Resposta a
Immanuel Wallerstein
Inscrição
de protesto (e esperança) no muro construído por Israel para segregar
territórios palestinos
Sem
considerar as causas da situação atual do Oriente Médio, texto pode levar o
leitor a um entendimento errado e superficial do que acontece lá
Immanuel
Wallerstein, em seu recente artigo sobre o Oriente Médio, publicado em Outras
Palavras, parece contradizer o próprio pensamento, fundador de uma análise
ampla e compreensiva do mundo globalizado. Sua visão se mostra problemática já
no início do texto, quando ele diz que do Oriente Médio se podia prever alguma
coisa no passado, dadas as “posições claras” de seus atores.Não há necessidade
de nenhuma pesquisa aprofundada para saber-se que nunca houve clareza de
posições políticas, nem nos atores orientais, nem naqueles que vivem em outros
lugares do mundo. A política, particularmente a internacional, se faz no
escuro; o que se diz quase nunca é o que realmente se pensa. Trata-se do
pragmatismo de sobrevivência política, cujos bastidores, para desamparo dos
analistas políticos, nem sempre correspondem ao que acontece no palco.
Afora isso,
o Oriente Médio sempre foi um mistério para a maior parte dos analistas
ocidentais. Edward Said chamava “orientalismo” a prática de avaliar aquela parte
do mundo sob a perspectiva ocidental, o que invariavelmente criava, e
cria, distorções. A pluralidade de divisões dentro do islamismo, as
particularidades culturais de cada grupo populacional — não podemos dizer que
são particularidades de “cada país” porque as fronteiras não separam grupos de
formação muito antiga, cujos membros guardam com orgulho o sentimento de
pertencimento, sentimento mais forte do que o “nacionalismo” –, as diversas
gradações da influência de tradições diferenciadas, as lideranças políticas
locais muitas vezes em franca oposição a governos impostos ou cooptados pelas
potências ocidentais são alguns dos aspectos que tornam o Oriente Médio um
livro com muitas escritas, muitas narrativas, não uma massa homogênea, não um
relato linear.
O que
Wallerstein faz é atualizar posições e questões que provêm de antigas divisões
políticas. O que ele não faz — e aqui está um sério problema de seu artigo — é
dizer que a Al-Qaida foi criada pela CIA quando da invasão soviética no
Afeganistão, e que alguns analistas políticos defendem que criador e criatura
mantêm laços estreitos até hoje. Mais sério ainda, ele se exime de analisar um
fato crucial: o papel de um ator que se impôs à região, inaugurando nela um
fascismo à europeia, um racismo de origem nazista baseado na suposta
superioridade de uma “raça” que, na verdade, nunca existiu: o movimento
sionista.
Como
apontam historiadores como o israelense Schlomo Sand, os judeus formavam uma
comunidade religiosa que, ao se espalhar pela região (não exatamente por
perseguição dos romanos, como afirma a mitologia sionista, mas pela necessidade
de encontrar outros locais para a pastagem do gado, terrenos mais férteis,
condições de vida mais favoráveis etc.), levaram consigo sua crença,
divulgando-a e convertendo outras populações. Isso pode explicar as diferenças
encontradas nos vários grupos que aderiram ao judaísmo. Mais: análises de DNA
de judeus que vivem em Israel indicam que suas raízes estão no leste europeu e
não no Oriente Médio. Uma das hipóteses é que eles descendam dos casares, povo
da Casária convertido ao judaísmo por seu rei séculos atrás, e que se dispersou
pela Europa oriental depois que seu reino foi tomado por povos vindos de outras
partes do mundo.
Judeus
casares não têm nenhuma ligação genética com os judeus naturais da Palestina
(esses sim, semitas) ou com os sefarditas, que seguiram ou voltaram para a
Palestina quando os mouros (árabes) foram expulsos de terras espanholas.
Ressalte-se que sob o domínio mouro os judeus sefarditas jamais tiveram
problemas em função de sua fé. Foi uma época de florescimento da cultura árabe
e da cultura sefardita, que influenciaram quase todos os aspectos da vida
europeia, e de paz entre muçulmanos e judeus. Ou seja: as análises do DNA
provam que os judeus convertidos do leste europeu, que formaram e ainda formam
o sionismo, não têm nenhuma ligação genética com os judeus cujos descendentes
ainda vivem na Palestina, e que são marginalizados ainda hoje pelos asquenazis,
provavelmente descendentes dos casares. É importante lembrar que na Antiguidade
os conceitos de povo e de nação nem mesmo existiam, ao contrário do que pregam
os mitos sionistas, baseados numa interpretação política e colonialista da Torá
(o Antigo Testamento dos cristãos), propositalmente distorcida para atender a
critérios que “justifiquem” a conquista da Palestina — conquista que na verdade
se deu em consequência do desejo capitalista de ampliar mercados e de controlar
uma região rica em petróleo. Uma das provas disso é a própria Declaração Balfour,
de 1917 — em que a Inglaterra concordava em ceder aos judeus um país que não
lhe pertencia, a Palestina –, e que foi dirigida a ninguém menos que “lorde”
Rothschild, na época um dos banqueiros mais influentes do planeta,
tradição que a família mantém.
Wallerstein
nem mesmo cita o plano sionista de estimular a divisão territorial do Oriente
Médio em várias pequenas nações, em conflito umas com as outras. Como afirmam
documentos sionistas de meados do século passado, essa solução, politicamente
antiquíssima — “dividir para reinar” –, lhes daria mais facilidade para atingir
o objetivo de controlar política e militarmente a região. Governos-títeres,
dependentes do sionismo nas áreas financeira e militar, e povos divididos,
levados ao sectarismo religioso e à violência, são a fórmula perfeita para o
domínio da extração e da distribuição do petróleo e do gás do Oriente Médio,
sem falar nas matérias-primas para a produção de drogas (cujo negócio saiu do
zero, quando os EUA invadiram o Afeganistão, para uma indústria lucrativa na
atualidade) e na venda de armas e munição que a manutenção de conflitos armados
fabricados coloca em alta contínua.
Por fim, é
surpreendente constatar como um pensador de base marxista, antiglobalização,
acaba se rendendo ao simplismo de um artigo breve, que carece de dados
fundamentais — como o impacto da entrada do sionismo no Oriente Médio e suas
consequências — e que parte de um pressuposto historicamente falso. O resultado
foi uma análise incompleta, sem raízes nas causas da situação atual do Oriente
Médio e por isso mesmo capaz de levar o leitor a um entendimento errado e
superficial do que acontece lá. Algo muito distante daquilo que se espera de um
intelectual como Immanuel Wallerstein.
*Baby
Siqueira Abrão, jornalista, ex-correspondente no Oriente Médio, pesquisadora da
história e da política daquela região.
Fonte: http://outraspalavras.net/blog
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