A grande chaga das prisões sem julgamento
Estudo revela: 40% dos presos brasileiros não tiveram
direito a ser julgados. Três mudanças legais poderiam reverter este atentado
aos direitos humanos
O Brasil é o 11º país com maior número de encarcerados sem
julgamento no mundo: a cada 100 mil brasileiros, 104 estão presos
provisoriamente. Os dados são fruto da pesquisa mais recente da Fundação Open
Society, organização do empresário húngaro-americano George Soros, que diz
promover a defesa dos direitos humanos em mais de 70 países.
O total de presos detidos em delegacias de polícia e
penitenciárias no Brasil cresceu cerca de 86% de 2005 a 2012, segundo o
ministério da Justiça. A superlotação das cadeias poderia ser revertida a
partir da aprovação do projeto de lei que institui a audiência de custódia, da
reforma da lei das drogas e de o crime sem uso da violência ser punido com
penas alternativas, propõe Rafael Custódio, coordenador do Programa de Justiça
da Conectas – ONG de Direitos Humanos. “Essas alterações tirariam, por baixo,
20% a 25% dos presos das penitenciárias”, completa.
Ainda de acordo com os estudos da Open Society, cerca de 3,3
milhões de pessoas estão presas provisoriamente no mundo. O dado mais recente
do Ministério da Justiça indica que, em dezembro de 2012, cerca de 230 mil
brasileiros, o que representa 40% dos encarcerados do país, estavam presos sem
nunca terem sido julgados.
O Projeto de Lei 554/11, de autoria do senador Antônio
Carlos Valadares (PSB/SE), que agora tramita nas comissões da Câmara, prevê
a apresentação da pessoa detida a um juiz no prazo de 24 horas, para que a
legalidade da prisão seja julgada e a fim de checar se não houve algum tipo de
violação dos direitos humanos durante a prisão. O recurso é denominado
audiência de custódia e já existe em países latino-americanos como Argentina,
Chile, México e Colômbia. A Convenção Americana de Direitos Humanos, ratificada
pelo Brasil, prevê esse recurso.
Para Custódio, o método pode ser eficaz no sentido de
diminuir o número de presos num sistema de encarceramento em massa, já que mais
da metade dos presos de São Paulo aguarda de seis a nove meses para que uma
audiência com juiz seja marcada; porém não é certeiro na questão do combate à
tortura. As perícias são responsabilidade das secretarias de Segurança Pública
dos governos dos estados. Portanto, se um policial militar for acusado por maus
tratos, a própria instituição responsável por ele o investigará, o que se
mostra pouquíssimo eficaz. Custódio defende a necessidade de autonomia das
perícias em relação ao governo estadual, para que o julgamento de violação dos
direitos humanos seja feito de forma coerente.
No estado de São Paulo, cerca de 40% dos presos são
provisórios, o que corresponde a um total de 90 mil encarcerados. Por mês, saem
em média oito presos de um Centro de Detenção Provisória (CDP) e entram nove.
Os dados são de Marcos Fuchs, diretor adjunto da Conectas – ONG de Direitos
Humanos – e diretor executivo do Instituto Pro Bono – associação civil de
assessoria jurídica gratuita.
“A audiência de custódia é uma necessidade, é uma chance de
se convencer o juiz de que você não precisa ir pra cadeia, onde você vai ser
espancado e extorquido”, aponta Fuchs. Completa ainda que com a aprovação do
PL, o número de presos diminuiria drasticamente. Principalmente se a lei das
cautelares fosse usada de forma correta e se uma nova lei de descriminalização
da maconha e de drogas leves fosse aprovada e colocada em prática.
Fonte: http://outraspalavras.net/blog/2014/11/17/a-grande-chaga-das-prisoes-sem-julgamento/
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