quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Os poluidores precisam pagar – por Naomi Klein (*)



Os poluidores precisam pagar
Os lucros das companhias de combustíveis fósseis são moralmente ilegítimos. A sociedade tem direito a se apropriar desses lucros para corrigir a desordem provocada. As empresas de combustíveis fósseis, que há tempos são tóxicas para nosso entorno natural, estariam se tornando tóxicas também para o entorno das relações públicas?

Quando chegou a notícia de que a Universidade de Glasgow tinha votado se desprender de suas ações de 153 milhões de libras das companhias de combustíveis fósseis, eu estava em um local cheio de ativistas climáticos em Oxford. Imediatamente irromperam em aplausos. Houve um monte de abraços e algumas lágrimas. Tratava-se de algo grande, a primeira universidade da Europa que fazia um gesto como este.

No dia seguinte, houve mais celebrações nos círculos climáticos: Lego anunciou que renovaria sua relação com a Shell Oil, um longo acordo de marca compartilhada que fazia com que crianças enchessem seus veículos de plástico em postos de gasolina da Shell de brinquedo. “A Shell está contaminando a imaginação das nossas crianças”, declarou um vídeo do Greenpeace que teve grande difusão na rede com mais de 6 milhões de visitas. Atualmente, o museu Tate Modern de Londres está sendo pressionada para que corte sua extensa relação com a BP.

O que acontece? As empresas de combustíveis fósseis, que há tempos são tóxicas para nosso entorno natural estão se tornando tóxicas também para o entorno das relações públicas? É o que parece. Galvanizados pela pesquisa da Iniciativa de Rastreamento de Carbono, que mostrava que estas empresas têm muito mais reservas de carbono do que nossa atmosfera pode absorve de forma segura, a prefeitura de Oxford, Inglaterra, votou por desinvestir, também o fez a Associação Médica Britânica. 

Em nível internacional, há centenas de campanhas ativas de desinvestimento em combustíveis fósseis nos campos universitários, assim como as dirigidas aos governos municipais, fundações sem fins lucrativos e organizações religiosas. E as vitórias se tornam cada vez maiores.

Em maio, por exemplo, a Universidade de Stanford, na Califórnia, anunciou o desinvestimento de sua ação de 18.700 milhões de dólares procedentes do carbono. E na véspera do encontro climático das Nações Unidas de setembro, em Nova York, uma parte da família Rockefeller, nome sinônimo de petróleo, anunciou que ia se desprender das participações de sua fundação em combustíveis fósseis e ampliar seus investimentos em energias renováveis.

Alguns observadores se mostram céticos. Dizem que nada disso vai prejudicar as empresas de petróleo ou do carbono – outros investidores vão se apoderar se suas existências e a maioria das pessoas vai continuar comprando seus produtos. Ao fim e ao cabo, nossas economias continuam baseadas nos combustíveis fósseis e as opções acessíveis de fontes renováveis estão frequentemente fora do alcance. Assim, estas batalhas sobre investimentos e patrocínios em combustíveis fósseis seriam apenas uma farsa? Uma maneira de limpar as consciências, mas não o meio ambiente? Esta crítica negligencia o poder mais profundo e potencial destas campanhas. Fundamentalmente todas apontam para a legitimidade moral das companhias de combustíveis fósseis e dos benefícios que geram. Este movimento está dizendo que não é ético se associar a uma indústrias cujo modelo de negócio se baseia em desestabilizar intencionalmente os sistemas de suporte à vida do planeta.

Cada vez que uma nova instituição ou marca decide cortar seus vínculos, cada vez que se torna público o argumento do desinvestimento, reforça-se a ideia de que os benefícios dos combustíveis fósseis são ilegítimos, que “estas indústrias são atualmente indústrias canalhas”, nas palavras do autor Bill McKibben. E esta falta de legitimidade é a que tem potencial para romper o ponto morto de uma ação climática significativa. Porque se estes benefícios não são legítimos e se esta indústria for ruim, isso nos levará a um passo mais perto do princípio que lamentavelmente faltou na resposta climática coletiva até o momento: o que polui paga.

Vejamos os Rockefeller. Quando Valerie Rockefeller Wayne explicou sua decisão de desinvestir, justificou dizendo que porque a riqueza de sua família se fez pelo petróleo tinham “maior obrigação moral” de utilizar esta riqueza para frear as mudanças climáticas, Isto é, em poucas palavras, a essência do princípio de “quem polui paga”. Argumenta que quando a atividade comercial cria um prejuízo considerável para a saúde pública e para o meio ambiente, os poluidores precisam assumir uma parte significativa dos custos de reparação. Mas no pode se limitar às pessoas e às fundações, nem o princípio de ser cumprida de forma voluntária.

Conforme exploro no meu livro "Isso muda tudo", as empresas centradas nos combustíveis fósseis se comprometeram há mais de uma década a utilizar seus benefícios para fazer a transição para fora da energia suja. A BP batizou se rebatizou de “Beyond Petroleum” para depois ignorar as energias renováveis e apostar em combustíveis fósseis mais sujos ainda.

Richard Branson se comprometeu a gastar 3 bilhões de dólares dos lucros da Virgin para encontrar um combustível verde milagroso e lutar contra o aquecimento global, para depois diminuir sistematicamente as expectativas, enquanto aumentava significativamente sua frota de aviões. É evidente que os poluidores não vão pagar por esta transição a menos que se vejam obrigados por lei a fazê-lo.

Até o início dos anos 80, havia ainda um princípio reitor da legislação do meio ambiente na América do Norte. O princípio não desapareceu totalmente. É por isso que Exxon e BP se veem obrigados a se responsabilizar por grande parte das faturas depois dos desastres de Valdez e Deepwater Horizon.

Mas desde que a era do fundamentalismo de mercado se fortaleceu na década de 1990, as normas e sanções diretas aos poluidores tem sido substituídas por uma mudanças rumo à criação de mecanismos de mercado complexos e iniciativas voluntárias para minimizar o impacto da ação de meio ambiente das empresas.

Quando se trata de mudanças climáticas, o resultado destas supostas soluções que beneficiam a todos foi uma dupla perda: as emissões de gases de efeito estufa aumentaram e o apoio a muitos tipos de atividades a favor do clima foram reduzidas, em grande parte porque as políticas são percebidas corretamente – como uma forma de passar os custos aos já sobrecarregados consumidores, enquanto os grandes poluidores corporativos escapam impunes.

É esta cultura do sacrifício desigual que precisa acabar, e os Rockfeller, curiosamente, mostram o caminho. Grande parte do truste Standard Oil, império que John D. Rockefeller ajudou a fundar em 1870, transformou-se na Exxon Mobil. Em 2008 e 2012, Exxon obteve cerca de 45 bilhões de dólares em benefícios, continuando a ser o maior benefício anual jamais registrado nos EUA por uma só companhia. Outras companhias derivadas da Standard-Oil incluem Chevron e Amoco, que mais tarde se fundiram na BP.

Os benefícios astronômicos que estas empresas e seus parceiros continuam tendo pela exploração e combustão de combustíveis fósseis não podem continuar se transformando em cofres privados.

É preciso insistir para que ajudem as tecnologias limpa e as infraestruturas que nos permitam ir  além destas fontes de energia perigosas, assim como para que nos auxiliem a nos adaptarmos ao mau tempo em que já estamos presos.

Um imposto mínimo sobre o carbono, cujo preço pode ser transmitido aos consumidores, não pode substituir um verdadeiro enquadramento de “quem polui paga”, não depois de décadas de falta de ação terem tornado o problema imensuravelmente pior (a falta de ação garantida, em parte, por um movimento de negação das mudanças climáticas financiado por algumas destas mesmas corporações).

E aí é onde entram estas vitórias aparentemente simbólicas, da Glasgow à Lego. Os benefícios do setor dos combustíveis fósseis, obtidos tratamento com conhecimento de causa, mostram uma atmosfera como um aterro de águas residuais não podem ser vistos unicamente como tóxicos – algo do que se distanciarão naturalmente as instituições com mentalidade pública. Se aceitarmos que esses benefícios são moralmente ilegítimos, também devem ser vistos como odiosos- algo que a própria sociedade pode reclamar a fim de arrumar o desastre que estas empresas deixaram para trás – e continuam deixando.

Quando isto acontecer, por fim, começará a sensação generalizada de falta de esperança diante de uma crise tão ampla e custosa como a mudança climática.

(*) Jornalista e pesquisadora canadense de grande influência no movimento anti-globalização e o socialismo democrático. Escreve artigos para The Nation, In These Times, The Globe and Mail, This Magazine, Harper's Magazine e The Guardian. É autora, entre outros livros, de A doutrina do choque e e No Logo. 
Texto publicado originalmente pelo site Bitácora, do Uruguai.
Tradução: Daniella Cambaúva 

Fonte: http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Internacional/Os-poluidores-precisam-pagar%0A/6/32225

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