segunda-feira, 13 de abril de 2009

O Brasil quer seu muro da vergonha. Por Cristina Moreno de Castro

O Brasil quer seu muro da vergonha
Cristina Moreno de Castro


Em 1961, um muro de uns 150 quilômetros foi construído para dividir a Alemanha em duas, a partir de sua capital, Berlim (43 km só na região metropolitana). Foi, durante 28 anos, símbolo da Guerra Fria, tendo causado a morte de pelo menos 80 pessoas que o tentaram atravessar.

Principalmente a partir de 2001, no governo Bush, os Estados Unidos construíram um muro, com mais de 900 quilômetros de extensão, que os separa do México e impede a entrada de imigrantes ilegais em seu país. Impede mais ou menos, já que vários dão um jeito de ultrapassarem esse obstáculo, seja por meio de suborno ou arriscando a própria vida. Vários morreram tentando. Segue sendo um símbolo da separação entre o mundo desenvolvido “do norte” e o mundo subdesenvolvido “de baixo”.

Em 2002, no governo de Ariel SSharon, o muro da Cisjordânia, que deve ter mais de 700 quilômetros, começou a ser construído. Segundo o Tribunal Internacional de Justiça de Haia, o muro é ilegal, ocupa terras palestinas que não fazem parte do território de Israel e isola cerca de 450 mil pessoas. Símbolo de segregação, seus 8 metros de altura impedem a passagem de palestinos para terras israelenses e só motiva eventos sangrentos como o que presenciamos no fim do ano passado.

Há também o muro que divide as duas Coréias, o que divide Marrocos do povo saarauí, vários são os muros da vergonha: concretos, arames farpados e vigilantes de um grupo sobre outro, subalterno, subordinado ao primeiro, econômica, política e/ou socialmente.

Se faltava algo parecido no Brasil, não mais faltará.

Sérgio Cabral (PMDB), governador do Rio de Janeiro, quer construir muros ao redor de 11 favelas do Rio – mais de 11 quilômetros de extensão e três metros de altura de muros, ao custo total de R$ 40 milhões.

Não vou nem entrar no mérito do que poderia ser feito com R$ 40 milhões (só um pouquinho, vai: segundo a Folha de S.Paulo de 2/4, “as construções de uma creche, um hospital e dois centros de integração e cidadania na Rocinha (com restaurante e usina de reciclagem), por meio do Programa de Aceleração do Crescimento, custarão R$ 32 milhões”). O que mais me preocupa é o que há em comum entre todos os muros que iniciam este artigo: eles são símbolo de segregação.

Não fosse assim, como explicar que o maior argumento do governo de Cabral para construir os muros (“Foi idéia minha”, disse o político em entrevista à revista Veja desta semana) seja “conter a expansão das moradias irregulares em áreas de vegetação” e que as favelas escolhidas para esse projeto sejam as que menos crescem na cidade? No morro Dona Marta, onde começam a ser construídos 650 metros de muro, houve redução da ocupação em 0,99%! Eu disse redução.

A reportagem da Folha que citei acima diz que o Instituto Pereira Passos (IPP), órgão municipal, calculou crescimento de 6,88% da área ocupada por favelas no Rio entre 1999 e 2008. No entanto, as favelas escolhidas para o projeto cresceram, somadas, 1,18%.

Por que murá-las, então? E mais: por que murá-las com concretos de três metros de altura (se a idéia é conter a expansão horizontal, um muro de meio metro não resolveria o problema?)?

A escolha dessas 11 favelas – que, repita-se, menos cresceram, segundo órgão do próprio município – não é de todo aleatória: elas estão na zona sul, área nobre do Rio de Janeiro.

Com isso, refuta-se o principal argumento do governador e explicita-se o principal símbolo da muralha de Cabral, tudo na mesma tacada.

Cabral diz, naquela entrevista da Veja, que “a população está adorando as benfeitorias”. Pergunto-me a qual população ele se refere, já que o presidente da Federação das Favelas se disse contra a medida e o presidente da associação de moradores do morro Dona Marta disse que nenhum líder comunitário foi ouvido.

O que ocorre é que estão tornando as favelas brasileiras – que nos renderam o samba, o carnaval, e tudo aquilo que todos já estamos carecas de ouvir nos discursos dos politizados – em guetos.

Antes de solucionar os vários problemas de infraestrutura, escolaridade e domínio do tráfico de drogas nos morros, o governo de Cabral está fechando todo mundo lá dentro, por trás de tijolos insolentes, apartados da sociedade onde o poder do Estado tem (e oferece) mais acesso.

É como disse o Elio Gaspari outro dia: “Quando uma comunidade crê que muros resolvem problemas sociais e urbanos há algo de estranho acontecendo. Sobretudo quando ela é governada por um cidadão que defendeu o aborto como instrumento de política de segurança e classificou a Rocinha como "fábrica de produzir marginal"”.

Há algo muito estranho acontecendo nas nossas favelas. Quem olhará por elas?

04.2009

Fonte: www.novae.inf.br

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