Lei “contra o terrorismo”: por que é possível evitar
Ceará,
junho de 2013. Aposentado encara tropa de choque durante protestos.
Mobilizações seriam “atos de terror”?
Cresce
consciência de que projeto é desnecessário — e pode restringir liberdades e
mobilizações sociais. Debate será retomado no Senado semana que vem
A enorme
pressão dos setores mais conservadores da sociedade para a aprovação de uma
“lei antiterror” (leia texto rancoroso do jornalista Reynaldo Azevedo) encontrou
ontem um obstáculo. Repercutiram no Senado, onde tramita a proposta relativa ao
tema (PLS 449 / 2013), as críticas que, originárias de juristas
preocupados em garantir a liberdade de manifestação, foram difundidas pelas
redes sociais. A votação, que estava prevista para ontem, foi adiada para a próxima semana. Ficaram mais claras as
diversas posições existentes no Congresso.
Os senadores
mais claramente favoráveis à votação da nova lei são Aloysio Nunes (PSDB-SP) e
Romero Jucá (PMDB-RR). Eles ecoam uma tese apelativa formulada por Reynaldo
Azevedo, para quem o país precisa da nova norma, “ou a Copa do Mundo corre o
risco de se encontrar com o caos”. Já os dois senadores do PT — Paulo Paim (RS)
e Jorge Viana (AC) –, que atraíram os holofotes da mídia na véspera, ao
defenderem votação imediata do projeto, recuaram parcialmente. Continuam
defendendo a suposta importância da lei, mas afirmam que ela precisa garantir
de forma explícita, em seu texto, que não haverá restrições à liberdade da
manifestação. Viana chegou a declarar, ontem, que “se houver este risco, é melhor não
ter lei”. Uma posição ainda mais clara, contra o projeto, foi manifestada pelos
líderes do PT, Humberto Costa, e PSOL, Randolfe Rodrigues. O petista postou, em
seu twitter:
“Acabo de sair da reunião de líderes. No PT, cremos que esse projeto contra
terrorismo é muito amplo e pode criminalizar movimentos sociais”. Randolfe foi
ainda diretíssimo. ”Eu não sei o que pode vir de uma lei que quer,
claramente, tipificar movimento sociais como terroristas”, disse este último.
Sua posição
coincide com o que pensam advogados que atuam com os movimentos sociais.
Juliana Brito, que assessora os Comitês Populares contra a Copa, é uma delas.
Ela lembrou que já há na legislação atual,
dispositivos que permitem punir os autores de crimes previstos no PL 449 — como
homicídio, destruição de patrimônio, emprego de explosivo e muitos outros. Mas
advertiu: o projeto de “lei antiterror” está redigido de forma especialmente
genérica e vaga, de modo a permitir amplo enquadramento — inclusive de
manifestantes. Por exemplo: segundo o texto, “terrorismo”, punível com penas de
15 a 30 anos de prisão, é “provocar ou infundir terror ou pânico generalizado
mediante ofensa ou tentativa de ofensa à vida, à integridade física ou à saúde
ou à privação da liberdade da pessoa”. Juliana questiona: “É muito abstrato. Podemos compreender
então que uma matéria [jornalística] distorcendo a realidade pode espalhar o
terror ou o pânico, e aí a empresa responsável também seria enquadrada?”
Apoiando-se
nos mesmos argumentos de Juliana, o jurista Pedro Abramovay escreveu ontem uma carta ao senador Jorge
Viana (PT-AC), de quem se diz “um grande admirador”. Abramovay analisa o tema a
partir do cenário internacional e das inúmeras legislações “antiterror”
adotadas após o 11 de setembro. Ele lembra: “O mundo viveu uma onda de
legislação antiterrorista após os atentados de 11 de setembro. Penas altíssimas.
Países que não tinham nenhum problema com terrorismo passaram a aprovar
legislações duras, flexibilizando direitos, criando noções bastante amplas do
que vem a ser terrorismo. O resultado foi trágico. De Guantánamo aos
centros de tortura espalhados pelo mundo. De grampos generalizados a
perseguições a adversários políticos. A justificativa da luta contra o
terrorismo deixou o mundo hoje um lugar menos livre. Os valores democráticos
estão mais frágeis. E o mundo não está necessariamente mais seguro.”
O adiamento
da votação no Senado, e as hesitações dos parlamentares que se mostraram mais
afoitos em defender a nova lei são um ótimo sinal. Parece claro que há uma
brecha para evitar o retrocesso. Dependerá, é provável, de repercutir mais
amplamente argumentos como os de Juliana Brito e Pedro Abramovay — e de
produzir mobilização em torno deles.
Fonte: http://outraspalavras.net/blog/
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