quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Por dentro do Wikileaks 3: Openleaks, a grande mídia e o jornalismo - por Natalia Viana*

Por dentro do Wikileaks 3: Openleaks, a grande mídia e o jornalismo - por Natalia Viana*
A decisão de procurar grandes veículos de comunicação como parceiros para o lançamento de documentos sigilosos pelo Wikileaks foi tomada após muita discussão. Afinal, grande parte dos integrantes e apoiadores do Wikileaks vê a concentração da mídia - fenômeno que se reproduz da América Latina à Europa - com maus olhos.

A parceria com grandes jornais já havia sido bem sucedida no lançamento de documentos sobre os guerras do Afeganistão e Iraque. Foi a primeira vez que esta parceria aconteceu, mesmo o Wikileaks existindo desde 2007 e tendo revelado documentos importantes sobre a máfia russa, o governo chinês, a política de extermínio no Quênia, corrupçãos de ONGs e envio de lixo tóxico pelo Reino Unido para a Costa do Marfim (clique aqui para ver o uma lista do que já foi publicado).

Esses jornais ajudam a checar e a respaldar o material. Os veículos têm respeitado todos os prazos de lançamento das informações e têm sido muito eficientes em verificar a segurança dos documentos. Ao contrário do que vem dizendo o governo norte-americano, cada um dos 250 mil despachos que o Wikileaks está divulgando precisa ser revisado para a exclusão de nomes de fontes que podem sofrer ameaças ou correr perigo. No Brasil, por exemplo, tivemos de editar um documento para proteger a segurança de uma fonte do sistema diplomático norte-americano.

A questão é que o Wikileaks, sendo uma organização que trabalha com voluntários, simplesmente não tem a capacidade de fazer isso sozinho.

Mas erra quem fala que a organização tem se aliado apenas aos grandes veiculos. Na verdade, desta vez, o que está se vendo é uma mistura na cobertura de veículos tradicionais com as novas e alternativas mídias da internet. O site tem servido como uma verdadeira agência de notícias, com matérias escritas em várias línguas, todas elas registradas como Creative Commons - ou seja, elas podem ser reproduzidas livremente. É assim que o Wikileaks vai se inserindo também no movimento pela liberdade do jornalismo na internet - com os recursos que tem.

Além disso, os documentos, disponibilizados no site (é verdade, temos sofridos atrasos brutais, e por eles peço desculpas) podem ser usados por quem quiser.

O próprio Opera Mundi tem feito um trabalho de olhar com calma o material divulgado, para achar elementos que fogem da pauta que a maioria dos veículos está seguindo. O Globo fez isso também. É um bom exemplo do que pode ser feito com a fonte primária da informação, já que obviamente toda reportagem é um recorte sobre um grupo de documentos. Eles são bem mais ricos sobre isso. São, na minha visão, apenas a pontinha do iceberg, de onde podem surgir boas reportagens.

Aqui no Brasil, Globo e Folha de S.Paulo têm sido bons parceiros. Até a semana passada, estavam seguindo a pauta do site do Wikileaks, que priorizou matérias com interesse internacional, e agora o que vão publicar cabe totalmente a eles. Quanto ao site do Wikileaks, continuará fazendo matérias em português, mas vai começar também a publicar à tarde. A proposta é que haja mais notícias para o público brasileiro nessa corrida para o fim do ano.

Openleaks
Nesse contexto de busca por um meio mais eficaz para espalhar a informação, é uma boa notícia o lançamento do Openleaks, organização criada por um ex-colaborador de Julian Assange, o alemão Daniel Domscheit-Berg. Há pouca informação até agora, mas parece que o site vai funcionar de maneira experimental a partir do próximo ano e que não vai publicar documentos pela internet, mas só através de meios de comunicação escolhidos pela fonte.

Na minha opinião, soa meio patético quando algumas reportagens chamam o novo site de "rival" do Wikileaks. Elas estão olhando esse novo fenômeno da internet com olhos antigos, assentados sobre o velho conceito das empresas jornalísticas de competição, da luta pela exclusividade e pelo furo. Não é disso que se trata o Wikileaks. Pelo contrário. É ótimo que haja outra organização, com critérios diferentes, espalhando esse novo conceito, que é permitir que qualquer pessoa denuncie algo errado no local onde trabalha, sejam ONGs, empresas ou governos.

(Quem já viu o filme O Informante vai lembrar da dificuldade do jornalista Lowell Bergman para convencer um funcionário da indústria do tabaco a expor que as empresas sabiam que o cigarro causava câncer. A reportagem ganhou o prêmio Pulitzer e mudou a maneira como o cigarro é vendido).

O Wikileaks não foi feito para ganhar dinheiro, para dominar um nicho de mercado ou para atacar um governo. O Wikileaks foi feito para ajudar essas fontes a realizarem algo que já desejavam, com maior segurança. É, na sua essência, um (bom) serviço jornalístico.

*Natália Viana é jornalista e colaboradora do Opera Mundi
Fonte: Opera Mundi

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