Crônicas do Consumismo, à entrada de dezembro
Publicidade
ensina crianças a acariciar… o plástico. Jornais anunciam skates de mogno. E se
“Admirável Mundo Novo” já não for ficção?
A culpa
cumpre um papel. É o que distingue o resto da população dos psicopatas.
Trata-se do sentimento que você tem quando é capaz de sentir empatia. Mas a
culpa inibe o consumo. Para sufocá-la, surgiu uma indústria global que usa
celebridades, personagens de desenhos animados e música de elevador. Ela
procura nos convencer a não ver e a não sentir. Parece funcionar.
Os
resultados da pesquisa
Greendex 2012 (“Consumers Choice and the Environment”, ou “As Opções dos
Consumidores e o Meio-ambinte”) mostram que nos países mais pobres as pessoas
sentem-se, em geral, mais culpadas com relação aos impactos causados na
natureza do que as populações dos países ricos. Os países onde as pessoas
sentem menos culpa são Alemanha, Estados Unidos, Austrália e Grã-Bretanha,
nessa ordem – enquanto Índia, China, México e Brasil são os países onde as
pessoas estão mais preocupadas. Nossa culpa, revela o estudo, acontece na
proporção inversa ao tamanho dos danos causados pelo consumo. Isso é o
contrário do que nos dizem milhares de editoriais da imprensa corporativa: que
as pessoas não podem dar-se ao luxo de cuidar da natureza até que se tornem
ricas. As evidências sugerem que deixamos de cuidar justamente quando nos tornamos
ricos.
“Consumidores
em países como México, Brasil, China e Índia”, diz o estudo, “tendem a ser mais
preocupados com as questões das mudanças climáticas, poluição do ar e da água,
desaparecimento de espécies e escassez de água doce … Por outro lado, a
economia e os custos de energia e combustível suscitam a maior preocupação
entre os consumidores norte-americanos, franceses e britânicos.” Quanto mais
dinheiro se tem, mais importante ele se torna. Meu palpite é que nos países
mais pobres a empatia não foi tão entorpecida por décadas de consumo
irracional.
Assista ao
mais recente anúncio
da Toys R Us nos EUA. Um homem vestido como guarda florestal arrebanha crianças
em um ônibus verde em que se lê “Encontre a Fundação Árvores”. “Hoje nós
estamos levando as crianças à viagem de campo que mais poderiam desejar”, diz o
guarda dirigindo-se a nós. “E eles nem sabem disso.”
No ônibus
ele começa a ensiná-las, mal, sobre as folhas. As crianças bocejam e se mexem
nos bancos. De repente, ele anuncia: “Mas nós não estamos indo à floresta hoje
…” Ele tira a camisa de guarda florestal. “Estamos indo para a Toys R Us,
pessoal!” As crianças ficam alucinadas. “Vamos brincar com todos os brinquedos,
e vocês podem escolher o brinquedo que quiserem!” As crianças correm, em câmera
lenta, pelos corredores da loja, e quase desmaiam enquanto acariciam os
brinquedos.
A natureza
é um tédio, já o plástico é emocionante. Crianças
que vivem no centro da cidade e que levei a um bosque, semanas atrás, contariam
uma história diferente; mas a mensagem, martelada com suficiente frequência,
acaba por tornar-se verdadeira.
O Natal
permite que a indústria global de besteiras recrute os valores com os quais
muitos de nós gostaríamos que a data estivesse associada – o amor, a
vivacidade, uma comunidade espiritual –, com o único objetivo de vender coisas
de que ninguém necessita ou mesmo deseja. Infelizmente, como todos os jornais,
The Guardian participa dessa orgia. A revista de sábado trazia o que parecia
ser uma lista de compras para os últimos dias do Império Romano. Há um relógio
cuco inteligente para os que têm familiares estúpidos o suficiente, uma
chaleira operada remotamente, um distribuidor de sabão líquido por 55 libras
[R$ 210]; um skate de mogno (vergonhosamente, a origem da madeira não é
mencionada nem pelo Guardian, nem pelo varejista),
um “pino pappardelle de rolamento”, seja lá que diabo for isso, bugigangas de
chocolate a 25 libras [R$ 96], uma caixa de… barbante de jardim (!) por 16
libras [R$ 61].
Estaremos
tão entediados, tão carentes de afeto, que precisamos ganhar essas porcarias
para acender uma última centelha de satisfação hedonista? Terão as pessoas se
tornado tão imunes ao sentimento de irmandade a ponto de se prontificarem a
gastar 46 libras [R$ 177] num pacote de petiscos para cães ou 6,50 libras [R$
20] em incríveis biscoitos personalizados, em vez de dar o dinheiro a uma causa
melhor? Ou isso é o potlatch
do mundo ocidental, no qual gastam-se quantias ridículas em presentes
ostensivamente inúteis, para melhorar nosso status social? Se assim for,
devemos ter esquecido que aqueles que se deixam impressionar por dinheiro não
merecem ser impressionados.
Para
atender a essa forma peculiar de doença mental, devemos retalhar a Terra, abrir
grandes buracos na superfície do planeta, ocupar-se fugazmente com os produtos
da destruição e então despejar os materiais em outros buracos. Relatório da Fundação Gaia revela um crescimento
explosivo no ritmo da mineração: a produção de cobalto aumentou 165% em 10
anos, a doo minério de ferro em 180% e, entre 2010 e 2011, houve um aumento de
50% na exploração de metais não-ferrosos.
Os produtos
dessa destruição estão em tudo: eletroeletrônicos, plásticos, cerâmicas,
tintas, corantes, a embalagem em que nossas besteiras vão chegar. À medida que
os depósitos mais ricos se esgotam, cada vez mais terra deve ser rasgada para manter
a produção. Mesmo os materiais mais preciosos e destrutivos são sucateados
quando um novo nível de dopamina torna-se necessário: o governo do Reino Unido
informa que uma tonelada de ouro, embutido em equipamentos eletrônicos, é
depositada nos aterros a cada ano, neste país.
Em agosto,
uma briga das mais instrutivas inflamou o Partido Conservador. O ministro do
Meio Ambiente, Lord
de Mauley, pediu às pessoas para consertar suas
engenhocas em vez de atirá-las no lixo. Isso era necessário, argumentou, para
reduzir a quantidade de aterros, seguindo as diretrizes da política europeia de
resíduos. Para o The
Telegraph, “as propostas poderiam alarmar as empresas que lutam para
aumentar a demanda por seus produtos.” O parlamentar do Partido Conservador
Douglas Carswell bradou:
“desde quando precisamos do governo para nos dizer o que fazer com torradeiras
quebradas?”…
Para ele, o
programa de recuperação econômica do governo depende de consumo incessante: se
as pessoas começarem a consertar as coisas, o esquema entra em colapso; skates
de mogno e chaleiras wifi são respostas necessárias a um mercado saturado; o
deus de ferro do crescimento, ao qual nos devemos curvar, demanda que gastemos
o mundo dos vivos até o esquecimento fim dos tempos.
“‘Mas
roupas velhas são estupidez’, continuou o sussurro incansável. ‘Nós sempre
jogamos fora as roupas velhas. Descartar é melhor que consertar, descartar é
melhor que consertar.’” O Admirável
Mundo Novo parece menos fantástico, a cada ano.
Tradução: Inês Castilho
Fonte: http://outraspalavras.net
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