sexta-feira, 23 de novembro de 2012

A política do “bate-assopra”: despejos, violência e retirada de direitos. Milton Santos Resiste! - Por Coletivo de Comunicação do Assentamento Milton Santos

A política do “bate-assopra”: despejos, violência e retirada de direitos. Milton Santos Resiste!

Será uma das poucas vezes que uma terra, legalmente conquistada pela reforma agrária, irá ser tomada das famílias, desprezando-se os princípios da função social da terra, do estatuto da terra e a legislação de reforma agráriaPor Coletivo de Comunicação do Assentamento Milton Santos

Nos últimos anos tem aumentado o número de despejos no país. Ainda que tenham características distintas, os despejos ocorrem devido a uma mesma finalidade: o controle sobre a classe trabalhadora para garantia do super-lucro das grandes empresas.

Esse é o caso do Assentamento Milton Santos, em Americana, no estado de São Paulo. O Assentamento existe há sete anos e agora as 78 famílias assentadas estão ameaçadas pelos interesses de uma Usina de cana, a Usina Esther, e pela especulação imobiliária praticada pela milionária família Abdalla. As famílias correm o risco de perderem suas casas, plantações, ou seja, praticamente tudo o que conseguiram conquistar em suas vidas a troco de muito suor e muita luta.

Muitos são os casos semelhantes a esse que tiveram um destaque maior nos meios de comunicação de massa nos últimos anos: o despejo do bairro Sonho Real em Goiânia-GO (2005); o despejo do assentamento Elizabeth Teixeira, em Limeira-SP (2007); o incêndio criminoso de 59 favelas em São Paulo a que assistimos no ano passado e mais trinta favelas incendiadas somente nesse ano; o despejo violento de 1000 famílias em Ribeirão Preto-SP (2011); e, por fim, um caso mais divulgado por todos os meios de comunicação, o despejo de 1.500 famílias do bairro Pinheirinho em São José dos Campos–SP, que gerou indignação no início desse ano.

No Rio de Janeiro os principais morros entre o centro e a zona sul estão hoje sob controle das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) e nos morros mais afastados do centro há um grande avanço das milícias. Esses aparatos de controle, UPPs e milícias (grupos armados formados em sua grande maioria por ex-policiais), correspondem a duas formas de ação do Estado com a finalidade de controlar as favelas e reprimir os trabalhadores.

Neste momento, vemos acontecer ameaças de despejo também em áreas de assentamentos rurais e reservas indígenas e quilombolas. Esse é o drama do assentamento Milton Santos, de alguns trabalhadores assentados na região do Vale do Paraíba-SP, de parte das famílias do assentamento Zumbi dos Palmares no município de Campos dos Goytacazes-RJ e dos índios Guarani-Kaiowá do Mato Grosso do Sul.

Ao mesmo tempo, os trabalhadores nas fábricas sofrem frequentes ataques aos direitos trabalhistas já conquistados. Neste momento, através de uma grande articulação entre as principais centrais sindicais, CUT e Força Sindical, e os empresários, tramita no Congresso uma lei que tem a finalidade de atacar diretamente a organização dos trabalhadores. Essa lei é denominada ACE (Acordo Coletivo Especial) e, caso seja aprovada, os trabalhadores estabelecerão um processo de negociação por fábrica e não mais por categoria, sendo fragmentado assim seu poder de pressão sobre os patrões. O acordo com a fábrica terá mais validade do que as leis trabalhistas; assim o acordado valerá acima do legislado. Isso significa que os patrões poderão atacar todos os direitos até hoje conquistados pelos trabalhadores e consolidados na Constituição através dos chamados “acordos especiais” por empresa.
Todos esses ataques e seu aparato repressivo têm como objetivo a realização de obras e investimentos motivados pelos grandes eventos, a Copa do Mundo e as Olimpíadas, pelo governo federal através do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e pelos interesses do capital industrial e do agronegócio, que têm garantido uma lucratividade monstruosa para os diversos setores do capital.

Isso é parte de uma estratégia que envolve o grande capital, o Estado e parcela significativa de organizações que foram construídas pelos trabalhadores, num pacto de conciliação de classes, que busca“amenizar” os conflitos entre capital e trabalho. Esse pacto tem o Governo Federal como articulador e os Governos Estaduais como executores, independentemente de sua filiação partidária, sendo estes de oposição ou composição. Os governos aplicam tal política cada um ao seu modo, seja pela coerção ou pelo convencimento.

Na dinâmica do “bate-assopra”, neste movimento de alternância entre coerção e convencimento, os governos federal e estaduais repetidamente se apresentam como portadores de “jeitos diferentes de lidar com a pobreza”, sendo que, na verdade, ambos têm a finalidade de garantir super-lucros para o capital e domesticar a luta dos trabalhadores.

Milton Santos Resiste!
Após sete anos de luta, produção de alimentos e prática agroecológica, o assentamento está ameaçado.
Milton Santos é uma área legalmente assentada pelo INCRA, responsável pela distribuição de alimentos orgânicos para mais de 30 entidades da região de Campinas e Cosmópolis, atendendo mais de 12 mil famílias quinzenalmente. Apesar das dificuldades que os pequenos produtores enfrentam, o assentamento foi escolhido pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) para se tornar uma Unidade de Referência, um modelo de produção em agroecologia.

Desde dezembro de 2005, essas famílias moram e produzem nas terras da Comuna da Terra Milton Santos. Mas uma ameaça de despejo chegou ao conhecimento dos assentados no final de julho deste ano por intermédio do próprio Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). Consta que a família Abdalla, antiga proprietária da área, solicitou a reintegração de posse e esta foi concedida pelo Desembargador Federal Luiz Stefanini. O INCRA foi intimado a cumprir a reintegração de posse dentro do prazo de 30 dias, prorrogado para mais 120 dias após recurso, sob pena de multa diária de R$ 5.000,00 se não o executasse até o dia 15 de outubro.

O Superintendente do INCRA de São Paulo, Wellington Diniz, em assembleia realizada no assentamento no dia 29 de setembro, comprometeu-se com a não realização do despejo das famílias e afirmou que encaminharia a solicitação do decreto de desapropriação da área como de interesse social, depois de terem entrado com mais dois recursos: afetação pública e embargo de retenção. Estes últimos foram negados, restando como recurso que possa impedir a execução da reintegração de posse apenas o decreto de desapropriação por interesse social.
Desde julho, a justiça decidiu que o INCRA devolvesse essa área para os antigos donos, a família Abdalla, que havia perdido a terra por dívidas públicas com o INSS. Importante notar que, de todo o montante das áreas confiscadas da família Abdalla, por falta de pagamento de impostos, a (In)Justiça determinou que seja devolvida aquela onde moram 78 famílias e não a arrendada pela Usina Esther. Além disso, será uma das poucas vezes na história do nosso país que uma terra, legalmente conquistada pela reforma agrária, irá ser tomada das famílias, desprezando-se os princípios da função social da terra, do estatuto da terra e a legislação de reforma agrária.

Além disso, o Desembargador Federal Luiz Stefanini, que emitiu a liminar de reintegração de posse para o Assentamento Milton Santos e negou os dois recursos do INCRA, por uma “estranha coincidência”, é o mesmo responsável pela liminar que quer retirar os Guarani-Kaiowá de sua reserva.

Em pleno ano eleitoral, a ofensiva da direita veio por meio não do executivo ou do legislativo, mas via judiciário, o poder mais difícil de ser atacado, uma vez que não está submetido às eleições e é ele que se autofiscaliza.

Quem são esses juízes? A quais famílias pertencem? Que interesses representam?
E por que o tema dos despejos não apareceu nos debates dos candidatos?
Atualmente, residem no assentamento 78 famílias assentadas e 10 famílias de agregados, fora cerca de 10 famílias acampadas, o que totaliza mais de 300 moradores. Já foram acessados os principais créditos. Ao lado do assentamento também está em formação um bairro, que conta com mais de 100 famílias que também estão lutando pela sua regularização. Desde que se soube da possibilidade de despejo, foram enviadas diversas manifestações de solidariedade de organizações e entidades, principalmente dos locais que recebem os alimentos orgânicos produzidos e distribuídos semanalmente pelo programa Doação Simultânea.

Ameaças ao Milton Santos
Infelizmente, não foram recebidas apenas manifestações de apoio. Vários assentados têm sido ameaçados por funcionários da Usina, os quais afirmam que o despejo ocorrerá ainda em novembro. Os assentados têm sido observados continuamente por helicópteros da Polícia Militar. As crianças e jovens têm sido atacados com comentários maldosos, inclusive por professores da rede pública, que afirmam que suas famílias serão despejadas e entregam jornais locais que propagandeiam o despejo e a decisão da justiça. Várias dessas notícias ignoram os direitos à moradia, ao trabalho e a uma vida digna para produzir na terra.

Assim como aconteceu com o Pinheirinho, a Justiça tem demonstrado sua inflexibilidade quanto à questão do Assentamento Milton Santos, não retirando a liminar de reintegração de posse e seu cumprimento. Já conhecemos e sentimos como o Judiciário e a Polícia agem, especialmente, no estado de São Paulo em outras ocasiões de luta na região.

Dilma Roussef recebe carta dos assentados
No dia 20 de outubro, a presidenta Dilma Roussef esteve em comício eleitoral em Campinas e foi recebida por vários manifestantes aliados com uma faixa “Presidenta, desaproprie o Assentamento Milton Santos! por interesse social”. Além disso, foi entregue ao candidato à prefeitura de Campinas, Márcio Pochman, o manifesto e documentos sobre o processo do assentamento.
A quarta-feira seguinte, dia 24, foi marcada também por mais pressão: junto aos companheiros do MTST, foi feita uma “visita” inesperada ao gabinete da presidência. Uma comissão de assentados entregou aos seus assessores a pauta do Assentamento, pedindo agilidade na resposta sobre a Desapropriação por Interesse Social.

Essa reunião desencadeou um diálogo, que esperamos que seja resolvido logo. Dois representantes da presidência visitaram o assentamento no dia 30 de outubro e foram recebidos por todos – assentados e seus aliados – com um único pedido: o assentamento precisa da desapropriação e urgente! Comprometeram-se em resolver a questão, mas até agora, nada foi resolvido.

Reivindicamos que a Exma. Sra. Presidenta da República, Dilma Roussef, assine o Decreto de Desapropriação por Interesse Social do Sítio Boa Vista, o mais rápido possível, para que possamos voltar novamente ao nosso cotidiano! Não queremos que nossas casas e plantações sejam destruídas para o monocultivo da cana-de-açúcar, que enriquecem apenas as famílias Coutinho Nogueira e Abdalla.

O assentamento não encerrou as lutas
Nesse processo de lutas surgiu o Acampamento Roseli Nunes, que enfrentou mais cinco ocupações entre 2007 e 2011, denunciando a grilagem de terras públicas e o uso indevido do Sítio Boa Vista pela Usina Esther. A ocupação mais recente, que ganhou o nome de Helenira Resende, aconteceu de agosto a outubro de 2011 e reuniu mais de 500 famílias, além daquelas que já viviam no Acampamento Roseli Nunes, que permanece até hoje dentro de uma área de recuo do Assentamento Milton Santos.

As ocupações no entorno, apesar de denunciarem a grilagem de terras do Sítio Boa Vista pela Usina, não conseguiram ampliar o assentamento ou mesmo atender às demandas dos trabalhadores do campo na região. No entanto, apesar do Milton Santos ocupar há sete anos uma área menor do que a necessária para a produção de alimentos para mais de 70 famílias, tornou-se referência em produção agroecológica, atendendo também a mais de 12 mil famílias da Região Metropolitana de Campinas, Americana e Limeira pelo projeto Doação Simultânea.

Depoimentos dos Assentados: uma longa espera e muita sede de luta!
Os moradores do Assentamento Milton Santos e do acampamento Roseli Nunes, em conjunto com a comunidade em torno e todas as organizações que os apoiam, aguardam ansiosamente por uma resposta do governo federal quanto ao já encaminhado pedido de desapropriação da área por interesse social, de modo que as famílias possam continuar vivendo, trabalhando e produzindo em paz.

Nas palavras dos assentados:
Eunice:
Nós queremos a terra!
Nós queremos a certeza de ficar aqui! Então, companheiros, eu quero convocar vocês. “Aqui ninguém dorme mais. Faz três meses que ninguém dorme mais. É realidade isso! A pessoa não tem coragem de catar um ovo no ninho de tanta tristeza, moço!
Você não tem ideia de como está isso aqui. Me dói no coração, de saber que minhas companheiras que estão aqui, que estão esperando o Pronaf Mulher faz tempo, que vai chegar agora. Agora nós não queremos! Nós queremos a terra! Nós queremos a certeza de ficar aqui! Então, companheiros, eu quero convocar vocês. Porque todos nós aqui sabemos qual é a nossa arma. Vamos empunhar companheiros!”
Nilton:
“Dizem que eu sou assentado, mas acho que não sou assentado. Eu cheguei a essa conclusão agorinha de pouco, que eu não sou assentado. Desde 13 de Abril de 2002 eu estou acompanhando o movimento. Já passou mais de 10 anos. E hoje eu já não sinto mais que eu sou um assentado. Você acredita nisso? É duro falar isso! Estou construindo com garra e com coragem e não estou me sentindo seguro ainda? E eu não vou lutar? Não, não vai ficar assim! Estou disposto a sacrificar quem for para sacrificar para não sair da minha casa!”
Fonte: http://passapalavra.info/

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