sexta-feira, 13 de abril de 2012

Big Brother “legalizado” nos EUA: Entrevista exclusiva de Mumia Abu-Jamal a RT - por ANA

Big Brother “legalizado” nos EUA: Entrevista exclusiva de Mumia Abu-Jamal a RT
A RT [da Rússia] se tornou a primeira emissora de TV no mundo a falar com o jornalista e Pantera Negra Mumia Abu-Jamal desde que foi retirado do corredor da morte em janeiro [de 2012]. Abu-Jamal tem perdido sua vida atrás das grades por [ter sido injustamente acusado de] matar um oficial de polícia em 1981.Considerado por muitos como flagrante falência da justiça, o caso de Mumia Abu-Jamal ganhou muita atenção mundo afora. A defesa clama que Abu-Jamal é inocente das acusações, bem como o depoimento das testemunhas de acusação não é confiável. Por décadas, apoiadores tem se mobilizado.

Após gastar quase 30 anos no corredor da morte, Abu-Jamal conta a Anastasia Churkina, da RT, que “Na verdade passei a maior parte dos anos da minha vida no corredor da morte. Então, de diversas formas, ainda nos dias de hoje, na minha mente, se não de fato, continuo no corredor da morte”.

RT > Se você não estivesse atrás das grades e pudesse estar em qualquer lugar do mundo, onde estaria e o que estaria fazendo?
Mumia Abu-Jamal < Desde muito jovem sou o que se poderia chamar de um internacionalista. Isto é prestar atenção ao que acontece em outras partes do mundo. Como um internacionalista, estou pensando sobre a vida vivida por outras pessoas mundo afora. É claro que como afro-americano eu adoraria passar algum tempo em partes da África. Mas também é verdade que tenho muitos amigos e entes queridos na França. Eu realmente gostaria de levar minha família, minha esposa e crianças para ver nossa rua em Paris.

RT > Estando atrás das grades você parece estar assistindo as questões mundiais com mais proximidade do que grande parte das pessoas que estão livres para andar pelas ruas. Qual evento nos últimos 30 anos você gostaria de ter feito parte se pudesse?
MAJ > Acho que o primeiro seria provavelmente estar no movimento anti-apartheid na África do Sul. Porque logicamente, para além de ser sul-africano, também foi global, porque era a supremacia branca versus a liberdade e dignidade do povo africano. Então a África do Sul seria uma lógica primeira escolha.

Mas onde quer que o povo esteja lutando por liberdade, ganha meus olhos, tem minha atenção e move minha paixão.

RT > Você faz 56 anos no fim do mês, o que significa que gastou mais da metade de sua vida atrás das grades. A maioria das pessoas sequer consegue imaginar isso. Como é isso? De que forma te modificou?
MAJ < Fato é que perdi grande parte da minha vida, a maior porcentagem dela, no corredor da morte. E não há como não ter um efeito profundo na consciência e na forma como se vê e interage com o mundo. Eu gosto de dizer a mim mesmo que passei muito tempo para além das grades, em outros países e outras partes do mundo. Porque o fiz mentalmente. Mas o mental pode apenas te levar para longe. A verdade é que passei a maior parte dos anos da minha vida no corredor da morte. Então, de diversas formas, ainda nos dias de hoje, na minha mente, se não de fato, continuo no corredor da morte.

RT > Sua história se tornou um símbolo para muitos de um sistema judicial falido. Você, pessoalmente, tem alguma fé em um sistema judicial justo e livre, considerando que sua vida tem sido tão afetada por isso?
MAJ < Quando eu era um adolescente nos Panteras Negras lembro que estava indo ao centro de Manhattan e protestando contra o aprisionamento político, encarceramento e ameaças enfrentadas por Angela Davis... Quando Davis atacava o sistema prisional, ela falava de talvez 250.000 ou 300.000 pessoas aprisionadas em todos os Estados Unidos como um problema a ser tratado, uma crise, uma situação que beirava o fascismo. Passados 30-40 anos até o presente, hoje existem mais de 300.000 prisioneiros apenas na Califórnia, um estado em cinquenta. O aprisionamento na Califórnia sozinha ultrapassa a França, Bélgica e Inglaterra – eu poderia citar o nome de 4 ou 5 países combinados.

Nós não podíamos perceber naquela época o que se tornaria. É monstruoso quando você realmente vê o que está acontecendo hoje. Você pode literalmente falar de milhões de pessoas encarceradas pelo complexo prisional-industrial de hoje: homens, mulheres e crianças. E este nível de encarceramento em massa, repressão em massa real, tem um impacto imenso sobre as outras comunidades, não apenas entre famílias, mas em uma consciência social e comunal, e na inculcação do medo entre as gerações. Então está em um nível e profundidade em que muitos de nós não pode sequer sonhar hoje.

RT > Você fala sobre muitos assuntos sociais e econômicos importantes em seu trabalho. Você tem algum sonho hoje? Se você pudesse ver um destes aspectos modificados qual escolheria? O que você deseja poder ver acontecer nos Estados Unidos?
MAJ < Nunca há uma única coisa... Devido ao sistema de interligação e porque uma parte do sistema causa impacto em outra parte do sistema, e ainda, devido ao que Antonio Gramsci chamou de hegemonia do sistema ideológico que causa impacto em outras partes do sistema. Você não pode mudar uma coisa que terá impacto em todas as outras. Esta é uma das lições dos anos 60, porque o movimento pelos direitos civis estava falando sobre integração e mudança nas escolas. O fato é que se você olha para a vasta maioria das crianças negras pobres da classe trabalhadora nas escolas americanas de hoje, elas vivem e gastam suas horas e seus dias no sistema tão profundamente segregadas quanto seus avós, mas não segregadas pela raça, segregadas pela raça e classe.

As escolas que meus netos vão são piores do que as escolas que fui na minha infância e adolescência. Esta é uma condenação de um sistema, mas porque as gerações anteriores se concentraram apenas em uma coisa ou um lado do problema. O problema realmente se tornou pior e pior e pior. E enquanto há muita retórica sobre escolas, as escolas americanas são uma tragédia.

RT > Você foi monitorado pelo FBI aos quatorze anos. Agora com leis como a NDAA sendo implementadas nos Estados Unidos, quando pessoas são vigiadas e detidas, isso se tornou mais fácil do que nunca. Você acha que o Big Brother [Grande Irmão] mostrou oficialmente sua face neste país?
MAJ < Se você olha pra trás, fica claro que o FBI, seus líderes e seus agentes sabiam que tudo o que faziam era ilegal, e os agentes do FBI foram ensinados e treinados para invadir lugares, como fazer o que eles chamavam de black bag jobs e este tipo de coisa, como cometer crimes. E é isso que eles também foram ensinados, é melhor que você faça isso e que não seja pego, porque se for pego irá para a cadeia e agiremos como se não te conhecêssemos, você estará por sua conta. O que tem acontecido nos últimos vinte ou trinta anos não é apenas NDAA, o tão clamado Patriot Act tem legalizado tudo o que era ilegal entre os anos 50 e 70. Eles legalizaram as mesmas coisas que os agentes do FBI e administrativos sabiam que era crime na época. Isto significa que eles podem ver sua correspondência, certamente podem ler seu e-mail, eles grampeiam seu telefone – fazem tudo isso. Mas eles o fazem em nome da segurança nacional. O que estamos vivendo hoje é um estado de segurança nacional onde o Grande Irmão está legalizado e racionalizado.

RT > Você descreveu os políticos como prostitutas de terno dando suas desculpas às prostitutas honestas. É época de eleição nos Estados Unidos agora e gostaríamos de perguntar em quem as pessoas deveriam confiar, em quem você votaria?
MAJ < Em ninguém. Não vejo ninguém em quem possa votar hoje em sã consciência. Porque a maior parte das pessoas que estão ali são de dois partidos políticos majoritários e tudo o que ouço é um tipo de loucura – um desejo de retornar aos dias de juventude dos anos 50 ou então falam sobre a perpetuação do império americano, imperialismo. O que há para votar? Quantas pessoas vão conscientemente às urnas votar pelo imperialismo, por mais guerra ou para que seu filho ou filha, pai ou mãe se tornem membros das forças armadas e assassinos em massa?

RT > Você parece ter aprovado o movimento Occupy Wall Street que surgiu nos Estados Unidos neste ano. É este tipo de revolta que você acha que poderia mudar a América e fazer bem aos Estados Unidos?
MAJ < Penso que é o começo deste tipo de revolta. Porque tem de ser mais profundo, tem de ser mais amplo, tem de visar as questões que estão tocando as vidas das pessoas pobres da classe trabalhadora... É um bom começo, apenas desejaria que fosse maior e mais raivoso.

RT < Você é a voz dos sem voz. Qual é sua mensagem para seus apoiadores agora, para estes que estão te ouvindo?
MAJ < Organize, organize, organize. Amo todos vocês. Obrigada por lutar por mim e vamos lutar juntos pela liberdade.

Entrevista com Mumia Abu-Jamal - RT 10.4.2012:
› http://www.youtube.com/watch?v=GKTOR9DQWAo&feature=youtu.be
Tradução > Marina Knup

agência de notícias anarquistas-ana
Sabiá no galho —
O vento sobe na árvore
para ver o canto
Teresa Cristina flordecaju

Nenhum comentário: