar as manifestações, é muito mais no sentido de desestabilizar governos ou desestabilizar o próprio movimento, pois, uma vez que essas manifestações se tornam uma coisa mal vista pela opinião pública, um certo número de pessoas vai começar a desistir desse tipo de participação.
Eu acho que deve se considerar essa possibilidade de influência tanto de um lado quanto do outro, tanto da oposição quanto dos partidos que estão instituídos nos diversos níveis de governo. Mas, não acho que sejam os partidos de extrema-esquerda ou extrema-direita, porque no Brasil esses não são partidos tradicionalmente anti-sistema. O que a gente classificaria como extrema-esquerda no Brasil? Eu não incluiria o PSOL, que é um partido de esquerda bastante conformado com o sistema político que está aí. Incluiríamos o PCO? Mas, esse é um partido muito pequeno, praticamente não existe. Eles não teriam dinheiro para pagar manifestante. Quem tem dinheiro para pagar manifestante são os grandes partidos. A extrema-direita no Brasil não existe, pelo menos de forma declarada. O único partido de extrema-direita que a gente conheceu recentemente foi o PRONA, mas esse desapareceu junto com o seu líder. Tirando isso, a extrema-direita não se assume no Brasil. Ela pode existir, pode estar por trás do movimento Black Block, mas não de forma político-partidária.
Humberto Dantas - O interessante nesse caso é dividir a atuação dos partidos em dois grandes momentos. Há quem diga que os partidos nesse instante, e já há alguns meses, trabalham nos bastidores junto a esses manifestantes, mas não aparecem de forma expressiva. A gente precisa tomar cuidado com essas acusações e apontamentos, mas precisamos investir sobre eles para verificar em que medida estão corretos ou não. Por mais livre que o partido seja legalmente para fazer uso do recurso público que recebe, ele não pode ter grupos paramilitares montados. Isso é claro na lei dos partidos políticos e está, inclusive, na Constituição. Partido político não pode ter qualquer relação com grupo uniformizado que gere conflitos dentro da sociedade. Isso é a antítese do conceito de partido político legalmente instituído no Brasil. A gente precisa compreender em que medida os partidos têm agido dessa forma e, se estiverem agindo, obviamente serão punidos em virtude das lei que regem essas organizações.
Os partidos políticos sofrem no Brasil uma crise de legitimidade significativa diante do cidadão comum. As pesquisas de confiança nas instituições mostram os partidos políticos em situação expressivamente delicada em relação à visão pública. Então, esses partidos não conseguem encontrar espaço nessas manifestações porque elas não nasceram no seio desses partidos políticos. Eles pensaram ou objetivaram que seriam bem aceitos nessas manifestações, o problema é que devido ao desgaste frente à opinião pública eles não foram bem aceitos, independentemente da bandeira. Temos um problema de crise de legitimidade dos partidos políticos diante dos cidadãos comuns. Isso é muito ruim para uma democracia que se pauta de maneira muito forte nos partidos políticos enquanto organizações que legalmente deveriam de forma legítima representar interesses diferentes dentro da sociedade.
A velha forma de fazer política – com as tradicionais manifestações de rua e suas bandeiras de luta e lideranças bem definidas – está definitivamente condenada pelo surgimento de formas de luta como as utilizadas pelos Black Blocks?
Márcia Ribeiro Dias - O que a gente está vendo com esse movimento Black Block é que ele pode ser algo passageiro, exatamente porque se estrutura de forma anti-política, do que ter surgido para constituir uma nova forma duradoura de fazer política. Na medida em que se coloca contra as instituições estabelecidas, ele é uma forma que não interage com o sistema, mas age por fora do sistema. Então, eu acho que é muito mais momentâneo e pontual. Da mesma forma que se constituiu de forma espontânea, pode se desestruturar com uma certa facilidade desde que outras coisas se coloquem em seu lugar, porque não existe uma ideologia claramente definida e colocada. Por outro lado, as últimas manifestações, vistas em sua plenitude, trazem uma contribuição fantástica para a política estabelecida, que é parar e olhar que existe uma insatisfação latente na sociedade da qual esses manifestantes são porta-vozes. Se eles conseguirem uma resposta das instituições políticas estabelecidas em relação a essas demandas que estão latentes na sociedade, nós já teremos um ganho político enorme.
Humberto Dantas - Eu não sei se o formato antigo está com a validade vencida, mas o fato é que emergiu um jeito novo. E esse jeito novo é mais horizontal, ou seja, não tem um caminhão onde alguém que tenha o microfone manda na pauta, e também mais pulverizado do ponto de vista das vontades, demandas, expectativas e desejos que conseguem concentrar. Não são mais milhões de pessoas que vão às ruas para pedir eleições diretas para presidente e ponto ou o impeachment do Collor e ponto. São pessoas que se encontram em grandes movimentos e grandes manifestações com expectativas e motivações diversas. Essa diversidade é significativamente democrática e expressiva, mas também carrega pontos que se distanciam da curva comum da manifestação pacífica. Aí a gente percebe manifestantes às vezes exagerando, abusando, ultrapassando limites legais e colocando em risco não só a legitimidade de alguns movimentos, como também o caráter legal do que deveria acontecer. A gente também percebe um absoluto despreparo dos organismos públicos para lidarem com isso. Quando as duas partes não se entendem, a gente percebe um limite à intolerância que é perigoso.
Leonardo Barreto - Depende. Os “coxinhas”, por assim dizer, protestaram de forma mais parecida com a tradicional, exceto pela intolerância também demonstrada contra a presença de partidos políticos e de algumas organizações da mídia. Mas, concordo que deverá ficar mais difícil encontrar lideranças porque a horizontalidade é a grande marca dos movimentos na era das redes sociais. As organizações intermediárias, que eram essenciais para mobilizar pessoas no passado, perderam boa parte do seu sentido e as pessoas não querem delegar seu direito de voz para mais ninguém. Nesse sentido, é bom esperarmos por uma reorganização do espaço e das formas de protestos. Parece realmente tudo novo a partir daqui.
Fonte: http://www.cartamaior.com.br/
sexta-feira, 28 de março de 2014
I Encontro de Pedagogia Libertária do Laboratório de Educação Anarquista (LEA), em São Paulo – por ANA
I Encontro de Pedagogia Libertária do Laboratório de Educação Anarquista (LEA), em São Paulo
Comunicado:
A
Biblioteca Terra Livre tem o prazer de anunciar a criação do Laboratório de
Educação Anarquista (LEA), como um produto direto da experiência acumulada
durante os 3 anos de existência do Grupo de Estudos Anarquismo e Educação.
Desde
novembro de 2010, diversas pessoas, interessadas no tema da pedagogia
libertária, vinham estudando e debatendo sobre as teorias e experiências
anarquistas, encontrando-se quinzenalmente na sede da Biblioteca¹.
Após esse
longo período de leituras os participantes realizaram uma profunda avaliação
sobre os acúmulos, as lacunas e as necessidades do Grupo de Estudos e chegaram
à conclusão de que era o momento de reestruturá-lo, visando atender os
interesses de todos e de cada um que dele participam.
Todos os
apaixonados pela educação e pela liberdade desejam colocar em prática as
teorias libertárias e experimentar metodologias novas que busquem criar espaços
de ensino anti-autoritários. Por isso, a partir de março de 2014, o Grupo de
Estudos Anarquismo e Educação dará lugar ao Laboratório de Educação Anarquista.
O objetivo
do LEA é propor atividades pedagógicas para crianças baseadas nos princípios
anarquistas. Para isso, será necessário a produção e escrita de materiais
didáticos e de apoio às práticas educativas, tais como jogos, exercícios,
trabalhos manuais, músicas, histórias, teatro, etc., sempre contendo,
expressando e realizando os pressupostos da educação libertária construídos e
praticados teórica e historicamente por nomes como Proudhon, Bakunin,
Kropotkin, Reclus, Tolstoi, Robin, Ferrer, Faure, Jacquinet, Laisant,
Pelloutier, Louise Michel, entre outros nomes do anarquismo internacional. No
Brasil, reivindicamos as propostas das Escolas Modernas e Racionalistas do
início do século XX e o pensamento de educadores como Adelino de Pinho, Maria
Lacerda de Moura, José Oiticica, João Penteado, Jaime Cubero e muitos outros.
Assim, o
LEA manterá, ao mesmo tempo, encontros dedicados aos estudos teóricos, à
compilação e análise de materiais pedagógicos anti-autoritários e à experimentação
prática de novas formas de sociabilidade, ensino e aprendizagem. Alguns
momentos serão abertos ao público geral interessado no tema, em especial
aqueles referentes à reflexão anarquista sobre educação e à vivência de jogos e
práticas pedagógicas, visando o compartilhamento de visões e a compilação de
impressões e sugestões para o aprimoramento dos trabalhos do Laboratório.
Nesse
sentido, o LEA anuncia sua primeira atividade e sua fundação:
I Encontro
de Pedagogia Libertária do Laboratório de Educação Anarquista (LEA)
Tema:
Anarquismo e Educação: do estudo à prática
Os membros
do Grupo de Estudos Anarquismo e Educação da Biblioteca Terra Livre
apresentarão sua trajetória e algumas das reflexões realizadas nos encontros ao
longo de seus 3 anos de existência, trazendo para os presentes uma visão
panorâmica sobre as teorias e práticas de educação anarquista de fins do século
XIX até meados da década de 1920 no Brasil e no mundo.
O
Laboratório de Educação Anarquista aproveitará para anunciar sua fundação e
seus objetivos.
Domingo, 06
de Abril de 2014, 15 horas
Centro de
Cultura Social
Rua General
Jardim, 253 – Sala 22 – República – São Paulo
Entrada
gratuita
[1] O
histórico dessa experiência encontra-se em https://bibliotecaterralivre.noblogs.org/grupos-de-estudos/anarquismo-e-educacao/
agência de
notícias anarquistas-ana
olhar vadio
sem a pressa das horas
pousa na rosa
sem a pressa das horas
pousa na rosa
Sandra
Santos
País atrasado: Brasil nega proposta para proibir testes em animais – por ANDA
País atrasado: Brasil nega proposta para proibir testes em animais
Em reunião
em Brasília, na última quinta-feira (20), o Conselho Nacional de Controle de
Experimentação Animal (Concea), que pertence ao Ministério da Ciência,
Tecnologia e Inovação (MCT), negou proposta apresentada pela ONG Humane Society
International (HSI) para acabar, de uma vez por todas, com os testes de
cosméticos em animais.
De acordo
com a organização, esse tipo de procedimento em bichos é antiético, uma vez que
causa dor aos animais em nome do consumo de produtos dispensáveis, e pode ser
substituído por outras técnicas, que já são adotadas por empresas da indústria
da beleza que se desassociaram desse tipo de prática.
No entanto,
apesar do parecer técnico que provava a viabilidade da proibição e de petição
com dezenas de milhares de assinaturas, o Concea não aprovou a proposta, cuja
votação havia sido prometida para outubro.
O Conselho
preferiu propor novo regulamento geral que obriga os laboratórios a utilizar
alternativas para testes em animais, cinco anos depois de serem validadas pelo
governo. Segundo a HSI, a medida é um retrocesso, uma vez que essa regra já
existe no Brasil desde 1998, com uma diferença: antes da nova decisão do
Concea, ela deveria ser cumprida pelos laboratórios imediatamente após a
validação do método alternativo, e não no prazo de cinco anos.
“Dois
terços dos brasileiros apoiam a proibição dos testes e 170 membros do Congresso
Federal também defendem a ideia. É uma vergonha que os reguladores brasileiros
não consigam respeitar a opinião da população e de seus representantes, que
manifestaram de forma consistente sua forte oposição aos testes em animais para
a indústria da beleza”, diz Helder Constantino, porta-voz brasileiro da
campanha Liberte-se da Crueldade, da HSI. Agora, a organização pede apoio ao
ministro da Ciência e Tecnologia, Clélio Campolina Diniz, para intervir na
decisão do Concea.
Enquanto o
governo não bane a prática, as atitudes dos consumidores têm grande peso.
Assista, abaixo, à animação em português que a HSI fez para conscientizar as
pessoas a respeito das crueldades que podem estar por trás dos produtos de
beleza que são levados para casa. A instituição têm campanhas parecidas em
outros países, como Austrália, China, Coreia do Sul, Nova Zelândia e Rússia.
Fonte: http://www.anda.jor.br/
segunda-feira, 24 de março de 2014
sexta-feira, 21 de março de 2014
Ucrânia: como o blefe do Ocidente fracassou - Por Pepe Escobar
Ucrânia: como o blefe do Ocidente fracassou
Sob
influência dos “falcões” neoconservadores, Obama lançou-se a nova aventura
arrogante. Nem toda histeria da mídia ocultará sua derrota
Vamos aos
fatos, rápido e rasteiro:
1. O jogada
“estratégica” do governo Obama para subcontratar, junto ao “Khaganato de
Nulands1” do Departamento de Estado, e
exclusão da Ucrânia da esfera de influência Russa e sua anexação subsequente à
NATO está arruinada. Ela baseava-se em instrumentalizar uma coalizão de
neonazistas e fascistas, pintada com verniz de banqueiro (o primeiro ministro
Arseniy Yatsenyuk).
2. O
contra-ataque de Moscou consistiu em evitar, na Crimeia, um repetição
programada do putsch de Kiev. O referendo na Crimeia (85% de comparecimento, em
torno de 93% dos eleitores a favor da reincorporação à Rússia) é fato
consumado, ainda que a “tão democrática…” União Europeia continue ameaçando
punir o povo por exercitar seus direitos democráticos.
3. A
principal razão para todo o movimento “estratégico” dos EUA – levar seus
aliados, os putschistas de Kiev, a cancelar o acordo que permite a presença de
uma base naval russa em Sebastopol – virou fumaça. Moscou continua presente no
Mar Negro, com pleno acesso ao Mediterrâneo Oriental.
O resto é
blablablá.
Nos últimos
dias, o Departamento de Estado dos EUA praticamente concordou com uma Ucrânia
federativa e, em termos práticos, finlandizada2. Por sinal, é a solução proposta
pelo ministro das Relações Exteriores russo, Sergey Lavrov desde o início, com
atesta um documento
russo. O secretário de Estado dos EUA, John Kerry vai tentar roubar todo o
crédito dos russos, assim como fez na crise síria. A mídia corporativa
norte-americana comprará a versão docilmente, mas não publicações
independentes, como Moon of Alabama3.
Esta
solução inteligente implica, entre outros pontos cruciais: forte autonomia para
as regiões, na Ucrânia; a reintrodução do russo como língua oficial, ao lado do
ucraniano; e, principalmente, neutralidade política e militar do país – ou
seja, a “finlandização”. Construir o entendimento será a missão de um grupo de
apoio – igualmente proposto por Moscou desde o início – em que estarão
presentes Estados Unidos, União Europeia e Rússia..
E tudo será
santificado por uma resolução do Conselho de Segurança da ONU (ressalve-se que
tudo pode dar errado, espetaculosamente, caso o “Ocidente” continue em posição
de sabotagem). E tudo isso, também, sem que Moscou obrigue-se a reconhecer os putschistas
de Kiev. Trocando tudo em miúdos: diante do blefe de Washington, Moscou pagou
para ver – e ganhou.
Portanto,
após toda a interminável série de ameaças, que envolveu desde Obama, Kerry e os
falcões neoconservadores até parceiros menores, como o primeiro-ministro
britânico David Cameron, seu chanceler William Hague e o premiê francês Franços
Hollande, o essencial é: o governo Obama concluiu que não valia a pena arriscar
um conflito nuclear com a Rússia pelo Khaganto de Nulands. Especialmente depois
que Moscou fez saber, discretamente, que poderá criar condições para que o
Leste e o Sul da Ucrânia também se separem da Ucrânia.
A Suécia,
por exemplo, propôs um embargo à venda de armas para Moscou. Paris voltou os
olhos rapidamente para os interesses de seu complexo industrial-militar e disse
não. Só os decerebrados cultivam a noção de que Paris e Berlim desejarão
arriscar suas relações comerciais com a Rússia. Ou pensarão que Beijing
aderiria a sanções contra a Rússia – sua companheira no G-20, no BRICS e na
Organização de Cooperação de Shangai – apenas porque Washington, vista na China
como cada vez mais irracional, recomentou o gesto.
Ainda
assim, a histeria ocidental prosseguirá invicta. Nos Estados Unidos, onde
importa, a pergunta posterior será, inevitavelmente, “quem perdeu a Síria?” e
“quem perdeu a Ucrânia?”
Eis o
placar: George Bush lançou-se em duas guerras – e perdeu miseravelmente ambas.
Obama tentou lançar duas guerras (Síria e Ucrânia). Por sua própria sorte,
perdeu ambas ainda na fase de “tentativa”. Os neoconservadores e toda a brigada
de excepcionalistas4 estão previsivelmente lívidos.
Aguarde: a página de editoriais do Wall Street Journal vai tornar-se
“balística”. E a embaixadora dos EUA na ONU, Samantha Power desejará ser Sinead
O’Conner, cantando Nothing
Compares to You.
Os putschistas
de Kiev já estão anunciando suas intenções. O capo do grupo neonazista Right
Sector, Dmytro Yarosh afirma: “A
Rússia ganha dinheiro enviando petróleo para o Ocidente por meio de nossos
oleodutos. Destruiremos estes oleodutos para privar nosso inimigo de sua fonte
de renda”.
É a
estratégia brilhante de um playboy do Khaganato de Nulands. As famílias e toda
a base fabril da Ucrânia ficariam sem gás (vendido barato, com desconto), para
não falar das grandes indústrias alemãs, para que os neonazistas cantem
“vitória”. Com amigos como estes…
Os
executivos da Gazprom não estão exatamente franzindo as sobrancelhas. Cerca de
metade do gás que a Rússia envia à Europa já não passa pela Ucrânia, e em 2015,
quando o gasoduto South
Stream ficar pronto, este percentual crescerá (as “sanções” da União
Europeia contra o South Stream são pura retórica).
Os putschistas
vão tentar armar confusão também em outros fronts. O novo parlamento ucraniano
decidiu constituir uma Guarda Nacional de 60 mil membros, coalhada de
“ativistas”. Adivinhe quem a dirigirá: o novo chefe de segurança, Andriy
Parubiy, um dos fundadores do Partido Nacional-Social, neonazista. Seu vice não
é outro senão Yarosh, líder dos paramilitares do Right Sector. Que fiquem à
vontade para criar suas próprias metáforas hitlerianas, mesmo que cresça o
risco de a Ucrânia quebrar. Não é necessariamente má ideia. Vamos deixar que a
“democrática” União Europeia pague as contas de gás de Kiev…
1Referência à presença crescente da
extrema-direita norte-americana (os “neoconservadores”) no Departamento de
Estado, no governo Obama. “Nulands” é Victoria Nuland, a
subsecretária de Estado para assuntos da Eurásia. Radicalmente anti-Rússia,
ficou conhecida há semanas, quando vazou um telefonema que manteve com o
embaixador dos EUA na Ucrânia. Recomendava-lhe ampliar a disputa com Moscou,
ignorando a postura, mais conciliadora, da União Europeia. “Foda-se a UE”, disse
então. “Khaganato” refere-se a Robert Kagan, seu marido,
um dos principais expoentes dos neoconservadores, defensor de que os EUA
imponham, por meios militares, sua hegemonia global. [Nota do Tradutor]
2“Finlandizar” a Ucrânia significa
assegurar que ela assuma neutralidade entre Estados Unidos e Rússia. O termo
origina-se do papel semelhantes que a Finlândia cumpriu, durante a Guerra Fria,
como “tampão” entre Estados Unidos e União Soviética. A “finlandização” tem
sido defendida mesmo por analistas norte-americanos conservadores, como Henry
Kyssinger e Zbigney Brezinsky [Nota do Tradutor]. A notícia das negociações de
bastidores em curso, entre EUA e Rússia, para “finlandizar” a Ucrânia pode ser
lida em Lavrov,
Kerry agree to work on constitutional reform in Ukraine: Russian ministry,
Reuters, March 16, 2014.
4Corrente de pensamento na política
segundo a qual os EUA são uma nação “excepcional”, imprescindível, por seu
poder e suposta sabedoria, à segurança do mundo. [Nota do Tradutor]
Fonte: http://outraspalavras.net
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