Cronologia de um desastre que se anuncia
Violência e
gangsterismo marcam ação do governo e manifestantes ucranianos. Agora, todos os
possíveis desfechos parecem negativos
Ainda não
sabemos quem são os roteiristas, mas analisando o drama, podemos ver suas
diferentes etapas:
1. Em 28 de
novembro o presidente da Ucrânia, Vítor Yanukovich, decide postergar a
assinatura do acordo de associação com a União Européia, pelas perdas
econômicas que implicaria na relação com a Rússia.
2. A
oposição convoca um protesto na Praça da Independência. Em 30 de novembro, a
polícia reprime centenas de manifestantes e desocupa a praça. Fica um mal-estar
e decepção na sociedade, mas não mais que isso.
3. Na noite
de 30 de novembro, quando os protestos dos partidários da integração da Ucrânia
à Comunidade Européia perdiam intensidade, as forças especiais da polícia, de
forma surpreendente, atacam um grupo de estudantes, surrando-os selvagemente. A
TV mostra as imagens a todo o país, a oposição imediatamente faz um chamado ao
povo e no dia seguinte, para surpresa de todos, saem um milhão de pessoas à rua
em Kiev, uma cidade de 3 milhões de habitantes.
4. No dia
seguinte, 1º de dezembro, um grupo de radicais falando russo (a grande maioria
dos ativistas fala ucraniano) ataca com paus e correntes um grupo de alunos da
escola militar e da polícia antidistúrbios. Os atacantes tratam de enredar os
civis que protestavam pacificamente nos seus atos de agressão. Os policiais
presenciam a situação mais de uma hora e meia sem receber ordens para reprimir,
e quando ela chega, reprimem brutalmente. A maioria das vítimas é de civis
inocentes. Dezenas de outros inocentes são presos. A TV russa filma tudo e
imediatamente as imagens vão ao ar nos canais controlados pela oposição
ucraniana. Resultado: o povo chega à Praça da Independência, se instala em
barracas e cerca os tribunais de justiça. As forças policiais já pareciam
seguras de que todos os manifestantes eram extremistas, e atacam prontamente,
enquanto os demais já não duvidam que os policiais antidistúrbios são carrascos
sanguinários, provavelmente mercenários russos vestidos como policiais
ucranianos.
5. Em 11 de
dezembro, quando a tensão baixa gradativamente, organizam-se “mesas redondas”, chegam
muitos emissários europeus oferecendo intermediação e parece que todos estão a
ponto de chegar a um acordo. A polícia ucraniana, sem maior entusiasmo, realiza
uma tentativa de desocupar a Praça da Independência, e o faz com bastante
cautela e sem atacar ninguém. Em resposta, por toda a cidade tocam os sinos das
igrejas e o povo sai de casa às duas horas de uma madrugada gelada para
defender a praça. O transporte público já não funcionava, e os taxistas levam
as pessoas ao centro gratuitamente. Ao final, o povo, que já estava perdendo o
entusiasmo inicial, se anima novamente e constrói barricadas de três metros. Os
chefes policiais ficam incomodados porque não receberam ordens para reprimir.
6: Passa
quase um mês. O Presidente Yanukovich viaja a Moscou e recebe de Putin a
promessa de um crédito de 15 bilhões de dólares. Passadas as festas de Ano
Novo, o povo está cansado, e na Praça nota-se uma certa desilusão e
esgotamento. De repente, em 16 de janeiro, o parlamento ucraniano, violando
todas as normas, aprova as chamadas “Leis da Ditadura”, que proíbem de forma
estrita todas as manifestações públicas. O povo recebe a notícia e não pode
acreditar. Todos novamente se despejam nas praças e no centro da cidade. A
oposição política se vê cada vez mais passiva e indecisa.
Em 19 de
janeiro, os mesmos jovens que foram os provocadores do 1º de dezembro (a mesma
idade, os mesmos refrões e os mesmos métodos) atacam absurdamente, num domingo,
o Palácio do Governo vazio, e com muita violência agridem novamente a polícia e
as tropas especiais. O povo, exausto com a passividade da oposição política,
cai na provocação e também participa, lançando coquetéis molotov nos
representantes do poder. Começam os combates de rua, o resultado: 40 policiais
e militares e centenas de civis feridos. O governo determina o uso de carros
lança-água contra a multidão, mesmo com uma temperatura de 5oC abaixo de zero.
Um dos líderes da oposição, o boxeador Vitali Klichko, tenta se reunir com o
Presidente, que trata de ganhar tempo e não o recebe. Os ódios de ambos os
lados crescem.
7. A partir
desse momento, aparecem maciçamente nas ruas jovens musculosos, muitos deles
com passado delitivo, contratados pelo governo para amedrontar os
manifestantes. Os ativistas radicais começam a caçá-los, levando alguns deles à
Praça da Independência para surrá-los, ainda que sem maior selvageria,
mostrando-os à imprensa. No dia 22 de janeiro, Dia da União da Ucrânia, novo
feriado do país, franco-atiradores desconhecidos matam cinco pessoas. Todos os
disparos foram feitos por profissionais, diretamente no coração ou na cabeça
das vítimas. Carros sem placa começam a sequestrar ativistas e transeuntes
casuais, suspeitos de simpatizar com Maidan.
Torturam selvagemente dezenas
destas pessoas, as desnudam e as atiram na neve. Também queimam os carros de
muitos ativistas. Os canais de televisão controlados pela oposição mostram os
mortos e a brutalidade policial. Pela Internet, todo o país vê um vídeo que
começa a circular, em que policiais, depois de torturar, desnudam na neve um
ativista e, em seguida, tiram fotos com ele. Matam um conhecido líder social,
doutor em ciências…
Alguém
invisível parece muito interessado em dividir-nos e enfrentar-nos…
* Igor
Storchak é diretor de cinema ucraniano
Tradução: Ricardo
Cavalcanti-Schiel
Fonte: http://outraspalavras.net/
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