Quem ameaça, hoje, a liberdade de expressão?
Relatório
revela: assassinatos e atentados contra comunicadores e ativistas migraram dos
grotões para grandes cidades — principalmente no esforço policial em reprimir
protestos
Em 2013,
cerca de 300 pessoas sofreram violações graves à liberdade de expressão na
América Latina, segundo informações da IFEX-ALC, rede internacional de
organizações que atuam pelo direito à liberdade de expressão no mundo. Somente
no Brasil, foram 45 casos de homicídios, tentativas de assassinato, ameaças de
morte e sequestros relacionados ao exercício da liberdade de expressão, como
explica relatório
lançado nessa quarta, dia 30/04, pela ONG Artigo 19, que atua pela liberdade de
expressão e de imprensa e pelo direito ao acesso à informação.
De acordo
com o relatório, as principais vítimas são comunicadores e defensores de
direitos humanos que, pelo exercício de suas profissões ou por ativismo,
divulgam e debatem informações de interesse público. A violência contra tais
atores sociais vem de várias frentes e de diversas formas. No ano passado,
foram 12 casos de homicídios, 9 tentativas de assassinato, 22 ameaças de morte,
e dois sequestros, de acordo com a apuração da Artigo 19.
Segundo
Guilherme Canela, da assessoria de comunicação da Unesco para a América Latina,
a violência física e psicológica, como agressões e ameaças, são as mais
frequentes, mas a violência institucional e digital estão também presentes e
igualmente graves. A violência contra comunicadores e defensores de direitos
humanos tem, inclusive, um aspecto mais profundo e sutil, porque acaba sendo
direcionada não somente aos atores específicos de seus respectivos casos, como
também voltada para suas classes e de forma difusa, como em casos de
manifestações. Como afirmou Alexandra Montgomery, da ONG Justiça Global, “as
violações em manifestações são uma das formas mais perversas de violência à
liberdade de expressão”.
Cerca de
75% a 80% das agressões dirigidas a jornalistas se caracterizaram como ataques
dirigidos por agentes de segurança, como policiais militares e guardas civis,
segundo Guilherme Alpendre, da Associação Brasileira de Jornalismo
Investigativo – Abraji. A violência institucional por parte do Estado foi um
dos aspectos relevantes levantados pela pesquisa da Artigo 19. A partir de
2013, ocorreu uma mudança significativa no cenário geral das violações: houve
um aumento considerável nas grandes cidades por conta das manifestações de rua,
que se espalharam por quase todas as capitais. “A ideia é espalhar o terror e o
medo para que as pessoas desistam de se manifestar e os jornalistas desistam de
cobrir. Os comunicadores que cobrem as manifestações estão na linha de frente,
hoje se vê gente sendo morta ao vivo”, afirmou Alexandra.
Enquanto
nos anos anteriores, a pesquisa revelava uma omissão do Estado diante das
ameaças de morte e outrem, hoje, o Estado atua como perpetuador de tais
violações. As investigações são frágeis, poucas chegam ao processo judicial e o
poder judiciário é utilizado na coibição do trabalho da imprensa. De acordo com
Paula Martins, da Artigo 19, a criminalização dos protestos, as ações do alto
escalão do governo e as diversas proposições legislativas que tentam justificar
a censura e até regulamentá-la são exemplos fortes e cada vez mais frequentes
das violações institucionais contra a liberdade de expressão. E esse,
infelizmente, é um padrão regional: do total de violações desse tipo na América
Latina, 60% foram realizadas por órgãos e agentes estatais.
Se a livre
manifestação do pensamento é tida como um direito fundamental em nossa
Constituição Federal de 1988, por que as mais diversas tentativas de calar aqueles
que desenvolvem investigações e trabalham para o direito à informação ainda são
assustadoramente recorrentes? Inúmeras podem ser as respostas: denúncias de
casos de corrupção ou de exploração no campo, emissão de opinião que
desfavoreça o mandante das violações, mobilização em torno de algum caso, entre
outros. A impunidade é uma das principais causas da manutenção dessas
violações. “Muitas vezes, os executores dos crimes são responsabilizados e os
mandantes não”, afirmou Paula.
De um modo
geral, contudo, as principais causas de violações ao direito de expressão giram
em torno da intolerância em relação ao debate mais crítico e do receio de
tornar cada vez mais público um sistema arraigado de corrupção, principalmente
por parte do poder político, mas também da falta de um sistema preventivo e
protetivo e pela existência de um discurso social e midiático que apoia e
justifica a violência. A cobertura tendenciosa da grande mídia, que influencia
o debate público, reflete nas relações do Estado frente ao que vem a se tornar
uma espécie de “clamor público” mediatizado. “O discurso de ódio que divide
manifestantes e vândalos aciona a justificativa de ação de repressão por parte
do poder estatal”, reiterou Alexandra.
A melhoria
do sistema de justiça e do arcabouço de prevenção e proteção a tais graves
violações a tantas outras pelo país, que não entram na conta de pesquisas e
relatórios, se fazem urgentes nesse 3 de maio de 2014, quando comemoramos o Dia
Mundial de Liberdade de Imprensa. Como bem colocou George Orwell, em seu
clássico, “1984”, “se a liberdade significa alguma coisa, será sobretudo o
direito de dizer às outras pessoas o que elas não querem ouvir”, e é por isso
que tanta gente tem medo dela.
Fonte: http://outraspalavras.net/blog/
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