Do referendo à Constituinte: próximos capítulos da luta política prometem mais embates
O conservadorismo pretende realizar uma reforma política 'de
cima para baixo.' O desafio progressista é promover uma mobilização social para
impedir isto.
A Dilma Rousseff que venceu as eleições não vai governar. E
o Congresso Nacional será uma trincheira de oposição ao desejo de “mais
mudanças” que ganhou a disputa no 2º turno.
Foi esse o recado que os setores conservadores, em especial
o PMDB, deu aos setores progressistas 48 horas depois da vitória da petista,
com a derrubada do Sistema de Participação Social na Câmara dos Deputados.
Dilma não terá opções fáceis daqui pra frente. E o quadro
que se desenha para o próximo período é de uma profunda crise. Os analistas
políticos dos setores conservadores já traçam cenários e se preparam.
No programa Painel, da Globonews, apresentado por William
Wack, os cientistas políticos Murillo de Aragão e Marco Aurélio Nogueira e o
historiador Marco Antônio Villa afirmam que o Brasil enfrentará uma
“tempestade”.
A divulgação das investigações da Operação Lava Jato cairá
como uma bomba no Congresso Nacional. Até 100 parlamentares, a maioria do PMDB,
podem ser atingidos pelas denúncias.
Essa tempestade, segundo eles, vai “estraçalhar o sistema
político”. E a saída é o Congresso fazer a sua reforma política.
Os setores conservadores já se antecipam ao vendaval. O PMDB
quer a presidência da Câmara dos Deputados para enfrentar essa tempestade e
livrar os seus.
O nome que tem maior força no peemedebismo é Eduardo Cunha,
o rei do baixo clero. Famoso pelas suas relações com grandes empresas, como da
área da telefonia, seria o fiador dos parlamentares envolvidos no escândalo.
Com apoio da oposição, Cunha presidirá a Câmara para colocar
a artilharia contra o governo e o PT, repetindo o enredo construído pelos
grandes meios de comunicação e pelo Poder Judiciário no caso do chamado
Mensalão.
Assim, os setores conservadores querem transformar o colapso
do sistema político na crise terminal do PT, além de obstruir o governo Dilma.
A capacidade de resistência os setores progressistas dentro desse Congresso é
muito pequena.
O conservadorismo – que tem como um dos seus pilares o
anti-petismo – tem hegemonia na Câmara. Serão mais de 250 deputados da bancada
do atraso, somando ruralistas, pastores fundamentalistas e agentes da
repressão, de acordo com o Diap (Departamento Intersindical de Assessoria
Parlamentar). A bancada empresarial terá 217 deputados, com integrantes que se
referenciam no anti-petismo.
O governo federal tem instrumentos para reorganizar a base
aliada, mas a efetividade será baixa em um quadro de baixo crescimento
econômico e recrudescimento da luta política, depois das jornadas de junho de
2013 e da eleição presidencial.
O PT pode insistir na tática de governabilidade
institucional, via indicação de ministros dos partidos, divisão das diretorias
das estatais e liberação de emendas, mas não terá nenhuma garantia de que o
Congresso aprovará projetos de interesse do governo ou impedirá a criação de
CPIs.
A questão central é que, se a tempestade estraçalhar o
sistema político, Dilma não conseguirá governar. Assim, construir ou não uma
base de sustentação será secundário, porque viveremos o salva-se quem puder.
O grande desafio das forças progressistas será sobreviver à
crise institucional, que colocará em xeque o sistema político.
A maioria conservadora do Congresso, que tem dirigentes
poderosos e que veem longe, já está preparando a vacina, que é a aprovação de
uma reforma política ao seu gosto, ou seja, que não modifica os fundamentos
desse sistema dominado pelo poder econômico.
O enredo que os setores conservadores, articulados nos
grandes meios de comunicação e no Poder Judiciário, constrói é que apenas o
Congresso tem a legitimidade democrática e capacidade institucional para fazer
a reforma política.
Um evidente contrassenso, na medida em que a sociedade exige
uma reforma política profunda justamente pela falta de legitimidade de um
Congresso eleito pelas regras vigentes, o que coloca em xeque a
institucionalidade.
A maioria conservadora que fazer da aprovação da reforma
política de Cândido Vaccarezza, com a benção do PMDB, a “redenção” do
Parlamento, demonstrando que deputados e senadores admitem seus pecados e têm
coragem para fazer as mudanças.
O que atravessou o samba foi a manutenção da proposta de
realização de um plebiscito pela presidenta Dilma, voltado para deliberar sobre
convocação de uma Constituinte do Sistema Político.
A campanha de Dilma à presidência teve como um dos eixos
centrais a realização da reforma política e a participação popular. Depois da
vitória, a presidenta reeleita foi aos jornais de TV e reforçou a necessidade
do plebiscito.
Diante dessa proposta, fortalecida pelo plebiscito popular
das organizações da sociedade civil, que teve 8 milhões de votos, a maioria
conservadora respondeu que essa não é a melhor forma de consultar a sociedade,
mas aceitou fazer um referendo em torno do projeto aprovado no Congresso.
Depois da reação do Congresso, Dilma admitiu a realização do
referendo, porque o que vale é o conteúdo. O referendo para dizer “Sim” ou
“Não” à reforma política aprovada pelos deputados e senadores, que muitos
avaliam como um recuo da presidenta, definirá o futuro da luta política no
país.
O relatório apresentado por Vaccarezza é bastante
superficial e trata dos seguintes pontos: voto facultativo; fim da reeleição;
sistema eleitoral; sistema opcional privado, público ou particular para
financiamento de campanhas eleitorais; fim das coligações partidárias e
cláusula de desempenho partidária. (leia mais aqui)
A maioria conservadora fará da vitória do “Sim” a
reconstrução da legitimidade perdida pelo Congresso, por meio da aprovação de
uma reforma política que não modifica as raízes dos problemas do sistema
político.
E os setores progressistas?
Às forças sociais que têm interesse em mudanças de verdade
no sistema político, restará fazer a campanha pelo “Não”, uma vez que o projeto
aprovado não representará as transformações que a sociedade cobra.
Assim, se colocará para o povo brasileiro a incapacidade do
Congresso se auto-reformar e a necessidade de uma Assembleia Constituinte do
Sistema Político. A vitória do “Não” à reforma política dos parlamentares será
um não ao Congresso.
Assim, o referendo será o momento central, quando a
população admitirá uma proposta feita de cima pra baixo ao gosto dos
parlamentares que não querem mudar nada ou representará um salto à frente, com
a deslegitimação do sistema político vigente e a convocação da Constituinte.
Os setores conservadores já atacam a proposta da
Constituinte, acusando de bolivarianismo, chavismo e autoritarismo. Assim,
querem enfiar goela abaixo da sociedade uma reforma política cenográfica, para
conferir autoridade a um Congresso que será a trincheira da oposição ao governo
Dilma.
Aos setores progressistas, o desafio é preparar desde já as
bases para a legitimação dessa nova arena institucional, por meio da luta
política e mobilização social, sob risco da esquerda perder a luta da reforma
política e assistir o Congresso jogar no colo do governo Dilma a crise
institucional que se instalará no próximo período.
Nenhum comentário:
Postar um comentário