5º Ato: Hora de começar a pensar sobre maior manifestação dos últimos tempos
A cidade esteve na mão do povo, a polícia entregou a chave. Deixando de lado a questão da polícia e centrando-se no povo, isso seria bom ou ruim? Por Passa Palavra
Difícil, e seria em vão, tentar descrever tudo o que se passou na segunda-feira (17 de junho) em São Paulo — e no Brasil — com o 5º Grande Ato Contra o Aumento das tarifas. Qualquer leitura política que se faça será certamente parcial e imprecisa, apenas os desdobramentos dos fatos poderão fornecer elementos que ajudem a desnudar o sentido político da grande ebulição que está em curso.
Nesta segunda-feira, o ato — enorme — partiu do Largo da Batata (e todas as adjacências), na região de Pinheiros, e pouco depois dividiu-se (até onde temos conhecimento) em três grandes colunas: uma que desceu o final da avenida Rebouças e acessou a Marginal Pinheiros, caminhou longamente e tomou a ponte Estaiada, no bairro do Brooklin; outra que seguiu pela avenida Faria Lima, tomou a Juscelino Kubistech, a avenida Berrini e se encontrou com a primeira também na ponte Estaiada; e outros milhares que seguiram para a Avenida Paulista. E depois seguiu para o Palácio dos Bandeirantes, sede do governo do estado, e depois teve bloco que tomou a 23 de Maio e foi para a Assembleia Legislativa, e outro que desceu a Consolação, e depois um que foi para a frente da Prefeitura, e depois… e depois… e depois… Até o momento em que escrevemos, milhares e milhares estão por aí.
Alguns institutos de pesquisas chegaram a falar em 65 mil pessoas nas ruas. Talvez tenha sido isso, mas talvez fosse melhor dizer 90, 100, 110 mil ou mais — tanto faz. A partir desse momento passamos a contabilizar numa escala em que essa quantificação se torna indiferente ou, pelo menos, secundária.
Hoje é possível dizer que a cidade esteve na mão do povo, a polícia entregou a chave. Deixando de lado a questão da polícia e centrando-se no povo, isso seria bom ou ruim?
Bom, porque o Movimento Passe Livre (MPL) conseguiu cravar no coração da cidade o debate sobre o transporte público e o projeto da tarifa zero de forma indiscutível. Bom, porque apesar de todas as manobras operadas tanto pela direita quanto pela esquerda do espectro político institucional — enxertando um sem-número de pautas na mobilização, de forma a canalizar a sua energia contra este ou aquele adversário político e esvaecer a reivindicação única e clara do movimento — está cada vez mais difícil e vexatório para Haddad e Alckimin sustentarem o reajuste da passagem.
Mas também ruim — e, acrescentamos, perigoso — porque o povo de que falamos aqui não é aquele eufemismo ou simplificação que usamos quando queremos genericamente nos referir à classe trabalhadora ou a uma composição favorável a ela. Povo aqui diz respeito àquela massa social sem forma definida. Se há algo que marca a manifestação de segunda-feira, sem dúvida esta marca é a polifonia.
A sensação é que vivemos um grandioso momento, decisivo, algo inédito. Uma dada leitura de conjuntura altera-se em pouquíssimas horas. Algo nos diz que estamos perto de uma vitória pontual — 20 centavos — mas extremamente significante, porque pode devolver às organizações de esquerda a percepção de que o caminho da luta aberta, na rua, é possível. É, como se diz, uma real possibilidade de alcançarmos um acúmulo de força. E mais: aprendermos lições sobre formas de mobilização, sobre a necessidade de ser ousado, de fazer enfrentamentos. Porém, é preciso dizer que esta sensação é incompleta, carrega também o seu quê de angústia. Sensações que variavam conforme fossem as faixa, os cartazes ou as palavras de ordem que iam sendo chamadas durante a noite desta segunda-feira. À parte algumas pautas que poderiam e devem ser articuladas à pauta específica da mobilização — destacam-se aqui a indignação com a Copa do Mundo, a situação da saúde, da habitação e, sobretudo, o rechaço pesado contra a Polícia Militar — tiveram lugar também manifestações nacionalistas, moralistas, espíritos cívicos que enauseariam qualquer militante anticapitalista. E é claro que isso não ocorreu espontaneamente. Como já dito, resultou de intervenções políticas sistematicamente operadas dos setores mais conservadores da sociedade como também do chamado campo progressista democrático-popular. A grande imprensa — outra que, apesar do xingamento que sofria pela maior parte dos manifestantes, pode sair fortalecida por este processo — não poupou esforços para retratar e induzir o acontecimento a uma verdadeira panaceia cara-pintada.
Considerando os acontecimentos em outras 11 capitais brasileiras, presenciamos nesta segunda-feira um dos maiores eventos políticos do último período, isto é certo. A jornada de lutas contra o aumento avançou enormemente, disso não restam dúvidas. E abre caminhos para coisas até há uma semana inimagináveis no campo da luta de classes. No entanto, o que marchou nesta segunda-feira por toda a cidade foi um espectro político cujo conteúdo, para além da luta contra o aumento, está em ferrenho processo de disputa. Isso coloca um seríssimo desafio para as forças de esquerda, em São Paulo e no Brasil: não deixar que a energia social que esta luta ajudou a liberar, e que agora começa a transbordar da engenharia política de pacificação e cooptação armada pela era petista, redunde num mar de pautas etéreas, ou pior, descambe para um projeto de moralização da política de matiz populista, nacionalista, ou pior… como já aconteceu em outros momentos da história. Para já, no caso de São Paulo, isso significa intervir em conjunto e com habilidade e bolar táticas de depuração política que nos permitam gritar a uma só voz, sem desvios: pela revogação do aumento da tarifa!
Fonte: http://passapalavra.info/
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