São Paulo, “cidade de trilhos”?
Ao
contrário do que afirma secretário dos Transportes, modelo do governo estadual
mantém desmonte da rede ferroviária — e aposta num “metrô para ricos”
Em artigo publicado na Folha de S. Paulo, o secretário de
Transportes Metropolitanos Jurandir Fernandes surpreendeu ao falar na “São
Paulo dos trilhos”. Oras, a terra da garoa tem três vezes menos trilhos que há
cem anos. Conforme Rolnik e Klintowitz:
Até a
década de 1920, o modo predominante de transporte era coletivo e sobre trilhos
– bondes e trens. Segundo Mário Lopes Leão (1945), a cidade tinha, em 1933, uma
rede de bondes com 258 km de extensão, três vezes maior do que a extensão atual
do metrô. O sistema de bondes nessa época era responsável por 84% das viagens
em modo coletivo, realizando aproximadamente 1,2 milhão de viagens/dia, em uma
cidade que tinha, então, 888 mil habitantes (Vasconcellos, 1999, p.158).
As
responsabilidades do partido de Jurandir perante este declínio são enormes.
Além da construção das autopistas “Rodoanel Mário Covas” e “Nova Marginal” pelo
governo estadual, o ex-presidente Fernando Henrique privatizou o sistema de
trilhos e deixou uma mínima malha para a empresa estadual de trens, a CPTM.
Desta forma, hoje ela é incrivelmente menor do que aquela construída pelos
barões do café, quando chegava-se de trem a Campinas, Piracicaba, Mato Grosso
e, na outra extremidade, a Santos. O sistema era incrivelmente pontual e
possuía (para poucos, é verdade) vagões de altíssimo conforto.
Para além
deste novo “dado”, o secretário traz outras novidades:
“A boa
notícia é que, nos últimos cinco anos, houve um aumento considerável da
participação do transporte sobre trilhos entre os modos de viagem da população
na região metropolitana de São Paulo. As viagens realizadas por metrô cresceram
45% e as de trem, 62%. Nos ônibus municipais de São Paulo, o aumento foi de
apenas 8%.”
Há que se
verificar em detalhes em que medida este aumento foi resultado de esforços do
governo estadual. Justifico:
O
grande boom de passageiros se deu há dez anos graças à implantação do
Bilhete Único, uma iniciativa do poder municipal. Portanto, o aumento de
passageiros pode estar relacionado (ainda que de maneira marginal) a
remodelações realizadas pela prefeitura. Não custa lembrar que o corte de
linhas frequentemente atribuído ao prefeito Fernando Haddad iniciou-se na
gestão Kassab. Como a distribuição atual das linhas privilegia o modelo
tronco-alimentador, onde ônibus vão até as periferias e seguem para um terminal
ou estação de metrô, a baldeação é forçada;
Segundo
este mesmo raciocínio, o Bilhete Único Mensal pode aumentar a quantidade de
passageiros do sistema metroferroviário, mas isso não significa que os méritos
sejam do governo estadual, uma vez que a proposta foi executada e implantada
pelo poder municipal. De fato, desta vez, o governo estadual implantou
imediatamente o Bilhete Mensal, de maneira a se colar à política e dividir os
frutos eleitorais com o PT. Mas isto só demonstra como o PSDB está a reboque de
políticas do PT e que carece de criatividade política (para dizer o mínimo).
No entanto,
o governo do estado possui mecanismos para influir no aumento da quantidade de
passageiros nos trens e metrôs, sobretudo daqueles endinheirados, do qual o
Secretário se alegra:
“A
população de menor renda passou a utilizar mais o carro para realizar suas
viagens na Grande São Paulo. Na outra, ponta, famílias com renda mais alta
estão usando mais o transporte público [...] O comportamento das classes mais
altas sugere uma tendência mundial de cada vez mais se libertar do transporte
individual para realizar as viagens de ida e de volta ao trabalho. Nos grandes
centros urbanos, os carros são incompatíveis com a qualidade de vida.”
E os
mecanismos adotados pelo estado com vistas a aumentar esse número de
passageiros ricos são muito interessantes. O principal é construir metrô apenas
nos bairros nobres. Há anos que o metrô só se expande no Quadrante Sudoeste da
cidade (Av. Paulista e, sobretudo, Av. Berrini). Que esta orientação é
elitista, Flávio Villaça já demonstrou:
“A Região
de Grande Concentração das Camadas de Mais Alta Renda da Região Metropolitana,
(situada dentro do Quadrante Sudoeste) tem o melhor sistema viário da
metrópole, não só em termos de vias expressas, semi-expressas e avenidas, mas
também em termos de túneis, viadutos, vias perimetrais, etc.. Ao produzir o
sistema de transportes sobre trilhos o poder público vem prosseguindo nesse
favorecimento da minoria mais rica em detrimento da maioria mais pobre.”
O segundo
mecanismo mais importante é construir metrô a ritmo de tartaruga. A implantação
de metrôs, já lembrou o professor Csaba Deák, pode ser um importante
instrumento para combater a especulação imobiliária, desde que feita
rapidamente e em várias direções da cidade. A estratégia utilizada pelo Governo
do Estado é a oposta da levantada pelo professor da USP. E ela pode significar
que o poder público esteja indo deliberadamente devagar com as obras para
possibilitar que o mercado imobiliário se adeque e tenha tempo para construir
nos arredores. Logo, se grandes torres de apartamentos forem construídas em
torno das novas estações, mais pessoas afluirão para o sistema. Mas esta não é
uma política adequada porque:
O estado
cria uma extrema valorização destes imóveis e, por conseguinte, o público-alvo
de tais empreendimentos é previsto, ou seja, faz parte de um projeto de
gentrificação;
a malha se
concentra onde o mercado possui interesse; e
explicaria
o lento ritmo de expansão da rede metroferroviária nas duas últimas décadas.
Isso sem
falar nas denúncias de corrupção que, se confirmadas, significariam um modelo
de “rouba, mas não faz”, numa esdrúxula comparação com outro político paulista.
Por fim, o
discurso de comemoração acerca da alta de usuários no sistema contrasta com as
reiteradas afirmações de que aquelas mesmas pessoas causaram as panes do metrô
no mês passado. Em entrevista à TV Globo, ele afirmou:
“Algumas
pessoas incitaram, com palavras de ordem, que as pessoas pulassem nas linhas.
Inclusive tocaram fogo entre a estação Sé e Parque Dom Pedro. Para que? Queriam
inviabilizar o metrô no dia seguinte.”
Além de
acusar de que houve uma orquestração dos protestos, o Secretário afirmou ainda
que “safados” causaram um incêndio e teriam desligado a energia das vias. Sobre
as duas primeiras acusações, nenhuma prova foi apresentada. Sobre o corte de
energia, ele foi realizado por funcionários do Metrô para poderem descer com
segurança aos trilhos. Isto foi comprovado por um documento da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes.
A demanda
por transportes no Brasil é altamente reprimida e milhões de pessoas andam a pé
por não terem dinheiro para pagar a tarifa. Portanto, se os ricos estão usando
mais o sistema, isto só significa que eles têm muito mais liberdade de escolha
do que os pobres. E se o sistema está mais cheio, há que se verificar as
razões. Aqui procuramos ter um início de conversa.
Fonte: http://outraspalavras.net/blog
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