terça-feira, 18 de outubro de 2011

In the Meantime . Uma história do Helmet e além - por Bernardo Pacheco

In the Meantime . Uma história do Helmet e além.

Page Hamilton revela os bastidores do fim e do renascimento do grupo.Page Hamilton, vocalista, guitarrista e fundador do Helmet

O Helmet trouxe o noise rock para as massas na esteira do boom de bandas alternativas fisgadas por grandes gravadoras, detonado pelo sucesso repentino do Nirvana em 1991. Após ganhar notoriedade na época por ter assinado um contrato de 1 milhão de dólares com a Interscope Records, mesmo mantendo seu estilo quebrado, minimalista e dissonante, e na sequência pela honra ambígua de ter sido grande influência no rock pesado mainstream do final da década de 90, a banda se separou em 1998, depois de quatro discos antológicos. O baterista John Stanier foi parar no Battles e no Tomahawk, entre outros, e o guitarrista e vocalista Page Hamilton passou alguns anos excursionando com David Bowie, montando e desmontando a banda Gandhi e tocando guitarra em trilhas sonoras de filmes de Hollywood como Fogo Contra Fogo e Across the Universe, antes de reformar o Helmet em 2004. Conversei com Hamilton, o capitão da banda (já em sua terceira passagem pelo Brasil) nas entranhas do Beco 203 SP, e depois via Skype.

Você veio de Oregon e se mudou pra Nova York pra estudar guitarra de jazz, certo?
Isso.

Você sempre se interessou pelo lado mais experimental da guitarra, ou isso aconteceu quando estava em Nova York?
Eu sinceramente não lembro. Sempre gostei de todo tipo de música desde pequeno, de America e The Eagles a Cheap Trick, Led Zeppelin, AC/DC, Aerosmith... No jazz me interessei primeiro pelo George Benson, nunca tinha ouvido ninguém tocar guitarra daquele jeito. Depois me interessei por Grant Greene, Miles Davis, o Coltrane da fase modal, tipo 64 ou 65, e fui atrás das coisas mais antigas. Fiquei fascinado com a harmonia. Eu amo harmonia, todas as suas possibilidades, ouvir as cores, os centros tonais. Por exemplo, como o John Lennon fazia (canta “I'm Only Sleeping”), como a nota da melodia permanece a mesma e os acordes mudam. É como olhar para uma constelação: você vê a de Órion, tem aquela estrela mais forte e a forma como a constelação se relaciona, criando um padrão lindo no céu. É assim que os acordes são pra mim, são formas, e eu sou fascinado pela ideia de que existem possibilidades infinitas para as combinações de doze notas – que é basicamente tudo que temos na música ocidental, essas doze notas e a escala cromática.

É, acho uma asneira completa quando alguém diz coisas como “tudo já foi feito, só resta repetir o que já existe”.
Merda total, uma desculpa preguiçosa.

E você acabou indo tocar no grupo do Glenn Branca (compositor de vanguarda famoso por suas orquestras de guitarra, das quais já fizeram parte Lee Ranaldo e Thurston Moore). Como rolou essa transição, se é que foi uma transição?
Bom, eu terminei os estudos e comecei a fazer testes pra tudo que aparecia, tipo classificados de bandas procurando músicos. Acabei entrando no Band of Susans. Pouco tempo depois fiz um teste com o Glenn e entrei pro grupo dele...

O Helmet veio logo em seguida, certo?
Em 1989, isso. Um ano depois. Fiquei no Band of Susans por um disco (Love Agenda) e oito meses e adorei, foi um ótimo aprendizado. Mas eles não achavam as minhas músicas adequadas para o grupo, então decidi montar minha banda.

John Stanier (bateria) e Henry Bogdan (baixo) estavam com você desde o começo?
John sim, acho que ele foi a pessoa ao redor da qual eu decidi formar a banda. Coloquei um anúncio no Village Voice procurando músicos e conheci ele. Ele tocava em uma banda de hardcore, e a música não era nada de mais, mas a bateria era. John tinha a energia exata que eu estava procurando. Eu queria alguém com o tempo firme e um feeling bom, mas que soubesse tocar coisas rápidas e pesadas.

O lance do som do Helmet, do meu ponto de vista, é se basear na repetição e na disciplina em ser ultra coeso e quase mecânico – “Repetition”, inclusive, é o nome da primeira música do primeiro disco da banda (Strap It On, de 1990). Como você chegou a um estilo tão definido?
Nas primeiras coisas que eu compus, antes do primeiro LP, as minhas influências eram mais aparentes, de Hüsker Dü e Gang of Four a Led Zeppelin, e dava pra ouvir algumas das minhas influências de jazz, como “Geisha-to-Go” (da coletânea Born Annoying), em que o baixo é em 5/4, as guitarras em 3/4 e a bateria em 4/4, três ritmos diferentes tocando ao mesmo tempo. Sempre achei interessante esse tipo de coisa. Até que um dia eu estava voltando pra casa, de madrugada, e o riff de “Repetition” apareceu na minha cabeça. Fiquei com ele na mente até chegar em casa e pegar a guitarra. Mas não dava pra tocar o riff nela, eu tive que afinar mais grave. Era em ré (cantarola o riff inicial da música), e eu pensei: “Legal pra caralho!”. Eu sabia que dava pra afinar mais grave, mas sempre tive preguiça de tentar. O Bruce Gilbert, do Wire, me contou que afinava em ré, e eu pensava: “Que trampo”.

Mas, depois que ouvi esse riff, parei de ser tão derivativo. De repente eu estava me baseando no riff para compor, no tema, e foi aí que minha música tomou a forma do som do Helmet: desenvolver variações de um motivo musical. É simples em muitos sentidos.

As estruturas das músicas não são longas e complexas – como no rock progressivo ou em vários tipos de metal –, o foco é mais nos detalhes...
Nós sempre gostamos, por exemplo, de que cada repetição do verso fosse um pouco diferente das outras, com alguma batida ou nota a mais ou a menos. O jeito como cada tema é tocado dá margem a muitas variações. É uma coisa na qual muita gente não repara e que é bem importante pra mim. Por exemplo: o John fazia uma levada reta, com aquele tempo firme dele, e eu pedia pra ele ficar repetindo. Ao contrário de muitos bateristas que se sentem na obrigação de inventar firulas, ele não tinha problema nenhum em fazer uma levada muito simples, quase AC/DC, e eu tocava a minha parte em cima. Mas a gente experimentava uma variedade de coisas e depois trabalhava detalhadamente nas viradas de bateria. Elas eram muito importantes – o exemplo mais explícito é a música “Rollo” –, e ele inventava viradas incríveis.

Depois que vocês assinaram com uma grande gravadora (a Interscope, pro disco Meantime, de 1992) a percepção das pessoas sobre o Helmet mudou. No início vocês eram do selo Amphetamine Reptile, que tinha na maioria bandas de noise rock. Você sentia que o Helmet era parte dessa primeira turma, no sentido de escutar esse tipo de som e conviver com essas bandas, ou acha que simplesmente calhou de dividirem o mesmo espaço por algum tempo?
A gente adorava ser parte da AmRep. Aqueles caras eram nossos amigos, assim como as bandas, mas a gente não soava como nenhuma delas.

Aqueles não eram os discos que você ouvia na época...
Eu escutava Halo of Flies (banda do dono do selo, Tom Hazelmeyer), Tar, fizemos turnês com o God Bullies e o Surgery. Eu gostava dessas bandas todas, mas elas são completamente diferentes entre si. A Sub Pop, por exemplo, tinha um som bem mais específico do que a Amphetamine Reptile. A AmRep tinha muitas bandas diferentes, uma variedade grande, e a Sub Pop era bem retrô, tipo um rock dos anos 70 repaginado.

Vocês também tiveram acesso a uma estrutura bem maior pra fazer discos. Dois deles (Meantime e Betty, de 1994) foram mixados pelo Andy Wallace (Nirvana, Sepultura, Faith no More), que passou a ser talvez o engenheiro de rock mais conhecido do mundo. Você sentiu a diferença?
A gente nunca mudou a forma de trabalhar. Eu ainda compunha normalmente e nós ensaiávamos num espaço alugado. Ainda ensaiávamos três dias por semana, invariavelmente, e de uma hora pra outra podíamos passar mais tempo lá, porque estávamos vivendo de música. Mas nunca mudamos nosso jeito de compor, nunca tentamos agradar a gravadora.

Mas as músicas começaram a ser mais baseadas nos vocais. Não que tenham ficado mais comerciais, mas eram mais baseadas nas melodias dos refrões e tudo mais.
Sim, mas a gente sempre teve – já no primeiro disco tem, por exemplo, a faixa “Make Room”. “Unsung” é uma canção, mas é estranha, porque tem essa estrutura normal de intro/ verso/ refrão/ verso/ refrão, e depois entra uma música inteiramente nova. Usei essa estrutura pra ela e “Milquetoast”. Também usei a mesma estrutura de “Sinatra” (de Strap it On) pra “Pure” (de Aftertaste), e era um lance bem Helmet, a gente ia aumentando a tensão e a dinâmica até desembocar na mudança de acorde.

Isso funciona bem em “Turned Out”, que tem aquela jam no meio...
“Turned Out” é outra estrutura, meio como “Unsung”, só que volta pro refrão no fim. Eu ouço tantos tipos de música diferentes, como jazz e clássico e reggae e sei lá mais o quê... Já ouvi mil músicas de pop e rock, e os Beatles, e os Stones, e bandas como o Wire, que me fizeram voltar a ter interesse no rock. Killing Joke, Gang of Four... Sempre tentei fazer as coisas de que eu gostava, esperando que os caras da banda também gostassem. Ficava muito ansioso quando ia mostrar músicas novas pra eles. Sempre me senti meio culpado, porque no começo a gente tentava criar juntos, mas depois comecei a compor tanto que acabei dominando.

Algum deles reagia de forma negativa?
Eu não sei. John e Henry acabaram deixando a banda, então... Após dez anos, acho que eles não queriam mais fazer aquilo.

Então a formação original acabou porque o resto da banda saiu?
É, a gente nunca se reuniu, eu só recebi um telefonema. Já sabia que o Henry ia sair, e alguns meses depois do fim da turnê do Aftertaste, no início de 1998, recebi um telefonema do nosso empresário dizendo que o John tinha saído da banda... (Hamilton ri) Ele nem me ligou, então pra mim foi tipo “ah, beleza...”. Eu queria tirar um ano de férias. A gente tinha dinheiro suficiente, mas eles quiseram sair da banda, então não tinha nada que eu pudesse fazer a respeito.
E pouco tempo depois você entrou pra banda do David Bowie.
É, isso rolou tipo um ano depois. Eu montei uma banda com alguns amigos, chamada Gandhi, e compus algumas músicas que foram parar em discos do Helmet, como “LA Water” e “Money Shot”. Eu vinha compondo um monte de músicas, tentando algo diferente. Fizemos alguns shows pelo noroeste dos EUA, sem empresário nem nada, e o Bowie ligou mais ou menos no meio disso, em 1999. Foi divertido tocar com ele.

Você ficou com o Bowie por uma turnê?
Isso.

Como foi?
Foi incrível. Quando eu estava compondo o Betty, em 93 e 94, o vinil do Alladin Sane ficava na minha cabeceira o tempo todo. Eu lia as letras e era uma grande fonte de inspiração. Foi um trampo legal, ele é muito gente fina.

Alguns guitarristas lendários tinham passado por aquela banda, como Robert Fripp (King Crimson), Nile Rodgers (Chic), Adrian Belew (Zappa, Talking Heads, King Crimson)...
Mick Ronson!

Como foi estar nessa posição, pra você?
Bom, tive que aprender todas as músicas, e eu tinha me acostumado a compor as minhas próprias por anos, tinha meu próprio estilo de tocar. O Helmet tem a afinação mais grave, e o estilo é meio que invenção minha, então falei pro Bowie: “Olha, eu não sou bem um guitarrista, estou mais pra um escultor em merda”. Ele riu e disse: “Não precisa tocar o mesmo que os outros, é só tocar no espírito da música”. Isso foi legal, ele é bem cabeça aberta, um dos caras mais legais e certamente o maior compositor que já conheci pessoalmente. E é um grande cantor, também. Foi uma honra tocar aquelas músicas, me senti privilegiado mesmo.

Seu trabalho com as trilhas sonoras pra cinema, como começou?
Isso veio pela Warner. Tim Carr e Lenny Waronker, que já tinham tentado contratar o Helmet, estavam envolvidos na trilha sonora para o filme Fogo Contra Fogo (1995). O compositor, Elliott Goldenthal, estava procurando texturas e coisas novas, e esses caras falaram de mim, disseram que eu tinha tocado com o Glenn Branca. Aí eles me ligaram e eu contratei mais três amigos pra tocar guitarra comigo (incluindo Andy Hawkins, do Blind Idiot God, banda pioneira em misturar metal instrumental e dub nos anos 80). Nós criamos o que eles batizaram de Orquestra dos Alces Surdos, porque éramos altos e esguios e tocávamos muito alto, era um barato. Desde então, comecei uma relação duradoura com Elliott, Teese Gohl e essa turma toda.

Você ainda faz isso, ainda está rolando, ou nem tanto?
O último filme que eu fiz com ele é da esposa dele, Julie Taymor, e se chama Tempest. Eu trabalhei na trilha de três filmes dela: Titus, Across the Universe e Tempest, que foi o último, há mais ou menos um ano e meio. É difícil agora porque eu estou em Los Angeles e eles em Nova York, e é mais caro pra me levar agora.

Eu achava que era o contrário, que você tinha se mudado pra LA e esse tipo de trabalho tinha ficado mais próximo...
Ironicamente o Elliott não gosta de LA, então fica em Nova York. Tem compositores de trilha sonora em NY, meu amigo Paul Camelot mora lá também, mas o grosso da indústria do cinema está aqui. Eu trabalhei numa trilha com James Newton Howard, pro filme Colateral, e com um cara chamado Klaus Badelt, pro filme Mulher Gato, mas o que eu faço é bem estranho e único, acho que é um gosto adquirido. O Elliott adora porque é bem cabeça aberta e curte coisas estranhas, mas pra outras pessoas talvez não funcione.

Você gravou um disco em dueto com o Caspar Brötzmann (filho do saxofonista de free jazz Peter Brötzmann). Como foi isso?
Eu adoro o Caspar, ele é um músico impressionante, me influenciou muito. Um alemão fanático por música me mostrou um disco do Massaker, a banda dele, quando fui tocar com o Glenn Branca na Expo 92 (em Sevilha) e pirei. Comecei a falar dele direto em entrevistas, até que ele me pediu uma frase pra ajudar na divulgação do disco e eu disse: “Vocês deviam fazer uns shows com a gente”. Uma coisa levou à outra, eles abriram pra gente na Alemanha, depois vieram tocar nos EUA e fizemos um disco juntos (Zulutime, de 1996). Acho que fizemos tudo em dois dias. Montamos dois sets completos de guitarra e amplificadores, o dele e o meu numa sala, um de frente pro outro. Um de nós começava uma música e o outro começava a seguinte, só improvisando. Foi um disco bem divertido de fazer, não é música pop, é bem legal. Provavelmente vou fazer algo assim de novo, um lance de orquestra que eu venho bolando.

O que é?
Meu amigo Patrick Kirst, pianista clássico e compositor alemão, vive pegando no meu pé para compor uma peça orquestral de guitarra. Quando esta turnê terminar, em novembro, é o meu próximo plano. E também tenho outro projeto de anos: fazer standards de jazz. Está na minha cabeça, mas ainda não sou muito fluente em orquestração (mostra algumas ideias no teclado e guitarra). É meio insano, porque trabalho só com quartetos de rock há muitos anos. Não é o que estou acostumado a fazer, por isso é um processo lento. Mas vai rolar. Vai ser diferente de qualquer coisa que alguém já ouviu, com certeza.

Você trabalhou com o Charlie Clouser (Nine Inch Nails), e isso acabou levando ao primeiro disco da volta do Helmet, certo?
Charlie foi importantíssimo pra esse disco acontecer. Em 1998 eu estava por baixo, esgotado pelas turnês, e o Helmet tinha acabado de se desmanchar, até que um amigo em comum nos colocou em contato. Eu já conhecia os caras do Nine Inch Nails desde uma turnê que fizemos juntos em 94, e era meio amigo do Trent Reznor. Peguei um avião pra New Orleans e começamos a trabalhar. Eles me arrumaram um apartamento, que eu dividi com Clint Mansell (ex-Pop Will Eat Itself), hoje em dia um compositor bem-sucedido de trilhas pra cinema (cuja carreira no ramo decolou com a trilha de Réquiem Para Um Sonho), era um ambiente ótimo.

Eles me ensinaram a usar o [programa de edição] Logic Audio e até criaram minha própria área de trabalho na sala de gravação. Eu aparecia no estúdio com a guitarra, Charlie e eu trocávamos ideias e fazíamos as músicas. Eram dois jeitos bem diferentes de compor. Ele, um gênio do computador que sabe usar qualquer tipo de engenhoca que você imaginar. Eu sou péssimo com essas coisas: só toco guitarra, canto e escrevo, um estilo mais tradicional. Foi incrível. Fizemos isso por três anos, algumas semanas de cada vez. Não tenho palavras pra descrever como esses caras foram importantes pra mim. Não fazíamos ideia sobre que nome a banda teria, não havia uma banda. Eu tinha o Gandhi na época, mas estava acabando, não rolava dinheiro suficiente pra pagar ninguém. Eu já vinha pensando em sair de NY depois do meu divórcio e aí me mudei pra Los Angeles, em 2001. O Charlie também se mudou pra lá meio simultaneamente, acho, e fez sentido total a gente trabalhar juntos.

Quando você estava fazendo o Size Matters (lançado em 2004), já era pra ser um disco do Helmet?
Eu já tinha a banda a essa altura, já tinha o baterista John Tempesta (White Zombie, Testament, Exodus) e estávamos tocando com Blasko (apelido de Rob Nicholson, ex-Cryptic Slaughter e Rob Zombie, hoje com Ozzy Osbourne). Mas não tínhamos nenhum plano específico. Jay Baumgardner, dono do NRG Studios, foi outro cara fundamental pro álbum da volta, gravou a gente de graça. Ele é um grande fã e um cara muito generoso. Mixou o disco e me tirou da roubada tantas vezes que não dá pra contar. E aí, do nada, Jimmy Iovine (cabeça da Interscope) me ligou e perguntou o que eu andava fazendo. Nos encontramos, e ele disse: “Quero que você faça um disco do Helmet, produza algumas bandas e toque guitarra em alguns discos”. E eu fui.
Quando o Helmet se separou, não parecia certo usar o nome da banda, mas depois de uns quatro anos comecei a ver de outra forma. Uma vez, por exemplo, a revista Decibel foi fazer uma matéria sobre o Meantime, e quando chegou a vez de entrevistar o John e o Henry eles não quiseram falar. Ou seja, deixaram bem claro que, apesar de o Helmet ser parte do legado musical deles, de ter contribuído para o que eles são hoje como pessoas e músicos, para melhor ou pior, ambos preferiram negar isso. E eu entendi que não posso fazer nada a respeito, é o meu legado. Disse pra mim mesmo: coloquei minha vida toda, meu coração e alma, sangue, suor e lágrimas nessa banda.

Ver os caras indo embora foi triste, mas, pelo jeito, pra eles era mais triste continuar trabalhando comigo. Então eles fizeram o que tinham que fazer e eu fiz o que tinha que fazer. Eu escrevo as letras, componho as músicas, faço os arranjos, formei a banda e tenho orgulho dela. Nunca fiz nada que me deixasse envergonhado, as intenções eram puras desde o início, e ainda são.

O disco seguinte, Monochrome (2006), veio meio rápido, certo?
Sim, eu estava no embalo, tinha uma banda e muitas ideias. Não queria fazer mais um disco como o Size Matters, que demorou e envolveu gente demais. Queria um disco mais como Strap It On e Meantime, então achei que seria legal voltar pra Nova York e trabalhar com Wharton Tiers (engenheiro de som dos primeiros discos da banda) de novo. Tenho sentimentos contraditórios sobre o resultado desse disco. Gosto muito das músicas, mas sentia uma vibe ruim do selo...

Estávamos num selo chamado Warcon, e eles não entendiam nada, não se interessavam por música. Queriam ganhar dinheiro, era a única preocupação deles. Não pagaram a gente e ficaram me apressando. Wharton estava ocupado com seus afazeres de pai e outras coisas, e sentia que ele estava me pressionando pra acabar logo. Eu também fiquei doente, era primavera e em NY estava mais frio do que em LA, gravei os vocais gripado. Cantei bem em algumas músicas, mas ao vivo os vocais ficam bem melhores.

O que me deixou realmente feliz e orgulhoso é que pela primeira vez [consegui executar] ideias de saxofone que vinha trabalhando na guitarra, aquelas camadas de som estilo Coltrane, com modos superpostos. Toquei, acho, os melhores solos da minha vida nos últimos dois discos. Tem uma crueza nos discos velhos que é legal, mas tem um lado meio espasmódico também. Agora está mais focado.

Houve um intervalo grande entre esse disco e o seguinte (Eye Seeing Dog, 2010)
É, eu estava bem abalado pela situação da indústria musical – com o Warcon em especial, porque eles me roubaram bastante dinheiro. Para um artista independente como eu, perder esse tanto de dinheiro é um prejuízo grande, e eu não sabia que eles seriam picaretas. Te digo o nome dos caras se quiser, tem três em particular que podem chupar o meu pau. Várias gravadoras entraram em contato, mas eu estava bem receoso, fomos com calma.
Aí, nosso empresário tem um selo com o cantor, compositor e produtor Joe Henry (com quem Hamilton já tinha tocado nos anos 90), e eles se interessaram pelo disco. Cobraram da gente três ou quatro por cento de taxas administrativas... Não quero ter um selo, custaria dez mil dólares pra colocar o negócio de pé e eu não tenho interesse na área, não sou um homem de negócios. Eu toco guitarra de jazz, estou me concentrando nesses trabalhos orquestrais e tenho o Helmet. É por isso que tenho um empresário, um advogado e pessoas que me aconselham. Funcionou perfeitamente, espero continuar trabalhando com o David e o Joe.

E agora você está com o Helmet por quase tanto tempo quanto na primeira fase. A fase atual parece ser bem diferente, porque os membros da banda mudam bastante, cada disco foi com um baterista diferente. No passado, você tocou com a mesma cozinha, baixo e bateria, por nove anos seguidos, e agora as pessoas mudam e a música permanece. Faz muita diferença pra você?
É uma questão de necessidade, não foi por escolha minha que John e Henry saíram, mas eu tive que lidar com essa realidade. O Kyle (baterista atual) está na banda desde 2006 e fez um trabalho incrível. Ele toca bem as músicas antigas, que o John Stanier tocava, mas aquele era o estilo particular do Stanier, é difícil fazer exatamente igual.

O John Tempesta fazia coisas que o Stanier não era capaz de fazer, e vice-versa. O Kyle tambem é diferente, ele também canta, e o groove dele é ótimo. No disco novo ele matou a pau, trouxe ideias ótimas. Sempre trabalho com os integrantes da banda pra garantir que estou feliz com cada parte, e eles entendem o papel deles no Helmet, como eu entendia o meu quando toquei no Band of Susans e depois com o David Bowie.
Os shows no Brasil em 2011 foram da turnê do Eye Seeing Dog, certo?
É, vamos seguir nessa turnê até novembro. Tenho umas semanas de folga agora, amanhã vou visitar minha família e depois fazer uma masterclass para crianças em Portland, Oregon, em uma filial da Escola do Rock. A gente toca “Unsung” juntos e depois eu falo sobre música, é bem divertido.

Você tem algum plano específico pro Helmet depois da turnê?
Meu próximo plano é fazer esse álbum de standards do jazz. Quero entrar em estúdio até o fim do ano. Depois esse lance de orquestra, vou ver como vai ser. Quero fazer outro disco do Helmet, mas preciso de dinheiro pra isso. Fizemos o último álbum por uma quantia pequena, se comparada aos nossos discos de gravadora grande, mas mesmo assim é mais do que tenho pra gastar no momento.

Você tem uma influência grande de bandas punk e pós-punk, que normalmente têm um jeito mais instintivo e autodidata pra música. Além disso, o fato de você ter tocado com o Glenn Branca e pertencer àquela geração de músicos de Nova York te colocaria mais próximo do jazz experimental, de John Zorn pra baixo. Mas na verdade seu background é bem diferente. Fico pensando que aquela música dos Beatles no seu último disco fala mais sobre as suas raízes do que ter tocado com o Glenn Branca, por exemplo.

Eu tive essa epifania ano passado: acho que o Glenn foi uma das maiores influências nas minhas composições pro Helmet, porque ele pegou aquela ideia minimalista e levou adiante, como a noção das afinações abertas. Dá pra combinar duas ou cem guitarras e criar esses harmônicos que surgem acima das notas. E as ideias de ritmo dele foram uma grande influência. O Glenn sobrepunha exatamente as coisas que eu ficava batucando na perna quando estava no metrô, tipo três por quatro com quatro por quatro, algo como (batuca na mesa), sabe? Ele mistura isso com um monte de guitarras, é lindo, e com um ritmo que é basicamente como “ba-bar-baraann” (canta “Barbara Ann”, dos Beach Boys). Isso é o resumo do Helmet: “Kashmir” (do Led Zeppelin) misturado com Glenn Branca. Eu fico surpreso que mais bandas não tenham se inspirado nessa parte nossa, eles param na ideia do “ei, dá pra afinar a primeira corda mais grave, tocar um acorde com um dedo, fazer um riff pesado e tá resolvido”.

Bom, isso é mais fácil.
É, e é só o que eles entenderam. É meio patético, mas não é problema meu.

Fonte: http://soma.am/noticia

2 comentários:

Anônimo disse...

CARALHO O HELMET É A MINHA BANDA FAVORITA ACHEI ESSE ENTREVISTA FODASSA, NÃO TEM MAIS NADA DA BANDA PARA VOCÊS COLOCAREM AI NO BLOG? TEM QUE TER MAIS ENTREVISTAS COMO ESSA, ABRAÇOS A TODOS OS PROVOS BRASIL.
FÁBIO ZOIO, FUI

Provos Brasil disse...

Valeu pela visita, cara eu gostava só dos primeiros (3) álbuns do Helmet, tive o prazer ($) de poder vê-lo novamente, vi na primeira no Olimpia e agora o Beco, li agora esse entrevista e achei louca, o cara é super criativo, e cá entre nós o Band Of Susan é bem melhor do que o Helmet!
Provos Brasil