Henry Charles Bukowski - o merecedor de impropérios - por Pree Leonel
Há quem ame Henry Charles Bukowski Jr. Há também quem o odeie. O “velho safado” – senhor cuja obra de cunho obsceno revelou ao universo literário um outro tipo de leitor, tão libertário e indecente quanto o próprio autor – obviamente tinha conhecimento das antagônicas impressões que causava, enquanto vivo. E apostava nas temáticas mais polêmicas, mesmo assim.
Porres sensacionais, ceticismos, machismos, relacionamentos baratos, sexo fácil, linguagem informal ou chula, referências aos subempregos exercidos, solidão, humor-negro, pontuação desajustada e xingamentos: tudo estava em pauta para o autor alemão. Qualquer fosse o foco de Bukowski, o estilo parecia agradar a nova massa dos alternativos e intelectuais dos anos 60, já entorpecidos pela geração beatnick, antes prestigiada por obras como “On the road”, de Jack Kerouac.
Não que o autor tenha vivido conforme os preceitos beat. Não foi o caso. A geração apenas tomou para si emprestadas as palavras do beberão simpático. Para Charles, sobraram apenas as garrafas vazias da geração que nascia – e alguma irritação decorrente das gratuitas comparações ou co-relações dedicadas ao seu estilo sobre aquela tribo.
E, claro, assunto de fácil acesso às mesas dos bares universais – residência de bêbados não comedidos, intelectuais de plantão ou puritanos frustrados – as impressões acerca do velho acabaram por alcançar novos ângulos, além dos contos, romances e poesias. Estendem-se elas, hoje, a discussões ousadas sobre ser o homem Bukowski merecedor da empatia universal literária ou não.
Sua obra foi alvo de ofensiva por parte de feministas do mundo todo. Do outro lado de Los Angeles, mulheres queimavam seus livros, em protesto, já na década de 60, após suas primeiras publicações. Chamavam o beberrão de chauvinista, vagabundo. Despejar-lhe um par de injúrias auto-inflamantes parecia justo frente ao cenário vulgar emprestado ao mundo pelo autor. Ainda no século atual, esposas indignadas pela veia Bukowskiniana de seus maridos modificam suas expressões faciais ao ouvirem o nome do velho, e acreditam que Charles nada mais quis senão chocar.
Não sabiam elas, no entanto, ser Henry Chinaski (alter ego adotado por Bukoswki em suas narrativas) um desconectado por natureza, desobediente aos padrões eternos que regiam a terra celibatária. É que o homem já havia descoberto as limitações do então sonho americano. Fora atormentado por um pai azedo, rígido e infeliz e por uma doença que lhe deformou o rosto, transformando-o em um jovem de poucos amigos, outsider. O álcool, os livros e a escrita cínica, sem amarras, se tornaram, assim, sua companhia – talvez suas muletas.
Dessa forma, as descrições do então jovem Charles, grande parte delas de cunho pessoal, eram também experimentações livres de temas que ofereciam à sua estranha vida um ar discutivelmente cômico. Discutivelmente porque – é aí que a problemática provinciana mora – não tinha pudores de atravessar a linha e os limites impostos por sua sociedade sobre o que seria bonito ser dito ou feito.
De outro lado, com uma garrafa de gim na mão (e um misto-quente na outra), Charles não se preocupava e queria mesmo era avacalhar com os conceitos de classe, gênero, e comportamento do homem médio, de forma a instigar, sim, a repulsa, a nostalgia, a melancolia, o nojo, o apreço ou a raiva de seus leitores, através de sua auto-exposição.
“Bebi e fiquei mais bêbado que um gambá no purgatório. Estive até com uma faca de açougueiro na garganta, uma noite, na cozinha; mas aí pensei, calma (...). Quando voltei a mim, estava na sala do meu apartamento, cuspindo no tapete e queimando meus pulsos com cigarros, dando risadas. Louco como uma lebre”.
Pois bem. Sóbrio ou não, o escritor tanto se expôs que foi presenteado com a eternidade. Antologias, poemas, cartas e contos foram lançados postumamente, de forma a concretizar seu papel já reservado na história. Uma das últimas publicações, aliás, é creditada a Matthias Schultheiss, quadrinista alemão que publicou, em 2008, as histórias do velho safado em quadrinhos. Jaz ali um universo obrigatoriamente coberto de prostitutas e marginais que são engolidos pela solidão das capitais. Chama-se “Delírios Cotidianos”
Tais homenagens e tributos ainda provocam polêmicas no momento em que se analisa Charles enquanto pessoa – característica que caminhará eternamente ao lado de sua assinatura. Mas o mundo tem tratado de separar as coisas. Fala-se agora do homem Bukowski e de um outro homem, diferente daquele outro: o literário Bukowski. Quem ama não consegue fazer a distinção de uma coisa e outra, mas espera que, quem o odeie, o faça. Talvez não dê certo, visto que Henry se diferencia exatamente por tornar esta tarefa difícil.
Com mais de 50 publicações espalhadas pelo globo, no entanto, já não se sabe de feministas que continuem a queimar suas obras. Talvez em algum vilarejo ainda provinciano, localizado em algum local inóspito e frio do globo ocular. A realidade atual fala por si mesma e, pelo contrário, catapulta Charles ao mundo como um dos autores mais imitados – exaustivamente, talvez – da América.
A tendência-Bukowski-de-ser chegou até mesmo a terras de língua portuguesa, sendo representada por autores brasileiros como Clarah Averbuck, especialmente em “Máquina de Pinball” (Editora Conrad, 2002), seu primeiro romance, transcrito e transformado em filme no ano de 2008. Talvez Fernanda Young, outra ousada escritora brasileira, se intimidaria com a comparação. Mas depois da publicação de “Tudo o que você não soube” (Editora Ediouro, 2007) é de se ter dúvidas que nos restem dúvidas. E porque não citar o próprio Daniel Galera, no que tange seus brilhantes momentos de ousadia suja em “Até o dia em que o cão morreu” (Cia das Letras, 2007)?
Enfim. Além de herdeiros literários (e vários pseudos destes, vale lembrar), o escritor, falecido em 1994 após ser diagnosticado com leucemia (não, ele não morreu de cirrose), deixou em seu túmulo a grafia “Don't try” (“nem tente”, em português), uma referência, percebam, bastante cool a “Roll the dices”, poesia marcante do velho insóbrio que fala sobre ir adiante. Pois bem. Ele foi. E continua indo.
“If you're going to try, go all the way. Otherwise, don't even start” (“Se você for tentar, vá até o fim. Do contrário, nem tente”). Roll the dices, de Charles Bukowski.
Fonte: http://obviousmag.org
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