terça-feira, 7 de setembro de 2010

PALESTINA / ISRAEL: A farsa em Washington - por Alain Gresh

A farsa em Washington

O ceticismo é geral e a paz entre israelenses e palestinos está longe de qualquer horizonte palpável. Apenas os protagonistas da última cúpula de Washington querem fingir acreditar nela, e têm boas razões para isso
por Alain Gresh

Quem ainda acredita no processo de paz entre palestinos e israelenses? Em 23 de agosto de 2010, o jornal britânico Financial Times publicou um editorial entitulado One final act in the Middle East farce (“Um último ato na farsa do Oriente Médio”). Nada mais adequado. O ceticismo é geral. Estamos longe das ilusões que haviam acompanhado a Cúpula de Annapolis, em 2007, que previa a criação de um Estado palestino antes do final de 2008. Apenas os protagonistas da cúpula que começou em 2 de setembro em Washington querem fingir acreditar nela, e todos têm boas razões para tanto:

— O rei Abdala 2º da Jordânia e o presidente egípcio Hosni Moubarak, porque ambos precisam convencer de que suas opiniões sobre a evolução rumo à paz estão corretas, no exato momento em que a sua prática autoritária visa impedir todo debate e todo avanço da oposição nos dois pleitos que serão realizados no Egito e na Jordânia em novembro.

— O presidente Barack Obama, que não cumpriu as promessas do seu discurso no Cairo, em 4 de junho de 2009, e que, envolvido num conflito difícil no Oriente Médio, quer tranquilizar seus aliados árabes sem desagradar seu aliado israelense.

— A União Europeia, covarde demais para definir uma política inovadora e que simplesmente quer que as pessoas acreditem que as centenas de milhões de euros derramados sobre a Autoridade Palestina servem para outra coisa e não para financiar a ocupação.

— O presidente palestino Mahmoud Abbas, cuja legitimidade vem sendo mais e mais contestada, inclusive pelos seus próprios súditos, e que quer mostrar que a sua opção por uma negociação pode dar resultados. Tanto que não há realmente outra escolha, já que toda a estrutura da Autoridade Palestina depende das benesses internacionais: dezenas de milhares de funcionários vivem graças a esse dinheiro. E tanto pior para os palestinos que criticam a retomada das negociações: eles não têm nem mesmo o direito de se expressar, como confirma Benjamin Bartheno diário Le Monde de 27 de agosto (“A autoridade palestina censura os opositores das negociações com Israel”). Não é apenas o Hamas que tem práticas autoritárias, mas as dos “nossos” aliados não nos incomodam.

— O primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu, que obteve o queria, negociações sem condições prévias, ou seja, com o prosseguimento da colonização, sobretudo em Jerusalém Leste (e em outros lugares, conforme comprovam estudos recentes) e com a demolição das casas palestinas. Ou, em outras palavras, escritas por Akiva Eldar no diário Haaretz de 23 de agosto (“With a victory like this...” / “Com uma vitória como essa...”), essas negociações abrem-se com condições prévias: aquelas ditadas por Israel.

Para resumir o espírito da reunião de Washington, vale lembrar uma anedota que contavam na União Soviética durante os últimos anos do período de Brejnev:

Em 1918, um trem no qual Lênin está instalado fica bloqueado pela neve. Lênin desce do trem, profere um discurso sobre o proletariado e a revolução mundial, mobiliza todos os viajantes que desobstruem a via, e o trem segue caminho.

Em 1936, um trem no qual Stalin está instalado fica bloqueado pela neve. Stalin desce do trem, manda fuzilar quinze pessoas a esmo, e todos os viajantes aterrorizados se mobilizam, desobstruindoa via. O trem segue caminho.

Em 1978, um trem no qual Brejnev está instalado fica bloqueado pela neve. Brejnev não se mexe. Os seus conselheiros o veem sentado, simplesmente sacudindo o corpo para frente e para trás. Um deles ousa finalmente perguntar-lhe por quê. E Brejnev responde: “Vamos fazer de conta que o trem está se movimentando”.

Em Washington, os protagonistas fazem o mesmo: fazem de conta que a paz está a caminho...

Alain Gresh é jornalista, do coletivo de redação de Le Monde Diplomatique (edição francesa).
Fonte: http://diplomatique.uol.com.br/

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