Joe Sacco, o jornalismo com credibilidade
Era uma noite de segunda-feira, depois de uma quase maratona que havia começado antes da Flip e que agora parecia chegar ao fim naquele encabulado auditório/teatro da Folha de São Paulo no interior do Shopping Pátio Higienópolis. (E afora esta contradição histórica de alguém que escreve sobre Palestina e Faixa de Gaza conceder entrevista num bairro com maioria judia organizada por um jornal idem, numa editora ibidem) Era 11 de julho, o dia em que tive oportunidade de estar próxima ao jornalista/quadrinista Joe Sacco. (Escrevo duas semanas depois para que não apareça o embreagamento que pude desfrutar por aquelas duas parcas horas, e este artigo vai ao ar exato um mês após).Joe Sacco é o jornalista que a gente sonha encontrar quando está fazendo faculdade, mas, sem achar, contenta-se com o terrível panorama de monstros que fizeram a história do jornalismo brasileiro. (Escrevo em tom irônico mesmo porque os monstros aqui devem ser considerados literalmente! É lógico que há exceções; e é assim mesmo que elas devem ser tratadas e eu não as conheço nem de nome). Mas o próprio Joe Sacco admite que lendo os diários que escrevia quando estudante: “Deus, eu era inocente. Eu era religioso”.
Ele é um homem centrado, sério, respeitoso com a cultura alheia sem ser babaca. É uma lição de jornalismo no meio deste submundo das letras cotidianas. Sou realmente sua fã, sem medo de escrever isto e me decepcionar, porque fã também tem seus direitos. Eu quero todos os meus. Inclusive o de poder me decepcionar. Ele é comprometido. Logo de início, ao responder por que sentia atração por estes temas respondeu: “A razão central é pelas coisas que acontecem, são questões de justiça pessoal. Não é uma atração à violência em si”.Mas ele não é um tipo politicamente correto. (E não escondeu sua surpresa com a suposta expectativa dos mortais com a trajetória do governo de Barack Obama, para ele um governo como outro qualquer). É que nesse mar de babaquice e venda da alma para o dono do tabuleiro, Sacco fica parecendo uma figura sacra, de verdade. Mas é apenas um humano buscando ser coerente e parecendo conseguir. Inclusive quando admite que prefere a materialidade do livro e não qualquer outra. “Eu gosto da minha mídia. Eu tenho controle. Eu sou diretor (referindo-se à possibilidade de ver sua obra vertida para o cinema). Eu tenho uma perspectiva de mundo e posso trabalhá-la”.
Joe contou que seus pais viviam em Malta, de onde ele é originário, e que presenciaram a II Guerra Mundial e que a preocupação deles é basicamente a mesma que o move. “Como os seus filhos ficariam na escola? Como as pessoas sobreviveriam na guerra? É a minha parte de interesse na guerra: os civis”.
Quando estava na faculdade, Joe lembra-se de ter uma visão, que ele considerava correta, sobre quem eram os terroristas a partir do ponto de vista do jornalismo estadunidense, “você define os padrões para o mundo e os jornalistas representam distorcidamente os fatos. Resolvi buscar por conta própria e dar voz aos palestinos. Tenho que ir para o meu lugar. Os Estados Unidos podem ser terroristas.”A respeito do mito da imparcialidade que ainda parece assolar o jornalismo, novamente há uma honestidade que faz qualquer um refletir sobre a palhaçada em que se transformou o cotidiano de notícias. “Meus quadrinhos são engraçados e ao mesmo tempo terríveis. Eu entendo a situação. Eu tento ser honesto. Eu procuro ser honesto. E às vezes essas vozes não vão ajudá-los. O jornalista tem que honesto não necessariamente objetivo. Cada jornalista funciona da mesma forma. Você filtra como deseja ser visto. Os desenhos são muito interpretativos. Não tenho certeza se os jornalistas podem ser objetivos. Eles são personagens transitando. Você é o filtro. Você está deliberadamente reunindo elementos. Eles, os fotógrafos, também filtram. Desenhar é um filtro. O desenho é uma outra forma de detalhar. A minha interpretação é formada pela visão do local perguntando sempre o que aconteceu. Não é diferente de nenhum outro jornalista. Você pode buscar detalhes. Você não pode deixar detalhes passarem. Você pode se remover daquele ambiente, mas estando ali não, quando desenhando. O jornalista é como um médico. Eu estou remoendo a história daquela pessoa. Você tem que ser cuidadoso. É importante manter essa pessoa centrada”.
Joe Sacco falou pacientemente em vários momentos sobre o seu método e o porquê não colore seus desenhos. Mas na prática, sem ser a parte em que estuda o quanto pode o povo que vai estar em contato para onde vai, ela disse que “fotografias ajudam. Mas tomo notas que me ajudam a reviver. Por exemplo: não esqueça de retratar as crianças”. É necessário habilidade para colorir. Como vou tirar esse tempo para aprender?”.
Sempre há esperança de que realmente se tenha um profissional honesto atuando onde quer que seja, e no jornalismo Sacco parece ser uma referência importante. Finalizo sobre sua opinião a respeito de Marjorie Sartapi (Persepólis): “Estamos ambos tentando humanizar pessoas que não são humanizadas”. Nós também.
Fonte: http://www.novae.inf.br/
segunda-feira, 15 de agosto de 2011
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