terça-feira, 14 de abril de 2009

Chomsky: "Nacionalizações são um passo para a democratização" - Agência Carta Maior

Chomsky: "Nacionalizações são um passo para a democratização"

Em entrevista à The Real News Network, Noam Chomsky defende as nacionalizações nos Estados Unidos e que as empresas nacionalizadas sejam administradas democraticamente. "Com a participação de conselhos de trabalhadores, da organização da comunidade em reuniões, discussões nas quais são delineadas as políticas". Chomsky defende também que, no atual contexto de crise, os sindicatos "são um dos poucos meios que permitem ao povo comum reunir-se, fazer planos e influenciar as escolhas públicas."

The Real News Network/Esquerda.Net

Data: 13/04/2009
Nesta entrevista à The Real News Network, Noam Chomsky defende as nacionalizações e que as empresas nacionalizadas sejam administradas democraticamente. "Com a participação de conselhos de trabalhadores, da organização da comunidade em reuniões, discussões nas quais são delineadas as políticas". Chomsky defende também que os sindicatos "são um dos poucos meios que permitem ao povo comum reunir-se, fazer planos e influenciar as escolhas públicas."

Paul Jay: Benvindo à The Real News Network. Estamos no MIT, em Cambridge, com o professor Noam Chomsky, que julgo não precisar de apresentação. Muito obrigado por aceitar estar connosco. Há uns dias, a administração Obama e Geithner anunciaram o seu plano para os bancos. Qual é a sua opinião sobre ele?

Chomsky: Bem, na verdade há vários planos. Um é a capitalização. O outro, o mais recente, é o resgate dos ativos tóxicos através de uma união pública-privada. Essa medida fez subir imediatamente a bolsa de valores. E compreende-se porquê: é extremamente boa para os banqueiros e investidores. Significa que um investidor pode, se quiser, comprar estes ativos sem valor. E se por acaso eles subirem, ótimo, ganha dinheiro; se caírem, o governo garante-os. Assim, pode haver uma pequena perda, mas também pode haver um grande ganho. Um gestor financeiro disse esta manhã no Financial Times que "é uma situação de ganhar-ganhar."

Uma situação de ganhar ou ganhar, se for investidor.

Chomsky: Sim, se for investidor. Para o público, é uma situação de perder-perder. Este plano é uma reciclagem das medidas de Bush-Paulson, com pequenas alterações, mas essencialmente a mesma idéia: manter igual a estrutura institucional, tentar iludir a gravidade da situação, subornar os banqueiros e investidores, mas evitar as medidas que podiam ir ao cerne do problema, impondo mudanças da estrutura institucional.

Que plano o senhor apoiaria?

Chomsky: Por exemplo, veja a questão dos bônus da AIG que estão causando tanto justo repúdio. Dean Baker mostrou que havia uma forma fácil de tratar da questão. Já que o governo, de qualquer forma, é o dono da AIG (só não usa esse poder para tomar decisões), podia separar a seção de investimentos financeiros, que causou todos os problemas, e deixá-la ir à falência. Depois disto, os executivos podem procurar obter os seus bônus de uma empresa falida, se quiserem. Isso resolveria muito bem o problema da falência, e o governo manteria ainda o seu controlo efetivo em larga-escala, se quisesse exercê-lo sobre a parte viável da AIG.

E com os grandes bancos, como o Bank of America, um dos maiores problemas é que ninguém sabe o que se passa lá dentro. São aparelhos muito opacos e que fazem muitas manipulações - não são eles que vão falar. Por que o fariam? De fato, quando a Associated Press enviou jornalistas para entrevistar os gestores do banco e lhes perguntaram o que fizeram com o dinheiro do TARP (programa governamental de recuperação de ativos problemáticos), eles simplesmente riram-se. Disseram: "Não têm nada com isso. Somos empresas privadas. A vossa tarefa, a do serviço público, é de dar-nos fundos, mas não de saber o que estamos fazendo." Mas o governo podia descobrir facilmente - nomeadamente, assumindo o controle dos bancos.

Todas estas maquinações políticas são para evitar a nacionalização?

Chomsky: Não é preciso usar a palavra "nacionalização" se ela incomoda as pessoas, mas alguma forma que permitisse que investigadores independentes, investigadores do governo tivessem acesso aos livros e descobrissem o que eles estão fazendo, quem deve o quê a quem, que é a base de qualquer forma de mudança. Não há uma lei da natureza que diga que as empresas têm apenas de se dedicar a dar lucro aos seus acionistas. Nem sequer está na lei. Na sua maioria são decisões de tribunais e decisões de gestão e por aí adiante. É perfeitamente concebível que as empresas, se existem, sejam responsáveis diante dos acionistas, da comunidade, dos seus trabalhadores.

Especialmente quando é o dinheiro público que está fazendo o sistema funcionar...

Chomsky: Veja, o fato é que é quase sempre dinheiro público. Veja o homem mais rico do mundo, Bill Gates. Como é que ele se tornou o mais rico? Muito do que ganhou veio de dinheiro público. De fato, lugares como este onde estamos agora...

O MIT...

Chomsky: É onde foram desenvolvidos os computadores, a Internet, software sofisticado, aqui ou em lugares semelhantes, e quase inteiramente financiados por dinheiro público. No essencial, o sistema funciona assim: o público paga os custos e assume os riscos, e os lucros são privatizados.

Que é o que está acontecendo com todos os planos de resgate.

Chomsky: Bem, fala-se muito disso agora porque são as instituições financeiras e é tudo muito visível, mas isto acontece o tempo todo. Quer dizer: computadores e Internet foram a base para a revolução das tecnologias de informação no final dos anos 90.

Quando fala em "desafiar a estrutura institucional" o que gostaria que acontecesse?

Chomsky: Para começar, empresas, bancos e outros deveriam, penso, ser responsáveis diante de todos os interessados, não só dos acionistas. Não é uma grande mudança. De fato, já foi até levado aos tribunais. Há cerca de 30 anos, as maiores empresas siderúrgicas queriam destruir as fábricas de aço de Youngstown - o núcleo central da comunidade fora construído em torno delas - e os trabalhadores e a comunidade queriam mantê-las e achavam que podiam geri-las privadamente. Levaram o caso aos tribunais, argumentando que as regras de gestão tinham de ser mudadas de forma a que todos os interessados e não só os acionistas tivessem o controle da empresa. Bem, perdeu nos tribunais, naturalmente, mas é uma idéia perfeitamente factível. Podia ser uma maneira de manter viva a comunidade e as indústrias.

Assim, se olhar agora para o sistema financeiro e aplicar esse princípio, de representar os interesses gerais, e não só os dos acionistas, o que significaria isso em termos de política?

Chomsky: Antes de mais nada, para começar, significaria que o governo não resgataria os bancos, aplicaria capital mas exerceria o controle. E controle começa com a fiscalização. Assim, descobrimos o que eles estão fazendo. Em seguida, mantemos as partes viáveis. E se são viáveis deveriam ser postas sob controle público. O governo poderia ter comprado a AIG ou o Citigroup por muito menos do que está gastando agora. Numa sociedade democrática, o governo deveria seguir os interesses do povo, e haver um compromisso público direto no que estas instituições devem fazer e como elas devem distribuir o seu dinheiro, em que termos, etc. Podiam ser democraticamente geridas pelos seus trabalhadores, pela comunidade.

Mas, use-se ou não a palavra, isso não requer uma espécie de nacionalização? O banco não se torna uma instituição de propriedade pública?


Chomsky: Tornam-se instituições de propriedade pública que servem o público e cujas decisões são tomadas pelo público. É uma via longa. É preciso aproximar-se dela passo a passo. Quando se pensa em nacionalização, o sistema doutrinal, por razões históricas, associa nacionalização a uma espécie de Big Brother que toma o controle e dá ordens ao público. Mas não tem de ser necessariamente assim. Há muitas instituições nacionalizadas que funcionam de forma bastante eficiente. De fato, veja, digamos, o exemplo do Chile, que é suposto ser a imagem de marca das economias de livre-mercado Thatcheristas/Reaganistas. Uma grande parte da economia é baseada na muito eficiente produtora de cobre, a Codelco, que foi nacionalizada por Allende, mas era tão eficiente que durante os anos de Pinochet nunca foi desmantelada.

Na verdade, está de certa forma sendo enfraquecida mas penso que ainda é a maior produtora de cobre do mundo, recolhe a maior parte dos ganhos do Estado. Noutros lugares também há empresas nacionalizadas com muito sucesso. Mas a nacionalização é só um passo em direção à democratização. A questão é quem as gere, quem toma as decisões, quem as controla. Agora, nas instituições nacionalizadas, as decisões ainda são tomadas de cima para baixo, mas não tem de ser assim. Não há uma lei da natureza que diga que não podem ser administradas democraticamente.

Como seria feito?

Chomsky: Com a participação de conselhos de trabalhadores, da organização da comunidade em reuniões, discussões nas quais são delineadas as políticas - é assim que, supostamente, funciona a democracia. Claro que ainda estamos muito longe disso, mesmo no sistema político. Veja o exemplo das eleições primárias. Da forma como funciona o nosso sistema, os chefes de campanha dos candidatos vão a alguma cidade de New Hampshire e fazem uma reunião, e o candidato vai e diz: "Vejam como sou um cara simpático. Votem em mim. E as pessoas ou acreditam nele ou não, e vão para casa. Imagine que tínhamos um sistema democrático que funcionava ao contrário. O povo da cidade de New Hampshire se reuniria em conferências, reuniões, organizações públicas, etc., e delinearia as políticas que queriam ver aplicadas. Depois, se alguém se candidatava, podia ir lá; se quiserem, podem convidá-lo e ele iria ouvi-los. Eles diriam: olhe, eis as políticas que queremos que implemente; se pode fazê-lo, vamos aceitar que nos represente, mas vamos destituí-lo se não o fizer.

Como disse, isso está muito longe em termos da política de hoje.

Chomsky: Não está tão longe, acontece.

Mas em nível nacional...

Chomsky: Nesse nível está mais distante. Mas vejamos aquele que é provavelmente o mais democrático país do hemisfério ocidental, apesar de as pessoas não gostarem de pensar dessa forma: a Bolívia. É o país mais pobre do hemisfério. É o mais pobre da América do Sul. Houve eleições nos últimos anos nas quais a grande maioria da população, que é o povo mais reprimido do hemisfério, a população indígena, entrou pela primeira vez em 500 anos na arena política, determinou as políticas que quis, e elegeu um líder das suas próprias fileiras, um camponês pobre. E as questões são muito sérias - o controle sobre os recursos, a justiça econômica, os direitos culturais, as complexidades de um sociedade multiétnica muito diversa. As políticas vêm do próprio povo, e é suposto que o presidente as implemente. Há todo o tipo de problemas, nada funciona tão perfeitamente, mas é a democracia a funcionar. É quase o oposto da forma como funciona o nosso sistema.

Voltando aos EUA, pensa que os atuais planos para o setor financeiro, o setor automobilístico, o plano de estímulo geral vão funcionar? E se não, para onde estamos caminhando em termos de intensidade de crise? E o que significa em termos de democracia americana?

Chomsky: Não creio que alguém saiba se vão funcionar. É uma espécie de tiro no escuro. O meu palpite é que não vai ser a Grande Depressão, mas pode haver anos difíceis pela frente e muitos remendos se as atuais políticas forem aplicadas. O núcleo central das atuais políticas é manter a atual estrutura estável, decisões tomadas de cima.

E pôr dinheiro para os planos de resgate.

Chomsky: Pode entrar com o dinheiro para os planos de resgate, mas sem fazer parte do aparelho de decisão. É certo que vai haver alguma forma de regulação. A mania de desregulação dos últimos 30 anos, baseada em conceitos religiosos realmente fundamentalistas sobre a eficiência dos mercados em grande parte desapareceu, e muito rapidamente. Veja por exemplo Lawrence Summers, que é hoje praticamente o principal conselheiro econômico de Obama, conseguiu reconstruir o sistema regulatório que ele destruiu há poucos anos. Ele foi um dos principais a impedir o Congresso a regulamentar os derivados e outros instrumentos exóticos, sob a influência destas idéias sobre eficiência dos mercados e escolha racional, etc. Essas idéias estão agora muito abaladas, e parte do aparelho regulatório vai ser reconstruído. Mas a história disto é muito clara e fácil de entender: os sistemas de regulação tendem a ser tomados pelas empresas que deveriam regulamentar. Foi o que aconteceu com as ferrovias e outros casos. E é natural. Elas têm o poder, poder concentrado, capital concentrado, influência política enorme - de certa forma regem o governo. Acaba que eles assumem o controle do aparelho regulatório no seu próprio interesse. Assim, por exemplo durante o que muitos economistas chamam a época de ouro do moderno capitalismo de estado, entre os 50 e meados de 70, não havia grandes crises. Havia um sistema regulatório, havia regulação dos fluxos de capitais, taxas de câmbio, etc., o que levou ao maior crescimento em época de paz da história. Mudou em meados dos 70, quando a economia foi em direção à desregulamentação e financeirização, enorme crescimento dos fluxos de capital especulativo, mitologias sobre a eficiência dos mercados. Houve, é claro, crescimento, mas concentrado em poucos bolsos, e estamos há 30 anos em relativa estagnação de salários reais para a maioria da população.

E como é que isso muda?

Chomsky: Há um pequeno aspecto distributivo na política fiscal, chamam-lhe socialismo, comunismo, etc., mas mal regressa aonde estava há poucos anos. Por outro lado, a melhor maneira de chegar a um sistema mais igualitário seria, simplesmente, ampliar a sindicalização. Os sindicatos tradicionalmente não só melhoraram as vidas e os benefícios e as condições de trabalho e os salários dos trabalhadores, mas também ajudaram a democratizar a sociedade. Os sindicatos são um dos poucos meios que permitem ao povo comum reunir-se, fazer planos e influenciar as escolhas públicas. Houve um grande exemplo disto há umas semanas. O presidente Obama queria demonstrar a sua solidariedade ao povo trabalhador; foi a Illinois e falou numa fábrica. A escolha foi marcante; escolheu a Caterpillar. Teve de se contrapor às objeções da igreja e dos grupos de direitos humanos, devido ao efeito devastador que as máquinas da Caterpillar estão tendo nos territórios ocupados por Israel, onde estão destruindo terra agrícola, estradas e aldeias. Mas ninguém, que eu saiba, noticiou algo ainda mais dramático. A Caterpillar tem um papel na história do trabalho nos EUA. Foi a primeira fábrica, em gerações, a usar fura-greves para destruir uma greve. Foi, se não me engano, em 1988, como parte dos ataques de Reagan aos trabalhadores, mas foi a primeira instalação industrial a fazê-lo. Isso é um fato grande, importante. Nessa altura, os Estados Unidos eram os únicos, junto com a África do Sul, a permitir uma coisa dessas. E isso destrói na essências o direito de associação do povo trabalhador.

O Employee Free Choice Act (lei de livre-escolha do empregado) supostamente é algo que facilita a sindicalização, mas não ouvimos muito falar dela desde as eleições.

Chomsky: Não ouvimos falar muito dela. Não ouvimos quando Obama foi à fábrica, que é o símbolo de destruição do trabalho por práticas injustas, porque isto foi tirado da memória das pessoas. O Employee Free Choice Act é sempre mal interpretado. É descrito como um esforço para evitar eleições secretas. Não é isso. É um esforço para permitir que os trabalhadores decidam se deve haver eleições secretas, em vez de deixar as decisões inteiramente nas mãos dos empregadores. Durante a campanha, Obama falou nisso, mas rapidamente o tema foi deixado de lado. Mas um passo muito maior para superar a redistribuição radical para os mais ricos, que ocorreu nos últimos 30 anos, seria simplesmente facilitar os esforços de sindicalização. Mas cada presidente desde Reagan atacou isto. Reagan disse diretamente: "não vamos aplicar a lei". Assim, a demissão de trabalhadores - demissão legal - por organizar os trabalhadores triplicou, de acordo com a Business Week, durante os anos Reagan. Quando chegou Clinton, havia basicamente um dispositivo diferente. Chamava-se Nafta. O Nafta oferecia aos empregadores uma maravilhosa forma de impedir a organização dos trabalhadores: bastava pôr um grande cartaz a dizer: "Operação de transferência para o México". É ilegal, mas se o governo é fora da lei, pode ter sucesso nisto. E nem vale a pena falar dos anos Bush. Mas pode-se reverter isto, e isso seria um passo significativo não só para reverter a enorme redistribuição de rendimento para os de cima, mas também para redemocratizar a sociedade, fornecendo mecanismos pelos quais o povo possa atuar politicamente no seu próprio interesse. Mas isso mal está sendo discutido, até agora, nas margens. E coisas como, por exemplo, o controle dos interessados sobre as instituições, trabalhadores e comunidade, não está muito abaixo da superfície no espírito das pessoas. Está sendo empurrado para o lado. Mas se olharmos para trás, para os anos 30, quando questões semelhantes - não as mesmas, mas questões bastante parecidas estavam sendo levantadas, o que realmente causou medo nos corações do mundo dos negócios foram as greves de ocupação (sit-in strikes). Foi quando os empresários começaram a falar sobre o risco de que enfrentavam e sobre o poder das massas.

Mas o que tem de ameaçador uma greve de ocupação? Bem, uma greve de ocupação está apenas a cinco segundos de fazer emergir a idéia: "Por que nós devemos sentar aqui? Por que não dirigir a fábrica? Podemos fazê-lo, melhor que os gerentes, porque sabemos como tudo funciona". Isso assusta. E está começando a acontecer. Há um mês, houve uma greve de ocupação numa fábrica de Chicago, a Republic Windows and Floors. A multinacional proprietária queria fechá-la ou transferi-la para outro lado. E os trabalhadores manifestaram-se e protestaram, mas finalmente fizeram uma greve de ocupação. Bem, tiveram uma meia-vitória; não venceram totalmente. Muitos mantiveram os empregos. Uma outra empresa comprou-a. Mas não deram o passo seguinte, que era: "Bem, por que não dirigimos a fábrica, junto com a comunidade, que se importa com a fábrica, e talvez uma comunidade mais ampla, que também se importa, no público em geral?" Essas eram questões que deviam ser discutidas.

Tradução de Luis Leiria/Esquerda.Net

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