quinta-feira, 3 de março de 2011

Nem decalque, nem cópia: o marxismo romântico de José Carlos Mariátegui - por Michael Löwy

Nem decalque, nem cópia: o marxismo romântico de José Carlos Mariátegui - por Michael Löwy
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José Carlos Mariátegui é não somente o mais importante e inventivo dos marxistas latino-americanos, mas também um pensador cuja obra, por sua força e originalidade, tem um significado universal. Seu marxismo herético tem profundas afinidades com alguns dos grandes pensadores do marxismo ocidental: Gramsci, Lukàcs e Walter Benjamin.

Nascido em Moquegua, Peru, em 1894, Mariátegui é um jovem jornalista que começa em 1918 a se interessar pelas ideias socialistas. Mas é durante sua estada na Europa, sobretudo na Itália, entre 1919 e 1922, que ele vai estudar o marxismo e se aproximar do movimento comunista. Em 1921, ele assiste, como correspondente do jornal peruano El Tiempo, ao Congresso de Livorno do Partido Socialista italiano (PSI), onde a corrente de esquerda (Gramsci, Bordiga) romperá com o PSI para formar o Partido Comunista. Neste mesmo ano, ele se casa com a jovem italiana Anna Chiappe.

Em 1923, Mariátegui volta ao Peru e participa da Universidade Popular e da revista de esquerda Claridad, Vítima de grave enfermidade, é obrigado, no ano seguinte, a amputar a perna direita. Em 1926, aceita o convite de Victor Raúl Haya de la Torre para participar da Aliança Popular Revolucionária Americana, a APRA, concebida inicialmente como uma espécie de frente única antiimperialista. Nesse mesmo ano, lança a revista Amauta, que traduz textos de Rosa Luxemburg, Lenin, Trotski, André Breton e Maximo Gorki, além de publicar autores peruanos e latino-americanos. Em 1927, a polícia do regime ditatorial de Leguía denuncia uma suposta "conspiração comunista", e Mariátegui é preso, assim como outros intelectuais e militantes operários. Depois de sua libertação, em 1928, ele rompe com Haya de la Torre e funda o Partido Socialista do Peru, que se filia à Internacional Comunista; neste mesmo ano é publicado seu livro mais conhecido, os Sete ensaios de interpretação da realidade peruana.

Mariátegui simpatiza com a figura de Trotski, mas mantém uma postura independente diante do conflito dentro do movimento comunista entre partidários e adversários de Stalin; sua concepção da revolução socialista latino-americana não coincide com a ortodoxia do Comintern e será criticada por seus porta-vozes na América Latina, como Vittorio Codovilla. Dois de seus companheiros, Hugo Pesce e Julio Portocarrero, representam o Partido Socialista do Peru na Primeira Conferência Comunista Latino-Americana de 1929, realizada em Buenos Aires, na qual apresentam para discussão as teses de Mariátegui sobre a questão indígena. Mariátegui será eleito membro do Conselho Geral da Liga Antiimperialista (apoiada pela Terceira Internacional), mas sua saúde volta a se complicar e, em abril de 1930, ele morre, com apenas 36 anos de idade. Apesar dessa morte prematura, ele deixou uma obra ― redigida sobretudo nos últimos dez anos de sua vida ― que é não só a primeira tentativa de pensar a América Latina em termos marxistas, mas continua sendo até hoje uma referência incontornável para a teoria e a prática do socialismo neste continente.

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No coração da heresia mariateguista, da singularidade de sua interpretação do marxismo, encontra-se um núcleo irredutivelmente romântico.

Em um célebre artigo de 1941, V. M. Miroshevski, eminente especialista soviético e conselheiro do Birô Latino-Americano do Comintern, denunciava o "populismo" e o "romantismo" de Mariátegui. Para os representantes da ortodoxia (stalinista), bastava acusar Mariátegui deste pecado mortal, o romantismo, para demonstrar de forma definitiva e irrefutável que seu pensamento era estranho ao marxismo. Como exemplo deste "romantismo nacionalista", o acadêmico soviético mencionava as teses de Mariátegui sobre a importância do coletivismo agrário inca para a luta socialista moderna no Peru1.

Na verdade, o romantismo, isto é, o protesto cultural contra a civilização capitalista moderna em nome de valores ou imagens do passado pré-capitalista ― uma visão do mundo complexa e heterogênea, que se desenvolve a partir de Jean-Jacques Rousseau e chega até nossos dias ―, está presente no próprio pensamento de Marx e na obra de autores marxistas importantes. Por exemplo, em sua carta de 1881 à revolucionária russa Vera Zasulitch, Marx insistia na importância das comunidades rurais tradicionais ― a obshchina ― para o futuro do socialsimo na Rússia. Em sua opinião, a abolição revolucionária do czarismo e do capitalismo nesse país poderia permitir "o retorno (Rückkehr) da sociedade moderna ao tipo 'arcaico' de propriedade comunal", ou melhor, "a um renascimento do tipo de sociedade arcaica sob uma forma superior". Um renascimento que integraria, portanto, todas as conquistas técnicas da civilização europeia2.

A partir da morte de Marx e Engels, vão aparecer duas correntes opostas no seio do marxismo: uma evolucionista e positivista, para a qual o socialsimo é apenas o coroamento e a continuação, numa economia coletivista e planificada, dos avanços conquistados pela civilização industrial burguesa moderna (Plekhanov, Kautsky e seus discípulos na Segunda e Terceira Internacionais); e uma outra, que se poderia designar como romântica, na medida em que critica as "ilusões do progresso" e sugere uma dialética utópico-revolucionária entre o passado pré-capitalista e o futuro socialista. São exemplos dessa segunda corrente, na Inglaterra, desde William Morris até marxistas da segunda metade do século XX (E. P. Thompson, Raymond Williams), e, na Alemanha, autores como Ernst Bloch, Walter Benjamin e Herbert Marcuse.

É a esta segunda corrente que pertence José Carlos Mariátegui, de uma forma original e num contexto latino-americano muito diferente daquele da Inglaterra ou da Europa Central. Durante sua estada na Europa, Mariátegui assimilou simultaneamente o marxismo e alguns aspectos do pensamento romântico contemporâneo: Nietzsche, Bergson, Miguel de Unamuno, Sorel, o surrealismo.

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A visão de mundo romântico-revolucionária de Mariátegui, Tal como ele a formula em seu ensaio "Duas concepções da vida", opõe ao que chama de "filosofia evolucionista, historicista, racionalista", com seu "culto supersticioso do progresso", um retorno ao espírito de aventura, aos mitos heróicos, ao romantismo e ao "quixotismo" (termo que recolhe de Miguel de Unamuno). Para legitimar esta opção, Mariátegui reivindica pensadores socialistas que, como George Sorel, refutaram as ilusões do progresso. Duas correntes românticas, que rejeitam a "filosofia pobre e cômoda" do evolucionismo positivista, enfrentam-se numa luta de vida ou morte: o romantismo de direita, fascista, que quer voltar à Idade Média, e o romantismo de esquerda, comunista, que quer avançar até a utopia. Despertas pela guerra, as "energias românticas do homem ocidental" encontraram uma expressão adequada na Revolução Russa, que conseguiu dar à doutrina socialista "uma alma guerreira e mística"3.

Em outro artigo "programático" da mesma época, "O homem e o mito", Mariátegui se alegre com a crise do racionalismo e a derrocada do "medíocre edifício positivista". Diante da "alma desencantada" da civilização burguesa de que fala Ortega y Gasset, ele se identifica com a "alma encantada" (Romain Rolland) dos criadores de uma nova civilização. O mito, no sentido soreliano, é sua resposta ao desencantamento do mundo ― que caracteriza, segundo Max Weber, a civilização moderna ― à perda de sentido da vida; é o que se pode ver, por exemplo, nesta passagem surpreendente, carregada de exaltação romântica, que parece prefigurar a teologia da libertação: "A intelectualidade buirguesa entretém-se numa crítica racionalista ao método, à teoria, à técnica dos revolucionários. Quanta incompreensão! A força dos revolucionários não está na sua ciência; está na sua fé, na sua paixão, na sua vontade. É uma força religiosa, mística, espiritual. É a força do Mito. A emoção revolucionária, como escrevi num artigo sobre Gandhi, é uma emoção religiosa. Os motivos religiosos se deslocaram do céu para a terra. Não são divinos; são humanos, são sociáveis."4 Se, para Weber, a antítese do poder racional-burocrático é o carismo do líder, para Mariátegui é o romantismo que constitui o polo oposto à rotina política: "Nas épocas normais e tranquilas, a política é um assunto administrativo e burocrático. Mas, nesta época de neo-romantismo, nesta época de renascimento do Herói, do Mito e da Ação, a política cessa de ser o ofício sistemático da burocracia e da ciência."5

Este culto do Herói e do Mito (com todas as maísculas) não deixa de ter uma certa ambiguidade, confirmada pelo fato de que a passagem acima se encontra num artigo consagrado a D'Annunzio6. Mas Mariátegui ― que toma claramente distância em relação ao "d'annunzianismo" ― nunca perde a sua bússola e nunca apaga as fronteiras políticas no seio do campo magnético do romantismo.

Um dos temas essenciais do protesto romântico contra a civilização burguesa é a crítica da mecanização do mundo, que encontra em John Ruskin uma expressão poderosa, iluminada pela nostalgia do trabalho antigo. Um eco desta problemática se encontra em Mariátegui ― bem como neste outro discípulo socialista de Ruskin, Willian Morris ―, quando ele escreve nos Sete ensaios: "Devemos à escravização do ser humano pela máquina e à destruição do artesanato pelo industrialismo a deformação do trabalho nos seus fins e na sua essência. O requisitório dos reformadores, desde John Ruskin até Rabindranath Tagore, ataca duramente o capitalismo pela utilização embrutecedora da máquina. O maquinismo, e sobretudo o taylorismo, tornaram o trabalho odioso. Mas somente porque o degradaram e rebaixaram, despojando-o de sua virtude criadora."7 Enquanto Ruskin sonhava com o trabalho artesanal da época das catedrais, Mariátegui celebra a sociedade inca, na qual o trabalho, "realizado amorosamente", era a mais alta virtude.

É evidente que o romantismo não é, para Mariátegui, somente filosófico, político e social, mas também cultural e literário. Aliás, os dois aspectos são, do meu ponto de vista, inseparáveis, como, por exemplo, em sua definição de dois períodos históricos: as "épocas clássicas ou de calma" e as "épocas românticas ou de revolução"8. Mas o campo cultural romântico se encontra atravessado por um corte, por uma cisão tão radical como aquela entre os dois romantismos políticos: a que opõe o romantismo antigo ― às vezes somplesmente designado poe ele como "romantismo" ― e o novo romantismo, ou neo-romantismo.

O romantismo antigo, profundamente individualista, é produto do liberalismo do século XIX: um de seus últimos representantes em nossa época é Rainer Maria Rilke, cujo extremo subjetivismo e puro lirismo se satisfazem na contemplação. Ora, hoje assistismos "ao nascimento de um novo romantismo. Não se trata mais daquele que se nutria no seio da revolução liberal. Ele tem uma outra impulsão, um novo espírito. Por isso, é chamado de neo-romantismo".9 Este romantismo novo, pós-liberal e coletivista, está, segundo Mariátegui, intimamente ligado à revolução social.

Nos capítulos literários dos Sete ensaios, a oposição entre as duas formas de romantismo ocupa um lugar importante na crítica dos escritores e poetas peruanos. Por exemplo, a propósito de César Vallejo, Mariátegui observa: "O romantismo do século XIX foi essencialmente individualista; o romantismo do século XX, ao contrário, é espontânea e logicamente socialista". Outros poetas, como Alberto Hidalgo, ficam prisioneiros do antigo romantismo, superados pela epopeia revolucionária que "anuncia um romantismo novo, desembaraçado do individualismo daquele que se acaba".10

Entretanto, a expressão cultural mais radical do novo romantismo é, para Mariátegui, o surrealismo. Ele acompanha com simpatia e entusiasmo as iniciativas do movimento surrealista que, em sua opinião, "não é um simples fenômeno literário, mas um complexo fenômeno espiritual. Não uma moda artística, mas um protesto do espírito". O que o atrai nos escritos de André Breton e de seus amigos (cujos textos publicará em sua revista Amauta) é a condenação categórica ― "em bloco" ― que fazem da civilização racionalista-burguesa. O surrealismo é um movimento e uma doutrina neo-românticos, com vocação nitidamente subversiva: "Por causa do espírito e da ação, apresenta-se como novo romantismo. Por causa do repúdio revolucionário ao pensamento e à sociedade capitalistas, coincide historicamente com o comunismo, no plano político"11.

Ele defende os surrealistas contra seus críticos franceses racionalistas, como Emmanuel Berl: "O surrealismo, acusado por Bel de ter se refugiado num clube do desespero, numa literatura do desespero, demosntrou, na verdade, uma compreensão muito mais exata, uma noção muito mais clara da missão do Espírito"12. Enfim, comentando em um de seus últimos artigos (março de 1930) o Segundo Manifesto do Surrealismo, de Breton, ele não deixa de colocar em evidência, mais uma vez, a relação do surrealismo com o romantismo em sua versão revolucionária.: " A melhor passagem do manifesto talvez seja aquela em que ― com um sentido histórico do romantismo mil vezes mais claro do que o obtido pelos eruditos da questão romantismo-classicismo, nas suas indagações às vezes tão banais ― André Breton afirma a linhagem romântica da revolução surrealista"13.

Estas duas formas do romantismo não são, em Mariátegui, uma chave de leitura dogmática imposta ao conjunto do campo cultural: certos autores, certas correntes artísticas ou intelectuais parecem não pertencer a nenhum destes dois polos. Entre estas figuras "inclassificáveis" se encontra um pensador cuja elevação espiritual e sensibilidade crítica ele enaltece em várias ocasiões, Miguel de Unamuno, que pregava "um retorno ao quixotismo, uma volta ao romantismo" e cuja concepção agonística da vida como combate permanente continha, a seu ver, "mais espírito revolucionário que muitas toneladas de literatura socialista"14.

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Tal como muitos revolucionários europeus que buscavam romper a camisa-de-força asfixiante do positivismo pseudomarxista da Segunda Internacional, com seu economicismo, seu evolucionismo "progressista" e seu cientificismo estreito ― a começar por Lukács, Gramsci e Walter Benjamin em 1917-1920 ―, Mariátegui foi fascinado por George Sorel, o socialista romântico por excelência, cujo romantismo se manifesta até mesmo em suas ambiguidades e suas episódicas regressões ideológicas. Entretanto, ao contrário de Lukáçs, Gramsci e Benjamin, que se afastarão progressivamente do "sorelismo" inicial, Mariátegui continuará obstinadamente fiel às suas primeiras intuições.

Como o demonstrou muito claramente Robert Paris, seria inútil tentar explicar este encontro em termos de "influência": toda "influência" não seria também uma "escolha"?15 Se Mariátegui escolheu Sorel foi porque o sindicalista revolucionário francês, enquanto crítico implacável das ilusões do progresso e promotor de uma interpretação heroica e voluntarista do mito revolucionário, era-lhe necessário para combater o amesquinhamento positivista e determinista do materialismo histórico.

Na realidade, tratou-se de algo mais do que uma escolha: até certo ponto, Mariátegui "inventou" o Sorel de que precisava, criando um personagem às vezes muito distante do seu referente histórico real. É o caso, por exemplo, quando faz de Sorel um pensador que teria exercido uma influência determinante sobre a formação espiritual de Lenin16. Trata-se de uma filiação puramente imaginária, que não se baseia em nenhuma evidência, além de estar em contradição com as raras referências que o dirigente bolchevique faz a Sorel: como se sabe, Lenin considerava o autor das Reflexões sobre a violência, antes de mais nada, como um "confusionista". Menos arbitrária, mas igualmente surpreendente, é a afirmação ― que aparece em vários escritos do pensador peruano ― segundo a qual Sorel teria sido aquele que, contra a degeneração evolucionária e parlamentar do socialismo, teria promovido um retorno à concepção dinâmica e revolucionária de Marx17. Transformando Sorel no elo perdido entre Marx e Lenin, Mariátegui rompia deliberadamente com a concepção estabelecida do marxismo e de sua história18.

O que Sorel trazia ao projeto de revitalização romântica do marxismo elaborado por Mariátegui era o elemento "místico" ― um termo que ganha nos escritos do Amauta uma significação bastante próxima àquela que lhe dá Charles Péguy (um autor que Mariátegui parece ignorar) quando se refere à oposição entre "mística" e "política", que seria uma forma revolucionária e secularizada da emoção religiosa. Já no artigo de 1925 sobre "O homem e o mito", Mariátegui apresenta Sorel como o pensador que soube reconhecer o caráter "religioso, místico, metafísico" do socialismo, citando uma pasagem das Reflexões sobre a violência, na qual Sorel se refere à nalogia entre a religião e o socialismo revolucionário19.

Este tema será desenvolvido numa passagem essencial de Defesa do marxismo (1930): "Através de Sorel, o marxismo assimila os elementos e as conquistas substanciais das correntes filosóficas posteriores a Marx. Superando as bases racionalistas e positivistas do socialismo de sua época, Sorel encontra em Bergson e nos pragmatistas ideias que revigoram o pensamento socialista, restituindo-o à missão revolucionária da qual se afastara gradualmente o aburguesamento intelectual e espiritual dos partidos e dos seus parlamentares, que se satisfaziam, no campo filosófico, com o historicismo mais vulgar e o evolucionismo mais tímido. A teoria dos mitos revolucionários, que aplica ao movimento socialista a experiência dos movimentos religiosos, estabelece as bases de uma filosofia da revolução (...)"20.

É óbvio que o objetivo de Mariátegui não é o de fazer do socialsimo uma Igreja ou seita religiosa, mas sim de ressaltar a dimensão espiritual e ética do combate revolucionário: a fé ("mística"), a solidariedade, a indignação moral, o compromisso total ("heroico"), comportando o risco e o perigo para a própria vida. O socialismo, segundo Mariátegui, inscreve-se no bojo de uma tentativa de reencantamento do mundo pela ação revolucionária.

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Apesar de toda sua admiração por Sorel, este último é apenas uma referência teórica para ele. Do ponto de vista da prática pólítica, é o bolchevismo que constitui a força que traz uma "energia romântica" para a luta do proletariado21. Sorelismo e bolchevismo lhe parecem próximos por seu espírito revolucionário, por sua recusa do reformismo parlamentar e por seu voluntarismo romântico. Como exemplo da oposição entre o marxismo autêntico dos bolcheviques e o determinismo positivista da social democracia, Mariátegui escreve em Defesa do marxismo: "Atribui-se a Lenin uma frase que foi celebrada por Unamuno em sua Agonia do cristianismo: a que pronunciou certa feita, em resposta a alguém que afirmava que seu esforço entrava em contradição com a realidade: 'Tanto pior para a realidade!' O marxismo, onde se mostrou revolucionário ― isto é, onde foi marxista ― nunca obedeceu a um determinismo passivo e rígido"22.

Existe uma surpreendente analogia entre esta formulação e a que encontramos em um artigo em húngaro do jovem Lukács, publicado em 1919 (que Mariátegui certamente não conhecia): Lenin e Troski, nas negociações de Brest-Litovski, preocupavam-se muito pouco com os assim chamados "fatos". Se os "fatos" se opunham ao processo revolucionário, os bolcheviques respondiam, com Fichte: "Tanto pior para os fatos"23. Se é verdade que o bolchevismo contém uma dose considerável de voluntarismo, o Lenin "quixotesco" de Mariátegui ― ou "fichtiano" do jovem Lukács ― é, em última análise, uma criação imaginária...

É sobretudo devido a suas análises e proposições sobre o Peru que Mariátegui foi tratado, por seus críticos ideológicos, como pensador "romântico". E isso porque, por um lado, ao contrário dos ideólogos da Internacional Comunista, ele não acreditava numa "etapa democrático-nacional e antifeudal" da revolução na América latina: para ele, a revolução socialista era a única alternativa à dominação do imperialismo e do latifúndio; e porque, por outro, ele acreditava que esta solução socialista poderia ter como ponto de partida as tradições comunitárias do campesinato indigena, proposição assimilada pelo soviético Miroshevski à dos populistas russos24.

Charles Péguy, este eminente socialista "místico" e romântico, escrevia num de seus ensaios: "Uma revolução é o apelo de (...) uma tradição menos profunda a uma tradição mais profunda, um recuo da tradição, uma superação em profundidade; a busca de fontes mais profundas"25. Esta observação se aplica, palavra por palavra, ao pensamento de Mariátegui; contra o tradicionalismo conservador da oligarquia, o romantismo retrógrado das eleites e a nostalgia do período colonial, ele apela a uma tradição mais antiga e mais profunda: a das civilizações indígenas pré-colombianas. Diz ele: " O passado inca entrou na nossa história, reivindicado não pelos tradicionalistas mas pelos revolucionários. Nisto consiste a derrota do colonialismo, ainda sobrevivente, em parte, como estado social ― feudalidade, gamonalismo ―, mas derrotado para sempre como espírito. A revolução reivindicou nossa mais antiga tradição"26.

Mariátegui chamou esta tradição de "comunismo inca". A expressão se presta a controvérsias27. Lembremos, entretanto, que uma marxista tão pouco suspeita de "populismo" ou de "nacionalismo romântico", como Rosa Luxemburg, definia também o regime socio-econômico dos incas como "comunista". Em sua Introdução á crítica da economia política ― obra publicada na Alemanha em 1925 e que Mariátegui certamente desconhecia ―, ela se refere às "instituições comunistas democráticas da marca peruana" e se alegra com a "admirável resistência do povo indígena do Peru e das instituições comunistas agrárias, que se conservaram até o século XIX"28. É exatamente o que dizia Mariátegui, com a única diferença de que ele acreditava na persistência das comunidades até o século XX.

Sua análise se apóia nos trabalhos do historiador peruano César Ugarte, para o qual os pilares da economia inca eram o ayllu, conjunto de famílias vinculadas pelo parentesco, que detinha a propriedade coletiva da terra, e a marca, federação de ayllus que tinha a propriedade coletiva das águas, dos pastos e dos bosques. Mariátegui introduz uma distição entre o ayllu, criado pelas massas anônimas no curso de milênios, e o sistema unitário despótico fundado pelos imperadores incas. Insistindo na eficácia econômica desta agricultura coletivista e no bem-estar material da população, Mariátegui conclui, nos Sete ensaios: "O comunismo inca ― que não pode ser negado ou diminuído porque se desenvolveu sob o regime autocrático dos incas ― pode, portanto, ser designado como um comunismo agrário". Rejeitando a concepção linear e eurocentrista da história imposta pelos vencedores, ele sustenta que a conquista colonial destruiu e desorganizou a economia agrária inca, sem substituí-la por uma forma superior29.

Idealização romântica do passado? Talvez. Em todo caso, Mariátegui distinguia de forma categórica entre o comunismo agrário e despótico das civilizações pré-colombianas e o comunismo de nossa época, herdeiro das conquistas materiais e espirituais da modernidade. Numa longa nota de rodapé, que na verdade é um dos momentos forte dos Sete ensaios, ele faz a seguinte observação, que não perdeu nada de sua atualidade, setenta anos mais tarde: "O comunismo moderno é algo distinto do comunismo inca (...). Os dois comunismos são produto de diferentes experiência humanas. Eles pertencem a épocas históricas distintas. Foram elaborados por civilizações diferentes. A dos incas foi uma civilização agrária. A de Marx e Sorel é uma civilização industrial. (...) A autocracia e o comunismo são incompatíveis em nossa época; mas não o eram nas sociedade primitivas. Hoje, uma nova ordem não pode renunciar a nenhum dos progresos morais das sociedades modernas. O socialismo contemporâneo ― outras épocas conheceram outros tipos de socialismo, que a história designa com vários nomes ― é a antítese do liberalismo. Mas nasce em seu seio e se nutre de sua experiência. Não desdenha nenhuma de suas conquistas intelectuais. Apenas despreza e denuncia suas limitações"30.

É por esta razão que Mariátegui vai criticar todas as tentativas "românticas" ― no sentido regressivo da palavra ― de retornar ao Império Inca. Sua dialética revolucionária entre o presente, o passado e o futuro permite-lhe escapar tanto dos dogmas evolucionistas do progresso quanto das ilusões ingênuas e passadistas de um certo indigenismo.

Como a maioria dos românticos revolucionários, Mariátegui integra, em sua utopia socialista, as conquistas humanas do Iluminismo e da Revolução Francesa, bem como os aspectos mais positivos do progresso científico e técnico. Distanciando-se dos sonhos de restauração do Tahuantinsuyo (nome indígena do Império Inca), escreve no programa do Partido Socialista peruano, por ele fundado em 1928:

"O socialismo vê tanto na subsistência das comunidades quanto nas grandes empresas agrícolas os elementos de uma solução socialsita da questão agrária, solução que vai tolerar, em parte, a exploração da terra por pequenos agricultores, nos casos em que o yanaconazgo ou a pequena propriedade recomendem, enquanto se avança na gestão coletiva da agricultura, deixar a gestão individual às zonas nas quais este tipo de exploração prevalece. Mas isto, assim como o estímulo que deve ser concedido ao livre ressurgimento do povo indígena, à manifestação criadora das suas forças e do seu espírito nativo, não significa absolutamente uma romântica e anti-histórica tendência de reconstrução ou ressurreição do socialsimo inca, que correspondeu a condições históricas completamente superadas e do qual só restam, como fator que pode ser aproveitado dentro de uma técnica de produção perfeitamente científica, os hábitos de cooperação e socialismo dos camponeses indígenas."31

Nem por isso ele deixa de insistir na extraordinária vitralidade destas tradições, apesar das pressões "individuaklistas" dos diferentes regimes, desde a Colônia até a República: encontramos nas aldeias indígenas, ainda hoje, robustas e tenazes práticas de cooperação e solidariedade, que são "a expressão empírica de um espírito comunista". Quando a expropriação ou a distribuição de terras parecem liquidar a comunidade, "o socialismo indígena encontra sempre formas de reconstituí-la". Essas tradições de ajuda mútua e produção coletiva testemunham a presença, nas comunidades, "daquilo que Sorel chamava 'os elementos espirituais do tarbalho'"32.

A mais ousada e herética proposição de Mariátegui, aquela que provocará as maiores controvérsiaa, é a que resulta da passagem de suas análises históricas sobre o "comunismo inca" e de suas observações antropológicas sobre a sobrevivência de práticas coletivistas para uma estratégia política que situava nas comunidades indígenas o ponto de partida para uma via soicalista própria aos países indo-americanos. É esta estratégia inovadora que ele apresenta nas teses enviadas à Conferência Latino-Americana dos Partidos Comunistas (Buenos Aires, junho de 1929), com o curioso título de "O problema das raças na América Latina".

Para tornar sua heterodoxia mais aceitável, Mariátegui começa referindo-se aos documentos oficiais do Comintern: "O VI Congresso da Internacional Comunista assinalou mais uma vez a possibilidade, para povos de economia rudimentar, de iniciar diretamente uma organização econômica coletiva, sem passar pela longa evolução pela qual passaram outros povos". Em seguida, propõe sua estratégia romântico-revolucionária baseada no papel das tradições comunitárias indígenas: "cremos que, entre as populações 'atrasadas', nenhuma reúne condições tão favoráveis como a população indígena inca para que o comunismo agrário primitivo, subsistente em estruturas concretas e no profundo espírito coletivista, transforma-se, sob a hegemonia da classe proletária, numa das bases mais sólidas da sociedade coletivista preconizada pelo comunismo marxista"33.

Raduzida em termos concretos de reforma agrária no Peru, esta estratégia significa a expropriação dios grandes latifúndios em favor das comunidades indígenas: "As 'comunidades', que demostraram sob a mais dura opressão condições de resistência e perseverança realmente surpreendentes, representam um fator natural de socialização da terra. O indígena tem hábitos de cooperação enraizados. (..) A 'comunidade' pode se transformar em cooperativa, com um mínimo de esforço. A transferência dos latifúndios para as 'comunidades' da terra é, na serra, a solução exigida pelo problema agrário"34.

Esta posição, qualificada de "socialismo pequeno-burguês" por seus críticos, era no fundo a mesma que Marx sugeriria em sua carta a Vera Zasulitch (certamente desconhecida por Mariátegui). Nos dois casos, encontra-se a profunda intuição ― de inspiração romântica ― de que o socialismo moderno, em particular nos países de estrutura agrária, deve se enraizar nas tradições vernáculas, na memória coletiva camponesa e popular, nas sobrevivências sociais e culturais da vida comunitária pré-capitalista, nas práticas de ajuda mútua, solidariedade e propriedade coletiva da Gemeinschaft rural.

Como observa Alberto Flores Galindo, o traço essencial do marxismo de Mariátegui ― em contraste com os ortodoxos do Comintern ― é a recusa da ideologia do progresso e da imagem linear e eurocêntrica da história universal35. Mariátegui foi acusado por seus adversários ora de ter tendências "europeizantes" (os apristas), ora de defender um "romantismo nacionalista" (os soviéticos); na realidade, seu pensamento é uma tentativa de superar dialeticamente esse tipo de dualismo rígido entre o universal e o particular.

Em um texto chave, "Aniversário e balanço", publicado em sua revista Amauta em 1928, esta tentativa é formulada em alguns parágrafos que resumem de forma impressionante sua filosofia política e sua mensagem às gerações futuras no Peru e na América Latina. Seu ponto de partida é o caráter universal do socialsimo: "O socialismo não é, certamente, uma doutrina indo-americana. Mas nenhuma doutrina, nenhum sistema contemporâneo o é ou pode sê-lo. E o socialismo, embora tenha nascido na Europa, tal como o capitalismo, tampouco é específica ou particularmente europeu. É um movimento mundial, ao qual não se subtrai nenhum dos países que se movem dentro da órbita da civilização ocidental. Esta civilização conduz, com uma força e com meios de que nenhuma civilização dispôs, à universalidade". Mas ele insiste, ao mesmo tempo, na especificidade do socialsimo na América Latina, enraizada em seu próprio passado comunista: "E o socialismo, afinal, está na tradição americana. A mais avançada organização comunista primitiva que a história registra é a inca. Não queremos, certamente, que o socialismo seja na América decalque e cópia. Deve ser criação heroica. Temos de dar vida, com nossa própria realidade, na nossa própria linguagem, ao socialsimo indo-americano. Eis uma missão digna de uma geração nova"36.

A geração que marcou com seu selo o comumismo latino-americano depois da morte de Mariátegui preferiu seguir o caminho do decalque e da cópia (o stalinismo). Será que agora, no início do século XXI, seu apelo a uma "criação heroica" terá mais chance de ser escutado?

Concluindo: seja no terreno da filosofia ou da estratégia política, da cultura ou da questão agrária, da história ou da ética, a obra de Mariátegui está atravessada, de ponta a ponta, por um poderoso impulso romântico-revolucionário, que empresta à sua concepção marxista do mundo sua qualidade única e sua força visionária.

Cronologia da vida e da obra de José Carlos Mariátegui
1894 Nasce em Moquegua, Peru, segundo de quatro filhos. Como o pai, funcionário público, é transferido para o norte do País, é a mãe quem se ocupa da educação dos filhos.

1902 Em outubro, sofre um ferimento no tornozelo que o tornara inválido.

1909 Começa a trabalhar como ajudante na tipografia do jornal La Prensa, de Lima.

1914 Em 1º de janeiro, sob o pseudônimo de Juan Croniqueur, publica seu primeiro artigo, um balanço da atividade artística peruana.

1916 Em 6 de maio, inicia sua colaboração regular para o jornal El Turf. Já havia publicado sonetos em várias revistas, depois reunidos no volume Tristeza. Em 17 de julho, inicia sua colaboração com El Tiempo, escrevendo para uma coluna intitulada "Vozes". Em 4 de setembro, El Tiempo publica La Mariscala, poema dramático de Abraham Valdelomar e José Carlos Mariátegui.

1917 Em 5 de novembro, por ocasião da passagem por Lima da bailarina Norka Ruskaia, Mariátegui, Valdelomar e César Falcón causam escândalo ao promoverem um espetáculo noturno entre os túmulos do cemitério de Lima.

1918 Junto com Valdelomar, Falcón, Félix del Valle e César Vallejo, Mariátegui funda a revista Nuestra Época, ponto de partida do que ele iria chamar de sua "orientação socialista". Depois da publicação de um artigo onde pede "uma política de trabalho e não de armamnetos", é agredido por um grupo de militares e desafiado para um duelo. Depois disso, Nuestra Época não encontra mais nenhuma gráfica disposta a imprimi-la. Participa da tentativa de criação de um Comitê de Propaganda Socialista, que congrega libertários e anarcosindicalistas.

1919 Em resposta às grandes greves operárias pela jornada de oito horas e ao movimento pela reforma universitária, funda com César Falcón o jornal La Razón, que pretende pôr-se "ao lado do proletariado na posição de simpatizante". Neste jornal, sai uma crítica ao governo de Leguía, no poder desde o golpe de 4 de julho. Leguía nomeia Mariátegui e Falcón "propagandistas do Peru no exterior", estimulando o que seria um exílio dissimulado. Parte para a Europa em 8 de outubro, chegando á França em 10 de novembro, onde encontra Romain Rolland e Henri Barbusse. Em 25 de dezembro, chega a Gênova.

1920 Em janeiro, restabelece-se em Roma, de onde envia para publicação em El Tiempo a primeira de suas Cartas da Itália, intitulada "O problema do adriático". Depois de visitar Florença (onde conhece Anna Chiape, que se tornaria sua mulher), Gênova e Veneza, volta a Roma em outubro.

1921 Em janeiro, viaja a Livorno, onde assiste ao congresso de fundação do Partido Comunista da Itália. Desloca-se em seguida para Turim (onde provavelmente encontrou-se com Piero Gobetti), Milão e Pisa. Em maio-junho, casa-se com Anna Chiappe e encontra Benedetto Croce na casa dos sogros.

1922 Passa alguns meses em Gênova, onde ― com César Falcón e outros peruanos ― projeta a organização de um Partido Socialista peruano. Parte em junho para a França e, nos meses seguintes, visita a Alemanha, a Áustria, a Hugria e a Tchecoslováquia. Entre outubro e dezembro, reside em Berlim. Neste ano, nasce seu primeiro filho, Sandro Tiziano Romeo.

1923 Em janeiro, depois de passar pela Alemanha, França e Bélgica, embarca de volta ao Peru, onde chega em 20 de março. Em 21 de maio, pronuncia sua primeira conferência, "A crise mundial e o proletariado peruano", na Universidade Popular González Parda. Em outubro, depois do exílio de Haya de la Torre, Mariátegui assume a direção de Claridad, que tentará se tornar o órgão da Federação Operária, fundada em 1919. Em 8 de setembro, começa a colaborar regularmente no seminário Variedades.

1924 Em 14 de janeiro, acusado de "atividades subversivas", é preso por algumas horas. Em 1º de maio, em El Obrero Textil, publica "El 1º de mayo y el frente único proletario", no qual defende a política da frente única, então proposta pela Internacional Comunista. No fim de maio, depois de uma recidiva de sua antiga doença, provavelmente uma tuberculose óssea, tem de amputar uma perna. Em setembro, numa carta aos companheiros de Claridad, afirma: "O mundo caminha para o socialismo; o futuro pertence à revolução". Inicia sua colaboração no semanário El Mundial, com um artigo sobre o assassinato do deputado socialista G. Mateotti pelos fascistas. Em dezembro, publica o importante artigo "El problema primario del Perú", no qual trata da questão indígena.

1925 Numa entrevista a Variedades, Mariátegui anuncia estar trabalhando num livro sobre o Peru, que só viria a ser publicado em 1928, com o título Sete ensaios de interpretação da realidade peruana. Os estudantes de Lima pressionam para que ele obtenha uma cátedra na universidade, mas a falta de titulação frustra esta tentativa. Em setembro, publica em El Mundial o primeiro artigo de uma longa série intitulada Peruanicemos al Perú. Em novembro, funda a Editora Minerva, que publica seu primeiro livro, uma coletânea de artigos intitulada La escena contemporánea.

1926 Mantém boas relações com Haya de la Torre e torna-se membro da Aliança Popular Revolucionária Americana (APRA), fundada por Haya em 1924, no México, com o objetivo de unir todas as forças anti-imperialista do continente. Em setembro, é publicado o primeiro número de Amauta, a revista que ele funda e dirige até sua morte; extinta em 1930, dela foram publicados 32 números. Afirmando como seu objetivo ser porta-voz de uima geração e recolocar o Peru "no seio do panorama mundial", Amauta publicou textos de Sorel, Trotski, Barbusse, Romain Rolland, Plekhanov, Vallejo e outros.

1928 Em junho, Mariátegui rompe definitivamente com Haya de la Torre, no momento em que a APRA deixa de ser uma frente e torna-se um partido. Em setembro, em Amauta, ele proclama a "absoluta independência do grupo de Lima" em face de qualquer "partido nacionalista pequeno-burguês e demagógico". Em 16 de setembro, tem lugar a reunião preliminar do comitê organizador de um partido socialista operário e camponês; doente, Mariátegui é representado nesta reunião por Ricardo Martinez de la Torre. Em 7 de outubro, é fundado o Partido Socialista Peruano (PSP); Mariátegui é eleito secretário-geral e redige o programa do partido. O Editorial Amauta publica os 7 ensayos de interpretación de la realidad peruana. Além de inúmeras edições em espanhol, publicadas em diferentes países, este livro foi traduzido em várias línguas (francês, italiano, inglês). Conheceu também uma edição em português: Sete ensaios de interpretação da realidade peruana, São paulo, Alfa-Ômega, 1974, 2. ed., 2004. Em novembro, começa a sair Labor, suplemento sindical de Amauta.

1929 Em 7 de maio, Labor publica dois textos de Mariátegui recomendando a formação de uma Confederação Geral do Trabalho que se separe radicalmente do anarcosindicalismo. Em 17 de maio, é efetivamente criada a CGT peruana, que no ano seguinte já contará com 58.000 trabalahdores da indústria e cerca de 30.000 índios agrupados na Federação Indígena. Ainda em maio, através dos delegados peruanos Hugo Pesce e Julio Portocarrero, Mariátegui apresenta ao congresso para a constituição da Confederação Sindical Latino-Americana seu projeto de tese sobre "El problema indígena", que provocou acirradas controvérsias. No início de junho, em Buenos Aires, a I Conferência Comunista Latino-Americana ataca duramente, em particular através do dirigente argentino Victório Cordovilla, as posições do PSP e resolve não reconhecê-lo como membro da Internacional Comunista. Em setembro, durante uma reunião do Comitê Central do PSP, Mariátegui opõe-se a que ele assuma o nome de Partido Comunista. Também em setembro, o governo peruano proíbe a publicação de Labor e ameaça fazer o mesmo com Amauta. Amigos de Mariátegui recomendam-lhe que parta para a Argentina. Em 26 de junho, Mariátegui publica o último dos artigos que seriam mais tarde recolhidos em Defensa del marxismo.

1930 Em 1º de março, durante uma reunião do Comitê Central do PSP, Mariátegui pede demissão do cargo de secretário-geral e indica para substituí-lo Eudocio Ravines, que ele considera ser mais "centrista". Sua doença se agrava. Internado num hospítal, morre em 16 de abril. Em 20 de maio, o PSP se transforma em Partido Comunista do Peru.

Notas:
1 Cf. V. M. Miroshevski, "El 'populismo' en el Peru. Papel de Mariátegui en la historia del pensamiento social latinoamericano" [1941], in J. Aricó (org.), Mariátegui y las origenes del marxismo latinoamericano, Mexico, Cuadernos de Pasado y Presente, 1975, p. 66.
2 K. Marx e F. Engels, Werke, Berlim, Dietz Verlag, 1961, t. 19, p. 386. Marx acrecenta, na mesma passagem da carta: "Portanto, não devemos nos assustar muito com a palavra 'arcaico'." Para uma discussão mais detalhada do conceito de romantismo e sua relação com o marxismo, cf. Robert Sayre e Michael Lövy, Revolta e melancolia. O romantismo na contra-corrente da modernidade, Petrópolis, Vozes, 1998.
3 J. C. Mariátegui, "Dos concepciones de la vida" [1925], em El alma matinal, Lima Amauta, q971, p. 13-16.
4 J. C. Mariátegui, "El hombre y el mito" [1925], em ibid., p. 18-22.
5 Ibid., p. 20.
6 J. C. Mariátegui, "D'Annunzio y el fascismo" [1925], in La escena contemporânea, Lima, Amauta, 1975, p. 23. A posição de Mariátegui pode ser resumida pelo paradoxo que serve de abertura a esse artigo: "D'Annunzio não é fascista. Mas o fascismo é d'annunziano" (ibid., p. 18).
7 J. C. Mariátegui, 7 ensaios de interpretación de la realidad peruana [1928], Lima, Amauta, 1976, p. 154 [ed. Brasileira, Sete ensaios de interpretação da realidade peruana, São Paulo, Alfa-Ômega, 2004].
8 J. C. Mariátegui, carta ao poeta surrealista Xavier Abril, 6 de maio de 1927, in Correspondência, Lima, 1984, vol. 1, p. 275.
9 J. C. Mariátegui, "Rainer Maria Rilke" [1927], in idem, El artista y la época, Lima, Amauta, 1973, p. 123.
10 J. C. Mariátegui, 7 ensaios, cit., p. 308 e 315.
11 J. C. Mariátegui, "El grupo surrealista y Clarté" [1926], em El artista y la época, cit., p. 42-43; infra, p. 238. O paralelismo com o artigo de Walter Benjamin sobre o surrealismo (1929) é surpreendente. Veja-se também o artigo "Arte, revolución y decadencia", em ibid., p. 21; infra, p. 250-253, de novembro de 1926, que opõe, mais uma vez, as épocas clássicas, quando a política se reduz à administração e ao parlamento, às épocas românticas, nas quais a política ocupa o primeiro plano na vida, como o demonstram por seu comportamento Louis Aragon, André Breton e seus companheiro da "revolução surrealista", que marcham em direção ao comunismo.
12 J. C. Mariátegui, Defensa del marxismo, Lima, 1967, p. 124.
13 J. C. Mariátegui, "El balance del superrrealismo" [1930], em El artista y la época, cit., p. 51; infra, p. 244-245. Mariátegui se correspondeu com dois poetas surrealistas peruanos, Xavier Abril e César Moro, cujos poemas ele publicou em Amauta. Ao que parece, ele quis também escrever a André Breton, uma vez que pediu a Xavier Abril o endereço do poeta francês em Paris. Cf. Carta de X. Abril a Mariátegui, 8 de outubro de 1928, em J. C. Mariátegui, Correspondencia, cit., vol. 2, p. 452.
14 J. C. Mariátegui, "La agonia del cristianismo, de dom Miguel de Unamuno" [1926], em Signos e obras, Lima, Amauta, 1975, p. 117-120; infra, ´. 178-180. Ver também o artigo "Dom Miguel de Unamuno y el Directorio" [1924], que reconhece a impossibilidade de "classificar" o pensador hispânico: "Unamuno não é um revolucionário ortodoxo, porque não faz nada de forma ortodoxa".
15 R. Paris, "Un 'sorelismo' ambiguo", in J. Aricó (org.), Mariátegui y los orígenes del marxismo latinoamericano, cit., p. 156.
16 Ver, por exemplo, Defensa del marxismo, cit., p. 43; infra, "Henri de Man e a 'crise' do marxismo", p. 219. Cf., sobre isso, Robert Paris, op. cit., p. 159-161.
17 J. C. Mariátegui, Defensa del marxismo, cit., p. 20-21; infra, "Henri de Man e a 'crise' do marxismo", p. 219.
18 Cf. o comentário esclarecedor de Osvaldo Fernández Diaz, Mariátegui o la experiencia del outro, Lima, Amauta, 1994, p. 126.
19 Cf. "El hombre y el Mito", em El alma matinal, cit., p. 22-23; infra, p. 60.
20 J. C. Mariátegui, Defensa del marxismo, cit., p. 20-21; infra, "Henri de Man e a 'crise' do marxismo", p. 194.
21 J. C. Mariátegui, "Dos concepciones de la vida", cit., p. 15; infra, p. 53.
22 J. C. Mariátegui, Defensa del marxismo, cit., p. 66-67; infra, "O determinismo marxista", p. 212.
23 G. Lukács, "Taktik und Ethik" [1919], in idem, Frühschriften II, Neuwied, Luchterhand, 1968, p. 69. Sobre este paralelo, cf. Robert Paris, La formación ideológica de J. C. Mariátegui, cit., p. 147.
24 Miroshevski, op. Cit., p. 70.
25 C. Péguy, Oeuvres en prose, Paris, Pléiade, 1968, p. 1359-1361.
26 J. C. Mariátegui, "La tradición nacional" [1927], em Peruanicemos al Perú, Lima, Amauta, 1975, p. 121; infra, p. 115.
27 Cf. R. Paris, "José Carlos Mariátegui et le modèle du 'communisme' inca". Annales, v. 21, n. 1, sept.-oct. 1966.
28 R. Luxemburg, Introduction à la critique de l'économie politique, Paris, Anthropos, 1966, p. 141, 145, 155.
29 J. C. Mariátegui, 7 ensayos, cit., p. 54. 55, 80. O livro de Ugarte citado por Mariátegui é Bosquejo de la historia econômica del Perú.
30 J. C. Mariátegui, 7 ensayos, cit., p. 78-80.
31 J. C. Mariátegui, "Principios programáticcos del Partido Socialista" [1928], em Ideologia y politica, Lima, Amauta, 1969, p. 161; infra, p. 123-124.
32 J. C. Mariátegui, 7 ensayos, cit., p. 83 e 345.
33 J. C. Mariátegui, "El problema de las razas em América Latina" [1929], in idem, Ideologia y politica, cit., p. 68; infra, p. 144.
34 Ibid., p. 81-82.
35 A. Flores Galindo, La agonia de Mariátegui. La polémica com la Komintern, Lima, Desco, 1982, p. 50.
36 L. C. Mariátegui, "Aniversario y balance" [1928], em Ideologia y politica, cit., p. 248-249; infra, p. 120.
[MARIÁTEGUI, José Carlos. Por um socialismo indo-americano: ensaios escolhidos. Seleção e introdução Michael Löwy. Tradução Luiz sérgio Henriques. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2005, p. 7-29.]
Fonte: http://socialismo.org.br/

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