A brutalidade da PM paulista e a mentira na TV
Vítima de armas não-letais disparadas pela PM, no protesto
do dia 15 em São Paulo, Patrícia relata como seu rosto na região dos olhos foi
atingido quase a deixando cega. Já a Secretaria de Segurança de SP desmentiu
que havia “mulher ferida” na manifestação
“Eu, Patrícia
Rodsenko, já apenas mais uma pessoa na estatística da violência” (Foto:
Reprodução/Facebook)
É com tristeza e indignação que venho compartilhar com vocês
como me tornei recentemente mais uma das vítimas do nosso fracassado sistema de
segurança pública. Na última quinta-feira, 15 de maio, enquanto voltava para
casa durante os protestos que tomavam a Avenida Paulista e a Rua da Consolação,
fui brutalmente atingida por um dos armamentos que a Polícia Militar do Estado
de São Paulo tem usado para conter manifestantes e, como ocorreu comigo,
qualquer outra pessoa que esteja ao alcance de suas ações desmedidas e injustificáveis.
Após sair de um cinema com uma amiga na Rua Augusta, fomos
para um café ali perto e aguardamos um pouco. Quando a manifestação já parecia
ter se dispersado, fomos para a Rua da Consolação pegar nosso ônibus.
Foi nesse pequeno trajeto que tudo aconteceu. Enquanto um
grupo de manifestantes tentava se reunir novamente, duas viaturas policiais
subiram no sentido oposto atirando bombas e outros dos seus artefatos
“não-letais”.
Ouvi dois grandes estouros e logo depois senti uma pancada
muito forte no meu rosto, na região dos olhos. Sem entender direito o que havia
acontecido, percebi apenas que eu sangrava muito. Minha roupa estava cheia de
sangue e eu não conseguia mais abrir meu olho esquerdo. Fui socorrida por minha
amiga, cuja presença foi inestimável, e por pessoas que estavam na rua no
momento. Alguns médicos que participavam de uma conferência num hotel próximo
ao Metro Paulista também me deram os primeiros socorros. A todos gostaria de
agradecer imensamente pela solidariedade.
Pensei que ficaria cega, mas por absoluta sorte meu olho não
foi atingido. Concluí depois que, infelizmente, a sorte é muitas vezes a única
coisa que nos protege da violência policial. Tive “apenas” o nariz quebrado e,
segundo o relato médico que tive ao ser atendida no Hospital das Clínicas, uma
lesão no osso abaixo dos olhos. E eis o resultado de mais uma ação policial:
alguns pontos no rosto, anti-inflamatórios que não consegui adquirir pelo
sistema público de saúde, uma cirurgia que farei nesta semana para reparar meu
nariz e, o que talvez mais me dói como cidadã brasileira, mais um profundo
golpe nos nossos direitos. Em nome da ordem pública e da preservação do
patrimônio, se ignora outro dever constitucional do Estado em matéria de
segurança pública: a proteção da integridade e da incolumidade das pessoas.
Por que tanta repressão arbitrária? Por que tanto
despreparo, tanta violência? Para impedir manifestantes radicais de danificarem
bancos e lojas, a polícia atira assumindo o risco de cegar alguém
aleatoriamente? Não há inteligência policial para evitar excessos sem pôr em
risco a vida de todos nós? É mesmo essa a policia que foi instituída como um
dever do Estado para proteger a população? Uma polícia que atira no meu rosto é
uma polícia que nos põe em dúvida com relação ao seu próprio sentido de
existir!
Não pretendo entrar na discussão política sobre os gastos
com o Mundial da FIFA, a qualidade dos serviços públicos no Brasil ou o
verdadeiro nível de democracia em nosso país. Essas são discussões extremamente
importantes, mas que ficam ofuscadas quando nosso direito básico de ser
protegido pelo Estado se transforma na possibilidade de ser atacado por ele
arbitraria e brutalmente.
Como um direito humano fundamental, o verdadeiro sentido da
segurança jamais será o de uma prerrogativa do Estado para se defender de
críticas e dos seus opositores, mas um direito que todas as pessoas têm de não
se sentirem vulneráveis em relação à violência de quem quer que seja.
Como alguns de vocês sabem, moro numa das regiões mais
pobres da cidade mais rica do país. Aqui, cada pessoa que sabe da violência que
sofri me aconselha a não seguir adiante com meu testemunho e a não buscar
reparação judicial pelo que estou sofrendo. Infelizmente, as pessoas (e a minha
mãe talvez mais que todos) temem que eu possa ser alvo de retaliações
policiais.
Até quando seguiremos nos sentindo vulneráveis e impotentes
diante da violência? É dessa outra segurança, aquela que nos permite não ser
refém do medo, que precisamos para nos tornarmos um dia a sociedade que
desejamos ser. É dessa outra segurança que eu e os vários jovens brasileiros
que sofrem nas periferias do país precisamos. É dessa segurança que precisam
inclusive os policiais que cometem esses atos totalmente descabidos e
lamentáveis, moradores que são eles também dessas mesmas periferias abandonadas
pelo poder público.
Pelos jornais, pude ver que na última quinta-feira, quando
fui vítima do despreparo policial, o Brasil assistiu a dezenas de manifestações
em várias cidades do país. Eu não estava na manifestação que ocorreu aqui em
São Paulo, mas sou totalmente a favor da população se reunir e expressar suas
insatisfações com o Estado. Quantas vezes forem necessárias.
Não é um favor o que os governos fazem ao deixar a população
ir às ruas se expressar. É uma obrigação! A liberdade de expressão é um direito
do cidadão, não é? Está na constituição, não está? Por mais que se tente, não
posso culpar qualquer manifestante “radical” pelo que me ocorreu. A polícia
precisa aprender a lidar com eles, com todos os outros manifestantes e não
manifestantes sem abandonar outros valores fundamentais para todos nós.
Sairemos crescidos desse momento político se formos capazes desse gesto.
Ontem, assisti no jornal de maior audiência do país que a
Secretaria de Segurança de São Paulo desmentiu a “mulher ferida em protesto”.
Eu, Patrícia Rodsenko, já apenas mais uma pessoa na estatística da violência,
estava enganada quando imaginei ter sido atingida por uma bala de borracha
disparada pela PM.
Patrícia atingida pela PM no protesto do dia 15
A Secretaria afirmou em nota que garantiu zelosamente o
direito à livre manifestação e que balas de borracha não foram usadas em nenhum
momento no protesto. Não pretendo entrar numa discussão semântica sobre qual o
nome do artefato que atingiu meu rosto na última quinta-feira. O fato inegável
é que, sendo estilhaço de bomba ou bala de borracha, esse objeto quebrou meu
nariz e por pouco não me cegou.
O sangue que permanece insistente na roupa que usava no dia
é inegável e foi resultado de uma violência cometida em nome e sob a
responsabilidade desta mesma Secretaria de Segurança. No meio dessa disputa com
a opinião pública para mudar de nome os mesmos gestos injustificáveis, me
pergunto apenas porque o Estado de São Paulo teria aceitado do Governo Federal
em março desse ano 314 kits com armas de balas de borracha para combater
protestos na Copa deste ano. Afinal, a Secretaria de Segurança diz não fará
qualquer uso deles.
Fonte: http://www.revistaforum.com.br/
2 comentários:
O estranho é alguém ferido no olho já ter um longo texto pronto pra publicar criticando Copa, PM, violência e governo. E se estava escuro - como a amiga dela diz no vídeo no canal de youtube do PSTU - como tem certeza que foi a PM a autora do que quer que a atingiu? Pois é ... parece um texto pronto pra publicar em nome de qualquer militante ferido. Talvez ela estivesse, sim, no protesto que nunca é pacífico (como a CF impõe).
Anônimo, ela se feriu no olho, não na mão... qual é o problema alguém criticar a polícia? ela (polícia) é boa para você? para a grande maioria não, tanto é que para mim a polícia esta aí para "proteger" uma classe da qual não faço parte... bem coxinha esse seu comentário...
Provos Brasil
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