segunda-feira, 31 de março de 2014

Para cientistas políticos, movimento Black Block é negação da política – por Maurício Thuswohl


Para cientistas políticos, movimento Black Block é negação da política
Carta Maior ouviu três especialistas que atuam em universidades em três das cidades brasileiras mais impactadas peça ação desses grupos. 

Rio de Janeiro – A expectativa em relação à ocorrência de novas manifestações de massa no Brasil neste ano eleitoral e de Copa do Mundo é grande, sobretudo no que diz respeito à ação violenta de grupos radicais. Tornado célebre, o movimento Black Block é o que leva maior apreensão às autoridades, graças à imprevisibilidade de seus integrantes mascarados e de seu método de luta baseado na depredação do patrimônio, seja público ou privado. Compreender melhor o que é e o que significa este movimento é uma tarefa a qual se dedicam diversos cientistas políticos. Para indagar se a forma de luta personificada pelos Black Blocks pode ser considerada moderna e se chegou ao Brasil para ficar, a Carta Maior ouviu três especialistas que atuam em universidades em três das cidades brasileiras – São Paulo, Brasília e Rio de Janeiro – mais impactadas pelas ações dos grupos radicais, e pela reação da polícia, durante as manifestações ocorridas desde junho do ano passado.

Respondendo às mesmas perguntas, os professores e cientistas políticos Marcia Ribeiro Dias, do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), Humberto Dantas, da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fesp) e Leonardo Barreto, da Universidade de Brasília (UnB), concordam que a forma de luta personificada pelos Black Blocks é radical e tem como alvo prioritário a destruição do sistema político, econômico e social vigente, se distanciando das formas de luta tradicionalmente utilizadas pelos movimentos sociais e partidos políticos no Brasil. Segundo os especialistas, o movimento, no entanto, carece de organização, é muito fragmentado e vulnerável a possíveis pressões de partidos políticos, extremistas ou não.

Leia a seguir a íntegra das entrevistas.

Os métodos utilizados pelos Black Blocks, que ganharam escala durante as manifestações antiglobalização na Europa e desde o ano passado chegaram ao Brasil, são uma forma de fazer política que veio para ficar? Ela pode ser considerada uma forma “moderna” de luta pelo poder político?

Humberto Dantas - Que é uma forma de fazer política, eu concordo. O que precisamos discutir é se essa é uma boa forma de fazer política. É moderna, talvez, no método de organizar, de marcar, de combinar seus encontros e de atuar em pequenos grupos tecnicamente treinados para se movimentar no meio de multidões e criar situações, em alguns casos, bastante radicais. Mas, eu não consigo enxergar isso como uma novidade expressiva, talvez ela possa ser a variação de alguma coisa que existe há muito tempo. São abusos em manifestações que por vezes transcendem os aspectos mais democráticos. Mas, sem dúvida nenhuma, é um jeito de fazer política. Não acho que seja moderno, são variações sobre o mesmo tema.

Leonardo Barreto - Difícil dizer. O que temos visto é uma onda de novas leis anti-Black Blocks, como a proibição de manifestações usando máscaras, por exemplo, que visa a enfraquecer o movimento. Além disso, aparentemente, a estratégia perdeu apoio popular. Particularmente, acredito que, na sua essência, os Black Blocks são movimentos de negação política, e tenho minhas dúvidas se eles podem se transformar em uma plataforma reformista. Por isso, tenho a impressão de que a sua presença na cena política acontecerá na forma de sombra, de um fantasma ou de uma ameaça desestabilizadora que poderá ocasionalmente voltar às ruas com os seus resultados imprevisíveis.

Márcia Ribeiro Dias - É um modo de fazer política que não deixa de ser um ativismo. Então, nesse sentido, é interessante porque é diferente daquilo que a gente conhece dos modos tradicionais de fazer política. Uma de suas características é que vem acompanhado de um certo grau de violência, de agressividade contra as instituições sociais, políticas e econômicas estabelecidas. É um movimento muito disforme, que se assume sem lideranças claramente definidas e tem, inclusive, anti-lideranças. O poder tradicional conta com lideranças, com instituições tradicionais como os partidos políticos. Esse movimento se assume como anti-político no sentido mais tradicional do termo, então é muito complicado tratar os Black Blocks como um movimento político. Sua principal característica é exatamente a anti-política, é um modo de fazer política contrário não só ao modo tradicional de fazer política, mas também contrário às instituições estabelecidas. Está muito mais próximo de um movimento anarquista.

Mas, ele tem também algumas características revolucionárias, pois não está propondo uma mudança do sistema de dentro para fora, mas de fora para dentro no sentido de uma ruptura. Mas, é um movimento pequeno. Nas grandes manifestações, os Black Blocks são uma amostra muito pequena da realidade. A grande maioria dos manifestantes não tem a mesma pré-disposição para ações violentas. Na medida em que eles se ocultam, tentam ocultar a face, facilitam ações ilegais como quebrar o patrimônio público ou privado. Estão contra a lei, isso os coloca em situação de fragilidade, por isso se ocultam. Mas, todos esses movimentos, mesmo os internacionais como o Occupy, por exemplo, contam com milhares de pessoas que não têm aquela mesma disposição. Os Black Blocks são um segmento deste movimento, que é muito importante, e se coloca de forma contrária às instituições políticas tradicionais e estabelecidas. Os Black Blocks são a ponta radical deste movimento.

Qual o papel dos partidos políticos (sobretudo os de extrema esquerda ou extrema direita) na consolidação dessa nova forma de fazer política?


Leonardo Barreto - Considerando os Black Blocks como movimentos com grande potencial de desestabilização, a tendência é que eles sejam “convocados” para criarem estados de comoção. O problema é que, a despeito do suposto envolvimento do PSOL com eles, a falta de organização e de lideranças reconhecidas dificulta a interação com os partidos formais. Ainda imagino os Black Blocks autênticos mais como fenômenos de combustão espontânea do que de estratégias orquestradas.

Márcia Ribeiro Dias - Eu acho difícil que cumpram algum papel, porque o movimento é anti-partidário e rejeita as instituições partidárias. Eu não atribuiria seus métodos a uma ação de extrema-esquerda ou extrema-direita, porque nossos partidos de extrema-esquerda ou extrema-direita não são anti-sistema, mas os Black Blocks são. Mas, em tese, pode, sim, ter partido político envolvido nas ações dos Black Blocks. Essas descobertas recentes sobre aquele episódio infeliz que acabou resultando na morte de um jornalista acabaram revelando que tem gente fomentando esse tipo de ação, ou seja, que nem todos os Black Blocks estão atuando por ideologia ou por uma causa. Estão atuando por dinheiro, e aí eu acredito que pode ser qualquer partido político por trás disso, não precisam ser partidos extremos, porque o objetivo pode ser desestabilizar os governos nesse ano eleitoral. Se tem algum partido político que se aproveita dessa situação para comprar manifestantes para deliberadamente complicar as manifestações, é muito mais no sentido de desestabilizar governos ou desestabilizar o próprio movimento, pois, uma vez que essas manifestações se tornam uma coisa mal vista pela opinião pública, um certo número de pessoas vai começar a desistir desse tipo de participação.

Eu acho que deve se considerar essa possibilidade de influência tanto de um lado quanto do outro, tanto da oposição quanto dos partidos que estão instituídos nos diversos níveis de governo. Mas, não acho que sejam os partidos de extrema-esquerda ou extrema-direita, porque no Brasil esses não são partidos tradicionalmente anti-sistema. O que a gente classificaria como extrema-esquerda no Brasil? Eu não incluiria o PSOL, que é um partido de esquerda bastante conformado com o sistema político que está aí. Incluiríamos o PCO? Mas, esse é um partido muito pequeno, praticamente não existe. Eles não teriam dinheiro para pagar manifestante. Quem tem dinheiro para pagar manifestante são os grandes partidos. A extrema-direita no Brasil não existe, pelo menos de forma declarada. O único partido de extrema-direita que a gente conheceu recentemente foi o PRONA, mas esse desapareceu junto com o seu líder. Tirando isso, a extrema-direita não se assume no Brasil. Ela pode existir, pode estar por trás do movimento Black Block, mas não de forma político-partidária.

Humberto Dantas - O interessante nesse caso é dividir a atuação dos partidos em dois grandes momentos. Há quem diga que os partidos nesse instante, e já há alguns meses, trabalham nos bastidores junto a esses manifestantes, mas não aparecem de forma expressiva. A gente precisa tomar cuidado com essas acusações e apontamentos, mas precisamos investir sobre eles para verificar em que medida estão corretos ou não. Por mais livre que o partido seja legalmente para fazer uso do recurso público que recebe, ele não pode ter grupos paramilitares montados. Isso é claro na lei dos partidos políticos e está, inclusive, na Constituição. Partido político não pode ter qualquer relação com grupo uniformizado que gere conflitos dentro da sociedade. Isso é a antítese do conceito de partido político legalmente instituído no Brasil. A gente precisa compreender em que medida os partidos têm agido dessa forma e, se estiverem agindo, obviamente serão punidos em virtude das lei que regem essas organizações.

Os partidos políticos sofrem no Brasil uma crise de legitimidade significativa diante do cidadão comum. As pesquisas de confiança nas instituições mostram os partidos políticos em situação expressivamente delicada em relação à visão pública. Então, esses partidos não conseguem encontrar espaço nessas manifestações porque elas não nasceram no seio desses partidos políticos. Eles pensaram ou objetivaram que seriam bem aceitos nessas manifestações, o problema é que devido ao desgaste frente à opinião pública eles não foram bem aceitos, independentemente da bandeira. Temos um problema de crise de legitimidade dos partidos políticos diante dos cidadãos comuns. Isso é muito ruim para uma democracia que se pauta de maneira muito forte nos partidos políticos enquanto organizações que legalmente deveriam de forma legítima representar interesses diferentes dentro da sociedade.

A velha forma de fazer política – com as tradicionais manifestações de rua e suas bandeiras de luta e lideranças bem definidas – está definitivamente condenada pelo surgimento de formas de luta como as utilizadas pelos Black Blocks?

Márcia Ribeiro Dias - O que a gente está vendo com esse movimento Black Block é que ele pode ser algo passageiro, exatamente porque se estrutura de forma anti-política, do que ter surgido para constituir uma nova forma duradoura de fazer política. Na medida em que se coloca contra as instituições estabelecidas, ele é uma forma que não interage com o sistema, mas age por fora do sistema. Então, eu acho que é muito mais momentâneo e pontual. Da mesma forma que se constituiu de forma espontânea, pode se desestruturar com uma certa facilidade desde que outras coisas se coloquem em seu lugar, porque não existe uma ideologia claramente definida e colocada. Por outro lado, as últimas manifestações, vistas em sua plenitude, trazem uma contribuição fantástica para a política estabelecida, que é parar e olhar que existe uma insatisfação latente na sociedade da qual esses manifestantes são porta-vozes. Se eles conseguirem uma resposta das instituições políticas estabelecidas em relação a essas demandas que estão latentes na sociedade, nós já teremos um ganho político enorme.

Humberto Dantas - Eu não sei se o formato antigo está com a validade vencida, mas o fato é que emergiu um jeito novo. E esse jeito novo é mais horizontal, ou seja, não tem um caminhão onde alguém que tenha o microfone manda na pauta, e também mais pulverizado do ponto de vista das vontades, demandas, expectativas e desejos que conseguem concentrar. Não são mais milhões de pessoas que vão às ruas para pedir eleições diretas para presidente e ponto ou o impeachment do Collor e ponto. São pessoas que se encontram em grandes movimentos e grandes manifestações com expectativas e motivações diversas. Essa diversidade é significativamente democrática e expressiva, mas também carrega pontos que se distanciam da curva comum da manifestação pacífica. Aí a gente percebe manifestantes às vezes exagerando, abusando, ultrapassando limites legais e colocando em risco não só a legitimidade de alguns movimentos, como também o caráter legal do que deveria acontecer. A gente também percebe um absoluto despreparo dos organismos públicos para lidarem com isso. Quando as duas partes não se entendem, a gente percebe um limite à intolerância que é perigoso.

Leonardo Barreto - Depende. Os “coxinhas”, por assim dizer, protestaram de forma mais parecida com a tradicional, exceto pela intolerância também demonstrada contra a presença de partidos políticos e de algumas organizações da mídia. Mas, concordo que deverá ficar mais difícil encontrar lideranças porque a horizontalidade é a grande marca dos movimentos na era das redes sociais. As organizações intermediárias, que eram essenciais para mobilizar pessoas no passado, perderam boa parte do seu sentido e as pessoas não querem delegar seu direito de voz para mais ninguém. Nesse sentido, é bom esperarmos por uma reorganização do espaço e das formas de protestos. Parece realmente tudo novo a partir daqui.

Fonte: http://www.cartamaior.com.br/

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