Nasce na Grande São Paulo a Juventude Anarquista de Osasco
[Acaba de surgir na Grande São Paulo a Juventude Anarquista de Osasco (JAO). Um grupo formado por jovens trabalhadores e estudantes libertários. "Nossa meta é educar as pessoas em todos os sentidos, seja ecológico, político... Nossas principais ações no momento são contra o aumento abusivo das tarifas dos ônibus no município e contra um rodeio na cidade. Nossas futuras atuações serão bem mais abrangentes, e gostaríamos de nos unir a outros coletivos libertários. Queremos retomar a força do movimento anarquista na região através da conscientização, da autonomia e de ações diretas”, explicam. A seguir um comunicado do grupo.]
Carta de apresentação da Juventude Anarquista de Osasco
Camaradas anarquistas de Osasco,
Camaradas? Camaradas não, é coisa do passado, precisamos de uma nova linguagem.
Trutas de Osasco indignados como nós. Mas que também são camaradas, amigos, companheiros.
Bem, quer dizer... mal. Mal porque vivemos em uma região muito problemática, todos nós sabemos. Aqui as escolas parecem prisões, a paisagem da cidade é marcada pela tonalidade cinza de concreto, o ar é sujo como os córregos que cortam a cidade, as pessoas prendem-se em vícios (fé, televisão, drogas, uso excessivo de álcool, fanatismo futebolístico etc.), pois enxergar a crueza da realidade é muito cruel, falta cabedal para muitos, muitas vezes a nós mesmos, para enfrentar de cara o chicote que estrala todos os dias.
Se não tivesse citado o nome desta logo de início poderia estar falando de qualquer outra cidade do mundo ocidental. Ou pelo menos a maioria das atingidas pela modernidade, onde não há mecanismos suficientes de satisfação momentânea para satisfazer o mínimo de desejo de seus cidadãos (as cidades ou bairros “modelos”, por exemplo), em que encontramos uma “tragédia” a cada esquina – isto é, se não estivermos andando no Parque dos Príncipes ou na Granja Vianna sendo um executivo ou profissional liberal que se encontra abaixo daqueles que moram em Ipanema, Leblon, Morumbi ou Jardins.
Esta região é realmente problemática, aliás, quanto mais nos dirigimos à periferia ou ao “Oeste” da Grande São Paulo a situação piora, à Oeste, Sul, Norte, ou Leste. Na verdade, os problemas se encontram em todos os extremos. Mas moramos nessa região, agiremos mais nessa por praticidade e por estarmos condicionados neste campo de concentração de trabalhadores assalariados. Pelo menos essa é a nossa proposta. Não podemos é nos isolar, pelo contrário, devemos nos comunicar, agir em outras regiões, aprender e conhecer os desfavorecidos como nós, assim nos fortalecemos e podemos adquirir mais experiência.
É difícil de acreditar, mas esse lugar já foi até pior. Não parece, pois esse tipo de história não aprendemos nas escolas, nem nos livros didáticos, nem no museu que fica na Av. dos Autonomistas em frente à Av. João Baptista, muito menos no site da prefeitura ou no artigo do Wikipédia sobre a cidade, no entanto houve muitos subversivos como nós ao longo da história daqui. Houve assaltos e atentados ao quartel do Quitaúna, atentados à bomba, manifestações e greves imensas autodirigidas pelos próprios trabalhadores (nada de Sindicato pelego querendo se promover), ações estudantis sem interesse nas próximas eleições, panelaços, autoridades com medo de morrer. Aliás, a história dos operários de Osasco começa com uma “migração” forçada de trabalhadores anarquistas advindos da Vidraria Santa Marina localizada entre a Barra Funda e a Lapa que foram expulsos da Vila Operária (onde o mesmo dono da indústria era o “Seu Barriga” da vilinha) após uma greve iniciada pelas crianças exploradas!
O que temos que enfrentar são problemas diversos. As ações que faremos devem ser de ordem diversa também. De início podemos começar com coisas mais simples, como fizemos da última vez. Intervenções com estêncil, elaboração de um fanzine (quem sabe, com o tempo, um futuro boletim, jornal, ou outro tipo de mídia escrita), panfletagem, colagem, promoção de eventos subversivos etc.
Para fazermos tudo isso precisamos também construir meios de auto-sustentação. Para bancar as cópias, o spray e essas coisas. Por enquanto, só teremos nosso bolso de crédito. Mas já podemos pensar em vender camisetas, DVDs piratas, churrasquinhos em Verdurada, entre outras idéias que já foram levantadas ou que poderão alçar feito efeito de viagra.
Podemos pensar nosso grupo como um grupo de ação com diversas estratégias. Traçar metas de curta, média e longa duração (para o resto de nossas vidas e talvez para as gerações posteriores). De curta é o que estamos fazendo, coisas mais simples, como acabei de dizer nos últimos parágrafos mais a formação de um grupo de estudos onde estudaríamos novos modos de ação para semearmos os próximos passos, assim como acharia interessante também o exercício intelectual no campo da anarquia, da filosofia, da arte (de todas!) etc. Onde, ao contrário das universidades e modelos tradicionais de educação, esses estudos não seriam apenas teóricos, mas práticos e físicos também. Com um pouco de química até fazemos uma bomba!
De média podemos projetar eventos mais complexos, a sedimentação de contatos com grupos desse mísero país e de outras regiões do mundo, talvez até uma espécie de sede, um lugar onde poderíamos morar e promover ações, convidar pessoas, criar eventos etc.!
De longa, meus amigos, a grande revolução! Grandes rebeliões etc.! Mas antes, quem sabe, podemos constituir cooperativas autogestionárias, escolas com pedagogias libertárias, comunidades alternativas pelo interior do Brasil-sil-sil ou da Bolívia-via-via, ou por qualquer outro canto do universo! Quem sabe até lá o Zé Polvinho já tenha construído a sua espaço-nave e nos levado para um lugar mais agradável como o Planeta Verde em que conspiraremos contra a (dês) Ordem terrestre!
Juventude Anarquista de Osasco (JAO): jaosasco@gmail.com
agência de notícias anarquistas-ana
No verde da praça
a rã salta, salta, salta
e assusta quem passa.
Nilton Manoel
Fonte: ANA
segunda-feira, 27 de abril de 2009
sexta-feira, 24 de abril de 2009
O nosso muro da vergonha - Rio de Janeiro
Temos que concordar que os nossos políticos e homens públicos se superam a cada dia, se não bastasse as tormentas de privilégios que assombram aqueles que vivem em Brasília, o Governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral agora acaba de se superar, já que esse muro é algo de tão brilhante que logo mais eles estarão por todos os bairros e favelas deste Brasil que um dia ira tombar!
Provos Brasil
Confronto no Jabaquara dia 25.04.2008 em São Paulo
CONFRONTO GRAVAÇÃO DO DVD DIA 25 DE ABRIL
A HORA DA VERDADE ESTÁ CHEGANDO, JÁ ESTÁ TUDO NA AGULHA, TRABALHO INTENSO, ESTAMOS DEIXANDO TUDO NA MAIS PERFEITA ORDEM, COLOCANDO TODOS OS NOSSOS ESFORÇOS PARA QUE ESTE DVD SEJA NÃO APENAS UM REGISTRO MAIS ALGO QUE VENHA MARCAR NÃO SÓ AS NOSSAS VIDAS (SEVEN EIGHT LIFE X CONFRONTO E TODO O PESSOAL ENVOLVIDO NESTE DVD) MAIS A VIDA DE TODOS QUE VÃO ESTAR PRESENTES NESTE DIA, ESTAMOS DEDICANDO TODO NOSSO TEMPO, TODOS NOSSOS ESFORÇOS PARA QUE ISSO REALMENTE VENHA A SER ALGO ÚNICO, ONDE TODOS NÃO VENHAM APENAS PARA APARECER NO DVD E FICAR MOSTRANDO "OLHA EU LÁ", MAIS QUE TODOS VENHAM PARTICIPAR COM O CORAÇÃO, COM A VERDADEIRA VONTADE DE VIVER ESTE MOMENTO DA FORMA MAIS INTENSA, MUITAS VEZES EU ME SINTO UM ADOLESCENTE VIBRANDO E SENTINDO UMA ENERGIA UNICA A CADA SHOW E NESTE NÃO TENHO DÚVIDA QUE SERÁ ALGO REALMENTE MUITO FORTE, EMOCIONANTE POSSO ATÉ DIZER, UMA DAS POUCAS BANDAS QUE AINDA ACREDITAM DE VERDADE NISSO, TUDO QUE FAZEM, TODA ESSA CORRERIA COM RESPEITO AMOR E DEDICAÇÃO, MOTIVO PELO QUAL A 78LIFE EXISTE, ACREDITO AINDA NA BOA FÉ E NO VERDADEIRO SENTIMENTO DE TODOS NO QUE SE DIZ RESPEITO DE VIVER O VERDADEIRO HARDCORE DE FORMA ÚNICA, NÃO IMPORTA SE É METAL, SE É OLD SCHOOL SE É O QUE TIVER QUE SER O QUE IMPORTA MESMO É ESTARMOS TODOS JUNTOS E PELO MESMO MOTIVO. E É POR ISSO QUE ESPERO VER TODOS NESTA CELEBRAÇÃO, QUERO QUE CADA GOTA DE SUOR DERRAMADO NESTE DIA TENHA UM VALOR ÚNICO, QUE CADA EXPRESSÃO SEJA A MAIS SINCERA POSSÍVEL E QUE ISSO TALVEZ VENHA FAZER UM REAL SENTIDO EM SUA VIDA.
Fonte: http://www.seveneightlife.com
Léxico da (anti*)desilusão - Por Naomi Klein
Léxico da (anti*)desilusão
Naomi Klein, The Nation
(ed. impressa nas bancas dia 4/5/2009; na internet dia 15/4/2009, em http://www.thenation.com/doc/20090504/klein?rel=hp_currently
Nem tudo vai muito bem na Obamafãslândia. Não se sabe ainda exatamente como explicar a mudança de humor. Talvez seja o fedor rançoso que vem do mais recente banco 'resgatado' pelo Tesouro. Ou das notícias de que o principal conselheiro de Economia do presidente, Larry Summers, recebeu milhões dos mesmos bancos e corretoras de "hedge funds" de Wall Street que, agora, ele tenta proteger contra a re-regulação. Ou talvez a coisa tenha começado antes, quando Obama silenciou, durante o ataque de Israel a Gaza.
Seja quem for que pague o mico, número cada vez maior de Obamamaníacos começam a entrever a possibilidade de que seu herói talvez não consiga salvar o mundo, se só contar, para ajudá-lo, com nossa esperança... por mais sincera e firme que seja.
Se esperamos que a cultura de "fã-clube" que levou Obama ao poder venha a converter-se em movimento político independente, suficientemente potente para produzir programas que efetivamente dêem conta dos atuais problemas e crises que os EUA enfrentam, é hora de todos pararmos de esperar-com-esperanças e começar a exigir.
O primeiro passo, contudo, tem de passar por todos entendermos completamente os interespaços muito estreitos nos quais muitos dos movimentos progressistas são obrigados a viver, nos EUA. Para entender isso, é preciso construir outra linguagem, específica para esse momento-Obama em que estamos. Aqui sugiro um começo de um novo léxico.
Super-esperanças. Como nas ressacas, a super-esperança resulta de super-excesso, ontem. Acontece sempre que mergulhamos fundo demais em qualquer sensação prazerosa que, contudo, seja ou pecado ou crime ou faça mal à saúde ou ao meio ambiente. E depois vem o remorso. A culpa. Às vezes, muita vergonha. É o equivalente político da larica por hipoglicemia. Frase exemplar, de caso de super-esperança é: "Ao assistir ao discurso sobre economia, de Obama, meu coração disparou. Depois, quando quis contar a um amigo sobre os planos de Obama para resolver a vida dos milhões de desempregados e sem-teto... eu só gaguejava. Surto muito brabo, de super-esperança."
Esperança-sobe-e-desce. Como se vivesse numa montanha-russa, o esperador de esperança-sobe-e-desce vive um intenso sobe-e-desce emocional nesses dias de Obama, entre a euforia de ter um presidente que apoia que se ensine sexo seguro nas escolas, e o fundo do poço emocional de sentir-se excluído da discussão, só porque se é segurado individual de algum plano de saúde privado... e é como se não existíssemos e ninguém nos ouve. Frase exemplar, nesse caso, é: "Surtei de alegria quando Obama disse que Guantánamo será fechada. Mas agora estão dizendo que, na prisão de Bagram, ninguém tem direito algum, a nada. Parem a montanha-russa!! Eu preciso sair daqui!"
Esperança-intoxicação. Como quem morre de saudade da casa da mãe, os esperadores de esperança-intoxicação são indivíduos intensamente nostálgicos. Não entenderam que a campanha eleitoral não passou de um surto de otimismo, pensaram que duraria para sempre. Agora, vivem para reencontrar aquela emoção, aquele calor... quase sempre super-exagerando o significado de manifestações quase insignificantes da decência humana de Obama. Frases exemplares: "Eu fiquei gravemente intoxicado de esperança-tóxica sobre a escalada no Afeganistão. Depois, quando assisti a um vídeo no YouTube, em que Michelle ensina jardinagem orgânica, foi lindo e tudo passou. Foi como se estivesse outra vez assistindo à cerimônia da posse. Depois, soube que o governo Obama está boicotando uma importante conferência da ONU contra o racismo... E desabei, outra vez, de saudades dos bons tempos. Foi pior que antes! Sorte que, em seguida, assisti a um desfile em que Michelle só usou vestidos desenhados por estilistas independentes, das minorias étnicas e, ufa, melhorei."
Esperança-fissura. A esperança-fissura, como a fissura de drogas, é terrível e arrasta a fazer qualquer coisa para pôr fim à fissura. (Intimamente relacionada à esperança-intoxicação-saudade-dos-bons-tempos, mas mais severa; afeta sobretudo machos de meia idade). Frase exemplar: "Joe contou que realmente acredita que Obama deliberadamente escolheu Summers especificamente para estragar o resgate dos bancos; assim, Obama teria uma desculpa para fazer o que realmente deseja fazer: nationalizar os bancos e convertê-los em cooperativas de crédito. Que esperança-fissura!"
Esperança-deprê. Como um certo tipo de amante-deprê, a obamita esperadora de esperança-deprê não é doida; é horrivelmente pessimista e está muito triste. Ela (a maioria são elas) projetou poderes messiânicos em Obama. Agora, sofre de desilusão inconsolável. Frase exemplar: "Acreditei meeeeeeeeeeeeesmo que Obama nos obrigaria a encarar o passado escravagista dos EUA e que teríamos discussão nacional séria, nos EUA, sobre raça e racismo. Agora... ele já nem fala em raça e só faz distorcer argumentos legalistas para evitar a devassa em todos os crimes dos anos Bush. Cada vez que ouço Obama dizer que "temos de avançar"... é como se meu coração levasse uma chicotada, tudo outra vez."
Esperança reversa. Como no coice reverso de um chicote, que tem de ser bem manejado para não chicotear o chicoteador, a esperança reversa é o perfeito reverso, um giro de 180 graus, em tudo que tenha a ver com Obama. As vítimas de esperança reversa foram seguidores apaixonados, verdadeiros evangelistas, carne da carne de Obama. Hoje, são seus piores inimigos, os mais acérrimos criticadores! Frase exemplar: "Com Bush, pelo menos, todos sempre souberam que era perfeito idiota. Agora, taí: as mesmas guerras, as mesmas torturas nas mesmas prisões sem lei, a mesma corrupção em Washington, e os panacas festejam, como esposa enganada de novelão, que nada sabe, nada vê. Precisam é de umas boas chicotadas!"
Agora, tentando encontrar nomes para designar nossos padecimentos nacionais por causa da esperança, lembrei-me do falecido Studs Terkel**, e do que diria dessa ressaca nacional pós-eleitoral que acomete os EUA. Com certeza diria que não desesperemos. Folheei um de seus últimos livros Hope Dies Last [A esperança é a última que morre]. Nem precisei procurar muito. As primeiras palavras do livro são "a esperança nunca morre como nasceu: ela sempre deixa algum benefício".
Aí se diz quase tudo. A esperança foi excelente slogan, que acompanhou um candidato que fez aposta alta, de longo prazo. Contudo, como mote e postura que acompanhe o presidente da nação mais poderosa da terra é perigosamente reverente.
A tarefa, para avançar (expressão que Obama adora), não implica abandonar a esperança. Implica, sim, encontrar melhores pontos nos quais apoiar a esperança – nas fábricas, nas comunidades, nos bairros, nas periferias, locais e espaços em que comícios, reuniões, manifestações de rua e ocupações começam já a renascer.
Sam Gindlin, cientista político, escreveu recentemente que o movimento de trabalhadores pode fazer muito mais do que apenas tentar preservar para si algum status quo.
Os trabalhadores podem, por exemplo, exigir que fábricas falidas e desativadas sejam convertidas em instalações 'verdes', onde se fabriquem veículos de transporte coletivo e se criem tecnologias não poluidoras e sistemas de energia renovável. "Ser realista significa arrancar a esperança dos discursos e metê-la nas mãos dos que trabalham", escreveu ele.
Com o quê chegamos à última entrada desse léxico.
Esperança em movimento. Sentença exemplar: "Basta de crer em esperança que cai do céu. É preciso ativar a esperança em movimento, nos movimentos, de baixo para cima."
++++++++++++++++++++++++++++
* Essa é uma tradução de guerrilha. A quantidade de neologias cria risco imenso, para qquer tradutor. O que aí vai é uma das muitas possibilidade de traduzir esse tipo de discurso e há inúmeras outras. Correções e comentários são bem-vindos para caia.fittipaldi@uol.com.br
** Para saber quem é ver http://www.studsterkel.org/bio.php .
Fonte: www.novae.inf.br
Naomi Klein, The Nation
(ed. impressa nas bancas dia 4/5/2009; na internet dia 15/4/2009, em http://www.thenation.com/doc/20090504/klein?rel=hp_currently
Nem tudo vai muito bem na Obamafãslândia. Não se sabe ainda exatamente como explicar a mudança de humor. Talvez seja o fedor rançoso que vem do mais recente banco 'resgatado' pelo Tesouro. Ou das notícias de que o principal conselheiro de Economia do presidente, Larry Summers, recebeu milhões dos mesmos bancos e corretoras de "hedge funds" de Wall Street que, agora, ele tenta proteger contra a re-regulação. Ou talvez a coisa tenha começado antes, quando Obama silenciou, durante o ataque de Israel a Gaza.
Seja quem for que pague o mico, número cada vez maior de Obamamaníacos começam a entrever a possibilidade de que seu herói talvez não consiga salvar o mundo, se só contar, para ajudá-lo, com nossa esperança... por mais sincera e firme que seja.
Se esperamos que a cultura de "fã-clube" que levou Obama ao poder venha a converter-se em movimento político independente, suficientemente potente para produzir programas que efetivamente dêem conta dos atuais problemas e crises que os EUA enfrentam, é hora de todos pararmos de esperar-com-esperanças e começar a exigir.
O primeiro passo, contudo, tem de passar por todos entendermos completamente os interespaços muito estreitos nos quais muitos dos movimentos progressistas são obrigados a viver, nos EUA. Para entender isso, é preciso construir outra linguagem, específica para esse momento-Obama em que estamos. Aqui sugiro um começo de um novo léxico.
Super-esperanças. Como nas ressacas, a super-esperança resulta de super-excesso, ontem. Acontece sempre que mergulhamos fundo demais em qualquer sensação prazerosa que, contudo, seja ou pecado ou crime ou faça mal à saúde ou ao meio ambiente. E depois vem o remorso. A culpa. Às vezes, muita vergonha. É o equivalente político da larica por hipoglicemia. Frase exemplar, de caso de super-esperança é: "Ao assistir ao discurso sobre economia, de Obama, meu coração disparou. Depois, quando quis contar a um amigo sobre os planos de Obama para resolver a vida dos milhões de desempregados e sem-teto... eu só gaguejava. Surto muito brabo, de super-esperança."
Esperança-sobe-e-desce. Como se vivesse numa montanha-russa, o esperador de esperança-sobe-e-desce vive um intenso sobe-e-desce emocional nesses dias de Obama, entre a euforia de ter um presidente que apoia que se ensine sexo seguro nas escolas, e o fundo do poço emocional de sentir-se excluído da discussão, só porque se é segurado individual de algum plano de saúde privado... e é como se não existíssemos e ninguém nos ouve. Frase exemplar, nesse caso, é: "Surtei de alegria quando Obama disse que Guantánamo será fechada. Mas agora estão dizendo que, na prisão de Bagram, ninguém tem direito algum, a nada. Parem a montanha-russa!! Eu preciso sair daqui!"
Esperança-intoxicação. Como quem morre de saudade da casa da mãe, os esperadores de esperança-intoxicação são indivíduos intensamente nostálgicos. Não entenderam que a campanha eleitoral não passou de um surto de otimismo, pensaram que duraria para sempre. Agora, vivem para reencontrar aquela emoção, aquele calor... quase sempre super-exagerando o significado de manifestações quase insignificantes da decência humana de Obama. Frases exemplares: "Eu fiquei gravemente intoxicado de esperança-tóxica sobre a escalada no Afeganistão. Depois, quando assisti a um vídeo no YouTube, em que Michelle ensina jardinagem orgânica, foi lindo e tudo passou. Foi como se estivesse outra vez assistindo à cerimônia da posse. Depois, soube que o governo Obama está boicotando uma importante conferência da ONU contra o racismo... E desabei, outra vez, de saudades dos bons tempos. Foi pior que antes! Sorte que, em seguida, assisti a um desfile em que Michelle só usou vestidos desenhados por estilistas independentes, das minorias étnicas e, ufa, melhorei."
Esperança-fissura. A esperança-fissura, como a fissura de drogas, é terrível e arrasta a fazer qualquer coisa para pôr fim à fissura. (Intimamente relacionada à esperança-intoxicação-saudade-dos-bons-tempos, mas mais severa; afeta sobretudo machos de meia idade). Frase exemplar: "Joe contou que realmente acredita que Obama deliberadamente escolheu Summers especificamente para estragar o resgate dos bancos; assim, Obama teria uma desculpa para fazer o que realmente deseja fazer: nationalizar os bancos e convertê-los em cooperativas de crédito. Que esperança-fissura!"
Esperança-deprê. Como um certo tipo de amante-deprê, a obamita esperadora de esperança-deprê não é doida; é horrivelmente pessimista e está muito triste. Ela (a maioria são elas) projetou poderes messiânicos em Obama. Agora, sofre de desilusão inconsolável. Frase exemplar: "Acreditei meeeeeeeeeeeeesmo que Obama nos obrigaria a encarar o passado escravagista dos EUA e que teríamos discussão nacional séria, nos EUA, sobre raça e racismo. Agora... ele já nem fala em raça e só faz distorcer argumentos legalistas para evitar a devassa em todos os crimes dos anos Bush. Cada vez que ouço Obama dizer que "temos de avançar"... é como se meu coração levasse uma chicotada, tudo outra vez."
Esperança reversa. Como no coice reverso de um chicote, que tem de ser bem manejado para não chicotear o chicoteador, a esperança reversa é o perfeito reverso, um giro de 180 graus, em tudo que tenha a ver com Obama. As vítimas de esperança reversa foram seguidores apaixonados, verdadeiros evangelistas, carne da carne de Obama. Hoje, são seus piores inimigos, os mais acérrimos criticadores! Frase exemplar: "Com Bush, pelo menos, todos sempre souberam que era perfeito idiota. Agora, taí: as mesmas guerras, as mesmas torturas nas mesmas prisões sem lei, a mesma corrupção em Washington, e os panacas festejam, como esposa enganada de novelão, que nada sabe, nada vê. Precisam é de umas boas chicotadas!"
Agora, tentando encontrar nomes para designar nossos padecimentos nacionais por causa da esperança, lembrei-me do falecido Studs Terkel**, e do que diria dessa ressaca nacional pós-eleitoral que acomete os EUA. Com certeza diria que não desesperemos. Folheei um de seus últimos livros Hope Dies Last [A esperança é a última que morre]. Nem precisei procurar muito. As primeiras palavras do livro são "a esperança nunca morre como nasceu: ela sempre deixa algum benefício".
Aí se diz quase tudo. A esperança foi excelente slogan, que acompanhou um candidato que fez aposta alta, de longo prazo. Contudo, como mote e postura que acompanhe o presidente da nação mais poderosa da terra é perigosamente reverente.
A tarefa, para avançar (expressão que Obama adora), não implica abandonar a esperança. Implica, sim, encontrar melhores pontos nos quais apoiar a esperança – nas fábricas, nas comunidades, nos bairros, nas periferias, locais e espaços em que comícios, reuniões, manifestações de rua e ocupações começam já a renascer.
Sam Gindlin, cientista político, escreveu recentemente que o movimento de trabalhadores pode fazer muito mais do que apenas tentar preservar para si algum status quo.
Os trabalhadores podem, por exemplo, exigir que fábricas falidas e desativadas sejam convertidas em instalações 'verdes', onde se fabriquem veículos de transporte coletivo e se criem tecnologias não poluidoras e sistemas de energia renovável. "Ser realista significa arrancar a esperança dos discursos e metê-la nas mãos dos que trabalham", escreveu ele.
Com o quê chegamos à última entrada desse léxico.
Esperança em movimento. Sentença exemplar: "Basta de crer em esperança que cai do céu. É preciso ativar a esperança em movimento, nos movimentos, de baixo para cima."
++++++++++++++++++++++++++++
* Essa é uma tradução de guerrilha. A quantidade de neologias cria risco imenso, para qquer tradutor. O que aí vai é uma das muitas possibilidade de traduzir esse tipo de discurso e há inúmeras outras. Correções e comentários são bem-vindos para caia.fittipaldi@uol.com.br
** Para saber quem é ver http://www.studsterkel.org/bio.php .
Fonte: www.novae.inf.br
quarta-feira, 22 de abril de 2009
Esse é o Brasil.....
STJ concede liberdade a mandante do assassinato de Dorothy Stang
Folha Online
O ministro Arnaldo Esteves Lima, da 5ª Turma do STJ (Superior Tribunal de Justiça) concedeu liminar para o fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, acusado de ser o mandante do assassinato da missionária Dorothy Stang. Pela liminar, Bida terá o direito de aguardar em liberdade o julgamento do processo.
12.fev.2004//Reuters
Dorothy Stang foi morta a tiros em uma estrada vicinal de Anapu (PA) em 2005
Bida se entregou para a polícia no dia 8 após a Justiça do Pará anular o julgamento de maio de 2008, que o absolveu e decretar sua prisão preventiva.
A absolvição ocorreu no segundo júri de Bida no caso. O primeiro havia ocorrido em maio de 2007. Daquela vez, ele havia sido condenado a 30 anos de prisão.
Os desembargadores anularam também o último julgamento que condenou Rayfran das Neves Sales a 28 anos de prisão, conhecido como Fogoió, acusado de matar a missionária norte-americana.
Segundo o TJ-PA (Tribunal de Justiça), o pedido de anulação dos julgamentos foi feito pelo Ministério Público que, entre outras alegações, contestou o vídeo apresentado pela defesa de Bida, em que Amair Feijoli da Cunha, o Tato, aparece inocentando o fazendeiro. Segundo o Ministério Público, o vídeo foi anexado aos autos de forma ilegal.
Já em relação ao julgamento de Fogoió, o Ministério Público pediu anulação em virtude dos jurados não terem aceitado como agravante da pena o fato de o acusado ter aceitado recompensa de R$ 50 mil pelo assassinato. Segundo o pedido, caso a recompensa fosse levada em consideração, a pena seria superior aos 28 anos.
O outro suspeito de mandar matar Dorothy, o fazendeiro Regivaldo Pereira Galvão, o Taradão, aguarda em liberdade ao seu julgamento, previsto para acontecer até o fim de junho.
A freira norte-americana naturalizada brasileira Dorothy Stang foi assassinada a tiros em uma estrada vicinal de Anapu em 12 de fevereiro de 2005.
Ela foi morta aos 73 anos quando se dirigia a uma reunião com agricultores no interior de Anapu. Ela era americana naturalizada brasileira e atuava havia 40 anos na organização de trabalhadores no Pará.
De acordo com a Promotoria, a morte dela foi encomendada porque a missionária defendia a criação de assentamentos para sem-terra na região, o que desagrava fazendeiros.
Fonte: UOL
Folha Online
O ministro Arnaldo Esteves Lima, da 5ª Turma do STJ (Superior Tribunal de Justiça) concedeu liminar para o fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, acusado de ser o mandante do assassinato da missionária Dorothy Stang. Pela liminar, Bida terá o direito de aguardar em liberdade o julgamento do processo.
12.fev.2004//Reuters
Dorothy Stang foi morta a tiros em uma estrada vicinal de Anapu (PA) em 2005
Bida se entregou para a polícia no dia 8 após a Justiça do Pará anular o julgamento de maio de 2008, que o absolveu e decretar sua prisão preventiva.
A absolvição ocorreu no segundo júri de Bida no caso. O primeiro havia ocorrido em maio de 2007. Daquela vez, ele havia sido condenado a 30 anos de prisão.
Os desembargadores anularam também o último julgamento que condenou Rayfran das Neves Sales a 28 anos de prisão, conhecido como Fogoió, acusado de matar a missionária norte-americana.
Segundo o TJ-PA (Tribunal de Justiça), o pedido de anulação dos julgamentos foi feito pelo Ministério Público que, entre outras alegações, contestou o vídeo apresentado pela defesa de Bida, em que Amair Feijoli da Cunha, o Tato, aparece inocentando o fazendeiro. Segundo o Ministério Público, o vídeo foi anexado aos autos de forma ilegal.
Já em relação ao julgamento de Fogoió, o Ministério Público pediu anulação em virtude dos jurados não terem aceitado como agravante da pena o fato de o acusado ter aceitado recompensa de R$ 50 mil pelo assassinato. Segundo o pedido, caso a recompensa fosse levada em consideração, a pena seria superior aos 28 anos.
O outro suspeito de mandar matar Dorothy, o fazendeiro Regivaldo Pereira Galvão, o Taradão, aguarda em liberdade ao seu julgamento, previsto para acontecer até o fim de junho.
A freira norte-americana naturalizada brasileira Dorothy Stang foi assassinada a tiros em uma estrada vicinal de Anapu em 12 de fevereiro de 2005.
Ela foi morta aos 73 anos quando se dirigia a uma reunião com agricultores no interior de Anapu. Ela era americana naturalizada brasileira e atuava havia 40 anos na organização de trabalhadores no Pará.
De acordo com a Promotoria, a morte dela foi encomendada porque a missionária defendia a criação de assentamentos para sem-terra na região, o que desagrava fazendeiros.
Fonte: UOL
América Latina, um continente sem teoria - Por José Luis Fiori
América Latina, um continente sem teoria
Os liberais nunca tiveram uma teoria original a respeito da América Latina, nem precisam dela. A repetição recorrente de algumas platitudes cosmopolitas foi mais do que suficiente para sustentar sua visão da economia mundial, e legitimar sua ação política e econômica idêntica em todos os países. Mas no caso dos intelectuais progressistas do continente, é uma má notícia saber que não existe mais uma teoria capaz de ler e interpretar a história do continente, e fundamentar uma estratégia coerente de construção do futuro. A análise é de José Luís Fiori.
José Luís Fiori
Data: 22/04/2009
No século XIX, o pensamento social europeu dedicou pouquíssima atenção ao continente americano. Mesmo os socialistas e marxistas que discutiram a “questão colonial”, no final do século, só estavam preocupados com a Ásia e a África. Nunca tiveram interesse teórico e político nos novos estados americanos, que alcançaram sua independência, mas se mantiveram sob a tutela diplomática e financeira da Grã Bretanha. Foi só no início do século XX, que a teoria marxista do imperialismo se dedicou ao estudo específico da internacionalização do capital e seu papel no desenvolvimento capitalista a escala global. Assim mesmo, seu objeto seguiu sendo a competição e a guerra entre os europeus e a maior parte dos autores marxistas ainda compartilhava a visão evolucionista de Marx, com relação ao futuro econômico dos países atrasados, seguros de que “os países mais desenvolvidos industrialmente mostram aos menos desenvolvidos, a imagem do que será o seu próprio futuro”.
Foi só depois da década de 20, que a III Internacional Comunista transformou o imperialismo num adversário estratégico e num obstáculo ao desenvolvimento das forças produtivas nos países “coloniais e semi-coloniais”. De qualquer forma, o objeto central de todas as análises e propostas revolucionárias foi sempre, a Índia, a China, o Egito e Indonésia, muito mais do que a América Latina. Na primeira metade do século XX, os Estados Unidos já haviam se transformado numa grande potência imperialista, e o resto da América Latina foi incluída pela III Internacional, depois de 1940, na mesma estratégia geral das “revoluções nacionais”, ou das “revolução democrático burguesa”, contra a aliança das forças imperialistas com as oligarquias agrárias feudais, e a favor da industrialização nacional dos países periféricos.
Um pouco mais à frente, na década de 1950, a tese da “revolução democrático-burguesa”, e sua defesa do desenvolvimento industrial, foi reforçada pela “economia política da CEPAL” (Comissão Econômica para a América Latina) que analisava a economia latino-americana no contexto de uma divisão internacional do trabalho entre países “centrais” e países “periféricos”. A CEPAL criticava a tese das “vantagens comparativas” da teoria do comercio internacional de David Ricardo, e considerava que as relações comerciais entre as duas “fatias” do sistema econômico mundial prejudicavam o desenvolvimento industrial dos países periféricos. Tratava-se de uma crítica econômica heterodoxa, de filiação keynesiama, mas do ponto de vista prático acabou convergindo com as propostas “nacional-esenvolvimentista”, que foram hegemônicas no continente, depois da II Guerra Mundial.
Na década de 60, entretanto, a Revolução Cubana, a crise econômica e a multiplicação dos golpes militares em toda América Latina provocaram um desencanto generalizado com a estratégia “democrático-burguesa”, e com a proposta “cepalina” da industrialização por “substituição de importações”. Sua crítica intelectual deu origem às três grandes vertentes da “teoria da dependência”, que talvez tenha sido a última tentativa de teorização latino-americana, do século XX.
A primeira vertente - de filiação marxista - considerava o desenvolvimento dos países centrais e o imperialismo um obstáculo intransponível para o desenvolvimento capitalista periférico. Por isto, falavam do “desenvolvimento do subdesenvolvimento” e defendiam a necessidade de uma revolução socialista imediata, inclusive como estratégia de desenvolvimento econômico. A segunda vertente - de filiação “cepalina”- também identificava obstáculos à industrialização do continente, mas considerava possível superá-los através de uma série de “reformas estruturais” que se transformaram em tema central da agenda política latino-americana, durante toda a década de 60. Na verdade, a própria teoria da CEPAL, sobre a relação “centro-periferia”, já não dava conta da relação dos EUA com o seu “território econômico supranacional”, que era diferente do que havia acontecido com a Grã Bretanha.
Por fim, a terceira vertente da teoria de dependência - de filiação a um só tempo marxista e cepalina - foi a que teve vida mais longa e efeitos mais surpreendentes, por três razões fundamentais: primeiro, porque defendia a viabilidade do capitalismo latino-americano; segundo, porque defendia uma estratégia de desenvolvimento “dependente e associado” com os países centrais; e terceiro, porque saíram deste correntes alguns dos principais líderes políticos e intelectuais da “restauração neoliberal” dos anos 90. Como se tivesse ocorrido um apagão mental, velhos marxistas, nacionalistas e desenvolvimentistas abandonaram suas teorias latino-americanistas e aderiram à visão do sistema mundial e do capitalismo, própria do liberalismo europeu do século XVIII.
Nesta linha de pensamento, ainda em 2009, um importante intelectual desta corrente de idéias defendia - por cima de tudo o que passou no mundo, desde o início do século XXI- que: “não existe mais geopolítica nem imperialismo no novo mundo pós-colonial, da globalização, do sistema político e da democracia global.... [e que ] a estratégia clássica da geopolítica de garantir acesso exclusivo a recursos naturais na periferia do capitalismo já não faz sentido não só por seus custos, mas também porque, com a globalização, todos os mercados estão abertos, e é inimaginável que um país recuse vender a outro, por exemplo, petróleo a preço de mercado...[donde], as guerras entre as grandes potências já não fazem sentido porque todas as fronteiras já estão definidas....”[1].
Ingenuidade à parte, os liberais nunca tiveram uma teoria original a respeito da América Latina, nem precisam dela. A repetição recorrente de algumas platitudes cosmopolitas, foi mais do que suficiente para sustentar sua visão da economia mundial, e legitimar sua ação política e econômica idêntica em todos os países. Mas no caso dos intelectuais progressistas do continente, é uma má notícia saber que não existe mais uma teoria capaz de ler e interpretar a história do continente, e fundamentar uma estratégia coerente de construção do futuro, respeitada a imensa heterogeneidade do continente latino-americano.
[1] Bresser Pereira, L.C. “O mundo menos sombrio. Política e economia nas relações internacionais entre os grandes países”, in Jornal de Resenhas. Março de 2009, N° 1. Discurso Editorial, São Paulo, pp: 6 e 7
José Luís Fiori, cientista político, é professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Fonte: Agencia Carta Maior
Os liberais nunca tiveram uma teoria original a respeito da América Latina, nem precisam dela. A repetição recorrente de algumas platitudes cosmopolitas foi mais do que suficiente para sustentar sua visão da economia mundial, e legitimar sua ação política e econômica idêntica em todos os países. Mas no caso dos intelectuais progressistas do continente, é uma má notícia saber que não existe mais uma teoria capaz de ler e interpretar a história do continente, e fundamentar uma estratégia coerente de construção do futuro. A análise é de José Luís Fiori.
José Luís Fiori
Data: 22/04/2009
No século XIX, o pensamento social europeu dedicou pouquíssima atenção ao continente americano. Mesmo os socialistas e marxistas que discutiram a “questão colonial”, no final do século, só estavam preocupados com a Ásia e a África. Nunca tiveram interesse teórico e político nos novos estados americanos, que alcançaram sua independência, mas se mantiveram sob a tutela diplomática e financeira da Grã Bretanha. Foi só no início do século XX, que a teoria marxista do imperialismo se dedicou ao estudo específico da internacionalização do capital e seu papel no desenvolvimento capitalista a escala global. Assim mesmo, seu objeto seguiu sendo a competição e a guerra entre os europeus e a maior parte dos autores marxistas ainda compartilhava a visão evolucionista de Marx, com relação ao futuro econômico dos países atrasados, seguros de que “os países mais desenvolvidos industrialmente mostram aos menos desenvolvidos, a imagem do que será o seu próprio futuro”.
Foi só depois da década de 20, que a III Internacional Comunista transformou o imperialismo num adversário estratégico e num obstáculo ao desenvolvimento das forças produtivas nos países “coloniais e semi-coloniais”. De qualquer forma, o objeto central de todas as análises e propostas revolucionárias foi sempre, a Índia, a China, o Egito e Indonésia, muito mais do que a América Latina. Na primeira metade do século XX, os Estados Unidos já haviam se transformado numa grande potência imperialista, e o resto da América Latina foi incluída pela III Internacional, depois de 1940, na mesma estratégia geral das “revoluções nacionais”, ou das “revolução democrático burguesa”, contra a aliança das forças imperialistas com as oligarquias agrárias feudais, e a favor da industrialização nacional dos países periféricos.
Um pouco mais à frente, na década de 1950, a tese da “revolução democrático-burguesa”, e sua defesa do desenvolvimento industrial, foi reforçada pela “economia política da CEPAL” (Comissão Econômica para a América Latina) que analisava a economia latino-americana no contexto de uma divisão internacional do trabalho entre países “centrais” e países “periféricos”. A CEPAL criticava a tese das “vantagens comparativas” da teoria do comercio internacional de David Ricardo, e considerava que as relações comerciais entre as duas “fatias” do sistema econômico mundial prejudicavam o desenvolvimento industrial dos países periféricos. Tratava-se de uma crítica econômica heterodoxa, de filiação keynesiama, mas do ponto de vista prático acabou convergindo com as propostas “nacional-esenvolvimentista”, que foram hegemônicas no continente, depois da II Guerra Mundial.
Na década de 60, entretanto, a Revolução Cubana, a crise econômica e a multiplicação dos golpes militares em toda América Latina provocaram um desencanto generalizado com a estratégia “democrático-burguesa”, e com a proposta “cepalina” da industrialização por “substituição de importações”. Sua crítica intelectual deu origem às três grandes vertentes da “teoria da dependência”, que talvez tenha sido a última tentativa de teorização latino-americana, do século XX.
A primeira vertente - de filiação marxista - considerava o desenvolvimento dos países centrais e o imperialismo um obstáculo intransponível para o desenvolvimento capitalista periférico. Por isto, falavam do “desenvolvimento do subdesenvolvimento” e defendiam a necessidade de uma revolução socialista imediata, inclusive como estratégia de desenvolvimento econômico. A segunda vertente - de filiação “cepalina”- também identificava obstáculos à industrialização do continente, mas considerava possível superá-los através de uma série de “reformas estruturais” que se transformaram em tema central da agenda política latino-americana, durante toda a década de 60. Na verdade, a própria teoria da CEPAL, sobre a relação “centro-periferia”, já não dava conta da relação dos EUA com o seu “território econômico supranacional”, que era diferente do que havia acontecido com a Grã Bretanha.
Por fim, a terceira vertente da teoria de dependência - de filiação a um só tempo marxista e cepalina - foi a que teve vida mais longa e efeitos mais surpreendentes, por três razões fundamentais: primeiro, porque defendia a viabilidade do capitalismo latino-americano; segundo, porque defendia uma estratégia de desenvolvimento “dependente e associado” com os países centrais; e terceiro, porque saíram deste correntes alguns dos principais líderes políticos e intelectuais da “restauração neoliberal” dos anos 90. Como se tivesse ocorrido um apagão mental, velhos marxistas, nacionalistas e desenvolvimentistas abandonaram suas teorias latino-americanistas e aderiram à visão do sistema mundial e do capitalismo, própria do liberalismo europeu do século XVIII.
Nesta linha de pensamento, ainda em 2009, um importante intelectual desta corrente de idéias defendia - por cima de tudo o que passou no mundo, desde o início do século XXI- que: “não existe mais geopolítica nem imperialismo no novo mundo pós-colonial, da globalização, do sistema político e da democracia global.... [e que ] a estratégia clássica da geopolítica de garantir acesso exclusivo a recursos naturais na periferia do capitalismo já não faz sentido não só por seus custos, mas também porque, com a globalização, todos os mercados estão abertos, e é inimaginável que um país recuse vender a outro, por exemplo, petróleo a preço de mercado...[donde], as guerras entre as grandes potências já não fazem sentido porque todas as fronteiras já estão definidas....”[1].
Ingenuidade à parte, os liberais nunca tiveram uma teoria original a respeito da América Latina, nem precisam dela. A repetição recorrente de algumas platitudes cosmopolitas, foi mais do que suficiente para sustentar sua visão da economia mundial, e legitimar sua ação política e econômica idêntica em todos os países. Mas no caso dos intelectuais progressistas do continente, é uma má notícia saber que não existe mais uma teoria capaz de ler e interpretar a história do continente, e fundamentar uma estratégia coerente de construção do futuro, respeitada a imensa heterogeneidade do continente latino-americano.
[1] Bresser Pereira, L.C. “O mundo menos sombrio. Política e economia nas relações internacionais entre os grandes países”, in Jornal de Resenhas. Março de 2009, N° 1. Discurso Editorial, São Paulo, pp: 6 e 7
José Luís Fiori, cientista político, é professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Fonte: Agencia Carta Maior
Os zapatistas e a rede virtual de conexões - Por Guga Dorea
Os zapatistas e a rede virtual de conexões Escrito por Guga Dorea
18-Abr-2009
Desde o instante em que desembarquei pela primeira vez nesse instigante país que é o México, na passagem do ano entre 1994 e 1995, em nenhum momento deixei de acompanhar todo um pulsar político que, mesmo de longe, continuou a ecoar em meu modo de pensar a prática política nos dias de hoje, apesar do silêncio estratégico da mídia brasileira.
A inesperada e contagiante guerra deflagrada um ano antes pelo Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) significou, na realidade, muito mais do que a simples proposição luta armada/tomada do poder de Estado, sendo essa dualidade vista, em grande parte da historiografia da esquerda revolucionária, como a única forma de encontrarmos no fim da linha o ideal, muitas vezes profético, do intitulado socialismo.
De qualquer forma, é difícil dizer o que se passa realmente em um país quando a mídia, como a que temos no Brasil, só abre espaço em seus noticiários quando algo de explosivo e passível de sensacionalismo surge dos escondidos povos planetários. Poucas vezes se viu os zapatistas nas telas da televisão brasileira e também nos jornais diários e revistas semanais. O jornalismo não consegue, ou não quer, considerar "quente" o meio do acontecimento, o que é processual e realmente vivo no subterrâneo das notícias.
A Internet, apesar de ser criticada por muitos puristas de carteirinha (algumas críticas até corretas) tem muito a acrescentar a essa mídia estereotipada, pois na rede mundial de computadores é possível se conectar e romper com verdades consideradas absolutas e supostamente insubstituíveis, o que facilita em demasia o clarear de acontecimentos obstaculizados pelo processo midiático dominante.
Poucos brasileiros sabem, mas não foram poucos os acontecimentos que se sucederam por lá, revelando algo de novo, sem desconsiderar o passado, para podermos pensar na contramão de um já desgastante processo ortodoxo e tradicional de agir politicamente. Os zapatistas mostraram, e continuam a mostrar até hoje, que tal dinâmica pode se inscrever em um ininterrupto processo criativo e singular de resistir ao inquestionável avanço da intitulada globalização do planeta.
O grito de "ya basta", lançado habilmente por eles na Primeira Declaração da Selva Lacandona, veio a se transformar em uma fala política distinta daquela que estamos acostumados a escutar. É a partir dessa perspectiva, como já proponho no artigo anterior, que inicio aqui um possível diálogo sobre problemáticas contemporâneas, desencadeadas pelos zapatistas, que considero pertinentes para a realidade social não só do México, mas também de países como o Brasil. Entre essas indagações estão:
– O que fazer com o passado, antes da queda do muro de Berlim?
– Como buscar novas formas de se fazer política nesse final de século?
O subcomandante Marcos aponta algumas hipóteses começando pela construção de um diagnóstico rápido, porém preciso, do sistema capitalista contemporâneo: "para aumentar seus lucros, os capitalistas não só recorrem à redução dos custos de produção ou ao aumento dos preços de venda das mercadorias. Isto é certo, mas incompleto. Há pelo menos três formas a mais: uma é o aumento da produtividade; outra é a produção de novas mercadorias; uma mais é a abertura de novos mercados.
A produção de novas mercadorias e a abertura de novos mercados se conseguem agora com a conquista e reconquista de territórios e espaços sociais que antes não tinham interesse ao capital. (...). O capitalismo não tem como destino inevitável sua autodestruição, a menos que inclua o mundo inteiro"(1).
Nesse contexto, como diriam inclusive pensadores como Gilles Deleuze, o capitalismo necessita da produção da miséria e da exclusão, tal qual a riqueza, para poder sobreviver. Nessa cultura da competição, do consumo cada vez mais avassalador e do acúmulo extremado de renda, não há recursos suficientes no planeta terra para incluir todos nas amarras da lógica do mercado.
Apesar desse diagnóstico dos mais sombrios, o EZLN inova ao afirmar que experiências do passado não são necessariamente os remédios mais apropriados para curar os males do presente, pensando teleologicamente em nome de um futuro mais promissor. Diante disso, talvez seja interessante retornar à pergunta: "o que fazer com o passado?"
Para os zapatistas, as experiências anteriores propiciadas, não só pelos movimentos guerrilheiros mexicanos, mas também internacionais, não devem ser jogados fora como se fossem "lixos descartáveis". Por outro lado, não servem mais como modelos paradigmáticos. O EZLN, nessa perspectiva, não se propõe vanguarda e muito menos se reconhece como uma ideologia pronta e acabada.
Diante de todo esse processo extremamente dinâmico, uma das mais relevantes propostas zapatistas, além de muitas outras não menos importantes, como o da autonomia local, é o da criação e do fortalecimento de redes alternativas de informações, idéias e práticas anti-sistêmicas produzidas em diversos cantos do planeta.
Desde o Primeiro Encontro Intercontinental pela Humanidade e contra o Neoliberalismo, organizado pelo EZLN em abril de 1996, eles vêm ressaltando a importância da criação de uma rede global de comunicação, abrindo-se espaços para a conexão de um maior número possível de forças internacionais resistentes, sem que nenhuma delas tenha poder decisório sobre as outras e, muito menos, atue como vanguarda.
Trata-se, nesse instante, de pensarmos no surgimento de micro-movimentos locais que lutem, cada um com sua singularidade, pela ultrapassagem de uma cultura histórica em que, como disse o próprio Marcos, todos os não incluídos na categoria vendedor-comprador seriam os outros, os diferentes. "A aparente infalibilidade da globalização choca com a teimosa desobediência da realidade. Ao mesmo tempo em que o neoliberalismo leva adiante sua guerra mundial, em todo o planeta vão se formando grupos de inconformados, núcleos de rebeldes. O império das bolsas financeiras enfrenta a rebeldia das bolsas de resistências. Sim, bolsas. De todos os tamanhos, de diferentes cores, das formas mais variadas"(2).
Teríamos, então, grupos e movimentos singulares se intercambiando entre si, independentemente de suas origens, lançando a possibilidade de uma nova cartografia do planeta, fazendo emergir inusitadas trocas de experiências para, dessa forma, combater a verticalização hierárquica e muitas vezes autoritária do contexto social em que vivemos atualmente, onde as diferenças são constantemente desrespeitadas e paulatinamente dizimadas ou simplesmente aceitas e toleradas pelo capitalismo e suas entranhas mercadológicas.
Como contraponto ao retorno às fontes das identidades étnicas e nacionais, Edgar Morin acredita em um mundo que busque novas solidariedades, que não obedeça apenas à lógica da "máquina artificial", da ganância pelo lucro e do simples desejo pelo prazer material. O pensador francês propõe ainda o desenvolvimento da humanidade que leve em consideração as "autonomias individuais" e o crescer simultâneo das "participações comunitárias". Para ele, "só quando nos tornarmos verdadeiramente cidadãos do mundo, ou seja, cosmopolitas, é que seremos vigilantes e respeitadores das heranças culturais e compreensíveis face às necessidades de revitalização"(3).
Seriam maneiras distintas de agir no social e no contexto individual no qual o relacionamento do cada um de nós em relação ao outro se tornem, como já nos mostrou Felix Guattari, "a um só tempo solidários e cada vez mais diferentes". Ao ser indagado sobre o vínculo da guerrilha com o mundo, sobretudo através da Internet, Moisés respondeu, na entrevista exclusiva realizada pelo meu grupo durante nossa estadia no México, que em caso de guerra o "mundo vai saber porque exterminaram o zapatismo". A queda do Muro de Berlim, a partir daí, pode servir agora como uma metáfora de outros muros que ainda precisam ser derrubados.
1) Tradução do próprio autor do comunicado publicado no LaJornada, de 15 de dezembro de 2007: "Conferência Marcos I: La Geografia y el Calendário de la Teoria".
2) Ver Di Felice, Massimo & Munôz, Cristobal, "A Revolução Invencível: subcomandante Marcos e o Exército Zapatista de Libertação Nacional – Cartas e Comunicados", ed. Boitempo, São Paulo, 1998.
3) Morin, Edgar e Kern, Anne Brigitte, "Terra-Pátria", Instituto Piaget, Lisboa, Portugal. Pg 99
Guga Dorea é jornalista, sociólogo e educador. Atualmente é pesquisador dos princípios zapatistas no projeto Xojobil.
Fonte: http://www.correiocidadania.com.br
18-Abr-2009
Desde o instante em que desembarquei pela primeira vez nesse instigante país que é o México, na passagem do ano entre 1994 e 1995, em nenhum momento deixei de acompanhar todo um pulsar político que, mesmo de longe, continuou a ecoar em meu modo de pensar a prática política nos dias de hoje, apesar do silêncio estratégico da mídia brasileira.
A inesperada e contagiante guerra deflagrada um ano antes pelo Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) significou, na realidade, muito mais do que a simples proposição luta armada/tomada do poder de Estado, sendo essa dualidade vista, em grande parte da historiografia da esquerda revolucionária, como a única forma de encontrarmos no fim da linha o ideal, muitas vezes profético, do intitulado socialismo.
De qualquer forma, é difícil dizer o que se passa realmente em um país quando a mídia, como a que temos no Brasil, só abre espaço em seus noticiários quando algo de explosivo e passível de sensacionalismo surge dos escondidos povos planetários. Poucas vezes se viu os zapatistas nas telas da televisão brasileira e também nos jornais diários e revistas semanais. O jornalismo não consegue, ou não quer, considerar "quente" o meio do acontecimento, o que é processual e realmente vivo no subterrâneo das notícias.
A Internet, apesar de ser criticada por muitos puristas de carteirinha (algumas críticas até corretas) tem muito a acrescentar a essa mídia estereotipada, pois na rede mundial de computadores é possível se conectar e romper com verdades consideradas absolutas e supostamente insubstituíveis, o que facilita em demasia o clarear de acontecimentos obstaculizados pelo processo midiático dominante.
Poucos brasileiros sabem, mas não foram poucos os acontecimentos que se sucederam por lá, revelando algo de novo, sem desconsiderar o passado, para podermos pensar na contramão de um já desgastante processo ortodoxo e tradicional de agir politicamente. Os zapatistas mostraram, e continuam a mostrar até hoje, que tal dinâmica pode se inscrever em um ininterrupto processo criativo e singular de resistir ao inquestionável avanço da intitulada globalização do planeta.
O grito de "ya basta", lançado habilmente por eles na Primeira Declaração da Selva Lacandona, veio a se transformar em uma fala política distinta daquela que estamos acostumados a escutar. É a partir dessa perspectiva, como já proponho no artigo anterior, que inicio aqui um possível diálogo sobre problemáticas contemporâneas, desencadeadas pelos zapatistas, que considero pertinentes para a realidade social não só do México, mas também de países como o Brasil. Entre essas indagações estão:
– O que fazer com o passado, antes da queda do muro de Berlim?
– Como buscar novas formas de se fazer política nesse final de século?
O subcomandante Marcos aponta algumas hipóteses começando pela construção de um diagnóstico rápido, porém preciso, do sistema capitalista contemporâneo: "para aumentar seus lucros, os capitalistas não só recorrem à redução dos custos de produção ou ao aumento dos preços de venda das mercadorias. Isto é certo, mas incompleto. Há pelo menos três formas a mais: uma é o aumento da produtividade; outra é a produção de novas mercadorias; uma mais é a abertura de novos mercados.
A produção de novas mercadorias e a abertura de novos mercados se conseguem agora com a conquista e reconquista de territórios e espaços sociais que antes não tinham interesse ao capital. (...). O capitalismo não tem como destino inevitável sua autodestruição, a menos que inclua o mundo inteiro"(1).
Nesse contexto, como diriam inclusive pensadores como Gilles Deleuze, o capitalismo necessita da produção da miséria e da exclusão, tal qual a riqueza, para poder sobreviver. Nessa cultura da competição, do consumo cada vez mais avassalador e do acúmulo extremado de renda, não há recursos suficientes no planeta terra para incluir todos nas amarras da lógica do mercado.
Apesar desse diagnóstico dos mais sombrios, o EZLN inova ao afirmar que experiências do passado não são necessariamente os remédios mais apropriados para curar os males do presente, pensando teleologicamente em nome de um futuro mais promissor. Diante disso, talvez seja interessante retornar à pergunta: "o que fazer com o passado?"
Para os zapatistas, as experiências anteriores propiciadas, não só pelos movimentos guerrilheiros mexicanos, mas também internacionais, não devem ser jogados fora como se fossem "lixos descartáveis". Por outro lado, não servem mais como modelos paradigmáticos. O EZLN, nessa perspectiva, não se propõe vanguarda e muito menos se reconhece como uma ideologia pronta e acabada.
Diante de todo esse processo extremamente dinâmico, uma das mais relevantes propostas zapatistas, além de muitas outras não menos importantes, como o da autonomia local, é o da criação e do fortalecimento de redes alternativas de informações, idéias e práticas anti-sistêmicas produzidas em diversos cantos do planeta.
Desde o Primeiro Encontro Intercontinental pela Humanidade e contra o Neoliberalismo, organizado pelo EZLN em abril de 1996, eles vêm ressaltando a importância da criação de uma rede global de comunicação, abrindo-se espaços para a conexão de um maior número possível de forças internacionais resistentes, sem que nenhuma delas tenha poder decisório sobre as outras e, muito menos, atue como vanguarda.
Trata-se, nesse instante, de pensarmos no surgimento de micro-movimentos locais que lutem, cada um com sua singularidade, pela ultrapassagem de uma cultura histórica em que, como disse o próprio Marcos, todos os não incluídos na categoria vendedor-comprador seriam os outros, os diferentes. "A aparente infalibilidade da globalização choca com a teimosa desobediência da realidade. Ao mesmo tempo em que o neoliberalismo leva adiante sua guerra mundial, em todo o planeta vão se formando grupos de inconformados, núcleos de rebeldes. O império das bolsas financeiras enfrenta a rebeldia das bolsas de resistências. Sim, bolsas. De todos os tamanhos, de diferentes cores, das formas mais variadas"(2).
Teríamos, então, grupos e movimentos singulares se intercambiando entre si, independentemente de suas origens, lançando a possibilidade de uma nova cartografia do planeta, fazendo emergir inusitadas trocas de experiências para, dessa forma, combater a verticalização hierárquica e muitas vezes autoritária do contexto social em que vivemos atualmente, onde as diferenças são constantemente desrespeitadas e paulatinamente dizimadas ou simplesmente aceitas e toleradas pelo capitalismo e suas entranhas mercadológicas.
Como contraponto ao retorno às fontes das identidades étnicas e nacionais, Edgar Morin acredita em um mundo que busque novas solidariedades, que não obedeça apenas à lógica da "máquina artificial", da ganância pelo lucro e do simples desejo pelo prazer material. O pensador francês propõe ainda o desenvolvimento da humanidade que leve em consideração as "autonomias individuais" e o crescer simultâneo das "participações comunitárias". Para ele, "só quando nos tornarmos verdadeiramente cidadãos do mundo, ou seja, cosmopolitas, é que seremos vigilantes e respeitadores das heranças culturais e compreensíveis face às necessidades de revitalização"(3).
Seriam maneiras distintas de agir no social e no contexto individual no qual o relacionamento do cada um de nós em relação ao outro se tornem, como já nos mostrou Felix Guattari, "a um só tempo solidários e cada vez mais diferentes". Ao ser indagado sobre o vínculo da guerrilha com o mundo, sobretudo através da Internet, Moisés respondeu, na entrevista exclusiva realizada pelo meu grupo durante nossa estadia no México, que em caso de guerra o "mundo vai saber porque exterminaram o zapatismo". A queda do Muro de Berlim, a partir daí, pode servir agora como uma metáfora de outros muros que ainda precisam ser derrubados.
1) Tradução do próprio autor do comunicado publicado no LaJornada, de 15 de dezembro de 2007: "Conferência Marcos I: La Geografia y el Calendário de la Teoria".
2) Ver Di Felice, Massimo & Munôz, Cristobal, "A Revolução Invencível: subcomandante Marcos e o Exército Zapatista de Libertação Nacional – Cartas e Comunicados", ed. Boitempo, São Paulo, 1998.
3) Morin, Edgar e Kern, Anne Brigitte, "Terra-Pátria", Instituto Piaget, Lisboa, Portugal. Pg 99
Guga Dorea é jornalista, sociólogo e educador. Atualmente é pesquisador dos princípios zapatistas no projeto Xojobil.
Fonte: http://www.correiocidadania.com.br
segunda-feira, 20 de abril de 2009
“O julgamento de Washington, quero dizer, de Nuremberg”. Flávio Aguiar
“O julgamento de Washington, quero dizer, de Nuremberg”.
O presidente Barack Obama liberou um documento até então secreto em que se admite e se descreve a prática de torturas por agentes dos EUA, junto com a garantia de que ninguém será processado por causa disso. A notícia se baseia no argumento de que as pessoas envolvidas estavam “cumprindo ordens superiores em nome da segurança nacional”, praticamente o mesmo utilizado no julgamento das atrocidades nazistas, em Nuremberg. O artigo é de Flávio Aguiar.
Flávio Aguiar
Data: 17/04/2009
Para este feriadão, segue uma sugestão e uma notícia:
A sugestão: a notícia de que o presidente Obama liberou um documento antes “top secret” em que se admite e se descreve a prática de torturas, junto com a de que ninguém será processado por causa disso, lembrou-me do filme “O julgamento de Nuremberg”, de Stanley Kramer, de 1961.
O documento pode ser lido na íntegra no site do jornal The New York Times, e descreve práticas como pancadas, fechar o interrogado num compartimento cheio de insetos, afogamento, privação do sono, entre outras. É chocante, tanto pela desfaçatez como pela precisão.
A declaração de que ninguém, nem da CIA nem possivelmente de outras agências norte-americanas irá a julgamento, ou se for, contará com defesa patrocinada pelo governo, se baseia no argumento de que as pessoas envolvidas estavam “cumprindo ordens superiores em nome da segurança nacional”, num clima de admissão oficial de tais práticas.
O soneto e a emenda são terríveis. O argumento foi usado no julgamento das atrocidades nazistas, feito em Nuremberg logo depois da Segunda Guerra Mundial, quando se passou do exame do primeiro escalão para o segundo, e por isso essa nova (?) circunstância me trouxe à mente o filme de Kramer. Se não viu, veja; se já viu, reveja.
Um juiz norte-americano, Daniel Haywood, se vê na circunstância de julgar seu colega e de certo modo mestre inspirador, Dr. Janning, por julgamentos criminosos antes e durante a guerra. Haywood é Spencer Tracy; Janning, Burt Lancaster. De quebra, estão presentes Marlene Dietrich, no papel de uma aristocrata alemã cujo marido, um militar, foi condenado à morte por crimes de guerra, mas que despreza mais do que abomina o nazismo; Richard Widmark, no papel do contraditório promotor militar norte-americano; e Maximilian Schell, que dá um show de bola (ganhou o Oscar de melhor ator pelo papel) como o advogado de defesa, além de Judy Garland, no papel de uma das pessoas envolvidas num dos julgmantos presididos por Janning.
Entre várias questões que o filme levanta (por exemplo, em meio ao julgamento, chega um pedido do comando militar norte-americano para que as sentenças sejam abrandadas, pois “os inimigos agora são os soviéticos, não mais os alemães”), se destaca a questão da responsabilidade individual. O cerne do argumento da defesa é o de que Janning, no fundo, se tornou um bode expiatório (com três outros juízes acusados, cujas reações vão do desprezo ao temor perante o tribunal de guerra), e de que ninguém mais será julgado. “Stalin, que fez um pacto com Hitler, não será julgado”, diz a defesa, “nem os industriais do exterior que apoiaram e lucraram com o ditador, nem os políticos ingleses – inclusive Churchill – que no começo foram negligentes, senão coniventes, com ele”.
A questão é relevante, reconhece o juiz Haywood, cujo voto (dentre os três juízes que julgam o caso) é o decisivo. Mas isso não elimina, diz ele, a questão da responsabilidade individual. Janning acusa o golpe, e pede, ao final, para ter uma conversa esclarecedora com Haywood, conversa que é um dos pontos altos da carreira de ambos os atores.
O filme é um bom contraponto a essa decisão de “não julgar ninguém”, dentre os agentes que praticaram aqueles atos abomináveis. Há uma certa relevância no argumento, pois é claro que julgados, em primeiro lugar, deveriam ser George Bush, Condoleezza Rice, Donald Rumsfeld, Dick Cheney et alii; mas acho que aqueles agentes da CIA ou de outras instituições norte-americanas, que aplicaram os métodos anti-humanidade da tortura admitida e recomendada, teriam problemas num tribunal presidido por Haywood.
“Move Berlim”.
A notícia: começa neste fim de semana o festival “Brasil move Berlim”. O “Move Berlim”, como é mais conhecido, é o principal festival de dança brasileira no exterior, e um dos mais importantes da Alemanha e da Europa. O festival vai até 26 de abril, com a apresentação de grupos brasileiros de vários estados, como Piauí, Bahia, Rio, Ceará e Minas, além de, pela primeira vez, contar com a apresentação de grupos de que participam artistas brasileiros residentes em Berlim. O festival conta com a organização de Wagner Carvalho, Björn Dirk Schlüter e sua equipe, e o patrocínio da Funarte, cujo presidente, Sérgio Mamberti, é o seu patrono; conta também com o apoio de várias empresas e instituições culturais de Berlim.
O tema central, desta vez (trata-se da 4a. edição), é o da “reconstrução, história e preservação da memória da dança”. Haverá, além das apresentações dos grupos nas diversas salas do “HAU” (Hebbel am Ufer), oficinas, debates e palestras, algumas das últimas coordenadas pela professora Ute Herrmanns, do Instituto Latino-americano da Universidade Livre de Berlim. O “Move Berlim” segue sendo o principal espaço de divulgação da dança brasileira na Europa.
Fonte: Agencia Carta Maior
O presidente Barack Obama liberou um documento até então secreto em que se admite e se descreve a prática de torturas por agentes dos EUA, junto com a garantia de que ninguém será processado por causa disso. A notícia se baseia no argumento de que as pessoas envolvidas estavam “cumprindo ordens superiores em nome da segurança nacional”, praticamente o mesmo utilizado no julgamento das atrocidades nazistas, em Nuremberg. O artigo é de Flávio Aguiar.
Flávio Aguiar
Data: 17/04/2009
Para este feriadão, segue uma sugestão e uma notícia:
A sugestão: a notícia de que o presidente Obama liberou um documento antes “top secret” em que se admite e se descreve a prática de torturas, junto com a de que ninguém será processado por causa disso, lembrou-me do filme “O julgamento de Nuremberg”, de Stanley Kramer, de 1961.
O documento pode ser lido na íntegra no site do jornal The New York Times, e descreve práticas como pancadas, fechar o interrogado num compartimento cheio de insetos, afogamento, privação do sono, entre outras. É chocante, tanto pela desfaçatez como pela precisão.
A declaração de que ninguém, nem da CIA nem possivelmente de outras agências norte-americanas irá a julgamento, ou se for, contará com defesa patrocinada pelo governo, se baseia no argumento de que as pessoas envolvidas estavam “cumprindo ordens superiores em nome da segurança nacional”, num clima de admissão oficial de tais práticas.
O soneto e a emenda são terríveis. O argumento foi usado no julgamento das atrocidades nazistas, feito em Nuremberg logo depois da Segunda Guerra Mundial, quando se passou do exame do primeiro escalão para o segundo, e por isso essa nova (?) circunstância me trouxe à mente o filme de Kramer. Se não viu, veja; se já viu, reveja.
Um juiz norte-americano, Daniel Haywood, se vê na circunstância de julgar seu colega e de certo modo mestre inspirador, Dr. Janning, por julgamentos criminosos antes e durante a guerra. Haywood é Spencer Tracy; Janning, Burt Lancaster. De quebra, estão presentes Marlene Dietrich, no papel de uma aristocrata alemã cujo marido, um militar, foi condenado à morte por crimes de guerra, mas que despreza mais do que abomina o nazismo; Richard Widmark, no papel do contraditório promotor militar norte-americano; e Maximilian Schell, que dá um show de bola (ganhou o Oscar de melhor ator pelo papel) como o advogado de defesa, além de Judy Garland, no papel de uma das pessoas envolvidas num dos julgmantos presididos por Janning.
Entre várias questões que o filme levanta (por exemplo, em meio ao julgamento, chega um pedido do comando militar norte-americano para que as sentenças sejam abrandadas, pois “os inimigos agora são os soviéticos, não mais os alemães”), se destaca a questão da responsabilidade individual. O cerne do argumento da defesa é o de que Janning, no fundo, se tornou um bode expiatório (com três outros juízes acusados, cujas reações vão do desprezo ao temor perante o tribunal de guerra), e de que ninguém mais será julgado. “Stalin, que fez um pacto com Hitler, não será julgado”, diz a defesa, “nem os industriais do exterior que apoiaram e lucraram com o ditador, nem os políticos ingleses – inclusive Churchill – que no começo foram negligentes, senão coniventes, com ele”.
A questão é relevante, reconhece o juiz Haywood, cujo voto (dentre os três juízes que julgam o caso) é o decisivo. Mas isso não elimina, diz ele, a questão da responsabilidade individual. Janning acusa o golpe, e pede, ao final, para ter uma conversa esclarecedora com Haywood, conversa que é um dos pontos altos da carreira de ambos os atores.
O filme é um bom contraponto a essa decisão de “não julgar ninguém”, dentre os agentes que praticaram aqueles atos abomináveis. Há uma certa relevância no argumento, pois é claro que julgados, em primeiro lugar, deveriam ser George Bush, Condoleezza Rice, Donald Rumsfeld, Dick Cheney et alii; mas acho que aqueles agentes da CIA ou de outras instituições norte-americanas, que aplicaram os métodos anti-humanidade da tortura admitida e recomendada, teriam problemas num tribunal presidido por Haywood.
“Move Berlim”.
A notícia: começa neste fim de semana o festival “Brasil move Berlim”. O “Move Berlim”, como é mais conhecido, é o principal festival de dança brasileira no exterior, e um dos mais importantes da Alemanha e da Europa. O festival vai até 26 de abril, com a apresentação de grupos brasileiros de vários estados, como Piauí, Bahia, Rio, Ceará e Minas, além de, pela primeira vez, contar com a apresentação de grupos de que participam artistas brasileiros residentes em Berlim. O festival conta com a organização de Wagner Carvalho, Björn Dirk Schlüter e sua equipe, e o patrocínio da Funarte, cujo presidente, Sérgio Mamberti, é o seu patrono; conta também com o apoio de várias empresas e instituições culturais de Berlim.
O tema central, desta vez (trata-se da 4a. edição), é o da “reconstrução, história e preservação da memória da dança”. Haverá, além das apresentações dos grupos nas diversas salas do “HAU” (Hebbel am Ufer), oficinas, debates e palestras, algumas das últimas coordenadas pela professora Ute Herrmanns, do Instituto Latino-americano da Universidade Livre de Berlim. O “Move Berlim” segue sendo o principal espaço de divulgação da dança brasileira na Europa.
Fonte: Agencia Carta Maior
quinta-feira, 16 de abril de 2009
Socialismo fracassou, capitalismo quebrou: o que vem a seguir? - Por Eric Hobsbawn
Socialismo fracassou, capitalismo quebrou: o que vem a seguir?
A prova de uma política progressista não é privada, mas sim pública. A prioridade não é o aumento do lucro e do consumo, mas sim a ampliação das oportunidades e, como diz Amartya Sen, das capacidades de todos por meio da ação coletiva. Isso significa iniciativa pública não baseada na busca de lucro. Decisões públicas dirigidas a melhorias sociais coletivas com as quais todos sairiam ganhando. Esta é a base de uma política progressista, não a maximização do crescimento econômico e da riqueza pessoal. A análise é do historiador britânico Eric Hobsbawm
Eric Hobsbawm - The Guardian
Data: 15/04/2009
Seja qual for o logotipo ideológico que adotemos, o deslocamento do mercado livre para a ação pública deve ser maior do que os políticos imaginam. O século XX já ficou para trás, mas ainda não aprendemos a viver no século XXI, ou ao menos pensá-lo de um modo apropriado. Não deveria ser tão difícil como parece, dado que a idéia básica que dominou a economia e a política no século passado desapareceu, claramente, pelo sumidouro da história. O que tínhamos era um modo de pensar as modernas economias industriais – em realidade todas as economias -, em termos de dois opostos mutuamente excludentes: capitalismo ou socialismo.
Conhecemos duas tentativas práticas de realizar ambos sistemas em sua forma pura: por um lado, as economias de planificação estatal, centralizadas, de tipo soviético; por outro, a economia capitalista de livre mercado isenta de qualquer restrição e controle. As primeiras vieram abaixo na década de 1980, e com elas os sistemas políticos comunistas europeus; a segunda está se decompondo diante de nossos olhos na maior crise do capitalismo global desde a década de 1930. Em alguns aspectos, é uma crise de maior envergadura do que aquela, na medida em que a globalização da economia não estava então tão desenvolvida como hoje e a economia planificada da União Soviética não foi afetada. Não conhecemos a gravidade e a duração da atual crise, mas sem dúvida ela vai marcar o final do tipo de capitalismo de livre mercado iniciado com Margareth Thatcher e Ronald Reagan.
A impotência, por conseguinte, ameaça tanto os que acreditam em um capitalismo de mercado, puro e desestatizado, uma espécie de anarquismo burguês, quanto os que crêem em um socialismo planificado e descontaminado da busca por lucros. Ambos estão quebrados. O futuro, como o presente e o passado, pertence às economias mistas nas quais o público e o privado estejam mutuamente vinculados de uma ou outra maneira. Mas como? Este é o problema que está colocado diante de nós hoje, em particular para a gente de esquerda.
Ninguém pensa seriamente em regressar aos sistemas socialistas de tipo soviético, não só por suas deficiências políticas, mas também pela crescente indolência e ineficiência de suas economias, ainda que isso não deva nos levar a subestimar seus impressionantes êxitos sociais e educacionais. Por outro lado, até a implosão do mercado livre global no ano passado, inclusive os partidos social-democratas e moderados de esquerda dos países do capitalismo do Norte e da Australásia estavam comprometidos mais e mais com o êxito do capitalismo de livre mercado.
Efetivamente, desde o momento da queda da URSS até hoje não recordo nenhum partido ou líder que denunciasse o capitalismo como algo inaceitável. E nenhum esteve tão ligado a sua sorte como o New Labour, o novo trabalhismo britânico. Em suas políticas econômicas, tanto Tony Blair como Gordon Brown (este até outubro de 2008) podiam ser qualificados sem nenhum exagero como Thatchers com calças. O mesmo se aplica ao Partido Democrata, nos Estados Unidos.
A idéia básica do novo trabalhismo, desde 1950, era que o socialismo era desnecessário e que se podia confiar no sistema capitalista para fazer florescer e gerar mais riqueza do que em qualquer outro sistema. Tudo o que os socialistas tinham que fazer era garantir uma distribuição eqüitativa. Mas, desde 1970, o acelerado crescimento da globalização dificultou e atingiu fatalmente a base tradicional do Partido Trabalhista britânico e, em realidade, as políticas de ajudas e apoios de qualquer partido social democrata. Muitas pessoas, na década de 1980, consideraram que se o barco do trabalhismo não queria ir a pique, o que era uma possibilidade real, tinha que ser objeto de uma atualização.
Mas não foi. Sob o impacto do que considerou a revitalização econômica thatcherista, o New Labour, a partir de 1997, engoliu inteira a ideologia, ou melhor, a teologia, do fundamentalismo do mercado livre global. O Reino Unido desregulamentou seus mercados, vendeu suas indústrias a quem pagou mais, deixou de fabricar produtos para a exportação (ao contrário do que fizeram Alemanha, França e Suíça) e apostou todo seu dinheiro em sua conversão a centro mundial dos serviços financeiros, tornando-se também um paraíso de bilionários lavadores de dinheiro. Assim, o impacto atual da crise mundial sobre a libra e a economia britânica será provavelmente o mais catastrófico de todas as economias ocidentais e o com a recuperação mais difícil também.
É possível afirmar que tudo isso já são águas passadas. Que somos livres para regressar à economia mista e que a velha caixa de ferramentas trabalhista está aí a nossa disposição – inclusive a nacionalização -, de modo que tudo o que precisamos fazer é utilizar de novo essas ferramentas que o New Labour nunca deixou de usar. No entanto, essa idéia sugere que sabemos o que fazer com as ferramentas. Mas não é assim.
Por um lado, não sabemos como superar a crise atual. Não há ninguém, nem os governos, nem os bancos centrais, nem as instituições financeiras mundiais que saiba o que fazer: todos estão como um cego que tenta sair do labirinto tateando as paredes com todo tipo de bastões na esperança de encontrar o caminho da saída.
Por outro lado, subestimamos o persistente grau de dependência dos governos e dos responsáveis pelas políticas às receitas do livre mercado, que tanto prazer lhes proporcionaram durante décadas. Por acaso se livraram do pressuposto básico de que a empresa privada voltada ao lucro é sempre o melhor e mais eficaz meio de fazer as coisas? Ou de que a organização e a contabilidade empresariais deveriam ser os modelos inclusive da função pública, da educação e da pesquisa? Ou de que o crescente abismo entre os bilionários e o resto da população não é tão importante, uma vez que todos os demais – exceto uma minoria de pobres – estejam um pouquinho melhor? Ou de que o que um país necessita, em qualquer caso, é um máximo de crescimento econômico e de competitividade comercial? Não creio que tenham superado tudo isso.
No entanto, uma política progressista requer algo mais que uma ruptura um pouco maior com os pressupostos econômicos e morais dos últimos 30 anos. Requer um regresso à convicção de que o crescimento econômico e a abundância que comporta são um meio, não um fim. Os fins são os efeitos que têm sobre as vidas, as possibilidades vitais e as expectativas das pessoas.
Tomemos o caso de Londres. É evidente que importa a todos nós que a economia de Londres floresça. Mas a prova de fogo da enorme riqueza gerada em algumas partes da capital não é que tenha contribuído com 20 ou 30% do PIB britânico, mas sim como afetou a vida de milhões de pessoas que ali vivem e trabalham. A que tipo de vida têm direito? Podem se permitir a viver ali? Se não podem, não é nenhuma compensação que Londres seja um paraíso dos muito ricos. Podem conseguir empregos remunerados decentemente ou qualquer tipo de emprego? Se não podem, de que serve jactar-se de ter restaurantes de três estrelas Michelin, com alguns chefs convertidos eles mesmos em estrelas. Podem levar seus filhos à escola? A falta de escolas adequadas não é compensada pelo fato de que as universidades de Londres podem montar uma equipe de futebol com seus professores ganhadores de prêmios Nobel.
A prova de uma política progressista não é privada, mas sim pública. Não importa só o aumento do lucro e do consumo dos particulares, mas sim a ampliação das oportunidades e, como diz Amartya Sen, das capacidades de todos por meio da ação coletiva. Mas isso significa – ou deveria significar – iniciativa pública não baseada na busca de lucro, sequer para redistribuir a acumulação privada. Decisões públicas dirigidas a conseguir melhorias sociais coletivas com as quais todos sairiam ganhando. Esta é a base de uma política progressista, não a maximização do crescimento econômico e da riqueza pessoal.
Em nenhum âmbito isso será mais importante do que na luta contra o maior problema com que nos enfrentamos neste século: a crise do meio ambiente. Seja qual for o logotipo ideológico que adotemos, significará um deslocamento de grande alcance, do livre mercado para a ação pública, uma mudança maior do que a proposta pelo governo britânico. E, levando em conta a gravidade da crise econômica, deveria ser um deslocamento rápido. O tempo não está do nosso lado.
Artigo publicado originalmente no jornal The Guardian
Tradução do inglês para o espanhol: S. Segui, integrante dos coletivos Tlaxcala, Rebelión e Cubadebate.
Tradução do espanhol para o português: Katarina Peixoto
Fonte: Agência Carta Maior
A prova de uma política progressista não é privada, mas sim pública. A prioridade não é o aumento do lucro e do consumo, mas sim a ampliação das oportunidades e, como diz Amartya Sen, das capacidades de todos por meio da ação coletiva. Isso significa iniciativa pública não baseada na busca de lucro. Decisões públicas dirigidas a melhorias sociais coletivas com as quais todos sairiam ganhando. Esta é a base de uma política progressista, não a maximização do crescimento econômico e da riqueza pessoal. A análise é do historiador britânico Eric Hobsbawm
Eric Hobsbawm - The Guardian
Data: 15/04/2009
Seja qual for o logotipo ideológico que adotemos, o deslocamento do mercado livre para a ação pública deve ser maior do que os políticos imaginam. O século XX já ficou para trás, mas ainda não aprendemos a viver no século XXI, ou ao menos pensá-lo de um modo apropriado. Não deveria ser tão difícil como parece, dado que a idéia básica que dominou a economia e a política no século passado desapareceu, claramente, pelo sumidouro da história. O que tínhamos era um modo de pensar as modernas economias industriais – em realidade todas as economias -, em termos de dois opostos mutuamente excludentes: capitalismo ou socialismo.
Conhecemos duas tentativas práticas de realizar ambos sistemas em sua forma pura: por um lado, as economias de planificação estatal, centralizadas, de tipo soviético; por outro, a economia capitalista de livre mercado isenta de qualquer restrição e controle. As primeiras vieram abaixo na década de 1980, e com elas os sistemas políticos comunistas europeus; a segunda está se decompondo diante de nossos olhos na maior crise do capitalismo global desde a década de 1930. Em alguns aspectos, é uma crise de maior envergadura do que aquela, na medida em que a globalização da economia não estava então tão desenvolvida como hoje e a economia planificada da União Soviética não foi afetada. Não conhecemos a gravidade e a duração da atual crise, mas sem dúvida ela vai marcar o final do tipo de capitalismo de livre mercado iniciado com Margareth Thatcher e Ronald Reagan.
A impotência, por conseguinte, ameaça tanto os que acreditam em um capitalismo de mercado, puro e desestatizado, uma espécie de anarquismo burguês, quanto os que crêem em um socialismo planificado e descontaminado da busca por lucros. Ambos estão quebrados. O futuro, como o presente e o passado, pertence às economias mistas nas quais o público e o privado estejam mutuamente vinculados de uma ou outra maneira. Mas como? Este é o problema que está colocado diante de nós hoje, em particular para a gente de esquerda.
Ninguém pensa seriamente em regressar aos sistemas socialistas de tipo soviético, não só por suas deficiências políticas, mas também pela crescente indolência e ineficiência de suas economias, ainda que isso não deva nos levar a subestimar seus impressionantes êxitos sociais e educacionais. Por outro lado, até a implosão do mercado livre global no ano passado, inclusive os partidos social-democratas e moderados de esquerda dos países do capitalismo do Norte e da Australásia estavam comprometidos mais e mais com o êxito do capitalismo de livre mercado.
Efetivamente, desde o momento da queda da URSS até hoje não recordo nenhum partido ou líder que denunciasse o capitalismo como algo inaceitável. E nenhum esteve tão ligado a sua sorte como o New Labour, o novo trabalhismo britânico. Em suas políticas econômicas, tanto Tony Blair como Gordon Brown (este até outubro de 2008) podiam ser qualificados sem nenhum exagero como Thatchers com calças. O mesmo se aplica ao Partido Democrata, nos Estados Unidos.
A idéia básica do novo trabalhismo, desde 1950, era que o socialismo era desnecessário e que se podia confiar no sistema capitalista para fazer florescer e gerar mais riqueza do que em qualquer outro sistema. Tudo o que os socialistas tinham que fazer era garantir uma distribuição eqüitativa. Mas, desde 1970, o acelerado crescimento da globalização dificultou e atingiu fatalmente a base tradicional do Partido Trabalhista britânico e, em realidade, as políticas de ajudas e apoios de qualquer partido social democrata. Muitas pessoas, na década de 1980, consideraram que se o barco do trabalhismo não queria ir a pique, o que era uma possibilidade real, tinha que ser objeto de uma atualização.
Mas não foi. Sob o impacto do que considerou a revitalização econômica thatcherista, o New Labour, a partir de 1997, engoliu inteira a ideologia, ou melhor, a teologia, do fundamentalismo do mercado livre global. O Reino Unido desregulamentou seus mercados, vendeu suas indústrias a quem pagou mais, deixou de fabricar produtos para a exportação (ao contrário do que fizeram Alemanha, França e Suíça) e apostou todo seu dinheiro em sua conversão a centro mundial dos serviços financeiros, tornando-se também um paraíso de bilionários lavadores de dinheiro. Assim, o impacto atual da crise mundial sobre a libra e a economia britânica será provavelmente o mais catastrófico de todas as economias ocidentais e o com a recuperação mais difícil também.
É possível afirmar que tudo isso já são águas passadas. Que somos livres para regressar à economia mista e que a velha caixa de ferramentas trabalhista está aí a nossa disposição – inclusive a nacionalização -, de modo que tudo o que precisamos fazer é utilizar de novo essas ferramentas que o New Labour nunca deixou de usar. No entanto, essa idéia sugere que sabemos o que fazer com as ferramentas. Mas não é assim.
Por um lado, não sabemos como superar a crise atual. Não há ninguém, nem os governos, nem os bancos centrais, nem as instituições financeiras mundiais que saiba o que fazer: todos estão como um cego que tenta sair do labirinto tateando as paredes com todo tipo de bastões na esperança de encontrar o caminho da saída.
Por outro lado, subestimamos o persistente grau de dependência dos governos e dos responsáveis pelas políticas às receitas do livre mercado, que tanto prazer lhes proporcionaram durante décadas. Por acaso se livraram do pressuposto básico de que a empresa privada voltada ao lucro é sempre o melhor e mais eficaz meio de fazer as coisas? Ou de que a organização e a contabilidade empresariais deveriam ser os modelos inclusive da função pública, da educação e da pesquisa? Ou de que o crescente abismo entre os bilionários e o resto da população não é tão importante, uma vez que todos os demais – exceto uma minoria de pobres – estejam um pouquinho melhor? Ou de que o que um país necessita, em qualquer caso, é um máximo de crescimento econômico e de competitividade comercial? Não creio que tenham superado tudo isso.
No entanto, uma política progressista requer algo mais que uma ruptura um pouco maior com os pressupostos econômicos e morais dos últimos 30 anos. Requer um regresso à convicção de que o crescimento econômico e a abundância que comporta são um meio, não um fim. Os fins são os efeitos que têm sobre as vidas, as possibilidades vitais e as expectativas das pessoas.
Tomemos o caso de Londres. É evidente que importa a todos nós que a economia de Londres floresça. Mas a prova de fogo da enorme riqueza gerada em algumas partes da capital não é que tenha contribuído com 20 ou 30% do PIB britânico, mas sim como afetou a vida de milhões de pessoas que ali vivem e trabalham. A que tipo de vida têm direito? Podem se permitir a viver ali? Se não podem, não é nenhuma compensação que Londres seja um paraíso dos muito ricos. Podem conseguir empregos remunerados decentemente ou qualquer tipo de emprego? Se não podem, de que serve jactar-se de ter restaurantes de três estrelas Michelin, com alguns chefs convertidos eles mesmos em estrelas. Podem levar seus filhos à escola? A falta de escolas adequadas não é compensada pelo fato de que as universidades de Londres podem montar uma equipe de futebol com seus professores ganhadores de prêmios Nobel.
A prova de uma política progressista não é privada, mas sim pública. Não importa só o aumento do lucro e do consumo dos particulares, mas sim a ampliação das oportunidades e, como diz Amartya Sen, das capacidades de todos por meio da ação coletiva. Mas isso significa – ou deveria significar – iniciativa pública não baseada na busca de lucro, sequer para redistribuir a acumulação privada. Decisões públicas dirigidas a conseguir melhorias sociais coletivas com as quais todos sairiam ganhando. Esta é a base de uma política progressista, não a maximização do crescimento econômico e da riqueza pessoal.
Em nenhum âmbito isso será mais importante do que na luta contra o maior problema com que nos enfrentamos neste século: a crise do meio ambiente. Seja qual for o logotipo ideológico que adotemos, significará um deslocamento de grande alcance, do livre mercado para a ação pública, uma mudança maior do que a proposta pelo governo britânico. E, levando em conta a gravidade da crise econômica, deveria ser um deslocamento rápido. O tempo não está do nosso lado.
Artigo publicado originalmente no jornal The Guardian
Tradução do inglês para o espanhol: S. Segui, integrante dos coletivos Tlaxcala, Rebelión e Cubadebate.
Tradução do espanhol para o português: Katarina Peixoto
Fonte: Agência Carta Maior
terça-feira, 14 de abril de 2009
Chomsky: "Nacionalizações são um passo para a democratização" - Agência Carta Maior
Chomsky: "Nacionalizações são um passo para a democratização"
Em entrevista à The Real News Network, Noam Chomsky defende as nacionalizações nos Estados Unidos e que as empresas nacionalizadas sejam administradas democraticamente. "Com a participação de conselhos de trabalhadores, da organização da comunidade em reuniões, discussões nas quais são delineadas as políticas". Chomsky defende também que, no atual contexto de crise, os sindicatos "são um dos poucos meios que permitem ao povo comum reunir-se, fazer planos e influenciar as escolhas públicas."
The Real News Network/Esquerda.Net
Data: 13/04/2009
Nesta entrevista à The Real News Network, Noam Chomsky defende as nacionalizações e que as empresas nacionalizadas sejam administradas democraticamente. "Com a participação de conselhos de trabalhadores, da organização da comunidade em reuniões, discussões nas quais são delineadas as políticas". Chomsky defende também que os sindicatos "são um dos poucos meios que permitem ao povo comum reunir-se, fazer planos e influenciar as escolhas públicas."
Paul Jay: Benvindo à The Real News Network. Estamos no MIT, em Cambridge, com o professor Noam Chomsky, que julgo não precisar de apresentação. Muito obrigado por aceitar estar connosco. Há uns dias, a administração Obama e Geithner anunciaram o seu plano para os bancos. Qual é a sua opinião sobre ele?
Chomsky: Bem, na verdade há vários planos. Um é a capitalização. O outro, o mais recente, é o resgate dos ativos tóxicos através de uma união pública-privada. Essa medida fez subir imediatamente a bolsa de valores. E compreende-se porquê: é extremamente boa para os banqueiros e investidores. Significa que um investidor pode, se quiser, comprar estes ativos sem valor. E se por acaso eles subirem, ótimo, ganha dinheiro; se caírem, o governo garante-os. Assim, pode haver uma pequena perda, mas também pode haver um grande ganho. Um gestor financeiro disse esta manhã no Financial Times que "é uma situação de ganhar-ganhar."
Uma situação de ganhar ou ganhar, se for investidor.
Chomsky: Sim, se for investidor. Para o público, é uma situação de perder-perder. Este plano é uma reciclagem das medidas de Bush-Paulson, com pequenas alterações, mas essencialmente a mesma idéia: manter igual a estrutura institucional, tentar iludir a gravidade da situação, subornar os banqueiros e investidores, mas evitar as medidas que podiam ir ao cerne do problema, impondo mudanças da estrutura institucional.
Que plano o senhor apoiaria?
Chomsky: Por exemplo, veja a questão dos bônus da AIG que estão causando tanto justo repúdio. Dean Baker mostrou que havia uma forma fácil de tratar da questão. Já que o governo, de qualquer forma, é o dono da AIG (só não usa esse poder para tomar decisões), podia separar a seção de investimentos financeiros, que causou todos os problemas, e deixá-la ir à falência. Depois disto, os executivos podem procurar obter os seus bônus de uma empresa falida, se quiserem. Isso resolveria muito bem o problema da falência, e o governo manteria ainda o seu controlo efetivo em larga-escala, se quisesse exercê-lo sobre a parte viável da AIG.
E com os grandes bancos, como o Bank of America, um dos maiores problemas é que ninguém sabe o que se passa lá dentro. São aparelhos muito opacos e que fazem muitas manipulações - não são eles que vão falar. Por que o fariam? De fato, quando a Associated Press enviou jornalistas para entrevistar os gestores do banco e lhes perguntaram o que fizeram com o dinheiro do TARP (programa governamental de recuperação de ativos problemáticos), eles simplesmente riram-se. Disseram: "Não têm nada com isso. Somos empresas privadas. A vossa tarefa, a do serviço público, é de dar-nos fundos, mas não de saber o que estamos fazendo." Mas o governo podia descobrir facilmente - nomeadamente, assumindo o controle dos bancos.
Todas estas maquinações políticas são para evitar a nacionalização?
Chomsky: Não é preciso usar a palavra "nacionalização" se ela incomoda as pessoas, mas alguma forma que permitisse que investigadores independentes, investigadores do governo tivessem acesso aos livros e descobrissem o que eles estão fazendo, quem deve o quê a quem, que é a base de qualquer forma de mudança. Não há uma lei da natureza que diga que as empresas têm apenas de se dedicar a dar lucro aos seus acionistas. Nem sequer está na lei. Na sua maioria são decisões de tribunais e decisões de gestão e por aí adiante. É perfeitamente concebível que as empresas, se existem, sejam responsáveis diante dos acionistas, da comunidade, dos seus trabalhadores.
Especialmente quando é o dinheiro público que está fazendo o sistema funcionar...
Chomsky: Veja, o fato é que é quase sempre dinheiro público. Veja o homem mais rico do mundo, Bill Gates. Como é que ele se tornou o mais rico? Muito do que ganhou veio de dinheiro público. De fato, lugares como este onde estamos agora...
O MIT...
Chomsky: É onde foram desenvolvidos os computadores, a Internet, software sofisticado, aqui ou em lugares semelhantes, e quase inteiramente financiados por dinheiro público. No essencial, o sistema funciona assim: o público paga os custos e assume os riscos, e os lucros são privatizados.
Que é o que está acontecendo com todos os planos de resgate.
Chomsky: Bem, fala-se muito disso agora porque são as instituições financeiras e é tudo muito visível, mas isto acontece o tempo todo. Quer dizer: computadores e Internet foram a base para a revolução das tecnologias de informação no final dos anos 90.
Quando fala em "desafiar a estrutura institucional" o que gostaria que acontecesse?
Chomsky: Para começar, empresas, bancos e outros deveriam, penso, ser responsáveis diante de todos os interessados, não só dos acionistas. Não é uma grande mudança. De fato, já foi até levado aos tribunais. Há cerca de 30 anos, as maiores empresas siderúrgicas queriam destruir as fábricas de aço de Youngstown - o núcleo central da comunidade fora construído em torno delas - e os trabalhadores e a comunidade queriam mantê-las e achavam que podiam geri-las privadamente. Levaram o caso aos tribunais, argumentando que as regras de gestão tinham de ser mudadas de forma a que todos os interessados e não só os acionistas tivessem o controle da empresa. Bem, perdeu nos tribunais, naturalmente, mas é uma idéia perfeitamente factível. Podia ser uma maneira de manter viva a comunidade e as indústrias.
Assim, se olhar agora para o sistema financeiro e aplicar esse princípio, de representar os interesses gerais, e não só os dos acionistas, o que significaria isso em termos de política?
Chomsky: Antes de mais nada, para começar, significaria que o governo não resgataria os bancos, aplicaria capital mas exerceria o controle. E controle começa com a fiscalização. Assim, descobrimos o que eles estão fazendo. Em seguida, mantemos as partes viáveis. E se são viáveis deveriam ser postas sob controle público. O governo poderia ter comprado a AIG ou o Citigroup por muito menos do que está gastando agora. Numa sociedade democrática, o governo deveria seguir os interesses do povo, e haver um compromisso público direto no que estas instituições devem fazer e como elas devem distribuir o seu dinheiro, em que termos, etc. Podiam ser democraticamente geridas pelos seus trabalhadores, pela comunidade.
Mas, use-se ou não a palavra, isso não requer uma espécie de nacionalização? O banco não se torna uma instituição de propriedade pública?
Chomsky: Tornam-se instituições de propriedade pública que servem o público e cujas decisões são tomadas pelo público. É uma via longa. É preciso aproximar-se dela passo a passo. Quando se pensa em nacionalização, o sistema doutrinal, por razões históricas, associa nacionalização a uma espécie de Big Brother que toma o controle e dá ordens ao público. Mas não tem de ser necessariamente assim. Há muitas instituições nacionalizadas que funcionam de forma bastante eficiente. De fato, veja, digamos, o exemplo do Chile, que é suposto ser a imagem de marca das economias de livre-mercado Thatcheristas/Reaganistas. Uma grande parte da economia é baseada na muito eficiente produtora de cobre, a Codelco, que foi nacionalizada por Allende, mas era tão eficiente que durante os anos de Pinochet nunca foi desmantelada.
Na verdade, está de certa forma sendo enfraquecida mas penso que ainda é a maior produtora de cobre do mundo, recolhe a maior parte dos ganhos do Estado. Noutros lugares também há empresas nacionalizadas com muito sucesso. Mas a nacionalização é só um passo em direção à democratização. A questão é quem as gere, quem toma as decisões, quem as controla. Agora, nas instituições nacionalizadas, as decisões ainda são tomadas de cima para baixo, mas não tem de ser assim. Não há uma lei da natureza que diga que não podem ser administradas democraticamente.
Como seria feito?
Chomsky: Com a participação de conselhos de trabalhadores, da organização da comunidade em reuniões, discussões nas quais são delineadas as políticas - é assim que, supostamente, funciona a democracia. Claro que ainda estamos muito longe disso, mesmo no sistema político. Veja o exemplo das eleições primárias. Da forma como funciona o nosso sistema, os chefes de campanha dos candidatos vão a alguma cidade de New Hampshire e fazem uma reunião, e o candidato vai e diz: "Vejam como sou um cara simpático. Votem em mim. E as pessoas ou acreditam nele ou não, e vão para casa. Imagine que tínhamos um sistema democrático que funcionava ao contrário. O povo da cidade de New Hampshire se reuniria em conferências, reuniões, organizações públicas, etc., e delinearia as políticas que queriam ver aplicadas. Depois, se alguém se candidatava, podia ir lá; se quiserem, podem convidá-lo e ele iria ouvi-los. Eles diriam: olhe, eis as políticas que queremos que implemente; se pode fazê-lo, vamos aceitar que nos represente, mas vamos destituí-lo se não o fizer.
Como disse, isso está muito longe em termos da política de hoje.
Chomsky: Não está tão longe, acontece.
Mas em nível nacional...
Chomsky: Nesse nível está mais distante. Mas vejamos aquele que é provavelmente o mais democrático país do hemisfério ocidental, apesar de as pessoas não gostarem de pensar dessa forma: a Bolívia. É o país mais pobre do hemisfério. É o mais pobre da América do Sul. Houve eleições nos últimos anos nas quais a grande maioria da população, que é o povo mais reprimido do hemisfério, a população indígena, entrou pela primeira vez em 500 anos na arena política, determinou as políticas que quis, e elegeu um líder das suas próprias fileiras, um camponês pobre. E as questões são muito sérias - o controle sobre os recursos, a justiça econômica, os direitos culturais, as complexidades de um sociedade multiétnica muito diversa. As políticas vêm do próprio povo, e é suposto que o presidente as implemente. Há todo o tipo de problemas, nada funciona tão perfeitamente, mas é a democracia a funcionar. É quase o oposto da forma como funciona o nosso sistema.
Voltando aos EUA, pensa que os atuais planos para o setor financeiro, o setor automobilístico, o plano de estímulo geral vão funcionar? E se não, para onde estamos caminhando em termos de intensidade de crise? E o que significa em termos de democracia americana?
Chomsky: Não creio que alguém saiba se vão funcionar. É uma espécie de tiro no escuro. O meu palpite é que não vai ser a Grande Depressão, mas pode haver anos difíceis pela frente e muitos remendos se as atuais políticas forem aplicadas. O núcleo central das atuais políticas é manter a atual estrutura estável, decisões tomadas de cima.
E pôr dinheiro para os planos de resgate.
Chomsky: Pode entrar com o dinheiro para os planos de resgate, mas sem fazer parte do aparelho de decisão. É certo que vai haver alguma forma de regulação. A mania de desregulação dos últimos 30 anos, baseada em conceitos religiosos realmente fundamentalistas sobre a eficiência dos mercados em grande parte desapareceu, e muito rapidamente. Veja por exemplo Lawrence Summers, que é hoje praticamente o principal conselheiro econômico de Obama, conseguiu reconstruir o sistema regulatório que ele destruiu há poucos anos. Ele foi um dos principais a impedir o Congresso a regulamentar os derivados e outros instrumentos exóticos, sob a influência destas idéias sobre eficiência dos mercados e escolha racional, etc. Essas idéias estão agora muito abaladas, e parte do aparelho regulatório vai ser reconstruído. Mas a história disto é muito clara e fácil de entender: os sistemas de regulação tendem a ser tomados pelas empresas que deveriam regulamentar. Foi o que aconteceu com as ferrovias e outros casos. E é natural. Elas têm o poder, poder concentrado, capital concentrado, influência política enorme - de certa forma regem o governo. Acaba que eles assumem o controle do aparelho regulatório no seu próprio interesse. Assim, por exemplo durante o que muitos economistas chamam a época de ouro do moderno capitalismo de estado, entre os 50 e meados de 70, não havia grandes crises. Havia um sistema regulatório, havia regulação dos fluxos de capitais, taxas de câmbio, etc., o que levou ao maior crescimento em época de paz da história. Mudou em meados dos 70, quando a economia foi em direção à desregulamentação e financeirização, enorme crescimento dos fluxos de capital especulativo, mitologias sobre a eficiência dos mercados. Houve, é claro, crescimento, mas concentrado em poucos bolsos, e estamos há 30 anos em relativa estagnação de salários reais para a maioria da população.
E como é que isso muda?
Chomsky: Há um pequeno aspecto distributivo na política fiscal, chamam-lhe socialismo, comunismo, etc., mas mal regressa aonde estava há poucos anos. Por outro lado, a melhor maneira de chegar a um sistema mais igualitário seria, simplesmente, ampliar a sindicalização. Os sindicatos tradicionalmente não só melhoraram as vidas e os benefícios e as condições de trabalho e os salários dos trabalhadores, mas também ajudaram a democratizar a sociedade. Os sindicatos são um dos poucos meios que permitem ao povo comum reunir-se, fazer planos e influenciar as escolhas públicas. Houve um grande exemplo disto há umas semanas. O presidente Obama queria demonstrar a sua solidariedade ao povo trabalhador; foi a Illinois e falou numa fábrica. A escolha foi marcante; escolheu a Caterpillar. Teve de se contrapor às objeções da igreja e dos grupos de direitos humanos, devido ao efeito devastador que as máquinas da Caterpillar estão tendo nos territórios ocupados por Israel, onde estão destruindo terra agrícola, estradas e aldeias. Mas ninguém, que eu saiba, noticiou algo ainda mais dramático. A Caterpillar tem um papel na história do trabalho nos EUA. Foi a primeira fábrica, em gerações, a usar fura-greves para destruir uma greve. Foi, se não me engano, em 1988, como parte dos ataques de Reagan aos trabalhadores, mas foi a primeira instalação industrial a fazê-lo. Isso é um fato grande, importante. Nessa altura, os Estados Unidos eram os únicos, junto com a África do Sul, a permitir uma coisa dessas. E isso destrói na essências o direito de associação do povo trabalhador.
O Employee Free Choice Act (lei de livre-escolha do empregado) supostamente é algo que facilita a sindicalização, mas não ouvimos muito falar dela desde as eleições.
Chomsky: Não ouvimos falar muito dela. Não ouvimos quando Obama foi à fábrica, que é o símbolo de destruição do trabalho por práticas injustas, porque isto foi tirado da memória das pessoas. O Employee Free Choice Act é sempre mal interpretado. É descrito como um esforço para evitar eleições secretas. Não é isso. É um esforço para permitir que os trabalhadores decidam se deve haver eleições secretas, em vez de deixar as decisões inteiramente nas mãos dos empregadores. Durante a campanha, Obama falou nisso, mas rapidamente o tema foi deixado de lado. Mas um passo muito maior para superar a redistribuição radical para os mais ricos, que ocorreu nos últimos 30 anos, seria simplesmente facilitar os esforços de sindicalização. Mas cada presidente desde Reagan atacou isto. Reagan disse diretamente: "não vamos aplicar a lei". Assim, a demissão de trabalhadores - demissão legal - por organizar os trabalhadores triplicou, de acordo com a Business Week, durante os anos Reagan. Quando chegou Clinton, havia basicamente um dispositivo diferente. Chamava-se Nafta. O Nafta oferecia aos empregadores uma maravilhosa forma de impedir a organização dos trabalhadores: bastava pôr um grande cartaz a dizer: "Operação de transferência para o México". É ilegal, mas se o governo é fora da lei, pode ter sucesso nisto. E nem vale a pena falar dos anos Bush. Mas pode-se reverter isto, e isso seria um passo significativo não só para reverter a enorme redistribuição de rendimento para os de cima, mas também para redemocratizar a sociedade, fornecendo mecanismos pelos quais o povo possa atuar politicamente no seu próprio interesse. Mas isso mal está sendo discutido, até agora, nas margens. E coisas como, por exemplo, o controle dos interessados sobre as instituições, trabalhadores e comunidade, não está muito abaixo da superfície no espírito das pessoas. Está sendo empurrado para o lado. Mas se olharmos para trás, para os anos 30, quando questões semelhantes - não as mesmas, mas questões bastante parecidas estavam sendo levantadas, o que realmente causou medo nos corações do mundo dos negócios foram as greves de ocupação (sit-in strikes). Foi quando os empresários começaram a falar sobre o risco de que enfrentavam e sobre o poder das massas.
Mas o que tem de ameaçador uma greve de ocupação? Bem, uma greve de ocupação está apenas a cinco segundos de fazer emergir a idéia: "Por que nós devemos sentar aqui? Por que não dirigir a fábrica? Podemos fazê-lo, melhor que os gerentes, porque sabemos como tudo funciona". Isso assusta. E está começando a acontecer. Há um mês, houve uma greve de ocupação numa fábrica de Chicago, a Republic Windows and Floors. A multinacional proprietária queria fechá-la ou transferi-la para outro lado. E os trabalhadores manifestaram-se e protestaram, mas finalmente fizeram uma greve de ocupação. Bem, tiveram uma meia-vitória; não venceram totalmente. Muitos mantiveram os empregos. Uma outra empresa comprou-a. Mas não deram o passo seguinte, que era: "Bem, por que não dirigimos a fábrica, junto com a comunidade, que se importa com a fábrica, e talvez uma comunidade mais ampla, que também se importa, no público em geral?" Essas eram questões que deviam ser discutidas.
Tradução de Luis Leiria/Esquerda.Net
Em entrevista à The Real News Network, Noam Chomsky defende as nacionalizações nos Estados Unidos e que as empresas nacionalizadas sejam administradas democraticamente. "Com a participação de conselhos de trabalhadores, da organização da comunidade em reuniões, discussões nas quais são delineadas as políticas". Chomsky defende também que, no atual contexto de crise, os sindicatos "são um dos poucos meios que permitem ao povo comum reunir-se, fazer planos e influenciar as escolhas públicas."
The Real News Network/Esquerda.Net
Data: 13/04/2009
Nesta entrevista à The Real News Network, Noam Chomsky defende as nacionalizações e que as empresas nacionalizadas sejam administradas democraticamente. "Com a participação de conselhos de trabalhadores, da organização da comunidade em reuniões, discussões nas quais são delineadas as políticas". Chomsky defende também que os sindicatos "são um dos poucos meios que permitem ao povo comum reunir-se, fazer planos e influenciar as escolhas públicas."
Paul Jay: Benvindo à The Real News Network. Estamos no MIT, em Cambridge, com o professor Noam Chomsky, que julgo não precisar de apresentação. Muito obrigado por aceitar estar connosco. Há uns dias, a administração Obama e Geithner anunciaram o seu plano para os bancos. Qual é a sua opinião sobre ele?
Chomsky: Bem, na verdade há vários planos. Um é a capitalização. O outro, o mais recente, é o resgate dos ativos tóxicos através de uma união pública-privada. Essa medida fez subir imediatamente a bolsa de valores. E compreende-se porquê: é extremamente boa para os banqueiros e investidores. Significa que um investidor pode, se quiser, comprar estes ativos sem valor. E se por acaso eles subirem, ótimo, ganha dinheiro; se caírem, o governo garante-os. Assim, pode haver uma pequena perda, mas também pode haver um grande ganho. Um gestor financeiro disse esta manhã no Financial Times que "é uma situação de ganhar-ganhar."
Uma situação de ganhar ou ganhar, se for investidor.
Chomsky: Sim, se for investidor. Para o público, é uma situação de perder-perder. Este plano é uma reciclagem das medidas de Bush-Paulson, com pequenas alterações, mas essencialmente a mesma idéia: manter igual a estrutura institucional, tentar iludir a gravidade da situação, subornar os banqueiros e investidores, mas evitar as medidas que podiam ir ao cerne do problema, impondo mudanças da estrutura institucional.
Que plano o senhor apoiaria?
Chomsky: Por exemplo, veja a questão dos bônus da AIG que estão causando tanto justo repúdio. Dean Baker mostrou que havia uma forma fácil de tratar da questão. Já que o governo, de qualquer forma, é o dono da AIG (só não usa esse poder para tomar decisões), podia separar a seção de investimentos financeiros, que causou todos os problemas, e deixá-la ir à falência. Depois disto, os executivos podem procurar obter os seus bônus de uma empresa falida, se quiserem. Isso resolveria muito bem o problema da falência, e o governo manteria ainda o seu controlo efetivo em larga-escala, se quisesse exercê-lo sobre a parte viável da AIG.
E com os grandes bancos, como o Bank of America, um dos maiores problemas é que ninguém sabe o que se passa lá dentro. São aparelhos muito opacos e que fazem muitas manipulações - não são eles que vão falar. Por que o fariam? De fato, quando a Associated Press enviou jornalistas para entrevistar os gestores do banco e lhes perguntaram o que fizeram com o dinheiro do TARP (programa governamental de recuperação de ativos problemáticos), eles simplesmente riram-se. Disseram: "Não têm nada com isso. Somos empresas privadas. A vossa tarefa, a do serviço público, é de dar-nos fundos, mas não de saber o que estamos fazendo." Mas o governo podia descobrir facilmente - nomeadamente, assumindo o controle dos bancos.
Todas estas maquinações políticas são para evitar a nacionalização?
Chomsky: Não é preciso usar a palavra "nacionalização" se ela incomoda as pessoas, mas alguma forma que permitisse que investigadores independentes, investigadores do governo tivessem acesso aos livros e descobrissem o que eles estão fazendo, quem deve o quê a quem, que é a base de qualquer forma de mudança. Não há uma lei da natureza que diga que as empresas têm apenas de se dedicar a dar lucro aos seus acionistas. Nem sequer está na lei. Na sua maioria são decisões de tribunais e decisões de gestão e por aí adiante. É perfeitamente concebível que as empresas, se existem, sejam responsáveis diante dos acionistas, da comunidade, dos seus trabalhadores.
Especialmente quando é o dinheiro público que está fazendo o sistema funcionar...
Chomsky: Veja, o fato é que é quase sempre dinheiro público. Veja o homem mais rico do mundo, Bill Gates. Como é que ele se tornou o mais rico? Muito do que ganhou veio de dinheiro público. De fato, lugares como este onde estamos agora...
O MIT...
Chomsky: É onde foram desenvolvidos os computadores, a Internet, software sofisticado, aqui ou em lugares semelhantes, e quase inteiramente financiados por dinheiro público. No essencial, o sistema funciona assim: o público paga os custos e assume os riscos, e os lucros são privatizados.
Que é o que está acontecendo com todos os planos de resgate.
Chomsky: Bem, fala-se muito disso agora porque são as instituições financeiras e é tudo muito visível, mas isto acontece o tempo todo. Quer dizer: computadores e Internet foram a base para a revolução das tecnologias de informação no final dos anos 90.
Quando fala em "desafiar a estrutura institucional" o que gostaria que acontecesse?
Chomsky: Para começar, empresas, bancos e outros deveriam, penso, ser responsáveis diante de todos os interessados, não só dos acionistas. Não é uma grande mudança. De fato, já foi até levado aos tribunais. Há cerca de 30 anos, as maiores empresas siderúrgicas queriam destruir as fábricas de aço de Youngstown - o núcleo central da comunidade fora construído em torno delas - e os trabalhadores e a comunidade queriam mantê-las e achavam que podiam geri-las privadamente. Levaram o caso aos tribunais, argumentando que as regras de gestão tinham de ser mudadas de forma a que todos os interessados e não só os acionistas tivessem o controle da empresa. Bem, perdeu nos tribunais, naturalmente, mas é uma idéia perfeitamente factível. Podia ser uma maneira de manter viva a comunidade e as indústrias.
Assim, se olhar agora para o sistema financeiro e aplicar esse princípio, de representar os interesses gerais, e não só os dos acionistas, o que significaria isso em termos de política?
Chomsky: Antes de mais nada, para começar, significaria que o governo não resgataria os bancos, aplicaria capital mas exerceria o controle. E controle começa com a fiscalização. Assim, descobrimos o que eles estão fazendo. Em seguida, mantemos as partes viáveis. E se são viáveis deveriam ser postas sob controle público. O governo poderia ter comprado a AIG ou o Citigroup por muito menos do que está gastando agora. Numa sociedade democrática, o governo deveria seguir os interesses do povo, e haver um compromisso público direto no que estas instituições devem fazer e como elas devem distribuir o seu dinheiro, em que termos, etc. Podiam ser democraticamente geridas pelos seus trabalhadores, pela comunidade.
Mas, use-se ou não a palavra, isso não requer uma espécie de nacionalização? O banco não se torna uma instituição de propriedade pública?
Chomsky: Tornam-se instituições de propriedade pública que servem o público e cujas decisões são tomadas pelo público. É uma via longa. É preciso aproximar-se dela passo a passo. Quando se pensa em nacionalização, o sistema doutrinal, por razões históricas, associa nacionalização a uma espécie de Big Brother que toma o controle e dá ordens ao público. Mas não tem de ser necessariamente assim. Há muitas instituições nacionalizadas que funcionam de forma bastante eficiente. De fato, veja, digamos, o exemplo do Chile, que é suposto ser a imagem de marca das economias de livre-mercado Thatcheristas/Reaganistas. Uma grande parte da economia é baseada na muito eficiente produtora de cobre, a Codelco, que foi nacionalizada por Allende, mas era tão eficiente que durante os anos de Pinochet nunca foi desmantelada.
Na verdade, está de certa forma sendo enfraquecida mas penso que ainda é a maior produtora de cobre do mundo, recolhe a maior parte dos ganhos do Estado. Noutros lugares também há empresas nacionalizadas com muito sucesso. Mas a nacionalização é só um passo em direção à democratização. A questão é quem as gere, quem toma as decisões, quem as controla. Agora, nas instituições nacionalizadas, as decisões ainda são tomadas de cima para baixo, mas não tem de ser assim. Não há uma lei da natureza que diga que não podem ser administradas democraticamente.
Como seria feito?
Chomsky: Com a participação de conselhos de trabalhadores, da organização da comunidade em reuniões, discussões nas quais são delineadas as políticas - é assim que, supostamente, funciona a democracia. Claro que ainda estamos muito longe disso, mesmo no sistema político. Veja o exemplo das eleições primárias. Da forma como funciona o nosso sistema, os chefes de campanha dos candidatos vão a alguma cidade de New Hampshire e fazem uma reunião, e o candidato vai e diz: "Vejam como sou um cara simpático. Votem em mim. E as pessoas ou acreditam nele ou não, e vão para casa. Imagine que tínhamos um sistema democrático que funcionava ao contrário. O povo da cidade de New Hampshire se reuniria em conferências, reuniões, organizações públicas, etc., e delinearia as políticas que queriam ver aplicadas. Depois, se alguém se candidatava, podia ir lá; se quiserem, podem convidá-lo e ele iria ouvi-los. Eles diriam: olhe, eis as políticas que queremos que implemente; se pode fazê-lo, vamos aceitar que nos represente, mas vamos destituí-lo se não o fizer.
Como disse, isso está muito longe em termos da política de hoje.
Chomsky: Não está tão longe, acontece.
Mas em nível nacional...
Chomsky: Nesse nível está mais distante. Mas vejamos aquele que é provavelmente o mais democrático país do hemisfério ocidental, apesar de as pessoas não gostarem de pensar dessa forma: a Bolívia. É o país mais pobre do hemisfério. É o mais pobre da América do Sul. Houve eleições nos últimos anos nas quais a grande maioria da população, que é o povo mais reprimido do hemisfério, a população indígena, entrou pela primeira vez em 500 anos na arena política, determinou as políticas que quis, e elegeu um líder das suas próprias fileiras, um camponês pobre. E as questões são muito sérias - o controle sobre os recursos, a justiça econômica, os direitos culturais, as complexidades de um sociedade multiétnica muito diversa. As políticas vêm do próprio povo, e é suposto que o presidente as implemente. Há todo o tipo de problemas, nada funciona tão perfeitamente, mas é a democracia a funcionar. É quase o oposto da forma como funciona o nosso sistema.
Voltando aos EUA, pensa que os atuais planos para o setor financeiro, o setor automobilístico, o plano de estímulo geral vão funcionar? E se não, para onde estamos caminhando em termos de intensidade de crise? E o que significa em termos de democracia americana?
Chomsky: Não creio que alguém saiba se vão funcionar. É uma espécie de tiro no escuro. O meu palpite é que não vai ser a Grande Depressão, mas pode haver anos difíceis pela frente e muitos remendos se as atuais políticas forem aplicadas. O núcleo central das atuais políticas é manter a atual estrutura estável, decisões tomadas de cima.
E pôr dinheiro para os planos de resgate.
Chomsky: Pode entrar com o dinheiro para os planos de resgate, mas sem fazer parte do aparelho de decisão. É certo que vai haver alguma forma de regulação. A mania de desregulação dos últimos 30 anos, baseada em conceitos religiosos realmente fundamentalistas sobre a eficiência dos mercados em grande parte desapareceu, e muito rapidamente. Veja por exemplo Lawrence Summers, que é hoje praticamente o principal conselheiro econômico de Obama, conseguiu reconstruir o sistema regulatório que ele destruiu há poucos anos. Ele foi um dos principais a impedir o Congresso a regulamentar os derivados e outros instrumentos exóticos, sob a influência destas idéias sobre eficiência dos mercados e escolha racional, etc. Essas idéias estão agora muito abaladas, e parte do aparelho regulatório vai ser reconstruído. Mas a história disto é muito clara e fácil de entender: os sistemas de regulação tendem a ser tomados pelas empresas que deveriam regulamentar. Foi o que aconteceu com as ferrovias e outros casos. E é natural. Elas têm o poder, poder concentrado, capital concentrado, influência política enorme - de certa forma regem o governo. Acaba que eles assumem o controle do aparelho regulatório no seu próprio interesse. Assim, por exemplo durante o que muitos economistas chamam a época de ouro do moderno capitalismo de estado, entre os 50 e meados de 70, não havia grandes crises. Havia um sistema regulatório, havia regulação dos fluxos de capitais, taxas de câmbio, etc., o que levou ao maior crescimento em época de paz da história. Mudou em meados dos 70, quando a economia foi em direção à desregulamentação e financeirização, enorme crescimento dos fluxos de capital especulativo, mitologias sobre a eficiência dos mercados. Houve, é claro, crescimento, mas concentrado em poucos bolsos, e estamos há 30 anos em relativa estagnação de salários reais para a maioria da população.
E como é que isso muda?
Chomsky: Há um pequeno aspecto distributivo na política fiscal, chamam-lhe socialismo, comunismo, etc., mas mal regressa aonde estava há poucos anos. Por outro lado, a melhor maneira de chegar a um sistema mais igualitário seria, simplesmente, ampliar a sindicalização. Os sindicatos tradicionalmente não só melhoraram as vidas e os benefícios e as condições de trabalho e os salários dos trabalhadores, mas também ajudaram a democratizar a sociedade. Os sindicatos são um dos poucos meios que permitem ao povo comum reunir-se, fazer planos e influenciar as escolhas públicas. Houve um grande exemplo disto há umas semanas. O presidente Obama queria demonstrar a sua solidariedade ao povo trabalhador; foi a Illinois e falou numa fábrica. A escolha foi marcante; escolheu a Caterpillar. Teve de se contrapor às objeções da igreja e dos grupos de direitos humanos, devido ao efeito devastador que as máquinas da Caterpillar estão tendo nos territórios ocupados por Israel, onde estão destruindo terra agrícola, estradas e aldeias. Mas ninguém, que eu saiba, noticiou algo ainda mais dramático. A Caterpillar tem um papel na história do trabalho nos EUA. Foi a primeira fábrica, em gerações, a usar fura-greves para destruir uma greve. Foi, se não me engano, em 1988, como parte dos ataques de Reagan aos trabalhadores, mas foi a primeira instalação industrial a fazê-lo. Isso é um fato grande, importante. Nessa altura, os Estados Unidos eram os únicos, junto com a África do Sul, a permitir uma coisa dessas. E isso destrói na essências o direito de associação do povo trabalhador.
O Employee Free Choice Act (lei de livre-escolha do empregado) supostamente é algo que facilita a sindicalização, mas não ouvimos muito falar dela desde as eleições.
Chomsky: Não ouvimos falar muito dela. Não ouvimos quando Obama foi à fábrica, que é o símbolo de destruição do trabalho por práticas injustas, porque isto foi tirado da memória das pessoas. O Employee Free Choice Act é sempre mal interpretado. É descrito como um esforço para evitar eleições secretas. Não é isso. É um esforço para permitir que os trabalhadores decidam se deve haver eleições secretas, em vez de deixar as decisões inteiramente nas mãos dos empregadores. Durante a campanha, Obama falou nisso, mas rapidamente o tema foi deixado de lado. Mas um passo muito maior para superar a redistribuição radical para os mais ricos, que ocorreu nos últimos 30 anos, seria simplesmente facilitar os esforços de sindicalização. Mas cada presidente desde Reagan atacou isto. Reagan disse diretamente: "não vamos aplicar a lei". Assim, a demissão de trabalhadores - demissão legal - por organizar os trabalhadores triplicou, de acordo com a Business Week, durante os anos Reagan. Quando chegou Clinton, havia basicamente um dispositivo diferente. Chamava-se Nafta. O Nafta oferecia aos empregadores uma maravilhosa forma de impedir a organização dos trabalhadores: bastava pôr um grande cartaz a dizer: "Operação de transferência para o México". É ilegal, mas se o governo é fora da lei, pode ter sucesso nisto. E nem vale a pena falar dos anos Bush. Mas pode-se reverter isto, e isso seria um passo significativo não só para reverter a enorme redistribuição de rendimento para os de cima, mas também para redemocratizar a sociedade, fornecendo mecanismos pelos quais o povo possa atuar politicamente no seu próprio interesse. Mas isso mal está sendo discutido, até agora, nas margens. E coisas como, por exemplo, o controle dos interessados sobre as instituições, trabalhadores e comunidade, não está muito abaixo da superfície no espírito das pessoas. Está sendo empurrado para o lado. Mas se olharmos para trás, para os anos 30, quando questões semelhantes - não as mesmas, mas questões bastante parecidas estavam sendo levantadas, o que realmente causou medo nos corações do mundo dos negócios foram as greves de ocupação (sit-in strikes). Foi quando os empresários começaram a falar sobre o risco de que enfrentavam e sobre o poder das massas.
Mas o que tem de ameaçador uma greve de ocupação? Bem, uma greve de ocupação está apenas a cinco segundos de fazer emergir a idéia: "Por que nós devemos sentar aqui? Por que não dirigir a fábrica? Podemos fazê-lo, melhor que os gerentes, porque sabemos como tudo funciona". Isso assusta. E está começando a acontecer. Há um mês, houve uma greve de ocupação numa fábrica de Chicago, a Republic Windows and Floors. A multinacional proprietária queria fechá-la ou transferi-la para outro lado. E os trabalhadores manifestaram-se e protestaram, mas finalmente fizeram uma greve de ocupação. Bem, tiveram uma meia-vitória; não venceram totalmente. Muitos mantiveram os empregos. Uma outra empresa comprou-a. Mas não deram o passo seguinte, que era: "Bem, por que não dirigimos a fábrica, junto com a comunidade, que se importa com a fábrica, e talvez uma comunidade mais ampla, que também se importa, no público em geral?" Essas eram questões que deviam ser discutidas.
Tradução de Luis Leiria/Esquerda.Net
segunda-feira, 13 de abril de 2009
A “MORTE BRANCA” DO CAPITALISMO - Por Robert Kurz
A “MORTE BRANCA” DO CAPITALISMO
Com 8 milhões de desempregados estão iminentes desencadeamentos de avalanches económico-sociais na Alemanha
Robert Kurz
O desemprego em massa já não é nada de novo. A base tem aumentado de ciclo para ciclo nos últimos 30 anos. No entanto, o anterior recorde de 5 milhões foi apenas um pico momentâneo na transição para Hartz IV; com isso puderam ser empurrados para empregos precários mal pagos mais de 1 milhão de desempregados e, graças ao fogo de palha da conjuntura mundial alimentada pelas bolhas financeiras, algumas centenas de milhares conseguiram até empregos a tempo inteiro com descontos obrigatórios para a segurança social. Hoje enfrentamos uma crise de dimensões até agora inimagináveis. Por enquanto é ainda um acontecimento mediático, mas o novo desmoronamento no mercado de trabalho já começou. Deixou de estar completamente excluído um pico de 8 milhões de desempregados inscritos oficialmente nos próximos anos. Até agora, ninguém quis calcular cabalmente este cenário de pesadelo, mas as consequências são previsíveis.
Acima de uma certa ordem de grandeza, o desemprego engrossa como uma avalanche. A massa crítica é alcançada logo que são atingidos os trabalhadores qualificados permanentes dos grandes conglomerados industriais, a começar pela indústria automóvel. Com efeito, de cada posto de trabalho high tech dependem não apenas numerosos postos de trabalho nas indústrias profundamente escalonadas de fornecedores e de matérias-primas, mas muitos mais postos de trabalho no comércio a retalho, nos serviços pessoais ou na indústria do lazer, desde o vendedor de salsichas até à cabeleireira. A muito invocada maioria dos empregos no sector das PME assenta bem menos em bases próprias do que se gostaria de acreditar.
A avalanche de desempregados que se reforça a si mesma transforma-se num movimento igualmente reforçado de avalanche económica com a quebra progressiva da procura. As repercussões de efeitos múltiplos intensificam a dinâmica negativa. Assim, quebram-se as redes sociais dos seguros de reforma, de desemprego e de saúde, já de si extremamente tensas, uma vez que elas são dependentes do emprego. Com o colapso dos rendimentos das transferências sociais desaparece mais procura de massas, enquanto simultaneamente os suportes institucionais e os sectores subordinados, como clínicas ou serviços de enfermagem, terão de fechar por falta de capacidade financeira. Esse seria o segundo impulso do desencadeamento de avalanche no sector dos serviços.
Além disso, perante tal evolução dramática naturalmente que também serão mobilizadas as contas de poupança e as aplicações financeiras de melhores dias. O que não estabiliza propriamente a procura. Pelo contrário, com isso um terceiro impulso do desencadeamento de avalanche atinge novamente o já soterrado mercado financeiro. Uma retirada em massa de todos os pequenos e médios depósitos, especialmente no sector das caixas de poupança que até agora passou ao lado da crise, arrasta para o abismo, como qualquer criança sabe, todo o sistema de crédito, incluindo os seguros dos depósitos. Os consequentes despedimentos em massa neste sector seriam quase irrelevantes, pois perante a "morte branca" do capitalismo nada mais resta. Excepto os cigarros como moeda e uma coelheira no quintal, naturalmente.
Original DER „WEISSE TOD“ DES KAPITALISMUS In www.exit-online.org . Publicado na edição impressa do semanário Freitag (Berlin) em 06.03.2009.
http://obeco.planetaclix.pt/
http://www.exit-online.org/
Com 8 milhões de desempregados estão iminentes desencadeamentos de avalanches económico-sociais na Alemanha
Robert Kurz
O desemprego em massa já não é nada de novo. A base tem aumentado de ciclo para ciclo nos últimos 30 anos. No entanto, o anterior recorde de 5 milhões foi apenas um pico momentâneo na transição para Hartz IV; com isso puderam ser empurrados para empregos precários mal pagos mais de 1 milhão de desempregados e, graças ao fogo de palha da conjuntura mundial alimentada pelas bolhas financeiras, algumas centenas de milhares conseguiram até empregos a tempo inteiro com descontos obrigatórios para a segurança social. Hoje enfrentamos uma crise de dimensões até agora inimagináveis. Por enquanto é ainda um acontecimento mediático, mas o novo desmoronamento no mercado de trabalho já começou. Deixou de estar completamente excluído um pico de 8 milhões de desempregados inscritos oficialmente nos próximos anos. Até agora, ninguém quis calcular cabalmente este cenário de pesadelo, mas as consequências são previsíveis.
Acima de uma certa ordem de grandeza, o desemprego engrossa como uma avalanche. A massa crítica é alcançada logo que são atingidos os trabalhadores qualificados permanentes dos grandes conglomerados industriais, a começar pela indústria automóvel. Com efeito, de cada posto de trabalho high tech dependem não apenas numerosos postos de trabalho nas indústrias profundamente escalonadas de fornecedores e de matérias-primas, mas muitos mais postos de trabalho no comércio a retalho, nos serviços pessoais ou na indústria do lazer, desde o vendedor de salsichas até à cabeleireira. A muito invocada maioria dos empregos no sector das PME assenta bem menos em bases próprias do que se gostaria de acreditar.
A avalanche de desempregados que se reforça a si mesma transforma-se num movimento igualmente reforçado de avalanche económica com a quebra progressiva da procura. As repercussões de efeitos múltiplos intensificam a dinâmica negativa. Assim, quebram-se as redes sociais dos seguros de reforma, de desemprego e de saúde, já de si extremamente tensas, uma vez que elas são dependentes do emprego. Com o colapso dos rendimentos das transferências sociais desaparece mais procura de massas, enquanto simultaneamente os suportes institucionais e os sectores subordinados, como clínicas ou serviços de enfermagem, terão de fechar por falta de capacidade financeira. Esse seria o segundo impulso do desencadeamento de avalanche no sector dos serviços.
Além disso, perante tal evolução dramática naturalmente que também serão mobilizadas as contas de poupança e as aplicações financeiras de melhores dias. O que não estabiliza propriamente a procura. Pelo contrário, com isso um terceiro impulso do desencadeamento de avalanche atinge novamente o já soterrado mercado financeiro. Uma retirada em massa de todos os pequenos e médios depósitos, especialmente no sector das caixas de poupança que até agora passou ao lado da crise, arrasta para o abismo, como qualquer criança sabe, todo o sistema de crédito, incluindo os seguros dos depósitos. Os consequentes despedimentos em massa neste sector seriam quase irrelevantes, pois perante a "morte branca" do capitalismo nada mais resta. Excepto os cigarros como moeda e uma coelheira no quintal, naturalmente.
Original DER „WEISSE TOD“ DES KAPITALISMUS In www.exit-online.org . Publicado na edição impressa do semanário Freitag (Berlin) em 06.03.2009.
http://obeco.planetaclix.pt/
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O Brasil quer seu muro da vergonha. Por Cristina Moreno de Castro
O Brasil quer seu muro da vergonha
Cristina Moreno de Castro
Em 1961, um muro de uns 150 quilômetros foi construído para dividir a Alemanha em duas, a partir de sua capital, Berlim (43 km só na região metropolitana). Foi, durante 28 anos, símbolo da Guerra Fria, tendo causado a morte de pelo menos 80 pessoas que o tentaram atravessar.
Principalmente a partir de 2001, no governo Bush, os Estados Unidos construíram um muro, com mais de 900 quilômetros de extensão, que os separa do México e impede a entrada de imigrantes ilegais em seu país. Impede mais ou menos, já que vários dão um jeito de ultrapassarem esse obstáculo, seja por meio de suborno ou arriscando a própria vida. Vários morreram tentando. Segue sendo um símbolo da separação entre o mundo desenvolvido “do norte” e o mundo subdesenvolvido “de baixo”.
Em 2002, no governo de Ariel SSharon, o muro da Cisjordânia, que deve ter mais de 700 quilômetros, começou a ser construído. Segundo o Tribunal Internacional de Justiça de Haia, o muro é ilegal, ocupa terras palestinas que não fazem parte do território de Israel e isola cerca de 450 mil pessoas. Símbolo de segregação, seus 8 metros de altura impedem a passagem de palestinos para terras israelenses e só motiva eventos sangrentos como o que presenciamos no fim do ano passado.
Há também o muro que divide as duas Coréias, o que divide Marrocos do povo saarauí, vários são os muros da vergonha: concretos, arames farpados e vigilantes de um grupo sobre outro, subalterno, subordinado ao primeiro, econômica, política e/ou socialmente.
Se faltava algo parecido no Brasil, não mais faltará.
Sérgio Cabral (PMDB), governador do Rio de Janeiro, quer construir muros ao redor de 11 favelas do Rio – mais de 11 quilômetros de extensão e três metros de altura de muros, ao custo total de R$ 40 milhões.
Não vou nem entrar no mérito do que poderia ser feito com R$ 40 milhões (só um pouquinho, vai: segundo a Folha de S.Paulo de 2/4, “as construções de uma creche, um hospital e dois centros de integração e cidadania na Rocinha (com restaurante e usina de reciclagem), por meio do Programa de Aceleração do Crescimento, custarão R$ 32 milhões”). O que mais me preocupa é o que há em comum entre todos os muros que iniciam este artigo: eles são símbolo de segregação.
Não fosse assim, como explicar que o maior argumento do governo de Cabral para construir os muros (“Foi idéia minha”, disse o político em entrevista à revista Veja desta semana) seja “conter a expansão das moradias irregulares em áreas de vegetação” e que as favelas escolhidas para esse projeto sejam as que menos crescem na cidade? No morro Dona Marta, onde começam a ser construídos 650 metros de muro, houve redução da ocupação em 0,99%! Eu disse redução.
A reportagem da Folha que citei acima diz que o Instituto Pereira Passos (IPP), órgão municipal, calculou crescimento de 6,88% da área ocupada por favelas no Rio entre 1999 e 2008. No entanto, as favelas escolhidas para o projeto cresceram, somadas, 1,18%.
Por que murá-las, então? E mais: por que murá-las com concretos de três metros de altura (se a idéia é conter a expansão horizontal, um muro de meio metro não resolveria o problema?)?
A escolha dessas 11 favelas – que, repita-se, menos cresceram, segundo órgão do próprio município – não é de todo aleatória: elas estão na zona sul, área nobre do Rio de Janeiro.
Com isso, refuta-se o principal argumento do governador e explicita-se o principal símbolo da muralha de Cabral, tudo na mesma tacada.
Cabral diz, naquela entrevista da Veja, que “a população está adorando as benfeitorias”. Pergunto-me a qual população ele se refere, já que o presidente da Federação das Favelas se disse contra a medida e o presidente da associação de moradores do morro Dona Marta disse que nenhum líder comunitário foi ouvido.
O que ocorre é que estão tornando as favelas brasileiras – que nos renderam o samba, o carnaval, e tudo aquilo que todos já estamos carecas de ouvir nos discursos dos politizados – em guetos.
Antes de solucionar os vários problemas de infraestrutura, escolaridade e domínio do tráfico de drogas nos morros, o governo de Cabral está fechando todo mundo lá dentro, por trás de tijolos insolentes, apartados da sociedade onde o poder do Estado tem (e oferece) mais acesso.
É como disse o Elio Gaspari outro dia: “Quando uma comunidade crê que muros resolvem problemas sociais e urbanos há algo de estranho acontecendo. Sobretudo quando ela é governada por um cidadão que defendeu o aborto como instrumento de política de segurança e classificou a Rocinha como "fábrica de produzir marginal"”.
Há algo muito estranho acontecendo nas nossas favelas. Quem olhará por elas?
04.2009
Fonte: www.novae.inf.br
Cristina Moreno de Castro
Em 1961, um muro de uns 150 quilômetros foi construído para dividir a Alemanha em duas, a partir de sua capital, Berlim (43 km só na região metropolitana). Foi, durante 28 anos, símbolo da Guerra Fria, tendo causado a morte de pelo menos 80 pessoas que o tentaram atravessar.
Principalmente a partir de 2001, no governo Bush, os Estados Unidos construíram um muro, com mais de 900 quilômetros de extensão, que os separa do México e impede a entrada de imigrantes ilegais em seu país. Impede mais ou menos, já que vários dão um jeito de ultrapassarem esse obstáculo, seja por meio de suborno ou arriscando a própria vida. Vários morreram tentando. Segue sendo um símbolo da separação entre o mundo desenvolvido “do norte” e o mundo subdesenvolvido “de baixo”.
Em 2002, no governo de Ariel SSharon, o muro da Cisjordânia, que deve ter mais de 700 quilômetros, começou a ser construído. Segundo o Tribunal Internacional de Justiça de Haia, o muro é ilegal, ocupa terras palestinas que não fazem parte do território de Israel e isola cerca de 450 mil pessoas. Símbolo de segregação, seus 8 metros de altura impedem a passagem de palestinos para terras israelenses e só motiva eventos sangrentos como o que presenciamos no fim do ano passado.
Há também o muro que divide as duas Coréias, o que divide Marrocos do povo saarauí, vários são os muros da vergonha: concretos, arames farpados e vigilantes de um grupo sobre outro, subalterno, subordinado ao primeiro, econômica, política e/ou socialmente.
Se faltava algo parecido no Brasil, não mais faltará.
Sérgio Cabral (PMDB), governador do Rio de Janeiro, quer construir muros ao redor de 11 favelas do Rio – mais de 11 quilômetros de extensão e três metros de altura de muros, ao custo total de R$ 40 milhões.
Não vou nem entrar no mérito do que poderia ser feito com R$ 40 milhões (só um pouquinho, vai: segundo a Folha de S.Paulo de 2/4, “as construções de uma creche, um hospital e dois centros de integração e cidadania na Rocinha (com restaurante e usina de reciclagem), por meio do Programa de Aceleração do Crescimento, custarão R$ 32 milhões”). O que mais me preocupa é o que há em comum entre todos os muros que iniciam este artigo: eles são símbolo de segregação.
Não fosse assim, como explicar que o maior argumento do governo de Cabral para construir os muros (“Foi idéia minha”, disse o político em entrevista à revista Veja desta semana) seja “conter a expansão das moradias irregulares em áreas de vegetação” e que as favelas escolhidas para esse projeto sejam as que menos crescem na cidade? No morro Dona Marta, onde começam a ser construídos 650 metros de muro, houve redução da ocupação em 0,99%! Eu disse redução.
A reportagem da Folha que citei acima diz que o Instituto Pereira Passos (IPP), órgão municipal, calculou crescimento de 6,88% da área ocupada por favelas no Rio entre 1999 e 2008. No entanto, as favelas escolhidas para o projeto cresceram, somadas, 1,18%.
Por que murá-las, então? E mais: por que murá-las com concretos de três metros de altura (se a idéia é conter a expansão horizontal, um muro de meio metro não resolveria o problema?)?
A escolha dessas 11 favelas – que, repita-se, menos cresceram, segundo órgão do próprio município – não é de todo aleatória: elas estão na zona sul, área nobre do Rio de Janeiro.
Com isso, refuta-se o principal argumento do governador e explicita-se o principal símbolo da muralha de Cabral, tudo na mesma tacada.
Cabral diz, naquela entrevista da Veja, que “a população está adorando as benfeitorias”. Pergunto-me a qual população ele se refere, já que o presidente da Federação das Favelas se disse contra a medida e o presidente da associação de moradores do morro Dona Marta disse que nenhum líder comunitário foi ouvido.
O que ocorre é que estão tornando as favelas brasileiras – que nos renderam o samba, o carnaval, e tudo aquilo que todos já estamos carecas de ouvir nos discursos dos politizados – em guetos.
Antes de solucionar os vários problemas de infraestrutura, escolaridade e domínio do tráfico de drogas nos morros, o governo de Cabral está fechando todo mundo lá dentro, por trás de tijolos insolentes, apartados da sociedade onde o poder do Estado tem (e oferece) mais acesso.
É como disse o Elio Gaspari outro dia: “Quando uma comunidade crê que muros resolvem problemas sociais e urbanos há algo de estranho acontecendo. Sobretudo quando ela é governada por um cidadão que defendeu o aborto como instrumento de política de segurança e classificou a Rocinha como "fábrica de produzir marginal"”.
Há algo muito estranho acontecendo nas nossas favelas. Quem olhará por elas?
04.2009
Fonte: www.novae.inf.br
O krach perfeito - Perspectivas - Carta Maior
O krach perfeito - Perspectivas
A crise atual, por sua extensão e intensidade, propicia a ocasião de finalmente transformar a arquitetura geoeconômica e geopolítica do mundo, escreve Ignacio Ramonet em seu novo livro, "O krach perfeito". Carta Maior publica o capítulo final da obra.
Data: 12/04/2009
“O krach perfeito” é o título do novo livro de Ignacio Ramonet. (Ed. Galil
Este é o capítulo final do livro.
Em pânico pelo choque da crise, numerosos governos, como vimos, jogam no lixo suas convicções liberais. Alguns de repente exigem a supressão dos paraísos fiscais. A maior parte deles redescobre Keynes e anuncia aumentos importantes do gasto público. Renegando sua própria doutrina, o próprio FMI reivindica agora intervenções públicas maciças.
O modelo de capitalismo definido, buscando o maior lucro possível, pelos Estados desenvolvidos, é duramente criticado. E seria indecente que esses mesmos Estados, presentes no G-20, “refundassem” um novo sistema econômico para preservar, uma vez mais, seus interesses e sua dominação. É certo que, em Washington, em 15 de novembro de 2008, na Cúpula do G-20, havia Estados do Sul como a China, a Índia, a África do Sul, o Brasil, a Argentina e o México, cujos representantes não esconderam sua indignação porque seus países sofrem as conseqüências a má regulação da economia norte-americana. Alguns viram como, em dois meses, seus esforços para reduzir a pobreza se perderam.
Essa primeira grande Cúpula internacional (a segunda se realizaria em Londres, em abril de 2009), para tentar conter a grave crise econômica e “refundar o capitalismo”, não foi convocada pela ONU, única instancia internacional legítima para fazê-lo, mas pelo presidente de fim de mandato dos EUA, George W. Bush, que concluía seu segundo mandato calamitoso.
Isso testemunha a marginalização crescente da ONU. Seu Secretário Geral, Ban Ki-moon, tinha no entretanto proposto que uma reunião de cúpula do G-8 ampliado se realizasse, com o mesmo objetivo, na sede da ONU em Nova York, antes do fim de 2008. Mas sua convocação não teve resposta.
Esta é uma prova a mais e significativa das mudanças ocorridas nas últimas décadas, que diminuíram o peso da ONU em termos de “governabilidade” planetária e da vontade de substituir essa organização pela reunião de Estados, de legitimidade autoproclamada (sobretudo o G-8) que se atribuem agora o direito de dirigir o mundo sem nenhum consenso internacional, na simples base do direito dos mais fortes.
A crise atual, por sua extensão e intensidade, propicia no entanto a ocasião de finalmente transformar a arquitetura geoeconômica e geopolítica do mundo. Mas não apenas em palavras, como se faz por ocasião de cada krach de maneira muito hipócrita. “Nós viemos dizer que nós queremos construir um mundo novo, o mundo do século XXI – como declarou, por exemplo, Nicolas Sarkozy, cujo temperamento ultraliberal não precisa ser provado, no momento da Cúpula do G-20 em Washington. Esta crise pode ser uma oportunidade se não caímos nas detestáveis atitudes do passado, que nos levaram para onde estamos hoje.” Não hesitando, além disso, em estigmatizar, por sua vez, os hedge funds, os paraísos fiscais e as “instituições financeiras que não se submetem a nenhum controle”.
A crise é uma grande infelicidade, mas como um efeito de alavanca, ela pode propiciar também uma ocasião histórica para fazer nascer um mundo novo, uma planeta definitivamente prevenido contra outros krachs as bolsas e suas conseqüências sociais. Mas, para isso, o G-20 não é suficiente.
Esse tipo de “Cúpula refundadora” só tem sentido se os cidadãos que recusam o neoliberalismo como “horizonte insuperável” estejam representados nela. O poderoso movimento social que, desde a criação de Attac (1998), da batalha de Seattle (1999) e do lançamento do Fórum Social Mundial (2001), se estendeu sobre o conjunto do planeta, têm o que dizer. Principais vitimas da crise, os cidadãos – por meio de suas associações, ONGs e sindicatos – têm soluções a propor para que o desarme do poder financeiro se torne se torne um canteiro cívico maior. O capital e o mercado repetiram, durante trinta anos, que eram eles, e não as pessoas, que faziam a história e a felicidade dos homens. É preciso agora recordar que não há apenas economia como questão mundial: a proteção do meio ambiente, a ajuda ao desenvolvimento, a necessidade de justiça social e a preocupação pelos direitos humanos são também temas mundiais. E são os cidadãos do planeta que devem tomá-los em suas mãos.
Para refundar um novo sistema econômico, não basta controlar melhor os bancos, enquadrar os mercados dos produtos derivados, atacar os paraísos fiscais, controlar as remunerações dos traders, terminar com os super-bônus e os paraquedas dourados, reformar as agências de notação, mudar as normas contáveis, regulamentar os fundos especulativos, conceder menos créditos para a especulação, limitar as agências notariais, impedir os hege funds ou reativar a economia pelos gastos públicos. Todas essas medidas são, aliás, desejáveis. Mas seria preciso sobretudo dar aos cidadãos um maior controle sobre os recursos estratégicos dos Estados e sobre as decisões econômicas que têm a ver com as suas vidas. É preciso criar organizações financeiras internacionais que atribuam prioridade às necessidades dos homens. Que respeitem e defendam integralmente a carta os direitos do homem, a justiça social e um meio ambiente equilibrado. É preciso garantir empregos decentes e serviços fundamentais gratuitos ou subvencionados como a saúde, a educação, a cultura, a habitação, o transporte, o acesso à água potável e a uma energia limpa e renovável.
A economia será finalmente justa e democrática. E como não se substitui eficazmente o que se destrói, a etapa mais selvagem e a mais irracional do capitalismo terá então finalmente terminado.
Tradução: Emir Sader
A crise atual, por sua extensão e intensidade, propicia a ocasião de finalmente transformar a arquitetura geoeconômica e geopolítica do mundo, escreve Ignacio Ramonet em seu novo livro, "O krach perfeito". Carta Maior publica o capítulo final da obra.
Data: 12/04/2009
“O krach perfeito” é o título do novo livro de Ignacio Ramonet. (Ed. Galil
Este é o capítulo final do livro.
Em pânico pelo choque da crise, numerosos governos, como vimos, jogam no lixo suas convicções liberais. Alguns de repente exigem a supressão dos paraísos fiscais. A maior parte deles redescobre Keynes e anuncia aumentos importantes do gasto público. Renegando sua própria doutrina, o próprio FMI reivindica agora intervenções públicas maciças.
O modelo de capitalismo definido, buscando o maior lucro possível, pelos Estados desenvolvidos, é duramente criticado. E seria indecente que esses mesmos Estados, presentes no G-20, “refundassem” um novo sistema econômico para preservar, uma vez mais, seus interesses e sua dominação. É certo que, em Washington, em 15 de novembro de 2008, na Cúpula do G-20, havia Estados do Sul como a China, a Índia, a África do Sul, o Brasil, a Argentina e o México, cujos representantes não esconderam sua indignação porque seus países sofrem as conseqüências a má regulação da economia norte-americana. Alguns viram como, em dois meses, seus esforços para reduzir a pobreza se perderam.
Essa primeira grande Cúpula internacional (a segunda se realizaria em Londres, em abril de 2009), para tentar conter a grave crise econômica e “refundar o capitalismo”, não foi convocada pela ONU, única instancia internacional legítima para fazê-lo, mas pelo presidente de fim de mandato dos EUA, George W. Bush, que concluía seu segundo mandato calamitoso.
Isso testemunha a marginalização crescente da ONU. Seu Secretário Geral, Ban Ki-moon, tinha no entretanto proposto que uma reunião de cúpula do G-8 ampliado se realizasse, com o mesmo objetivo, na sede da ONU em Nova York, antes do fim de 2008. Mas sua convocação não teve resposta.
Esta é uma prova a mais e significativa das mudanças ocorridas nas últimas décadas, que diminuíram o peso da ONU em termos de “governabilidade” planetária e da vontade de substituir essa organização pela reunião de Estados, de legitimidade autoproclamada (sobretudo o G-8) que se atribuem agora o direito de dirigir o mundo sem nenhum consenso internacional, na simples base do direito dos mais fortes.
A crise atual, por sua extensão e intensidade, propicia no entanto a ocasião de finalmente transformar a arquitetura geoeconômica e geopolítica do mundo. Mas não apenas em palavras, como se faz por ocasião de cada krach de maneira muito hipócrita. “Nós viemos dizer que nós queremos construir um mundo novo, o mundo do século XXI – como declarou, por exemplo, Nicolas Sarkozy, cujo temperamento ultraliberal não precisa ser provado, no momento da Cúpula do G-20 em Washington. Esta crise pode ser uma oportunidade se não caímos nas detestáveis atitudes do passado, que nos levaram para onde estamos hoje.” Não hesitando, além disso, em estigmatizar, por sua vez, os hedge funds, os paraísos fiscais e as “instituições financeiras que não se submetem a nenhum controle”.
A crise é uma grande infelicidade, mas como um efeito de alavanca, ela pode propiciar também uma ocasião histórica para fazer nascer um mundo novo, uma planeta definitivamente prevenido contra outros krachs as bolsas e suas conseqüências sociais. Mas, para isso, o G-20 não é suficiente.
Esse tipo de “Cúpula refundadora” só tem sentido se os cidadãos que recusam o neoliberalismo como “horizonte insuperável” estejam representados nela. O poderoso movimento social que, desde a criação de Attac (1998), da batalha de Seattle (1999) e do lançamento do Fórum Social Mundial (2001), se estendeu sobre o conjunto do planeta, têm o que dizer. Principais vitimas da crise, os cidadãos – por meio de suas associações, ONGs e sindicatos – têm soluções a propor para que o desarme do poder financeiro se torne se torne um canteiro cívico maior. O capital e o mercado repetiram, durante trinta anos, que eram eles, e não as pessoas, que faziam a história e a felicidade dos homens. É preciso agora recordar que não há apenas economia como questão mundial: a proteção do meio ambiente, a ajuda ao desenvolvimento, a necessidade de justiça social e a preocupação pelos direitos humanos são também temas mundiais. E são os cidadãos do planeta que devem tomá-los em suas mãos.
Para refundar um novo sistema econômico, não basta controlar melhor os bancos, enquadrar os mercados dos produtos derivados, atacar os paraísos fiscais, controlar as remunerações dos traders, terminar com os super-bônus e os paraquedas dourados, reformar as agências de notação, mudar as normas contáveis, regulamentar os fundos especulativos, conceder menos créditos para a especulação, limitar as agências notariais, impedir os hege funds ou reativar a economia pelos gastos públicos. Todas essas medidas são, aliás, desejáveis. Mas seria preciso sobretudo dar aos cidadãos um maior controle sobre os recursos estratégicos dos Estados e sobre as decisões econômicas que têm a ver com as suas vidas. É preciso criar organizações financeiras internacionais que atribuam prioridade às necessidades dos homens. Que respeitem e defendam integralmente a carta os direitos do homem, a justiça social e um meio ambiente equilibrado. É preciso garantir empregos decentes e serviços fundamentais gratuitos ou subvencionados como a saúde, a educação, a cultura, a habitação, o transporte, o acesso à água potável e a uma energia limpa e renovável.
A economia será finalmente justa e democrática. E como não se substitui eficazmente o que se destrói, a etapa mais selvagem e a mais irracional do capitalismo terá então finalmente terminado.
Tradução: Emir Sader
quarta-feira, 8 de abril de 2009
A reunião de cúpula do G20 e as grandes ilusões - por Boaventura de Sousa Santos
A reunião de cúpula do G20 e as grandes ilusões
A reunião de Bretton Woods, em 1944, durou mais de 20 dias e deu origem à arquitetura financeira dos últimos cinquenta anos. Já a reunião do G20 em Londres durou apenas um dia. O que se decidiu em Londres foi garantir ao capital financeiro continuar a agir como tem agido nos últimos trinta anos. Ou seja, acumular lucros fabulosos nas épocas de prosperidade e contar, nas épocas de crise, com a “generosidade” dos contribuintes, desempregados, pensionistas roubados, famílias sem casa, garantida pelo Estado do Seu Bem Estar. A análise é de Boaventura de Sousa Santos.
Boaventura de Sousa Santos
Data: 07/04/2009
Tudo foi feito para que os cidadãos do mundo se sentissem aliviados e confortados com os resultados da Cúpula do G20 que acaba de se realizar em Londres. Os sorrisos e os abraços encheram os noticiários, o dinheiro jorrou para além do que estava previsto, não houve conflitos – do tipo dos que houve na Conferência de Londres de 1933, em igual tempo de crise, quando Roosevelt abandonou a reunião em protesto contra os banqueiros – e, como se não houvesse melhor indicador de êxito, os índices das bolsas de valores, a começar por Wall Street, dispararam em estado de euforia. Além de tudo, foi muito eficaz. Enquanto uma reunião anterior, com objetivos algo similares, durou mais de 20 dias – Bretton Woods, 1944, de onde saiu a arquitetura financeira dos últimos cinquenta anos – a reunião de Londres durou um dia.
Podemos confiar no que lemos, vemos e ouvimos? Não. Por várias razões. Qualquer cidadão com as simples luzes da vida e da experiência sabe que, com exceção das vacinas, nenhuma substância perigosa pode curar os males que causa. Ora, por sob a retórica, o que se decidiu em Londres foi garantir ao capital financeiro continuar a agir como tem agido nos últimos trinta anos, depois de se ter libertado dos contrelos estritos a que antes estava sujeito. Ou seja, acumular lucros fabulosos nas épocas de prosperidade e contar, nas épocas de crise, com a “generosidade” dos contribuintes, desempregados, pensionistas roubados, famílias sem casa, garantida pelo Estado do Seu Bem Estar. Aqui reside a euforia de Wall Street. Nada disto é surpreendente se tivermos em mente que os verdadeiros artífices das soluções – os dois principais conselheiros econômicos de Obama, Timothy Geithner e Larry Summers – são homens de Wall Street e que esta, ao longo das últimas décadas, financiou a classe política norte-americana em troca da substituição da regulamentação estatal por auto-regulação. Há mesmo quem fale de um golpe de Estado de Wall Street sobre Washington, cuja verdadeira dimensão e estrago se revela agora.
O contraste entre os objetivos da reunião de Bretton Woods, onde participaram não 20, mas 44 países, e a de Londres explica a vertiginosa rapidez desta última. Na primeira, o objetivo foi resolver as crises econômicas que se arrastavam desde 1929 e criar uma arquitetura financeira robusta, com sistemas de segurança e de alerta, que permitissem ao capitalismo prosperar no meio de forte contestação social, a maior parte dela de orientação socialista. Ao contrário, em Londres, assistimos a pura cosmética, reciclagem institucional, sem outro objectivo que não o de manter o actual modelo de concentração de riqueza, sem qualquer temor do protesto social – por se assumir que os cidadãos estão resignados perante a suposta falta de alternativa – e mesmo recuando em relação às preocupações ambientais, as quais voltaram ao seu estatuto de luxo para usar em melhores tempos.
As instituições de Bretton Woods (FMI e Banco Mundial, em especial) há muito que vinham a ser desvirtuadas. As suas responsabilidades nas crises financeiras dos últimos 20 anos (México, Ásia, Rússia, Brasil) e no sofrimento humano causado a vastas populações por meio de medidas depois reconhecidas como tendo sido erradas – por exemplo, a destruição, de um dia para o outro, da indústria do caju de Moçambique, deixando milhares de famílias sem subsistência – levaram a pensar que poderíamos estar num novo começo, com novas instituições ou profundas reformas das existentes. Nada disso ocorreu. O FMI viu-se reforçado nos seus meios, continuando a Europa a deter 32% dos votos e os EUA 16,8%. Como é possível imaginar que os erros não vão repetir-se?
A reunião do G20 vai, pois, ser conhecida pelo que não quis ver ou enfrentar: a crescente pressão para que a moeda internacional de reserva deixe de ser o dólar; o crescente protecionismo como prova de que nem os países que participaram nela confiam no que foi decidido (o Banco Mundial identificou 73 medidas de protecionismo tomadas recentemente por 17 dos 20 países participantes); o fortalecimento de integrações regionais Sul-Sul, na América Latina, na África, na Ásia, e entre a América Latina e o Mundo Árabe; a reposição da proteção social – os direitos sociais e econômicos dos trabalhadores – como fator insubstituível de coesão social; a aspiração de milhões para que as questões ambientais sejam finalmente postas no centro do modelo de desenvolvimento; a ocasião perdida para terminar com o segredo bancário e os paraísos fiscais – como medidas para transformar a banca num serviço público ao dispor de empresários produtivos e de consumidores conscientes.
Boaventura de Sousa Santos é sociólogo e professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (Portugal).
Fonte: Carta Maior
A reunião de Bretton Woods, em 1944, durou mais de 20 dias e deu origem à arquitetura financeira dos últimos cinquenta anos. Já a reunião do G20 em Londres durou apenas um dia. O que se decidiu em Londres foi garantir ao capital financeiro continuar a agir como tem agido nos últimos trinta anos. Ou seja, acumular lucros fabulosos nas épocas de prosperidade e contar, nas épocas de crise, com a “generosidade” dos contribuintes, desempregados, pensionistas roubados, famílias sem casa, garantida pelo Estado do Seu Bem Estar. A análise é de Boaventura de Sousa Santos.
Boaventura de Sousa Santos
Data: 07/04/2009
Tudo foi feito para que os cidadãos do mundo se sentissem aliviados e confortados com os resultados da Cúpula do G20 que acaba de se realizar em Londres. Os sorrisos e os abraços encheram os noticiários, o dinheiro jorrou para além do que estava previsto, não houve conflitos – do tipo dos que houve na Conferência de Londres de 1933, em igual tempo de crise, quando Roosevelt abandonou a reunião em protesto contra os banqueiros – e, como se não houvesse melhor indicador de êxito, os índices das bolsas de valores, a começar por Wall Street, dispararam em estado de euforia. Além de tudo, foi muito eficaz. Enquanto uma reunião anterior, com objetivos algo similares, durou mais de 20 dias – Bretton Woods, 1944, de onde saiu a arquitetura financeira dos últimos cinquenta anos – a reunião de Londres durou um dia.
Podemos confiar no que lemos, vemos e ouvimos? Não. Por várias razões. Qualquer cidadão com as simples luzes da vida e da experiência sabe que, com exceção das vacinas, nenhuma substância perigosa pode curar os males que causa. Ora, por sob a retórica, o que se decidiu em Londres foi garantir ao capital financeiro continuar a agir como tem agido nos últimos trinta anos, depois de se ter libertado dos contrelos estritos a que antes estava sujeito. Ou seja, acumular lucros fabulosos nas épocas de prosperidade e contar, nas épocas de crise, com a “generosidade” dos contribuintes, desempregados, pensionistas roubados, famílias sem casa, garantida pelo Estado do Seu Bem Estar. Aqui reside a euforia de Wall Street. Nada disto é surpreendente se tivermos em mente que os verdadeiros artífices das soluções – os dois principais conselheiros econômicos de Obama, Timothy Geithner e Larry Summers – são homens de Wall Street e que esta, ao longo das últimas décadas, financiou a classe política norte-americana em troca da substituição da regulamentação estatal por auto-regulação. Há mesmo quem fale de um golpe de Estado de Wall Street sobre Washington, cuja verdadeira dimensão e estrago se revela agora.
O contraste entre os objetivos da reunião de Bretton Woods, onde participaram não 20, mas 44 países, e a de Londres explica a vertiginosa rapidez desta última. Na primeira, o objetivo foi resolver as crises econômicas que se arrastavam desde 1929 e criar uma arquitetura financeira robusta, com sistemas de segurança e de alerta, que permitissem ao capitalismo prosperar no meio de forte contestação social, a maior parte dela de orientação socialista. Ao contrário, em Londres, assistimos a pura cosmética, reciclagem institucional, sem outro objectivo que não o de manter o actual modelo de concentração de riqueza, sem qualquer temor do protesto social – por se assumir que os cidadãos estão resignados perante a suposta falta de alternativa – e mesmo recuando em relação às preocupações ambientais, as quais voltaram ao seu estatuto de luxo para usar em melhores tempos.
As instituições de Bretton Woods (FMI e Banco Mundial, em especial) há muito que vinham a ser desvirtuadas. As suas responsabilidades nas crises financeiras dos últimos 20 anos (México, Ásia, Rússia, Brasil) e no sofrimento humano causado a vastas populações por meio de medidas depois reconhecidas como tendo sido erradas – por exemplo, a destruição, de um dia para o outro, da indústria do caju de Moçambique, deixando milhares de famílias sem subsistência – levaram a pensar que poderíamos estar num novo começo, com novas instituições ou profundas reformas das existentes. Nada disso ocorreu. O FMI viu-se reforçado nos seus meios, continuando a Europa a deter 32% dos votos e os EUA 16,8%. Como é possível imaginar que os erros não vão repetir-se?
A reunião do G20 vai, pois, ser conhecida pelo que não quis ver ou enfrentar: a crescente pressão para que a moeda internacional de reserva deixe de ser o dólar; o crescente protecionismo como prova de que nem os países que participaram nela confiam no que foi decidido (o Banco Mundial identificou 73 medidas de protecionismo tomadas recentemente por 17 dos 20 países participantes); o fortalecimento de integrações regionais Sul-Sul, na América Latina, na África, na Ásia, e entre a América Latina e o Mundo Árabe; a reposição da proteção social – os direitos sociais e econômicos dos trabalhadores – como fator insubstituível de coesão social; a aspiração de milhões para que as questões ambientais sejam finalmente postas no centro do modelo de desenvolvimento; a ocasião perdida para terminar com o segredo bancário e os paraísos fiscais – como medidas para transformar a banca num serviço público ao dispor de empresários produtivos e de consumidores conscientes.
Boaventura de Sousa Santos é sociólogo e professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (Portugal).
Fonte: Carta Maior
Conversa com um anarquista sírio sobre Gaza, no Oriente Médio - ANA
Conversa com um anarquista sírio sobre Gaza, no Oriente Médio
[Mazen Kamalmaz é um anarquista sírio, editor do site de análise e opinião libertária [www.ahewar.org]. A seguir ele fala sobre a questão do recente massacre em Gaza, seus impactos na região e o rol de anarquistas em luta contra o capitalismo e o imperialismo,
Como anarquista no Oriente Médio, como você analisa o recente conflito em Gaza e a frágil trégua alcançada pouco antes da ascensão de Barack Obama ao poder?
Mazen Kamalmaz > O recente ataque de Israel à Gaza foi extremamente sanguinário, mas essa não é a primeira vez. Esta guerra foi a continuação da agressão israelense ao Líbano no verão de 2006. Nessa ocasião, a Secretaria de Estado dos Estados Unidos da América descreveu esta agressão como “Novo Oriente Médio”, supostamente, de forma que se somaria por completo a vontade do super-imperialismo norte-americano. Em ambos os casos se alcançou uma trégua ao final, que não é outra coisa que uma pausa, até que a situação torne-se favorável para o desejo norte-americano. Os bombardeios cessaram somente porque o governo de Obama ordenou aos generais israelenses condições de relativa calma durante a posse do novo presidente da Casa Branca. O pior dos combates e das tréguas resultantes dessa situação, é que as massas, a população, são aqueles que têm sofrido mais e cujos interesses são absolutamente ignorados pelas elites governantes.
Qual foi realmente o motivo do último ataque de Israel?
Mazen Kamalmaz > Impor a vontade de Israel (com o apoio norte-americano) as populações palestinas, e árabes.
Qual foi a reação do mundo árabe frente a essa nova agressão por parte de Israel?
Mazen Kamalmaz > Houve muita raiva nas ruas árabes. Os intelectuais que foram stalinistas e nacionalistas e as elites políticas tiveram de enfrentar esse assunto, alguns apoiaram aos regimes árabes pró-norte-americanos, que são descritos como “modernos”, “moderados”, porque reprimem o fundamentalismo islâmico... essa é a nova forma de “medir” a modernidade do Oriente Médio, com a desculpa da “guerra contra o terrorismo”. Outros se posicionaram do lado do Hamas, assinalando-os como luta anti-Israel, como forma de resistência nacional. Os meios pró-norte-americanos e pró-israelenses não apresentam nem um pouco de credibilidade para o povo árabe durante o conflito, porque a população ficou exposta, e sofreu muito da influência dos islâmicos.
Existem atividades anarquistas de apoio a Gaza e nos países árabes?
Mazen Kamalmaz > A resposta a esta pergunta deve necessariamente levar em conta o estado atual do anarquismo árabe, ainda somos, enquanto movimento, não mais que alguns grupos reduzidos, sem nenhuma influência real entre as massas, além disso, nossas idéias são respeitadas pela elite intelectual, o que não é nosso objetivo. O que queremos é a criação de um forte movimento social de base, fundamentado nos valores de liberdade, igualdade e solidariedade. Em alguns lugares somos apenas uma minoria nos protestos de rua contra a guerra; enfrentamos em todas as partes, medidas repressivas, e isso prejudica a opinião das pessoas em geral. Mas é no aprofundamento das crises generalizadas que nossas idéias são necessárias, para transformar nas bases, e criar uma democracia real em oposição às elites opressoras e exploradoras.
Você acredita que os recentes resultados das eleições em Israel afetarão o conflito palestino?
Mazen Kamalmaz > As eleições israelenses não tiveram grande impacto, se é que teve algum, sobre o destino do conflito. O povo israelense é envenenado pela propaganda sionista, e confia na elite governante. Isto demonstra que as trocas não aconteceram nas eleições. O caso dos judeus israelenses é um exemplo terrível das políticas imperialistas e colonialistas do capitalismo. Depois de ter usado os judeus como símbolo de “bode expiatório” frente a situações de mal-estar social, e logo massacrar milhões, agora se utilizam do mesmo argumento para avançar com seus interesses. Os judeus agora assassinam os palestinos em benefício do capitalismo ocidental, por estarem em uma zona rica em petróleo.
De que maneira a questão palestina afeta o conjunto da região árabe?
Mazen Kamalmaz > A causa palestina possui muita influência no mundo árabe. Depois de 1948, que é o que chamamos de Al-Nakba (O Desastre), na história palestina, a região passou por épocas problemáticas e de agitação, que resultaram em regimes de cunho “nacionalistas” no Cairo, em Bagdá e Damasco. Essas ditaduras opressivas utilizaram o conflito árabe-israelense como uma desculpa para o regime, como um “ópio para as nossas nações”. Agora, temos os fundamentalistas islâmicos, que utilizam a “natureza anti-ocidental” como uma fundamentação para continuar com o seu domínio sobre as massas. Como resultado disso temos a causa palestina como fonte de agitação e confusão entre os discursos, sobre um sistema injusto de exploração.
Como o movimento anarquista pode ajudar o povo palestino? O boicote à Israel é uma tática que você considera correta?
Mazen Kamalmaz > A solidariedade do movimento anarquista internacional é muito necessária e importante. E o “chamado ao boicote” é também muito importante. A experiência oriunda da luta contra o Apartheid, nos mostra que esse tipo de ação é bastante efetivo para enfraquecer o agressor e as posições dos que os apóiam internacionalmente. Nós, ao contrário dos fundamentalistas islâmicos, não vemos o conflito como algo meramente local. De fato, este conflito é parte da luta da humanidade contra um sistema internacional injusto, dominado por multinacionais e potências capitalistas. Para a população árabe, a voz de solidariedade que chega do Ocidente, e inclusive de Israel, é uma prova clara de que o conflito não é um assunto de choque de religiões ou civilizações.
Existe um sentimento amplamente difundido entre os palestinos de que sua causa tem sido ouvida por todo o mundo... Você acredita que é o momento de reviver um movimento internacional de solidariedade? O que deve ser feito por esse movimento?
Mazen Kamalmaz > Concordo plenamente que é isso mesmo. O efeito das atividades “Anarquistas contra o Muro” é contra o muro da segregação racista, é um bom exemplo. O problema é que essas atividades ainda estão em uma pequena escala, e localizada em lugares muito específicos, principalmente na Cisjordânia. Acredito que Gaza deverá se converter em um foco maior de importância para as ações solidárias. O sofrimento da população de Gaza é absurdo, indescritível, e por isso o povo, que carece absolutamente de todo o básico para sobreviver, ficam entre o Hamas e o Fatah, que lhes entregam os bens de consumo básicos e em troca do apoio no conflito do controle territorial.
Você acredita em uma Paz duradoura na Palestina?
Mazen Kamalmaz > Temos argumentado que não pode haver uma solução estatal para este problema, ao menos em caráter de longa duração. Nem as elites locais, nem internacionais podem resolver este conflito. Apenas a população pode fazê-lo. Isto significa que temos de estabelecer laços com os anarquistas em Israel, assim como em outros países da região, e não apenas entre ativistas ou anarquistas, mas sim entre os povos; apenas desta maneira podemos compreender a natureza real do conflito e lutar e enfrentar aqueles que nos dominam.
Tradução > Palomilla Negra
agência de notícias anarquistas-ana
Azul e escuro
Estrelado e radiante
Brilho contemplante
Karoline de Lima Walczak
[Mazen Kamalmaz é um anarquista sírio, editor do site de análise e opinião libertária [www.ahewar.org]. A seguir ele fala sobre a questão do recente massacre em Gaza, seus impactos na região e o rol de anarquistas em luta contra o capitalismo e o imperialismo,
Como anarquista no Oriente Médio, como você analisa o recente conflito em Gaza e a frágil trégua alcançada pouco antes da ascensão de Barack Obama ao poder?
Mazen Kamalmaz > O recente ataque de Israel à Gaza foi extremamente sanguinário, mas essa não é a primeira vez. Esta guerra foi a continuação da agressão israelense ao Líbano no verão de 2006. Nessa ocasião, a Secretaria de Estado dos Estados Unidos da América descreveu esta agressão como “Novo Oriente Médio”, supostamente, de forma que se somaria por completo a vontade do super-imperialismo norte-americano. Em ambos os casos se alcançou uma trégua ao final, que não é outra coisa que uma pausa, até que a situação torne-se favorável para o desejo norte-americano. Os bombardeios cessaram somente porque o governo de Obama ordenou aos generais israelenses condições de relativa calma durante a posse do novo presidente da Casa Branca. O pior dos combates e das tréguas resultantes dessa situação, é que as massas, a população, são aqueles que têm sofrido mais e cujos interesses são absolutamente ignorados pelas elites governantes.
Qual foi realmente o motivo do último ataque de Israel?
Mazen Kamalmaz > Impor a vontade de Israel (com o apoio norte-americano) as populações palestinas, e árabes.
Qual foi a reação do mundo árabe frente a essa nova agressão por parte de Israel?
Mazen Kamalmaz > Houve muita raiva nas ruas árabes. Os intelectuais que foram stalinistas e nacionalistas e as elites políticas tiveram de enfrentar esse assunto, alguns apoiaram aos regimes árabes pró-norte-americanos, que são descritos como “modernos”, “moderados”, porque reprimem o fundamentalismo islâmico... essa é a nova forma de “medir” a modernidade do Oriente Médio, com a desculpa da “guerra contra o terrorismo”. Outros se posicionaram do lado do Hamas, assinalando-os como luta anti-Israel, como forma de resistência nacional. Os meios pró-norte-americanos e pró-israelenses não apresentam nem um pouco de credibilidade para o povo árabe durante o conflito, porque a população ficou exposta, e sofreu muito da influência dos islâmicos.
Existem atividades anarquistas de apoio a Gaza e nos países árabes?
Mazen Kamalmaz > A resposta a esta pergunta deve necessariamente levar em conta o estado atual do anarquismo árabe, ainda somos, enquanto movimento, não mais que alguns grupos reduzidos, sem nenhuma influência real entre as massas, além disso, nossas idéias são respeitadas pela elite intelectual, o que não é nosso objetivo. O que queremos é a criação de um forte movimento social de base, fundamentado nos valores de liberdade, igualdade e solidariedade. Em alguns lugares somos apenas uma minoria nos protestos de rua contra a guerra; enfrentamos em todas as partes, medidas repressivas, e isso prejudica a opinião das pessoas em geral. Mas é no aprofundamento das crises generalizadas que nossas idéias são necessárias, para transformar nas bases, e criar uma democracia real em oposição às elites opressoras e exploradoras.
Você acredita que os recentes resultados das eleições em Israel afetarão o conflito palestino?
Mazen Kamalmaz > As eleições israelenses não tiveram grande impacto, se é que teve algum, sobre o destino do conflito. O povo israelense é envenenado pela propaganda sionista, e confia na elite governante. Isto demonstra que as trocas não aconteceram nas eleições. O caso dos judeus israelenses é um exemplo terrível das políticas imperialistas e colonialistas do capitalismo. Depois de ter usado os judeus como símbolo de “bode expiatório” frente a situações de mal-estar social, e logo massacrar milhões, agora se utilizam do mesmo argumento para avançar com seus interesses. Os judeus agora assassinam os palestinos em benefício do capitalismo ocidental, por estarem em uma zona rica em petróleo.
De que maneira a questão palestina afeta o conjunto da região árabe?
Mazen Kamalmaz > A causa palestina possui muita influência no mundo árabe. Depois de 1948, que é o que chamamos de Al-Nakba (O Desastre), na história palestina, a região passou por épocas problemáticas e de agitação, que resultaram em regimes de cunho “nacionalistas” no Cairo, em Bagdá e Damasco. Essas ditaduras opressivas utilizaram o conflito árabe-israelense como uma desculpa para o regime, como um “ópio para as nossas nações”. Agora, temos os fundamentalistas islâmicos, que utilizam a “natureza anti-ocidental” como uma fundamentação para continuar com o seu domínio sobre as massas. Como resultado disso temos a causa palestina como fonte de agitação e confusão entre os discursos, sobre um sistema injusto de exploração.
Como o movimento anarquista pode ajudar o povo palestino? O boicote à Israel é uma tática que você considera correta?
Mazen Kamalmaz > A solidariedade do movimento anarquista internacional é muito necessária e importante. E o “chamado ao boicote” é também muito importante. A experiência oriunda da luta contra o Apartheid, nos mostra que esse tipo de ação é bastante efetivo para enfraquecer o agressor e as posições dos que os apóiam internacionalmente. Nós, ao contrário dos fundamentalistas islâmicos, não vemos o conflito como algo meramente local. De fato, este conflito é parte da luta da humanidade contra um sistema internacional injusto, dominado por multinacionais e potências capitalistas. Para a população árabe, a voz de solidariedade que chega do Ocidente, e inclusive de Israel, é uma prova clara de que o conflito não é um assunto de choque de religiões ou civilizações.
Existe um sentimento amplamente difundido entre os palestinos de que sua causa tem sido ouvida por todo o mundo... Você acredita que é o momento de reviver um movimento internacional de solidariedade? O que deve ser feito por esse movimento?
Mazen Kamalmaz > Concordo plenamente que é isso mesmo. O efeito das atividades “Anarquistas contra o Muro” é contra o muro da segregação racista, é um bom exemplo. O problema é que essas atividades ainda estão em uma pequena escala, e localizada em lugares muito específicos, principalmente na Cisjordânia. Acredito que Gaza deverá se converter em um foco maior de importância para as ações solidárias. O sofrimento da população de Gaza é absurdo, indescritível, e por isso o povo, que carece absolutamente de todo o básico para sobreviver, ficam entre o Hamas e o Fatah, que lhes entregam os bens de consumo básicos e em troca do apoio no conflito do controle territorial.
Você acredita em uma Paz duradoura na Palestina?
Mazen Kamalmaz > Temos argumentado que não pode haver uma solução estatal para este problema, ao menos em caráter de longa duração. Nem as elites locais, nem internacionais podem resolver este conflito. Apenas a população pode fazê-lo. Isto significa que temos de estabelecer laços com os anarquistas em Israel, assim como em outros países da região, e não apenas entre ativistas ou anarquistas, mas sim entre os povos; apenas desta maneira podemos compreender a natureza real do conflito e lutar e enfrentar aqueles que nos dominam.
Tradução > Palomilla Negra
agência de notícias anarquistas-ana
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