quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Uma guerra impossível de ganhar - por Tariq Ali

Uma guerra impossível de ganhar
Todos sabem o que o exército paquistanês vem fazendo com diversas facções dos talibãs desde que o Afeganistão foi ocupado, há quase nove anos. Não há motivos para que ninguém se surpreenda. A causa está clara também. A guerra é impossível de ser ganha.

Por Tariq Ali

Não é nenhum segredo o que o Paquistão vem fazendo com o talibã. Todas as partes em conflito sabem o que vem ocorrendo desde que o Afeganistão foi ocupado. O que também é claro é que essa guerra é impossível de ser ganha.

As declarações de David Cameron (primeiro-ministro britânico, em visita à Índia), posteriores às investigações de WikiLeaks, sobre a ajuda dada pelo Paquistão ao inimigo em Hindu Kush, não deveriam ser levadas tão a sério. [1] O golpe cuidadosamente orquestrado na Índia estava destinado a agradar seus anfitriões e selar acordos de negócios (Cameron e Vince Cable fazem um leva-e-traz da indústria de armamento britânica). [2] A resposta oficial do Paquistão foi igualmente falsa, dado que é impossível que Islamabad ataque o tocador.

Enquanto isso, todas as partes sabem o que o exército paquistanês vem fazendo com diversas facções dos talibãs desde que o Afeganistão foi ocupado, há quase nove anos. Há três anos, um soldado paquistanês matou um agente da polícia norte-americanaem meio a essas conversações, tal como informou a imprensa paquistanesa. Uma fonte próxima ao exército paquistanês me contou o ano passado, em Islamabad, que estiveram presentes agentes da inteligência norte-americana em conversas recentes entre o SIP (Serviço de Inteligência do Paquistão) [3] e os rebeldes. Não há motivos para que ninguém se surpreenda. A causa está clara também. A guerra é impossível de ser ganha.

O Paquistão nunca chegou a abandonar totalmente os talibãs depois de 11 de setembro. Como iria deixá-los? Foi Islamabad que organizou a retirada dos talibãs de Kabul, para que os EUA e seus aliados pudessem ocupar o país sem ter que entrar em combate. Os generais paquistaneses aconselharam seus amigos afegãos a esperar o momento oportuno.

À medida que a guerra no Afeganistão piorava, cresciam os rebeldes. O caos social e a corrupção política da equipe de Hamid Karzai faziam com que a ocupação estrangeira parecesse muito pior aos olhos de muitos afegãos, incorporando uma nova geração de combatentes jovens que não haviam feito parte do regime deslocado. São estes neotalibãs os que organizaram de maneira efetiva a extensão da resistência que, tal como mostrava o diagrama de engenhos explosivos improvisados revelado por WikiLeaks, chega praticamente a qualquer parte do país.

Matthew Hoh, antigo capitão de infantaria da Marinha, que serve como oficial político no Afeganistão foi claro: "Os rebeldes pastúns, compostos de múltiplos grupos locais aparentemente infinitos, se veem nutridos pelo que percebem como uma incessante agressão contra a terra, a cultura, as tradições e a religião pastún por parte de inimigos internos e externos (...). Observei que o grosso da rebeldia luta não pela insígnia branca dos talebâs e sim contra a presença de soldados estrangeiros e os impostos estabelecidos por um governo não representativo em Kabul".

No ano de 2007, os EUA tentaram apartar uma parte dos rebeldes do mulá Omar, líder dos talibãs, oferecendo a eles postos no governo. Os líderes neotalibãs se negaram a ajudar qualquer governo enquanto houvesse tropas estrangeiras no país.

O SIP, cuja autonomia sempre foi valorizada, deixou-se controlar. Alguns delinqüentes foram descobertos quando aprovaram o ataque contra a embaixada indiana em Kabul, em 2008 e foram imediatamente disciplinados e deslocados. Hoje em dia, atacar o SIP se tornou conveniente para o Ocidente, que necessita do general Kayani e não pode, portanto, atacá-lo diretamente. Não há maneira de que o SIP ou alguma das partes do exército possa ajudar os rebeldes sem conhecimento de Kayani. E este sabe perfeitamente que para preservar os contatos, estes têm que oferecer proteção aos rebeldes que lutam contra a OTAN.

Karzai estava tão desesperado há alguns meses por cortejar os talibãs que pediu ao general Eikenberry, o conciliador embaixador norte-americano, que tire toda a direção talibã, incluindo Omar, da lista dos mais buscados. Eikenberry não se negou e sugeriu que cada caso deveria ser considerado por seus méritos. Que melhor indicação de que a guerra está perdida?

WikiLeaks parece ter revivido temporariamente Karzai. "Coisa diferente é se o Afeganistão tem capacidade para isso", contestou ao responder a uma pergunta sobre o apoio do Paquistão aos talibãs, (...) "mas nossos aliados dispõe desta capacidade. Agora a pergunta é: por que não atuam?"

Mas atuam sim, e vem fazendo isso desde que Barack Obama se tornou presidente. Os ataques com aviões não tripulados estavam destinados a sufocar o apoio aos rebeldes através da fronteira. O que conseguiram foi desestabilizar o Paquistão. No ano passado, o exército deslocou à força mais de 250 mil pessoas do distrito de Orakzai, na fronteira afegã, e os colocaram em campos de refugiados. Muitos juraram vingança. No dia 8 de junho, militantes armados com granadas e morteiros atacaram um comboio da Otan em Rawalpindi. Cinqüenta veículos da Otan foram destruídos e mais de uma dúzia de soldados morreram.

Isso não pode mais piorar. É hora de Obama abandonar todas suas pretensões utilizadas para justificar uma guerra que só pode conduzir a mais mortes, mas não a uma solução. O que faz desesperadamente falta é uma estratégia de saída.

(1) Durante visita recente à Índia, Cameron acusou elementos do Estado paquistanês de promover a exportação do terrorismo.
(2) Índia firmou um acordo com a BAE Systems no valor de 500 milhões de libras a fim de adquirir caças de aviação do tipo Hawk.
(3) O SIP é um dos serviços de inteligência das forças armadas do Paquistão, e desempenhou um papel essencial na organização dos rebeldes afegãos desde a invasão soviética em 1979...até hoje, segundo argumentam entre outros o mesmo Ali.

Publicado por Rebelion. Tradução de André Rossi.
Fonte: http://www.revistaforum.com.br

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