Antonio
Negri fala sobre as manifestações em conferência no Rio
Após um ano
das manifestações que tomaram as ruas no Brasil em junho de 2013, a Fundação
Casa de Rui Barbosa, no Rio de Janeiro, promoveu na última quarta-feira (28) o
debate “A cidade e o levante da multidão”. A principal atividade foi uma
conferência do filósofo italiano Antonio Negri, autor dos livros Império e Multidão,
ambos referências para o movimento mundial anti-capitalismo. O evento contou
com o apoio da PUC-Rio/Direito, e ocorreu uma mesa de abertura com análises
sobre o processo de mobilização no Rio de Janeiro. Também foi apresentado o
trabalho do coletivo PROJETAÇÃO, que tem acompanhado os protestos e exibido
mensagens críticas com uma linguagem das ruas nas paredes da cidade.
Muitos
militantes que vinham acompanhando manifestações menores dos movimentos sociais
se surpreenderam com os protestos que levaram centenas de milhares de pessoas
às ruas, disse Mariana Medeiros, . A dificuldade de viver de uma forma digna e
as pessoas querendo seus direitos, foram os principais fatores apontados por
ela que estimularam as manifestações. Medeiros acompanha a questão das remoções
de comunidades por conta das obras dos jogos esportivos mundiais, e lembrou que
muitos desses moradores fizeram seus próprios protestos com apoio de outras
pessoas. Ela também afirmou que o atual prefeito Eduardo Paes já realizou mais
de 70 mil remoções, número superior ao de Pereira Passos e Carlos Lacerda,
gestores do início e meio do século passado cujos governos são lembrados por
essas políticas.
“Bonito ver
várias comunidades fazerem as suas manifestações, algumas cheias com pessoas
que não costumam ir a esses lugares, como na Maré e Rocinha. As pessoas não
entendem porque elas não querem ir para esses ‘lugares mais dignos’, porque tem
a ver com a vivência delas, um tipo de vida que não se reproduz num condomínio
do Minha Casa Minha Vida. Vale destacar o protagonismo das mulheres nessa luta,
como muitas delas dependem do local para geração de renda são as mais afetadas.
As pessoas estão sendo empurradas das áreas centrais para a zona oeste, exceto
em Triagem para confirmar a regra. O Minha Casa foi feito para combater o
déficit habitacional, mas está sendo usado para remover as pessoas para lugares
afastados da cidade”, criticou.
Um caso
emblemático de remoções foi realizado em frente ao estádio Maracanã, onde 42
famílias foram retiradas de um antigo casarão de forma arbitrária, segundo o
ex-defensor público Alexandre Mendes. Até 2011 ele atuava no Núcleo de Terras e
Habitação, e resgatou esse caso porque na época (2009) ainda não havia uma
mobilização por parte dos moradores das comunidades então foram despejados
praticamente sem nenhum apoio. A violência física e psicológica, segundo ele,
resultou pouco depois na morte de uma senhora e um aborto. A sentença do juiz
em 2013 reconhece que houve problema no despejo porque não tinha aviso prévio
da prefeitura, mas arbitra como dano moral o valor de R$ 6 mil que corresponde
às pequenas causas. Atualmente o local serve para as equipes de policiamento do
estádio.
“A
prefeitura chegou afirmando que todos estavam em risco, mas Bittar (sec. de
habitação à época) depois disse que era um projeto no entorno do Maracanã.
Lembrei do Casarão Maracanã pensando nos que lutaram e sofreram com as
mudanças na Copa. Não teve repercussão, o Eduardo Paes tinha acabado de
assumir, foi uma demolição super grosseira de um dia derrubando tudo com os
pertences das pessoas. Sem resistência, não tinha capacidade de organicidade
entre esses grupos, que hoje é bastante forte. A prefeitura toma à força o
lote, onde a dona faleceu na década de 50 e as famílias ocuparam. Moravam
também camelôs que trabalhavam na região, inclusive nos jogos no Maracanã. Há
relatos de pessoas que perderam clientela, objetos pessoais, foram morar em
Santa Cruz, não conseguiram outro trabalho ou passam dificuldade de pagar
aluguel, além de crianças perdendo o ano letivo, mercadorias apreendidas etc”,
criticou.
De acordo
com Adriano Pilatti, professor de direito constitucional da PUC-RJ, o esculacho
na essência da ordem estabelecida no país permanece e esses grupos se mantém na
resistência. Os protestos continuam sendo reprimidos, as populações mais pobres
ocupadas militarmente e a mídia de negócios manipulando, complementou.
Sobretudo o esculacho da repressão que se agrava politicamente, juridicamente e
policialmente, disse.
“Tem sido a
forma preferencial de diálogo do estado com as ruas. Então a agenda da rua
permanece íntegra, esse fazer multidão e tentar produzir o comum a partir do
encontro horizontal. O trabalho com novas formas de militância e expressão se
comunicando em redes, assembleias, etc. Grandes manifestações cessaram, mas nós
não cessamos a falar disso, o espectro de junho continua a rondar o Brasil.
Encontros e desencontros, acúmulo de experiências(…) Os escorraçados da Oi
Telerj, por exemplo, tiveram uma comunicação e organização. São circuitos de
solidariedade, midialivristas, advogados ativistas, intelectuais, todos
contagiados. O mal estar percorre e uma trama de saberes que as ruas produziu
também”, concluiu.
É um
processo de metropolização da extração do valor, diz Negri
Após os
relatos locais, Toni Negri, como é conhecido, trouxe algumas reflexões teóricas
sobre as motivações desses protestos que rondam o mundo e o Brasil,
reconhecendo as limitações de qualquer análise sobre as questões cotidianas dos
territórios por parte de um estrangeiro. Cada processo, segundo ele, tem sua
característica própria: os sujeitos e o poder que confrontam são diferentes.
Quando a liberdade é tolhida, acrescentou, há um mundo de paixão que vive
dentro de cada movimento de uma maneira muito forte e aberta.
“Hoje
quando os movimentos falam de uma resistência, falam de algo de cooperação, uma
união, capacidade de dizer nós, que por um ponto de vista é totalmente
diferente do que a ciência política sempre determinou. Uma paixão do comum, que
se tornou o elemento fundamental para olhar as coisas políticas, em termos
resistentes que se opõem a outros comportamentos e motivações a serem
espalhadas”, destacou.
O filósofo
falou sobre profundas transformações nos modos de vida após a revolução
industrial, de maneira que as pessoas passaram a ser constituídas, produzidas e
dominadas por uma capacidade capitalista de produção e subjetividade que passa
pelo mercado. A contradição, por outro lado, segundo ele, é que chegou a certo
limite de desenvolvimento essa “biopolítica” em que o capital é o gestor de um
“biopoder” de domínio sobre a sociedade.
“A
dialética apresenta um princípio, uma inversão, ao alcançar esse máximo de
expansão surgiu dentro dessas relações vitais pelo consumo e mercado uma
resistência. Não porque havia belas consciências, mas porque o próprio
desenvolvimento do capital obrigava as pessoas a ficarem juntas. A antropologia
humana, linguagens produzidas juntas, que criava relações e encontros. E o fenômeno
da transformação da cidade é evidente”, destacou.
Os
mecanismos de exploração passam das fábricas para todas as relações com a força
de trabalho, complementa o teórico. Tudo se forma de maneira coligada, agora
são fenômenos coletivos que se tornam antropologicamente fundados: “os modos de
vida estão ligados dentro dessa gaiola de relações produtivas”, sentencia. E o
grande problema, em sua opinião, é que “o aproveitamento não chega na
singularidade, chega como exploração coletiva”. “Para trabalhar precisamos de
serviços extremamente amplos e sempre mais, são serviços que nos permitem nos
movermos nessa realidade e dentro da contradição que não é mais trabalhar, é
viver. Hoje se vive trabalhando, e é nesse viver trabalhando que o nós
resiste”, obsevou.
Umas das
principais explicações para essas mobilizações nas grandes cidades, “é que a
produtividade metropolitana é infinitamente mais cara que os custos dos seus
serviços e usos”. Para ele, essa produtividade é extraída pelo capital que não
paga os usos comuns. “Queremos fazer pagar as Olímpiadas aqui e não aos
patrões. Há uma diferença entre a produtividade das bolsas, o poder financeiro
e imobiliário e aquela que é extraída de outra parte. É uma forma do poder
financeiro que se estende dessas metrópoles a outras, uma riqueza acumulada não
mais só no trabalho mas também nas florestas, minerações, etc”, concluiu.
Retomando
conceitos de sua obra, Toni lembra que a multidão é um conjunto de
singularidades: não é uma massa nem simplesmente classe, é massa e classe
reunidas num modo de vida singular onde o trabalho é a reunião dessas
diferenças. Nesse sentido, apontou, se organiza segundo seus interesses e
consegue expressar uma violência legítima. Para ele, devemos acordar uma nova
democracia que reflita essas circunstâncias para o bem comum.
“A
propriedade privada é uma arqueologia subsumida nos mecanismos financeiros,
circula pelas bolsas do mundo. Como o comum não é apenas uma coisa, mas
sobretudo uma atividade, dentro desse conceito está também a urgência de dar
formas de auto gestão e auto valorização, capacidade direta e geral da gestão
do comum. O comum deve ser o acúmulo dessa nossa atividade livre, a capacidade
de vivermos bem juntos, de governo direto que se refere à nossa atividade e
consciência”, criticou.
Negri
encerrou sua conferência falando sobre as eleições na União Europeia,
referindo-se com preocupação à influência das ideologias euroceticistas
“terrivelmente reacionárias”, e defendeu uma nova forma de organização a partir
dos indivíduos sem passar pelo Estado “que sempre se defende e dificilmente é
distinguível dos interesses capitalistas”. Por fim elogiou o governo do PT no
Brasil, ressaltando a projeção do país no cenário internacional em poucos anos.
“Mas é evidente o problema institucional, para não dizer eleitoral, que é
central. Todos os observadores externos pensaram que o PT fosse se abrir aos
movimentos da multidão, e pelo que me dizem isso não aconteceu. Existe essa
possibilidade de romper com esse bloco (…) São duas formas de governo
incrustadas na mesma: até que ponto esse coração mais pesado brasileiro ainda é
escravagista ou não, ou o mais leve é capaz de modificar o outro. O partido que
fez a revolução é o mesmo que a reprime sua continuidade processual”, disse.
Eduardo de
Sá é jornalista
Fonte: http://www.fazendomedia.com
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