Em Israel, papai Noel tem nome: Barack Obama - por Luiz Eça
A proposta de Obama a Netanyahu para avançar as negociações pela paz no Oriente Médio excede as expectativas dos israelenses.
Vá somando: 20 caças-bombardeiros F-35, os mais modernos e destruidores do mundo, no valor de 3 bilhões de dólares; passados 90 dias, nunca mais falar em congelamento de assentamentos; vetar qualquer proposta contrária a Israel na ONU e aceitar a presença continuada do exército israelense no vale do rio Jordão, talvez por mais de 30 anos depois de qualquer acordo de paz" (Jonathan Freedland, no The Guardian de 23/11).
Em troca, Netanyahu deve aceitar um congelamento de 90 dias nos assentamentos na Cisjordânia, excluindo-se Jerusalém Oriental, de população majoritária árabe. Só.
Em suma, um negócio de muito em troca de muito pouco, ou melhor, de nada, pois enquanto Israel será cumulado de dádivas, os palestinos sairão de mãos vazias. Só alguém muito ingênuo pode achar que em apenas 90 dias as partes chegarão a um acordo que torne a Cisjordânia independente, quando isso não foi conseguido nos últimos 43 anos.
O governo americano chama esta proposta de "incentivo". Alguns reputados jornalistas ingleses e americanos preferem o termo "propina". Seja como for, trata-se de um estímulo à ilegalidade e à violência, pois premia um país que desrespeita o direito internacional e as decisões da ONU ao invadir e ocupar regiões árabes, permitindo ainda que, após um prazo de 90 dias, volte a realizar construções ilegais em assentamentos judaicos, igualmente ilegais, pois localizados em terras arrebatadas a seus legítimos donos.
Foi mais ou menos o que as potências aliadas fizeram em Munique. Aceitaram que Hitler continuasse senhor da Checoslováquia, por ele invadida e ocupada, esperando assim garantir a paz. E deu no que deu.
Provavelmente, vai ser o que acontecerá aqui, pois todas estas generosas concessões deverão resultar em algo ainda pior do que inócuo. Está mais do que provado que Nethanyau não é um parceiro confiável, interessado numa paz justa.
O primeiro-ministro israelense cansou-se de declarar que seu país nunca voltará às fronteiras de 1967; por ele, Jerusalém permanecerá totalmente judaica e os 700.000 árabes expulsos nas guerras de independência permanecerão fora do país. Ainda recentemente, para reafirmar estas posições, declarou que não só manterá os assentamentos na Cisjordânia como seguirá construindo novos. E mais: o Congresso de Israel, por iniciativa de Netanyahu, acaba de aprovar uma lei que impõe um referendo sempre que algum governo pretender devolver terras ocupadas a seus anteriores donos árabes.
É possível que, findo o prazo de 90 dias, Netanyahu faça algumas concessões pouco significativas, que certamente serão saudadas por Obama e Hillary Clinton (como costumam) com a qualificação de "grandes contribuições à causa da paz". Os negociadores palestinos se verão diante de um duro dilema: ou aceitam e perdem o respeito dos povos árabes ou rejeitam e serão acoimados de intransigentes pelos governos e pela grande mídia dos Estados Unidos e aliados.
Em qualquer caso, desaparecem as esperanças de uma solução pacífica já que só restará aos árabes, mais precisamente ao Hamas, o caminho da violência. Lançando mísseis contra o território de Israel e/ou praticando atentados, prejudicarão a causa palestina junto à opinião pública internacional. Não estando fora de cogitações uma guerra civil certamente nada agradável para a população das duas nações.
Abbas, o presidente da Autoridade Palestina, tem condições de evitar que esta verdadeira bomba estoure nas mãos dos árabes: Basta negar-se a voltar à mesa de negociações. Teria bons motivos.
Em primeiro lugar porque a propina americana, contra os interesses árabes, ignora as construções judaicas em Jerusalém Oriental, deixando o governo israelense livre para prosseguir tocando-as a todo vapor.
Mais: o compromisso dos EUA de defenderem Israel na ONU em tudo causaria seu veto à proclamação unilateral da independência da Palestina, idéia que vem sendo aventada em caso de fracasso das negociações de paz. Além disso, graças ao poder americano, jamais se conseguiria que a ONU exigisse a volta dos árabes emigrados. Inquéritos onde Israel é réu sobre a invasão de Gaza e o massacre do navio de suprimentos para essa região, ora em processamento (lento) na ONU, seriam lançados às traças.
Por fim, a idéia do exército de Israel estacionado no vale do rio Jordão por 30 anos, uma das ofertas de Obama, é inaceitável, pois representaria a ocupação de parte da futura Cisjordânia independente. E parte essencial para a viabilidade do país que depende dos recursos hídricos do Jordão, dada a sua carência de água.
Para muitos observadores, uma recusa de Abbas seria remota. Ele depende do dinheiro americano para manter suas milícias e a burocracia da sua administração. Recorda-se que houve muita pressão árabe para que se recusasse a participar das negociações de paz sem o congelamento de construções nos assentamentos. Mesmo assim, depois de uma certa hesitação, acabou fechando com Obama.
No entanto, desta vez a situação é diferente. Agora a Liga Árabe já se manifestou contra a volta à mesa de negociações diante de um Netanyahu fortalecido pela propina da Casa Branca. E o Egito, a Arábia Saudita e os Emirados, que antes insistiam nas negociações de paz, agora têm posição contrária e poderão substituir os EUA no auxílio aos cofres da Autoridade Palestina.
Resta analisar por que Barack Obama, depois de proclamar uma nova era nas relações entre seu país e o mundo árabe, regida pela justiça e amizade, está renegando suas palavras e agindo de uma forma tão facciosa em favor de Israel.
Não há dúvida de que devemos buscar as causas nos desejos de Obama se reeleger. Conseguir um acordo de paz na Palestina, que resultasse num Estado de Israel seguro e num Estado árabe independente, faria crescer substancialmente a imagem e as chances de reeleição do presidente.
Como as posições das duas partes em questão são antagônicas, forçosamente, no final, uma delas sairá ganhando, em prejuízo da outra.
Com seu incentivo, Obama mostrou que está do lado de Israel. Vai, certamente, forçar uma solução que exija poucas concessões de Netanyahu e muitas de Abbas.
A razão é clara: dessa maneira, ele agrada a Câmara de Representantes em peso, onde os republicanos, majoritários, são pró-Israel de olhos fechados, assim como a maioria dos democratas. No Senado, as posições dos integrantes dos dois partidos é a mesma.
Afinal, tanto representantes quanto senadores recebem generosos donativos eleitorais das organizações israelense-americanas. Terá assim o aplauso da grande maioria dos legisladores dos EUA.
Não diria o mesmo quanto ao povo. Recente pesquisa da Stanley Greensberg mostra que 63% dos americanos acham que seu país não deve apoiar Israel, mas permanecer neutro no conflito com os árabes.
Para Obama, isso não tem sido importante. A quatro anos da próxima eleição, ele prefere contar com um legislativo mais amigável, menos raivoso como se apresenta hoje. Que o atrapalhe menos, enfim.
Mas nem tudo são favas contadas. Abbas pode bater o pé e cair fora.
Nesse caso, os incentivos a Israel não sairão do papel.
E adeus Papai Noel Obama.
Luiz Eça é jornalista.
Fonte: http://www.correiocidadania.com.br
quinta-feira, 2 de dezembro de 2010
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