segunda-feira, 20 de abril de 2009

“O julgamento de Washington, quero dizer, de Nuremberg”. Flávio Aguiar

“O julgamento de Washington, quero dizer, de Nuremberg”.

O presidente Barack Obama liberou um documento até então secreto em que se admite e se descreve a prática de torturas por agentes dos EUA, junto com a garantia de que ninguém será processado por causa disso. A notícia se baseia no argumento de que as pessoas envolvidas estavam “cumprindo ordens superiores em nome da segurança nacional”, praticamente o mesmo utilizado no julgamento das atrocidades nazistas, em Nuremberg. O artigo é de Flávio Aguiar.

Flávio Aguiar

Data: 17/04/2009
Para este feriadão, segue uma sugestão e uma notícia:

A sugestão: a notícia de que o presidente Obama liberou um documento antes “top secret” em que se admite e se descreve a prática de torturas, junto com a de que ninguém será processado por causa disso, lembrou-me do filme “O julgamento de Nuremberg”, de Stanley Kramer, de 1961.

O documento pode ser lido na íntegra no site do jornal The New York Times, e descreve práticas como pancadas, fechar o interrogado num compartimento cheio de insetos, afogamento, privação do sono, entre outras. É chocante, tanto pela desfaçatez como pela precisão.

A declaração de que ninguém, nem da CIA nem possivelmente de outras agências norte-americanas irá a julgamento, ou se for, contará com defesa patrocinada pelo governo, se baseia no argumento de que as pessoas envolvidas estavam “cumprindo ordens superiores em nome da segurança nacional”, num clima de admissão oficial de tais práticas.

O soneto e a emenda são terríveis. O argumento foi usado no julgamento das atrocidades nazistas, feito em Nuremberg logo depois da Segunda Guerra Mundial, quando se passou do exame do primeiro escalão para o segundo, e por isso essa nova (?) circunstância me trouxe à mente o filme de Kramer. Se não viu, veja; se já viu, reveja.

Um juiz norte-americano, Daniel Haywood, se vê na circunstância de julgar seu colega e de certo modo mestre inspirador, Dr. Janning, por julgamentos criminosos antes e durante a guerra. Haywood é Spencer Tracy; Janning, Burt Lancaster. De quebra, estão presentes Marlene Dietrich, no papel de uma aristocrata alemã cujo marido, um militar, foi condenado à morte por crimes de guerra, mas que despreza mais do que abomina o nazismo; Richard Widmark, no papel do contraditório promotor militar norte-americano; e Maximilian Schell, que dá um show de bola (ganhou o Oscar de melhor ator pelo papel) como o advogado de defesa, além de Judy Garland, no papel de uma das pessoas envolvidas num dos julgmantos presididos por Janning.

Entre várias questões que o filme levanta (por exemplo, em meio ao julgamento, chega um pedido do comando militar norte-americano para que as sentenças sejam abrandadas, pois “os inimigos agora são os soviéticos, não mais os alemães”), se destaca a questão da responsabilidade individual. O cerne do argumento da defesa é o de que Janning, no fundo, se tornou um bode expiatório (com três outros juízes acusados, cujas reações vão do desprezo ao temor perante o tribunal de guerra), e de que ninguém mais será julgado. “Stalin, que fez um pacto com Hitler, não será julgado”, diz a defesa, “nem os industriais do exterior que apoiaram e lucraram com o ditador, nem os políticos ingleses – inclusive Churchill – que no começo foram negligentes, senão coniventes, com ele”.

A questão é relevante, reconhece o juiz Haywood, cujo voto (dentre os três juízes que julgam o caso) é o decisivo. Mas isso não elimina, diz ele, a questão da responsabilidade individual. Janning acusa o golpe, e pede, ao final, para ter uma conversa esclarecedora com Haywood, conversa que é um dos pontos altos da carreira de ambos os atores.

O filme é um bom contraponto a essa decisão de “não julgar ninguém”, dentre os agentes que praticaram aqueles atos abomináveis. Há uma certa relevância no argumento, pois é claro que julgados, em primeiro lugar, deveriam ser George Bush, Condoleezza Rice, Donald Rumsfeld, Dick Cheney et alii; mas acho que aqueles agentes da CIA ou de outras instituições norte-americanas, que aplicaram os métodos anti-humanidade da tortura admitida e recomendada, teriam problemas num tribunal presidido por Haywood.

“Move Berlim”.
A notícia: começa neste fim de semana o festival “Brasil move Berlim”. O “Move Berlim”, como é mais conhecido, é o principal festival de dança brasileira no exterior, e um dos mais importantes da Alemanha e da Europa. O festival vai até 26 de abril, com a apresentação de grupos brasileiros de vários estados, como Piauí, Bahia, Rio, Ceará e Minas, além de, pela primeira vez, contar com a apresentação de grupos de que participam artistas brasileiros residentes em Berlim. O festival conta com a organização de Wagner Carvalho, Björn Dirk Schlüter e sua equipe, e o patrocínio da Funarte, cujo presidente, Sérgio Mamberti, é o seu patrono; conta também com o apoio de várias empresas e instituições culturais de Berlim.

O tema central, desta vez (trata-se da 4a. edição), é o da “reconstrução, história e preservação da memória da dança”. Haverá, além das apresentações dos grupos nas diversas salas do “HAU” (Hebbel am Ufer), oficinas, debates e palestras, algumas das últimas coordenadas pela professora Ute Herrmanns, do Instituto Latino-americano da Universidade Livre de Berlim. O “Move Berlim” segue sendo o principal espaço de divulgação da dança brasileira na Europa.

Fonte: Agencia Carta Maior

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