Para calcular o futuro
Busca de novo papel internacional, pelo Brasil, impõe riscos. Enfrentá-los exigirá enorme inventividade, mas acovardar-se seria trágico. E já não há como voltar atrás
As “grandes potências” se protegem coletivamente, impedindo o
surgimento de novos estados e economias líderes,
através da monopolização das armas, da moeda e das finanças,
da informação e da inovação tecnológica. Por isto, uma “potencia emergente”
é sempre um fator de desestabilização e mudança do sistema mundial,
porque sua ascensão ameaça o monopólio das potências estabelecidas.
através da monopolização das armas, da moeda e das finanças,
da informação e da inovação tecnológica. Por isto, uma “potencia emergente”
é sempre um fator de desestabilização e mudança do sistema mundial,
porque sua ascensão ameaça o monopólio das potências estabelecidas.
J.L.F. História, Estratégia e Desenvolvimento. Para uma Geopolítica do
Capitalismo
Editora Boitempo, 2014, SP ( no prelo )
Editora Boitempo, 2014, SP ( no prelo )
No Século XX, o Brasil deu um passo enorme e sofreu uma transformação
profunda e irreversível, do ponto de vista econômico, sociológico e político.
No início do século, era um país agrário, com um estado fraco e fragmentado, e
com um poder econômico e militar muito inferior ao da Argentina. Hoje, na
segunda década do século XXI, o Brasil é o país mais industrializado da América
Latina, e a sétima maior economia do mundo; possui um estado centralizado e
democrático, uma sociedade altamente urbanizada – ainda que desigual — e é o
principal player internacional do continente sul-americano. Além disso, é um
dos países do mundo com maior potencial de crescimento pela frente, se tomarmos
em conta seu território, sua população e sua dotação de recursos estratégicos,
sobretudo se for capaz de combinar seu potencial exportador de commodities com
a expansão sustentada do seu próprio parque industrial e tecnológico.
Tudo isto são fatos e conquistas inquestionáveis, mas estes fatos e
conquistas colocaram o Brasil frente a um novo elenco de desafios
internacionais, e hoje, em particular, o país está enfrentando uma disjuntiva
extremamente complexa. As próprias dimensões que o Brasil adquiriu, e as
decisões que tomou no passado recente, colocaram o país dentro do grupo dos
estados e das economias nacionais que fazem parte do núcleo de poder do
“caleidoscópio mundial”: um pequeno número de estados e economias nacionais que
exercem – em maior ou menor grau – um efeito gravitacional sobre todo o
sistema, e que são capazes, simultaneamente, de produzir um “rastro de
crescimento” dentro de suas próprias regiões. Queiram ou não queiram, estes
países criam em torno de si “zonas de influencia”, onde têm uma
responsabilidade política maior que a dos seus vizinhos, enquanto são chamados
a se posicionar sobre acontecimentos e situações longe de suas regiões, o que
não acontecia antes de sua ascensão. Mas ao mesmo tempo, os países que
ingressam neste pequeno “clube” dos países mais ricos e poderosos tem que estar
preparados, porque entram automaticamente num novo patamar de competição, cada
vez mais feroz, entre os próprios membros desse “núcleo” que lutam entre si
para impor a todo o sistema, os seus objetivos e as suas estratégias nacionais
de expansão e crescimento.
Neste momento, o Brasil já não tem como recuar sem pagar um preço
muito alto. Mas por outro lado, para avançar, o país precisará de uma
dose extra de coragem, persistência e inventividade. Além disto, terá que ter
objetivos claros e uma coordenação estreita, entre as agencias responsáveis
pela política externa do país, envolvendo a sua diplomacia, a sua política de
defesa, articuladas com sua política econômica e com sua política de difusão
global de sua cultura e dos seus valores. E o que é mais importante, o Brasil
terá que sustentar uma “vontade estratégica” consistente e permanente, ou seja,
uma capacidade social e estatal de construir consensos em torno de objetivos
internacionais de longo prazo, junto com a capacidade de planejar e implementar
ações de curto e médio prazo, mobilizando os atores sociais, políticos e
econômicos relevantes, frente a cada situação e desafio em particular.
Mais difícil do que tudo isto, entretanto, será o Brasil descobrir um
novo caminho de afirmação da sua liderança e do seu poder internacional, dentro
e fora de sua zona de influencia imediata. Um caminho que não siga o mesmo
roteiro das grandes potências do passado, e que não utilize a mesma arrogância
e a mesma violência que utilizaram os europeus e os norte-americanos para conquistar,
submeter e “civilizar” suas colônias e protetorados. Em segundo lugar, como
todo país que ascende dentro do sistema internacional, o Brasil terá que
questionar de forma cada vez mais incisiva, a ordem institucional estabelecida
e os grandes acordos geopolíticos em que se sustenta. Mas o Brasil terá que
fazê-lo sem o uso das armas, e através de sua capacidade de construir alianças
com quem quer que seja desde que mantenha seus objetivos e valores, e consiga
expandir-se e conquistar novas posições dentro da hierarquia política e
econômica internacional.
Este objetivo já não obedece mais a nenhum tipo de ideologia
nacionalista, nem muito menos a qualquer tipo de cartilha militar, obedece a um
imperativo “funcional”’ do próprio “sistema interestatal capitalista”: neste
sistema, “quem não sobe cai”1. Mas ao mesmo tempo, “quem sobe”,
tem que estar preparado, porque será atacado e desqualificado inevitavelmente e
de forma cada vez mais intensa e coordenada, dentro e fora de suas próprias
fronteiras, caso não se submeta à vontade estratégica dos antigos donos do
poder global. Em qualquer momento da história, é possível acovardar-se e
submeter-se. Mas atenção, porque o preço desta humilhação será cada vez maior e
insuportável para a sociedade brasileira.
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1 Elias, N. O Processo Civilizador, Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, vol 2, p: 134
1 Elias, N. O Processo Civilizador, Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, vol 2, p: 134
Fonte: http://outraspalavras.net
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