A essência das candidaturas excêntricas - por Danilo Mekari
Com chances reais de serem eleitos, alguns candidatos sem-proposta ganham espaço na mídia. É um sinal de que, para ganhar votos, mais vale ser e agir como uma celebridade do que expor propostas políticas – tudo isso com o aval dos partidos, que veem neles uma chance de ouro para eleger seus representantes
Tetraneto do Zumbi dos Palmares, Nelson Mandela, Barack Obama e Bin Laden. A semelhança entre esses nomes que remetem a pessoas de diferentes continentes é bem simples: uma vaga na Câmara dos Deputados do Brasil.
Tais candidatos buscam se eleger como deputados federais – com exceção de Adolphino Rosário Cruz, quer dizer, Nelson Mandela, que concorre a deputado estadual. Os partidos e apelidos variam, mas um detalhe que se torna cada vez mais regular nas eleições legislativas do país é a presença de figuras cômicas e esdrúxulas como uma ferramenta eficaz para galgar votos na legenda dos partidos ou até mesmo ser eleito representante do povo brasileiro.
Nessa lista ainda entram outros personagens, de ex-jogadores de futebol a artistas (a maioria em decadência) que, para se elegerem, contam muito mais com sua popularidade país afora do que com propostas políticas. Nesse sentido, a campanha televisiva de Tiririca virou referência justamente por questionar o papel do deputado federal, no que o debochado cantor responde: “Não sei, mas vote em mim que eu te conto!”.
Há uma importante questão a ser levantada: qual é a legitimidade desses candidatos? Estão corretos em sua tentativa, já que, na teoria, a política deve ser feita pelo povo? Ou expõe de maneira sarcástica a situação da política no Brasil?
Para a cientista política Maria do Socorro Braga, professora da Universidade Federal de São Carlos, essas candidaturas são uma estratégia dos partidos para ganhar votos e, consequentemente, um maior espaço na Câmara e nas Assembléias. “É uma forma de atingir diferentes públicos, principalmente o popular, ou seja, os setores mais humildes que se identificam com essas pessoas. Esse é o objetivo dos partidos”, argumenta. E arremata: “A questão de que a política deve ser feita pelo povo não deixa de ter um certo sentido, mas a verdade é que isso não passa de uma estratégia das lideranças partidárias para atrair votos dos setores populares para tais candidaturas”.
Cantar ou legislar?
Recentemente essa estratégia vem sendo adotada em maior número e grau. É o caso de Suéllem Rocha, conhecida como Mulher Pêra, que só pensou em se candidatar a deputada federal após ser convidada pelas lideranças do PTN (Partido Trabalhista Nacional). “Recebi o convite do presidente do partido. Como faço shows pelo Brasil inteiro, fiz uma enquete perguntando em quem a galera votaria. E ninguém sabia responder, não tinham um candidato em mente. Aí perguntei: se me candidatar, vocês votam em mim? Todo mundo me apoiou”, conta a dançarina. Ela ainda revelou que, se eleita, não deixará os palcos de lado: “Sempre gostei de cantar. Vou tentar medir os dois lados. Se não der, eu paro, vou fazer o quê?”. Pára de cantar ou de ser deputada? “Paro de cantar”.
A candidatura de Mulher Pêra à Câmara dos Deputados evidencia um sintoma da atual prática política brasileira: há um número considerável de candidatos que, ao invés de expor suas propostas, pensam antes em ser eleitos para então se sustentar em alguma plataforma política. “Hoje, existe a dificuldade para o próprio candidato em eleger uma bandeira específica a qual representar. Está havendo uma redução dessa defesa de programas políticos, principalmente para deputados estaduais e federais”, reconhece Socorro.
A televisão tem culpa
O horário eleitoral gratuito foi criado nos primeiros anos da ditadura militar, em 1965, com o objetivo de permitir que os candidatos concorrentes apresentem seus projetos políticos dentro das programações de televisão e rádio. Mas, na prática, a concorrência está longe de ser justa – os partidos têm diferentes tempos de exposição, que variam conforme a representatividade no legislativo e de acordo com as coligações partidárias estabelecidas.
O que vemos nessas propagandas eleitorais é uma miscelânea de nomes, números e pessoas – no punhado de segundos a que têm direito, parece que todos repetem a mesma frase. Segundo a professora, entretanto, as estratégias podem variar: “Alguns partidos concentram o tempo que têm naqueles candidatos considerados puxadores de votos. Outros se vêem obrigados a encurtar o texto de apresentação, que na maioria das vezes vai ser só uma propaganda de seu número e também dos candidatos majoritários – ‘vote em deputado tal, porque juntos vamos governar o país. Com Serra presidente, Alckmin governador e Quércia senador’. Ele usa o seu próprio tempo para propagar outras candidaturas”.
Se o tempo televisivo não permite ao candidato expor suas idéias políticas de um jeito mais claro e objetivo, existem outros meios para que ele possa fazê-lo; atualmente, a criação de blogs e sites em torno das candidaturas é uma maneira eficaz e propícia para a divulgação de projetos. Manter-se refém dos poucos intervalos televisivos significa falar seu nome e número para o eleitor, e só. “Em termos de qualidade para a democracia brasileira, o advento do horário eleitoral gratuito foi importante e é preciso que ele continue, pois é dada a mesma oportunidade para pequenos e grandes partidos, todos tem um espaço”, opina Socorro. “Mas é claro que essa igualdade acaba sendo diluída quando você vai desenvolver os programas; obviamente, quem tem mais recursos acaba tendo programas mais elaborados, com mais tempo; isso vira uma bola de neve e vai ajudando a criar uma espécie de cartel entre quatro ou cinco partidos que controlam tudo”.
Obama brasileiro
A importância que os candidatos dão à sua própria imagem refere-se muito ao curto espaço de tempo que eles têm na televisão. E para chamar a atenção vale de tudo: desde nomes e apelidos esquisitos até criar identidades com pessoas mundialmente conhecidas. O baiano Ananias Rodrigues da Silva resolveu aproveitar sua semelhança com o atual presidente americano para se candidatar a deputado federal pelo PTB (Partido Trabalhista Brasileiro). Obama Brasil, seu apelido, revela que virou candidato “por causa do negócio de ser sósia do Obama. A gente aproveitou o nome e lançou a candidatura”. E continua: “Se você não tem nome, até você fazer um é difícil. Trabalhando com um nome conhecido fica muito mais fácil, né?”.
O Obama brasileiro acredita que a política de seu país tem se destacado nos últimos anos, mas que, mesmo assim, muita gente ainda não a leva a sério. Mas não especificou quais são as suas propostas: “Tenho que pensar num trabalho para o Brasil. Nós temos um trabalho de reforma da saúde e da educação – percebemos que se faz, mas o crescimento não está de acordo com o que poderia ser”.
Segundo ele, a semelhança com o presidente americano não é apenas física. Com voz grave e séria, revelou que “quando o Obama apareceu, eu fui ver a história dele e percebi que é parecida com a minha. Ele era presidente de associação, coisa que também sou há muitos anos; sou presidente de um trabalho religioso há muito tempo, assim como ele; Obama tem duas filhas, eu também tenho duas filhas; ele tem um trabalho social, foi criado sem pai nem mãe... Ele é um cara que não desiste, e eu também sou um cara que não desiste. Então eu pensei em fazer essa história de sósia, porque a semelhança é muito grande”. Quando perguntado sobre as chances de ser eleito, Obama Brasil demonstrou um dos porquês do apelido: “Se você entra numa guerra, quer sair como vencedor, né?”.
Reforma política?
Se a televisão tem papel fundamental para o surgimento e expansão desse tipo de candidatura – ou melhor, o pouco tempo na televisão –, o que precisa ser feito para inverter essa lógica de eleger um candidato por sua popularidade e não por suas propostas? Para Socorro, “a questão da representatividade é o princípio que vai balizar essa discussão, e todo o argumento é nesse sentido: quanto maior é a representatividade, maior o tempo na TV, maior os recursos etc. E acabamos tendo um debate reduzido às grandes organizações; os pequenos partidos têm maior dificuldade em aparecer”. A professora não acredita que tal questão possa ser pautada numa eventual reforma política. “A reforma depende muito da vontade política dos grupos que estão no poder e não me parece que eles têm muito interesse em fazer uma mudança profunda. Vai ser pontual de novo”.
Até que ponto o crescimento em número dessas candidaturas excêntricas é uma forma de protesto aos políticos e à política de “antigamente”? Uma enxurrada de candidaturas sem referências políticas, muito menos propostas inteligíveis, é um evidente sintoma de que esse modo de organização democrática está doente.
Danilo Mekari integra a equipe do Le Monde Diplomatique Brasil
Fonte: Le Monde Brasil
domingo, 12 de setembro de 2010
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