quinta-feira, 22 de julho de 2010

Entrevista com Daryl Jenifer baixista do Bad Brains - Por Thiago

Entrevista | Daryl Jenifer (Bad Brains)
por Thiago

Algumas bandas não transmitem as suas idéias na primeira vez que você ouve as suas músicas. Você pode amar uma banda. Ela pode represtar muito no meio artístico, mas quando você a apresenta para um amigo, não vai colar. Talvez esse amigo precise contextualizar ou uma narrativa para explicar porque a banda Lifetime foi um grupo tão importante. Dessa maneira, após algumas faixas ouvidas, é possível que ele goste. Esse não é o caso da banda Bad Brains. Ninguém irá argumentar se a banda é importante ou não. É muito aceito que eles foram o primeiro grupo a tocar o que mais tarde seria conhecido como hardcore punk.

O primeiro álbum de estúdio é inquestionavelmente a gravação perfeita. As músicas são apimentadas com reggae que fornecem uma trégua que é muito necessária em algumas músicas, como por exemplo, em Supertouch. A banda também quebou uma barreira de cores em uma cena musical que era predominantemente branca. O entrevistador Jon Reiss conversou recentemente com Daryl Jenifer, baixista da banda, sobre como a banda auxiliou na construção do gênero músical, aumentou um novo estilo de mosh e introduziu para muitas pessoas a palavra Jah.

Jon Reiss: Ao ouvir as músicas da banda Bad Brains, parece que a bateria, o baixo, guitarra e os vocais estão conectados em um único instrumento, uma força que sai de algum lugar. Muitas bandas tentaram recriar o som, mas nenhuma chegou perto. Você poderia dizer qual é o ingrediente secreto por trás da banda?
Daryl Jenifer: O estilo que nós tocamos é punk rock. Nós crescemos com músicos de várias vizinhanças, qualquer lugar tem os seus próprios atletas, músicos e pessoas com características diferentes. Na nossa, éramos aqueles que tocávamos os intrumentos musicais que abiram as nossas mentes para diverentes gêneros musicais. Quando descobrimos a contracultura punk, a maioria das bandas possuía uma ficha com a polícia e as letras das suas músicas tratavam de drogas, mas de fato eles nem conseguiam tocar. Nesse caso, isso era toda a beleza do negócio, como admitir do nada que eu tocaria baixo e você seria o baterista. Os membros da nossa banda sabiam tocar um pouco porque o fazíamos desde que éramos adolescentes. Trazer a vida um gênero musical onde a maioria das pessoas não sabiam realmente tocar foi apenas o que elas queriam tocar e já estavam acostumadas a fazer. Por esse motivo nós começamos a criar o nosso próprio estilo baseado nas bandas que gostávamos como The Damned e The Ramones. Quando você ouve as canções dessas bandas você percebe similaridades entre o estilo delas e o nosso. Por isso decidimos tocar o que elas tocam da nossa maneira. Costumo e gosto chamar o que fazemos de punk progressivo porque quando criamos uma música, não estamos apenas tocando os acordes, estamos pensando sobre eles. Nós nos preocupamos muito com isso. Antes das nossas apresentações nós calculamos qual foi o nosso plano. Nós sempre temos um plano, uma espécie de esforço, como se fossemos um time de futebol americano. Durante os ensaios, conversamos sobre como arremesariamos uma bola ou a chutaríamos, como tocaríamos uma música de maneira mais lenta ou rápida, como ou sem solo. Foi isso o que aconteceu. Nós tocamos muito que as pessoas pensavam que era rápido. Contudo, se você olhar para trás, verá que era um pouco lento. Quando o nosso som começou a estourar, os fãs que criaram bandas a partir do nosso estilo, que era baseado nas bandas que eu citei, tentaram tocar como nós, mas de fato não conseguiram porque a maneira rápida de tocar não era mais a original. Aconteceu apenas uma justaposição, na qual você tenta ser uma coisa e não necessariamente terminará sendo aquilo, entretanto acabará criando algo novo na sua maneira. O gênero musical hardcore é algo que eu não sei o que é, mas que os fãs da banda tentam tocar punk rock como ela. O grupo Bad Brains não é uma banda de hardcore. Quando começamos com essa técnica rápida de tocar, os outros tentaram emular e criaram as suas próprias batidas e maneira de tocar. Isso é hardcore. Eu não sei quais bandas, talvez Madball ou algo do tipo. Até mesmo as bandas Fugazi e The Teen Idles tocam mais punk rock do que nós. O estilo do gênero musical oriundo de Washington D.C. cresceu no hardcore. Nós apenas seguimos a tendência. Eu fico um pouco perplexo quando chegam para mim e me dizem sobre o gênero musical da banda porque eu não conheço nada sobre isso. Eu só conheço o punk rock. O termo hardcore me fez lembrar a primeira vez que as pessoas começaram a usar o termo vegan, no começo dos anos 80. A primeira vez que ouvi foi em 1985, acho que na Europa. Hardcore para mim era um estilo e não um gênero musical isolado. Por isso, quando os garotos comecaram a criar bandas punks que tocavam com mais técnica e paradas durante as músicas, eles se tornavam uma banda hardcore. A razão pela qual nós tocávamos rápido com esses intervalos bruscos era que queríamos apenas tocar um punk rock mais interessante.

JR: Já que você tocou no assunto, durante os primeiros meses da banda, você se identificava como um punk? Isso era uma parte considerável da sua vida particular, fora da banda?
DJ: Com certeza. Para cada estilo de música que eu amei, eu vivi a sua música. Eu era um punk com um cabelo two-tone. Eu era um hippie com calça jeans e jaqueta com borda. Eu era tudo isso, vivendo com um. Quando eu toquei reggae, eu era rastafári. Por esse motivo as minhas atitudes refletiam o que eu ouvia. Eu não simulava alguma coisa e poderia tocar baixo para as bandas Metallica ou The Wailers porque eu vivi essas coisas. Algumas pessoas dizem que você não viver o que toca, você não poderá demonstrar o seu estilo de maneira fidedigna. Caso você não saiba nada sobre o rock ‘n’ roll, você não poderá tocar baixo em uma boa banda de hard rock. Caso você não tenha vivido em uma cultura jamaicana, você não poderá tocar rub-a-dub.

JR: A banda se apresentará no Festival Afro-Punk. Gostaira de adiquirir uma perspectiva, por isso perguntarei de maneira sincera, como é ser um punk negro, particularmente antigamente? O que a sua família pensava sobre isso? Como era participar de algo onde a maioria das pessoas não queria se relacionar contigo?
DJ: A resposta para a sua pergunta tem a ver com o que conversamos a pouco, tem a ver de onde eu venho, sobre eu ser músico. Quando íamos jogar basquete, eu era escalado para jogar. Entretanto isso ficava em segundo plano. Quando o assunto era música, os brancos diziam entre eles para não mexerem comigo porque eles já sabiam como eu tocava. A minha mãe sabia que eu era progressivo com a minha música e também que eu iria trocar o terror em um porão. Eu tocaria a música Frampton Comes Alive ou qualquer porcaria. Eu poderia estar tocando alguma música dos gêneros musicais funk ou soul, mas não fazia isso, ainda que esses gêneros fizessem parte de mim. As pessoas me chamavam de gaorto branco porque eu usava calças de couro, mas o que eu apenas podia fazer era ser eu mesmo. Uma vez que eu me sentia incluso na contracultura punk e ainda estava fresco, senti que aquilo dentro de mim era muito real. Gostei como as bandas Buzzcocks, Sex Pistols e The Damned tocavam, do que eles estavam querendo mostrar e toda aquela expressão passional que demonstravam ao tocar seus instrumentos. Eles iriam botar para fuder não importava como. Nós já estávamos tentando formar um grupo daquele tipo. O nome da nossa banda era Mind Power e a primeira intenção ara tocar jazz fusion. Em seguida, descobrimos o punk rock e pensamos que a banda Bad Brains seria assim, tocaríamos punk rock também. Na época, as bandas Minor Threat e The Teen Idles ainda não existiam. Nada era planejado. O primeiro pôster que nós tivemos dizia “A Melhor Banda De Punk Rock No Mundo”. Aconteceu dessa maneira porque já tínhamos lido o livro que era todo sobre PMA*, que dizia para sermos positivos. Por esse motivo, antes mesmo de tocarmos nós já pensamos que éramos os melhores porque tínhamos essa mentalidade.

JR: O PMA foi uma postura muito importante. Uma das minhas bandas locais fravoritas se chama The Degenerics e a sua banda foi uma das maiores inflluências. Eles tocavam sobre PMA o tempo todo. A postura continua importante para você?
DJ: Sim, é uma conexão espiritual, algo sobre manter-se positivo e sempre procurar o lado mais claro, mais lúcido. Na maioria das vezes é simples, permaneça positivo, não seja um drogado depressivo. Não tenha medo de obstáculos. Sempre haverá testes e quando ouvi a primeira vez sobre PMA eu era adolescente e meu pai me perguntou do que se tratava. Respondi que se alguma coisa saísse errado, eu não começaria a ficar histérico e correr de um lado para o outro. Começaria a pensar positivo e a fazer os movimentos certos. PMA é sobre autocontrole na vida e permanecer positivo sabendo disso e é aí que a fé entra. Muitas pessoas se deparam com um obstáculo e aí dão um passo para trás. Elas não possuem um espírito competidor. Eles dizem que quando uma porta fecha duas abrem. É muito fácil dizer “foda-se”. PMA é sobre manter uma postura mental positiva e isso vem de um livro intitulado Think And Grow Rich. Quanto mais eu presto atenção no livro, mais eu me dou conta que a banda foi uma ferramente para que deus ajudasse certos jovens. Não éramos nós que tocávamos, era deus usando a banda para que as pessoas soubessem o que era PMA. A banda Beastie Boys tocava rap, a banda Red Hot Chilli Pepers funk e o Bad Brans punk rock, como se fosse deus misturando as coisas e mostrando para o mundo de uma forma mais versátil. Certa vez um cara começou a me seguir em um bar. Entrei em um banheiro e quando saí ele estava me esperando e disse: “Senhor Jenifer”. Aquilo me surpreendeu porque ninguém me chama daquela maneira. Ele continuou: “Eu gostaria apenas de agradecer a você e a sua banda porque eu era racista e um cuzão, mas a sua música mudou a minha percepção e agora eu tenho uma família, um filho. Gostaria também de agradecer por fazer música positiva, punk rock positivo.” A minha mãe teria dito: “Como você ajudará as pessoas com uma música como essa? Como você quer inspirar alguém com essa música inconstante e rápida? Para algumas pessoas, essa música era o seu sabor favorito. Por fim aprendi que a PMA era o Espírito Santo e que eu precisava estar dentro, encontrar isso.

JR: Você menciona e muito a esperitualidade. Como você se encontra com relação a sua vida espritual? Quais verdades você sente que descobriu?
DJ: Seja paciente. Ser um cara espiritual é pensar como as coisas acontecem, o que vem a sua mente, deus faz as coisas acontecerem e não o inverso. Jah faz as coisas acontecerem, não o inverso. Eu apenas estou aqui no planeta. Isso é algo que transcende o homem. Precisamos apenas viver e caso você seja espiritual, agradeça e louve diariamente. Caso seja um artista, seja criativo. Seja positivo e progressivo de qualquer maneira, em qualquer coisa que você faça. Você precisa apenas esperar no Espírito Santo e ter fé. Não estou dizendo para você não fazer nada, não ajudar.

Há sempre um futuro lúcido e positivo. Isso pode soar idealístico e sonhador, mas o que você quer que eu diga? Quer que eu diga que o mundo está próximo do fim? O mundo irá acabar em 2012?

JR: Preciso perguntar isso porque acredito ser importante. A banda se apresentará nesse final de semana e simultaneamente acontecerá uma parada gay. Muitas pessoas escreveram e especularam que a banda é homofóbica. Espero que você explique aonde a controvérsia começou e talvez colocar um fim nela.
DJ: Escute o que vou lhe dizer. Todas as coisas que eu te contei sobre o rumo que a banda tomou, aconteceu na época em que estávamos descobrindo a religião Rastafarei e o deus Jah, além de ser um negro e ser reconhecido como membro de uma cultura. Como em qualquer coisa na vida, se você disse que é um jovem Krishna, há uma tendência em ser zeloso. Somos muito zelosos sobre a nossa visão sobre a homossexualidade, éramos muito ignorantes e imaturos em determinado nível. Todos os membros da banda amam e não têm nada contras os filhos de deus. Durante o nosso crescimento tentamos ser sensatos e ver a vida como ela é e sem julgamentos. Passamos por uma fase onde julgávamos e quando você é um jovem que segue o Rastafári, assim como no Cristianismo, percebe que a homossexualidade não é aceita. Estudar o Rastafári te leva a entender que você deve amar todas as criaturas de deus. Por esse motivo você não pode dizer que não gosta de um cara porque ele é homossexual ou negro. A banda passou por um período onde talvez dissemos algumas coisas. Na mesma época, a banda era muito popular, por isso essa controvérsia caiu na boca do povo porque alguém que não gostava de nós a colocou na frente de um ventilador. As pessoas nos odiavam por inúmeros motivos, algumas queriam ser como nós. Não quero citar nomes, mas a banda MDC foi a primeira a encontrar uma coisa errada com o Bad Brains. Todos nos amavam por isso eles quiseram encontrar alguma coias errada conosco. Esse é o tipo de coisa que acontece com todo mundo. Quando você se torna popular as pessoas irão te odiar. O movimento religioso Rastafári nasceu na Jamaica e os jamaicanos tratam do assunto homossexualidade de forma literal. Entretanto, trata-se de amar todos os filhos de Jah, aceitando eles como são e deixando-os viver. Eu amo todos os filhos de Jah. Nenhum membro da banda odeia nenhum filho de deus. Por isso as pessoas precisam parar com essa história de homofobia e pensar de uma maneira mais madura. Eu acompanho comentários dizendo que nós odiamos gays no site PunkNews.ORG, e como eu já te disse, nenhum dos membros odeiam gays, todos nós amamos os filhos de deus. Nós manteremos a postura PMA até o final e deixaremos cada um fazer o que achar melhor utitlizando toda a sua energia.

JR: Após começar a gostar da sua banda, comecei a ouvir muito o gênero musical reggae. De todos os novos artistas que ouvi, acho que Buju Bantan era o melhor. Ele tocava com paixão e tinha uma voz incrível. De todos que se tornaram grandes nos Estados Unidos, como BeanieMan ou Sean Paul, nenhum foi tão talentoso quanto Buju, mesmo que a homofobia em suas letras o levasse para a pior.
DJ: A música dele transmitia muita energia, mas as pessoas precisam entender que há diferentes níveis de radicalismo. Não importa se você lê o Alcorão ou a Bíblia ou qualquer livro sagrado, você deve amar um filho de deus e é isso o que eu escolho fazer. Para mim, é uma maneira mais forte de ser. Posso apoiar isso pessoalmente, mas deus abençoa. Algum cara pode me olhar e dizer que ele não gosta de algo que faço e isso às vezes me incomoda.

JR: Acho que você deu uma ótima resposta.
DJ: A resposta que eu dei é semelhante a um dizer de Salman Rushdie. O que eu quero dizer é que você deve viver e deixar as pessoas viverem, mas alguns membros do movimento Rastafári podem não aceitar isso. O ponto chave é que existem difrentes traduções de todas as antigas religiões. Contudo há sempre um Espírito Santo, sempre deveremos amá-lo assim como os seus filhos. Caso você siga o caminho espiritual em sua vida, você não precisa ficar julgando as pessoas. Essa é a mensagem que eu quero deixar para o mundo. Alguns bloqueiros mandam a banda se fuder e nós estamos dizendo que o amamos. Na maioria das vezes nós pedimos desculpa pelas coisas que geraram confusão, mas nós também somos humanos. Nós também experimentamos a nossa parcela de preconceito por sermos negros.

JR: Acho que você tem uma perspectiva interessante no punk rock. Você é parcialmente responsável pelo o que esse gênero se tornou e gostaria de afirmar que se o punk rock está indo bem é porque você também está.
Qual foi a melhor época desse gênero musical?

DJ: Bem, o punk rock é baseado na música que a juventude gosta, por isso está sempre em transformação, ainda que não tenha o mesmo som, as pessoas usem a mesma roupa ou o mesmo ritmo. Todavia alguém sempre irá será jovem no sentido que fará uma música diferente que será encarada de maneira radical por causa da sua mensagem. Sempre haverá música no underground, poderá ser diferente, eletrônica ou qualquer coisa do tipo. Não importa se é um acorde de uma guitarra limpo ou sujo, lento ou rápido. Eu comecei a tocar rápido porque as pessoas com as quais conviviam odiavam aquelas músicas de discoteca e queriam algo mais pesado e rápido.

Naquela época uma camisa do Van Halen era a coisa mais banal do mundo. O que é descolado agora? Uma camisa do desenho animado The Jetsons? Nos anos 80, a pior coisa para os rappers eram calças apertadas, por isso eles usavam aquelas calças largas. Com o passar o tempo vi rappers com calças apertadíssimas quase comendo seus cus. JR: Qual é a música que você mais gosta de tocar?

DJ: “I Aganst I”.

JR: O que você pensaria se lançassem um tributo para a banda?
DJ: Eu ficaria muito grato e aproveitaria as novas versões das músicas. Posso dizer que eu flico feliz apenas em saber que alguém já tentou fazer isso.

JR: Vocês continuam tocando até hoje. O que gostariam de ter alcançado e que ainda não o fizeram?
DJ: A banda alcançou tudo a que se propôs. Sou um sucesso. A banda é um sucesso. Quando começamos, consideramos sucesso continuarmos juntos tocando e vivendo de uma forma positiva.

JR: Deve ser bom ainda poder tocar durante os shows e ter os seus familiares por perto para assistir:
DJ: É um sentimento distorcido. Há sempre um estresse no que você faz, existe o ying e também o yang. Amanha eu preciso tocar e eu não faço isso desde abril, mas aprendi que eu sempre posso fazer o que o Espírito Santo pediu para mim. Eu escrevo um setlist, pratico com a minha respiração e mostro para todos quem nós somos. Mesmo assim há um estresse porque somos pessoas diferentes. A band Bad Brains é encarada como uma missão, uma equipe da SWAT. Nós amamos toda essa merda mas quando saíemos em missão nos perguntamos o que estamos realmente fazendo. (*) PMA, ou Positive Mental Attitude, é uma postura psicológica na qual o ser humano acredita em que poderá superar um obstáculo pensando positivamente, pensando em caminhos e soluções para a superação e negando a falta de esperança e a desistência.

Fonte:http://www.punknet.com.br/

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