Por dentro e por fora
Uma tribuna para livres manifestações de desassossego, fonte primária na identificação de temas e problemas para uma pauta menos óbvia, em torno da qual também propomos nos encontrar. E quando falamos em encontro, é encontro mesmo: mera verificação mútua de pontos de vista e conhecimento pessoal, pois idéias não nascem em árvores. Em que resultará, se resultar, não sabemos. Por Paulo Arantes
“Por dentro e por fora é uma série de artigos de debate sobre as lutas e os movimentos sociais, da iniciativa conjunta de Paulo Arantes e do coletivo Passa Palavra. Série aberta a um amplo leque de colaboradores individuais, convidados ou espontâneos, mais ou menos empenhados (ou ex-empenhados) nas lutas concretas, que ajude a aprofundar diagnósticos sobre a sociedade que vivemos, a cruzar experiências, a abrir caminhos - e cujos critérios seletivos serão apenas a relevância e a qualidade dos textos propostos.” Passa Palavra
“Ele pensava dentro de outras cabeças;
e na sua, outras, além dele, pensavam.
Este é o verdadeiro pensamento”.Brecht
Não é de hoje que a Teoria Crítica no Brasil bateu no teto. Sinal de que pelo menos houve progresso. Até o momento em que as idéias novas começaram a escassear. E os derradeiros movimentos anticapitalistas, a perder fôlego. Literalmente, aliás: militantes extenuados, de tanto ralar e moer no aspro, penam em dobro para formular o conhecimento acumulado na mais cruel adversidade. Houve, sim, avanço no último período. Hoje sabemos muito mais sobre as mutações da sociedade brasileira e as grandes manobras do capital do que os corações veteranos que nos precederam. E no entanto não é menos forte o sentimento de pensamento paralisado. Em todas as frentes em que pensar é decisivo, da organização da luta propriamente dita à invenção cultural autônoma.
Se esta sensação for mesmo um horizonte comum, faz todo o sentido a pergunta: o que afinal nos fará voltar a pensar? Como não há resposta de mão única, muito menos ao alcance da mão, não custa imaginar um ou dois passos de desafogo, ligeiramente heterodoxos. Daí a proposta de uso e destino deste espaço, que passamos a encaminhar.
À primeira vista, a iniciativa está longe de ser inédita. Uma tribuna para livres manifestações de desassossego, fonte primária na identificação de temas e problemas para uma pauta menos óbvia, em torno da qual também propomos nos encontrar, digamos daqui a um ano, ou o tempo que for necessário, maior ou menor, para que o consenso a respeito amadureça. E quando falamos em encontro, é encontro mesmo: mera verificação mútua de pontos de vista e conhecimento pessoal, pois idéias não nascem em árvores. Em que resultará, se resultar, não sabemos. Se vingar, pouca coisa não há de ser. Modéstia à parte, é que há muita gente boa envolvida. Aqui a novidade desta convocação: além da conjugação de teoria e prática, conhecimento e interesse emancipatório, aprofundamento de diagnósticos e fortalecimento de experiências autônomas, o pressentimento de que há muita gente pensando por fora, seja lá o que isto queira dizer, por enquanto.
Mas onde estão e quem são, socialmente falando? Nos movimentos é claro, mas não necessariamente. Precisamos mais do que nunca dos avulsos e independentes, como também dos ressabiados e dos rescaldados, tanto dos desmobilizados quanto dos que ainda não arriscaram a travessia da fronteira de classe, mas se encontram nas cercanias (num e noutro sentido). É o caso, por exemplo, dos chamados “assessores técnicos”, cujo saber tornou-se hoje oxigênio indispensável para qualquer retomada do trabalho de base nos movimentos populares – uma das acepções do que estamos entendendo por pensamento. É o caso também, por outro exemplo, de pessoas nascidas e criadas nas periferias dos grandes centros urbanos, que têm acessado certos espaços de estudo novos e protagonizado novas experiências de resistência, se apropriando e produzindo críticas originais.
Como estamos falando de Teoria Crítica, é preciso registrar que quase todos têm passagem pela Universidade, nem que seja pelas beiradas ou apenas em situações de combate, mas de formas consistentes. Sem ambição de carreira (era só o que faltava), têm vivido da mão para a boca nas uni-esquinas, nas ONGs e projetos sociais da vida, ou nas franjas profissionalizadas de movimentos sociais diversos. Alguns raros conseguem “ensinar” sem precisar vender a alma para a plataforma Lattes. Aos que mantêm um pé na academia, a bolsa é um alívio com data de validade, depois é o purgatório social e intelectual que se sabe. Em suma, com ou sem militância orgânica, classe média ou nova plebe urbana, são todos intelectuais por assim dizer precarizados. Ainda sem chegar ao extremo de viver praticamente em estado de secessão, como os radicais russos do século XIX, seja em razão de criativas estratégias de sobrevivência, seja mesmo pela capacidade intelectual cultivada, não são movidos a ideologias de granito, mas a análises específicas e percepções inéditas do descalabro da atualização capitalista em curso no país.
Quanto ao saber local, é outra herança sem testamento. No caso do triste fim das interpretações clássicas do Brasil, para ficar no exemplo mais aberrante, quando muito alimentam uma pequena indústria cultural do comentário elegante, nos lembrando de tempos em tempos – e os de hoje são de discreta euforia – que as raízes do Brasil continuam vivíssimas. Enfim, uma escalada da sofisticação, contra o pano de fundo da qual se destacará ainda mais o brutalismo da ralé intelectual com a qual contamos para voltar a pensar. Mas agora, contra o Brasil – por que não? Será preciso lembrar que na tradição dos oprimidos a famigerada “construção interrompida”, que hoje se presume retomada, é inteiramente outra?
Como pensar por fora exige uma certa folga – em todos os sentidos – não prescrevemos nenhum gênero fixo para as contribuições. Por razões óbvias, eventuais pseudônimos não serão postos em dúvida. Assinatura coletiva pode ser um atalho expressivo. Como é preciso sentir o drama, depoimentos de engajamentos e desengajamentos também serão bem-vindos, sobretudo para governo dos que razoavelmente ainda hesitam no limiar da Crítica meramente crítica, como se dizia nos tempos do jovem Marx. Até programas de transição serão aceitos, desde que expostos como se fossem alheios.
Fonte: http://passapalavra.info/
domingo, 5 de setembro de 2010
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