O riso de George Orwell - por Euler de França Belém
O vazamento dos telegramas da diplomacia dos Estados Unidos revela que o mundo é o mesmo de sempre: com conflitos e maledicências. Mas é possível que se esteja mais próximo da paz, garantida pelas armas, do que de uma Terceira Guerra Mundial
Não. Não temos ligações especiais com o além-túmulo ou, se se quiser, com Hades. O jornalista e ensaísta britânico George Orwell e o filósofo alemão Immanuel Kant feliz ou infelizmente não enviam cartas “positivas” ou “negativas” (imagine um médium psicografando a linguagem tortuosa do autor de “Crítica da Razão Pura”!). Portanto, não temos como consultá-los pelo “correio do além”. O laicato e a modéstia do pudor nos impedem de pelo menos tentar... o improvável. Mas é possível examinar algumas de suas ideias, ainda que rapidamente, expostas no romance político-filosófico “1984” (Companhia das Letras, 416 páginas, tradução de Alexandre Hubner e Heloisa Jahn), no qual a imaginação é utilizada como instrumento para entender os totalitarismos nazista e comunista. Kant não é filósofo para ser comentado de modo perfunctório, mas vamos expor, no final do Editorial, uma ou duas ideias de seu livro “À Paz Perpétua” (L&PM, 85 páginas). Não se assuste: Kant é mesmo difícil, muito complexo, mas o opúsculo, muito bem traduzido pelo filósofo Marco Zingano, professor de Filosofia da Universidade de São Paulo, é extremamente acessível e vamos citá-lo “en passant”. Orwell e Kant são convocados, como homens de espírito (no sentido, expliquemos rápido, filosófico), para nos ajudar a entender as revelações do site de vazamento de documentos secretos WikiLeaks, dirigido pelo australiano Julian Assange.
No romance “1984”, o socialista George Orwell fez uma das mais agudas e corrosivas interpretações filosóficas do fenômeno totalitário. Críticos menos perceptivos, ou imperativamente engajados, viram o livro como uma crítica de esquerda ao totalitarismo soviético, mais conhecido como stalinismo. Eles têm razão em parte. A obra é uma crítica bem informada sobre os recursos do totalitarismo para destruir o indivíduo, para retirar a sua vontade e torná-lo incapaz de enfrentar os ditames do Estado, aceitando, à força, regras “legais” que, de algum modo, retiram sua humanidade. Mas não se trata tão-somente de uma crítica ao stalinismo, embora políticos e intelectuais ligados ao governo americano tenham trabalhado para consolidar esta posição ideológica. Na verdade, a crítica de Orwell aborda o totalitarismo em geral e explicita, de modo particular, suas facetas contemporâneas — o stalinismo do soviético Stálin e o nazismo do austríaco-alemão Adolf Hitler. A democracia exige que a sociedade, composta por indivíduos livres, seja forte e tenha capacidade de impedir que o Estado se torne inteiramente soberano sobre suas vidas. Por isso, o primeiro-ministro da Inglaterra durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), Winston Churchill, dizia que a democracia era o “pior” regime, mas ressalvava que não haviam inventado outro melhor para substitui-lo. Ao usar o termo “pior”, o líder britânico quis dizer, de forma retórica, que a democracia não é perfeita, porque, como afirma o filósofo anglo-letão Isaiah (pronuncia-se “Aisêia”) Berlin, a perfeição é uma impossibilidade. Assim, a democracia, feita por indivíduos muito diferentes, jamais será uma sociedade de inteiramente “iguais” — nem mesmo, como acreditam os ingênuos e os de má-fé, no campo das oportunidades. O mundo real é movido pela desigualdade profunda entre os indivíduos. Ao contrário do que previam as ideias socialistas, não é a igualdade que move o mundo, as coisas. Para cada Bill Gates, mentor da Microsoft, e para cada Mark Zuckerberg, criador do Facebook, que correram e correm riscos, há milhões que, humanamente, não querem correr risco algum. Milhões, talvez bilhões, vivem, como as crianças, (n)um eterno presente, reagindo, quando muito, mas raramente agindo, quer dizer, interferindo na sociedade, modificando-a de modo mais rápido, retirando-a de certa inércia. Voltando ao tema da democracia: no lugar de buscar o céu, como paraíso terrestre, o que se deve reforçar é a democracia política, possibilitando liberdade de ação a todos, e ampliar o que chamam, na falta de terminologia mais adequada, de “democracia social”. Noutras palavras, além da liberdade para os indivíduos, que significa tolher em parte o poder do Estado, o que se defende é a redução da miséria, é a incorporação de mais indivíduos à sociedade de consumo, o que nada tem a ver, como pensam muitos esquerdistas, com socialismo. Trata-se de um meio dinamizado pelo capitalismo. Mercado interno ampliado exige menos pobres e mais classes médias, que é o que está ocorrendo no Brasil, embora muitos avaliem, errado, que a “dádiva” seja presente do Santo Lula de Garanhuns. Os devotos deveriam agradecer ao Santo Capitalismo Globalizado.
Sociedade e Estado
Posta a questão da democracia, um valor universal — ao contrário do que previa Francis Fukuyama, a democracia, e não o mundo liberal, é que talvez possa ser nominável de “fim da história” —, examinemos o Estado. Quando se fala de Estado pensa-se numa “entidade” quase abstrata, que funciona por si só, à revelia dos indivíduos. Tem-se razão ao se pensar assim? Em parte, sim; em parte, não. Por mais que o presidente Lula da Silva tente buscar uma identificação com o Estado, como se pudesse dizer, aos súditos esclarecidos e não-esclarecidos, “o Estado sou eu”, ao estilo do célebre rei francês, o Estado não é o líder petista. Sequer se pode dizer que o estadista pernambucano representa o Estado de forma solitária. O Estado é composto de instituições e, na democracia, tem limites e é por isso que Lula da Silva não conseguiu, em nenhum momento, impor medidas autoritárias para limitar o Judiciário, o Ministério Público e a Imprensa. A reação foi tanto da sociedade civil e da sociedade política quanto de amplos setores do Estado. Ainda assim, pode-se dizer que o Estado, visto como organismo dirigido por indivíduos, portanto não amorfo, tende a ter certa autonomia, principalmente em algumas sociedades — e não apenas nas periféricas; o Estado norte-americano, apesar das limitações jurídico-institucionais, é onipresente, legal ou secretamente, na vida dos indivíduos —, e, muitas vezes, cede à tentação de, usando argumentos protetores, tentar controlar e vigiar a sociedade. Os tecnoburocratas do Estado, que formatam as opiniões e ações dos políticos, não dizem, é claro, que querem monitorar os indivíduos. Usam a linguagem da diplomacia, a do eufemismo, e falam em “proteger” a sociedade. Entretanto, quanto mais protegida uma sociedade, mais o Estado exerce controle e tem informações sobre os indivíduos. Hoje, sessenta e dois anos depois da publicação de “1984”, o número de sociedades democráticas é bem maior do que o de sociedades totalitárias e mesmo autoritárias. No entanto, Orwell não previu outro fenômeno: mesmo as sociedades democráticas, em decorrência da hipertrofia do Estado — em termos policiais e de fiscalização de tributos, para citar dois exemplos emblemáticos —, caíram e estão caindo na tentação autoritária e (quase) totalitária, ainda que nada comparável ao stalinismo, ao nazismo e ao castrismo. O indivíduo, neste momento, está à mercê dos tentáculos (quase) totalitários do Estado, que ampliou sua autonomia em relação à sociedade. A sociedade aplaude quando empresários, apontados como sonegadores de impostos, são presos pela Polícia Federal. O espetáculo resulta do circo iluminado, mas não iluminista, criado pelos agentes do Estado com o objetivo de justificar suas ações. Não se trata de defender a sonegação — longe de nós fazê-lo. Mas o que ocorre, em larga medida, e aqui usa-se o máximo de realismo, é que os empresários sonegam mais para escapar das garras do Estado — que toma dinheiro do mercado e o gasta muito mal — do que por algum instinto criminoso. Antes de ceder a voz a Kant, no penúltimo parágrafo, discutamos, levemente, as ações do site WikiLeaks.
Não há dúvida: as revelações do WikiLeaks, com apoio de jornais qualificados, como “The Guardian”, “New York Times” e “El País” — no Brasil, a “Folha de S. Paulo” fez um trabalho categorizado, com certo atraso em relação às publicações americanas e europeias —, são bombásticas e, em alguns casos, seriíssimas. O presidente Lula da Silva está errado ao afirmar que são “irrelevantes”, ainda que tenha razão quando afirma que alguns telegramas do ex-embaixador americano no Brasil não são decisivos. Não são mesmo, mas a função de um diplomata é manter o governo de seu país bem informado sobre realizações, o concreto (o Brasil comprou quatro submarinos nucleares, supostamente para “proteger” o pré-sal), e tendências, as possibilidades. Se o ministro da Defesa do Brasil, Nelson Jobim, disse ao embaixador americano que o presidente da Bolívia, Evo Morales, tem ou tinha um tumor na cabeça, a notícia pode parecer insignificante. Mas não é. Porque Morales é um chefe de Estado e um possível afastamento, por motivo de doença ou outro, pode resultar numa mudança substancial na política boliviana, por exemplo em relação às drogas, notadamente cocaína. Como se sabe, a cocaína se tornou uma das principais commodities da Bolívia e Morales é, no mínimo, leniente com os produtores da droga (ou da pasta). O líder boliviano ressaltou que não tem e nunca teve tumor na cabeça. Jobim também informou aos americanos que o ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos, Samuel Pinheiro Guimarães — espécie de Che Guevara da diplomacia patropi —, é inimigo mortal dos Estados Unidos. O ministro disse a verdade, mas, ante a revelação, optou por falar que foi mal interpretado pelo embaixador. É raro o caso de diplomata que interpreta mal informações tão chãs. Porque até os recém-aprovados para o Itamaraty sabem que Samuel Pinheiro Guimarães é antiamericano da espécie “xiita”. Jobim, por sinal, é visto como “amigo” dos Estados Unidos.
O presidente Lula da Silva não quis discutir o assunto, pelo menos não com contundência, mas a revelação de que terroristas árabes se escondem no Brasil deve ser explicitada de modo mais preciso e amplo. Conta-se, num telegrama, que o governo federal, ao prender supostos terroristas, os indicia como criminosos de outra espécie, tanto para não provocar escândalo internacional quanto para não atrapalhar negócios e ações políticas com árabes. Quando ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff travou a aprovação de leis antiterror. Se isto não for relevante, o que terá magnitude para o presidente Lula da Silva? Um ataque terrorista no Brasil, ou, pelo menos, articulado a partir do território brasileiro?
Uma das “revelações” dos documentos da diplomacia americana afiança que o serviço secreto cubano, treinado e equipado por Markus Wolff, da cruenta Stasi, a polícia política da extinta Alemanha Oriental, assessora o presidente da Venezuela, Hugo Chávez. Ao leitor que quiser entender porque a palavra “revelações” figura entre aspas, temos a dizer que a informação do WikiLeaks não é nova. Há entre 30 mil e 50 mil cubanos na Venezuela, trabalhando nas áreas médica e educacional. Muitos são agentes secretos que, enquanto “ajudam” o povão, auscultam aquilo que a sociedade, e não só os pobres, diz. As ditaduras, mesmo aquelas que simulam-se democráticas, vigiam a sociedade em tempo integral. O engano é pensar que o Estado nas sociedades democráticas não faz o mesmo. A diferença é que o indivíduo pode protestar e recorrer, quando se julgar prejudicado, à Justiça, que é o principal fórum, na democracia, para dirimir disputas (na ditadura, o fórum é o Estado). As instituições, na democracia, devem ser fortes o suficiente para submeter o Estado. É saudável lembrar que, no governo de Salvador Allende, no Chile do início da década de 1970, o serviço secreto cubano auxiliava o presidente diretamente. Quando Allende foi assassinado, em 1973, agentes cubanos estavam no palácio presidencial e há várias versões sobre o crime, algumas estranhíssimas, mas este Editorial não é o espaço apropriado para discuti-las. Especula-se, até, que Allende tenha sido assassinado por um agente cubano.
Política gagá
Quem lida com política internacional sabe que algumas revelações do WikiLeaks circulavam no mercado persa da diplomacia e, mesmo, nas páginas dos jornais. Os documentos só confirmaram o óbvio: uma nação poderosa como os Estados Unidos querem saber dos “humores” do mundo, tanto no “centro” quanto na “periferia”. Daí os telegramas confidenciais avaliando políticas e comportamentos dos líderes da China, Rússia, Alemanha, Inglaterra, França, Itália e, entre outros, Brasil. Teoricamente, foi muito ruim para os Estados Unidos, porque fica evidente que o país não tem controle de suas conversas e documentos e chega a ser espantosa a informação de que um garoto de pouco mais de 20 anos, fingindo que ouvia um CD de Lady Gaga, tenha sido responsável pelo vazamento de 250 mil documentos. É bem possível que este vazamento esteja encobrindo outros vazamentos muito mais sérios e articulados. Não se está mencionando o dedo da FSB, antiga KGB, de Vladimir “Batman” Putin e Dmitri “Robin” Medvedev (rainha da Inglaterra de calça), até porque os dois são citados, de modo negativo, nos telegramas. Mas é possível a participação dos agentes russos? É. Se não for, trata-se de uma vitória da tecnologia contra o poder. A tecnologia criou formas para reforçar o poder do Estado, mas, com o atual vazamento, a mesma tecnologia contribuiu para enfraquecer o Estado. Porque se disse, linhas atrás, que teoricamente foi prejudicial? Porque, na realidade, os telegramas deixam “mal” não exatamente os americanos, mas sobretudo líderes de vários países. Um dos telegramas sugere que Putin pode ter mandado assassinar a jornalista Anna Politkvskaya (teria sido um presente de aniversário para o líder russo) e o ex-agente da FSB Alexander Litvinenko (envenenado com polônio-210). Os documentos americanos são cautelosos e não conclusivos a respeito da participação de Putin nos crimes. Cita-se várias fontes divergentes.
Veja-se o caso da Arábia Saudita. A mídia internacional repete, quase todos os dias, que os Estados Unidos e Israel estão preocupados com a ameaça nuclear que pode vir do Irã de Mahmoud Ahmadinejad. A ameaça é real? É. Mas o que os telegramas revelam de interessante é que outros países árabes, como a Arábia Saudita, estão talvez até mais preocupados do que Israel, que pode se defender, em larga medida, porque tem armas nucleares. O rei saudita chega a dizer, para um embaixador americano, que é preciso cortar a cabeça da serpente, o Irã, antes que seja tarde. Os árabes podem não gostar de Israel, mas, como se vê por um caso específico, a ameaça maior não é judaica, e sim iraniana. Acusa-se os Estados Unidos, por ser o principal “player” mundial, de ser a fonte ameaçadora. Os telegramas indicam que o país continua sendo convocado para interferir, o que revela sua força e, ao mesmo tempo, a tibieza da Organização das Nações Unidas.
O caso da energia nuclear no Paquistão, denunciado nos telegramas, é muito grave. Porque o país está fabricando armas nucleares acima da expectativa mundial, estabelecida em acordos, e não manteria proteção segura de suas usinas nucleares. A influência da Al Qaeda e do Taleban no país são preocupantes. O líder da Líbia, Muammar Gaddafi, também é cultor de material nuclear. Apesar da recente moderação, é sempre um risco à paz.
Num artigo publicado no jornal espanhol “El País”, e traduzido, publicado e discutido pelo site do Jornal Opção na terça-feira, 30 (Elio Gaspari, da “Folha de S. Paulo”, o comentou na quarta-feira, 1º), o historiador Timothy Garton Ash, das universidades de Oxford e Princeton, sustenta que os telegramas são muito importantes tanto para os países quanto para os pesquisadores. Algumas das informações divulgadas só seriam liberadas, na melhor das hipóteses, daqui a 20 ou 30 anos. Então, é um maná para os historiadores. Mas, como assinala o “scholar”, o vazamento, que prejudica as relações dos Estados Unidos com parte do mundo, tende a mudar o trabalho da diplomacia. Entretanto, no lugar de adotar uma posição moralista, Garton Ash elogia o trabalho dos diplomatas, que procuraram apresentar retratos os mais fiéis possíveis dos costumes políticos e sociais dos líderes das nações. Quanto à política de segurança do governo americano, que torra 75 bilhões de dólares por ano, Garton Ash a chama de “gagá”, numa referência irônica ao já famoso CD “de” Lady Gaga usado pelo garoto “espião”.
No artigo, Garton Ash não diz, mas é óbvio que os documentos precisam ser examinados com mais rigor. Porque, alguns, são primários. Mas outros contêm informações precisas e, comparados com outros documentos, possibilitarão o entendimento do funcionamento da política dos Estados modernos. Porque enganam-se aqueles que pensam que só diplomatas americanos fazem relatórios, precisos ou não, sobre países para os quais são designados. Será muito interessante, para a própria independência do WikiLeaks — que agora promete revelar os segredos de um banco americano —, que os arquivos russos, e de outros players, sejam revelados.
Chegou a hora de apresentar, em linhas gerais, uma ideia de Kant. Seu livro tem um título singelo “À Paz Perpétua”. A paz entre nações é possível? Mais: a paz perpétua é possível? A função do intelectual, que sabe que o futuro nem a Deus pertence, não é reproduzir a realidade, e sim imaginar que outras realidades são possíveis. Kant, que era pacifista e defendeu a Independência americana (1776), avaliava que era fundamental o regime republicano, com a construção de federações (como a União Europeia) e de uma federação inernacional, e que, sim, a paz perpétua era possível. Sua obra, publicada em 1795, há 215 anos, sugeria uma espécie de Organização das Nações Unidas e que as divergências entre nações fossem resolvidas com base na lei. O objetivo, ao pôr a lei em primeiro lugar, era evitar a guerra, que o filósofo via como resultado do fracasso da política e que resultava em inúmeros males para os indivíduos. Escreve Kant (páginas 84 e 85): “Se há um dever, se há ao mesmo tempo uma esperança fundada de tornar efetivo o estado de um direito público, ainda que somente em uma aproximação que progride ao infinito, então a ‘paz perpétua’, que sucede os até aqui falsamente assim denominados ‘tratados de paz’ (propriamente armistícios), não é uma ideia vazia, mas uma tarefa que, solucionada pouco a pouco, aproxima-se continuamente de seu fim (porque os tempos em que iguais progressos acontecem tornar-se-ão, tomara, cada vez mais curtos)”. Mas, enfim, a paz é possível? É. Mas a realidade ensina que só se conquista a paz depois de conflitos e que ela é sempre provisória. E, por incrível que pareça, quanto mais armado o mundo, com armas nucleares ou não, menos há o risco de uma guerra mundial. Guerras localizadas, sim, são possíveis, até o uso de armas pesadas, mas guerras amplas, com o uso de armas nucleares, representariam o fim da Humanidade. Os homens têm sua loucura, mas não são loucos o suficiente para destruir o mundo. Os líderes querem viver, assim como os mortais comuns. (Na mesma obra de Kant, há uma discussão instigante sobre o trabalho do político e o trabalho do intelectual. Seria interessante que o opúsculo fosse lido tanto pela equipe do governador eleito, Marconi Perillo, quanto por aqueles que invalidam o trabalho dos diplomatas americanos, que, em alguns casos, como notou Garton Ash, são intelectuais de primeira. Por mais que se discorde, o intelectual serve, no geral, ao poder.)
Se vivos, Orwel estaria rindo, porque suas profecias se confirmaram, e Kant estaria chorando, porque a paz perpétua não chegou. Mas, realistas, certamente diriam: apesar de tudo, o mundo melhorou e não é, ao contrário do que acreditaram aqueles que foram influenciados pelo Iluminismo, possível resolver todos os problemas. Ainda assim, na medida do possível, as sociedades são mais democráticas e a pobreza está regredindo. Se pudesse enviar uma carta, digamos “espírita”, o velho Marx certamente diria: “Tenho de reescrever o ‘Manifesto Comunista’ e reafirmar, ainda mais, meu elogio à burguesia e ao capitalismo”. Apesar da “irracionalidade racional” das guerras, dos grampos telefônicos, do Estado que se tornou Deus laico, onipresente e onipotente, há válvulas de escape. O site WikiLeaks, ainda que possa ter intenções suspeitas e antiamericanas, prova que há fissuras, amplíssimas, no sistema de poder mais poderoso da história da humanidade, o dos Estados Unidos, a nova Roma. É a contradição da vida, indicando, no fundo, que não há poder total. A formiguinha sempre tem um flanco para atacar, usando táticas de guerrilha, que é como age o WikiLeaks, o elefante.
Fonte: http://www.revistabula.com/
quinta-feira, 9 de dezembro de 2010
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário