Israel, Palestina e a distante solução de dois Estados
Distanciamento
de ativistas e comentaristas ocidentais da solução de dois Estados está
ocorrendo paralelamente a uma mudança marcante da política de Israel para a
direita
Com a
crença no processo de paz no Oriente Médio liderado pelos EUA passando por uma
baixa histórica, um número crescente de comentaristas e peritos dizem que a
solução de dois Estados para o conflito entre Israel e Palestina está morta.
Eles argumentam que a colonização israelense da Cisjordânia é muito extensa
para ser revertida e que, logo, estabelecer um Estado palestino independente é
agora impossível. No seu lugar, a maioria deles, de esquerda pelo menos,
acreditam em um estado unitário binacional para ambos israelenses e palestinos.
Embora
predições de futuros acontecimentos políticos nunca sejam exatas, é muito
importante levar em conta a atual trajetória do conflito, e as consequências de
um caminho tão radical quanto abandonar a solução de dois Estados.
A expulsão
de centenas de milhares de palestinos de seus lares foi central para o estabelecimento
de Israel em 1948 (Fred Csasznik)
O
distanciamento de ativistas e comentaristas ocidentais da solução de dois
Estados está ocorrendo paralelamente a uma mudança marcante da política de
Israel para a direita, enquanto divisões entre palestinos e israelenses estão
mais profundas do que nunca. O historiador Avi Shlaim descreve o atual governo
israelense como o mais “agressivamente de direita, diplomaticamente
intransigente e abertamente racista… na história de Israel.” Tem surgido o
debate sobre se o tratamento dado a árabes israelenses, sem mencionar
palestinos em territórios ocupados, agora constitui algo parecido com o
apartheid. Esses acontecimentos são no mínimo um péssimo sinal para a
perspectiva da emergência de um Estado binacional harmônico, exceto, talvez,
como uma meta distante a ser realizada depois de um longo e pouco provável
processo de reconciliação.
Mais
realisticamente, abandonar a luta por um Estado palestino agora daria vida a um
entre vários futuros possíveis, todos com consequências desastrosas para o povo
da Palestina. O cenário mais provável, ao menos a curto prazo, é de que isso
daria liberdade ao governo israelense para acelerar e continuar suas atuais
políticas, perpetuando e solidificando ainda mais o status quo. Isso resultaria
em miséria contínua para o povo palestino e, crucialmente, na consolidação e
expansão dos assentamentos israelenses na Cisjordânia e Jerusalém. Palestinos
teriam que escolher entre viver com as imposições e humilhações diárias ou
arrumar as malas e ir embora.
Em anos
recentes, sucessivos governos israelenses vêm tentando ‘normalizar’ a ocupação
da Cisjordânia, principalmente coagindo a Autoridade Palestina de Mahmoud Abbas
e Salam Fayyad, e com ela trabalhando para isolar e finalmente neutralizar o
Hamas. Esse processo tem sido altamente bem sucedido. A construção de
assentamentos na Cisjordânia segue em ritmo normal, apenas provocando uma
resistência pequena e ineficaz. Enquanto isso, israelenses estão cada vez menos
interessados na ocupação, voltando suas atenções para questões econômicas e
sociais internas.
Porém, como
as recentes revoluções no Oriente Médio demonstraram, um regime não consegue
oprimir severamente uma população para sempre. No caso da Palestina e Israel,
um fator adicional demográfico pode aumentar ainda mais a instabilidade a longo
prazo de uma ocupação permanente. Mesmo que os dados sejam contestados,
aparentemente o crescimento populacional árabe tanto em Israel, como nos
territórios palestinos ocupados, é muito maior do que o judeu, ao ponto de,
logo mais, os israelenses se tornarem uma minoria na Palestina histórica. Sem
uma separação dos dois povos, a própria raison d´etre israelense – sua maioria
judia – será ameaçada. No contexto desta preocupação, várias propostas para uma
solução mais decisiva para o ‘problema palestino’ tem surgido, ou melhor,
reaparecido.
A opção
Jordânia
A primeira
tem sido a divulgação de uma ideia, popular nos anos 70, de um estado palestino
em federação com a Jordânia. Ela tem conquistado alguma credibilidade pelo fato
de refugiados palestinos constituírem a maioria numérica na Jordânia, também
levando-se em conta a experiência passada deste país na administração da
Cisjordânia, antes de 1967. Para Israel, isso oferece uma oportunidade de
renunciar a sua responsabilidade com os palestinos e, ao mesmo tempo,
permanecer com as áreas da Cisjordânia que deseja, em sua maioria traçadas pela
‘barreira’ de separação. A esperança é que o epicentro da vida palestina se
mudaria para o leste do Rio Jordão, com as áreas palestinas na Cisjordânia se
transformando em nada mais do que periferias indesejáveis. Para Israel, isso
criaria uma impressão de ‘finalidade’ no conflito e eliminaria, quase por
completo, a perspectiva de um estado palestino vizinho do lado oeste do Rio
Jordão. Mesmo que a ‘Opção Jordânia’ não seria bem recebida por muitos, dada a
atual fraqueza do governo palestino, ela até poderia ser imposta.
A Jordânia
está em uma situação precária rodeada por nações que se encontram em guerra ou
desobediência civil, e com a ameaça da Primavera Árabe chegando a seus
territórios. A liderança do país se preocupa há muito tempo com a enorme
população refugiada palestina dentro de suas próprias fronteiras, que não
possuem os direitos de cidadãos jordanianos naturais, que muitas vezes é causa
de rebeldia. Logo, é muito improvável que a ‘Opção Jordânia’ seja aceita pelos
jordanianos, a não ser em circunstâncias extremas. De qualquer maneira, parece
que ela foi discutida por Benjamin Netanyahu e o Rei Abdullah durante uma
visita este ano. Se nada mais, isto demonstra que aqueles próximos ao conflito
entre Israel e Palestina estão começando a considerar ideias não ortodoxas para
uma solução o mais rápida possível.
Limpeza
Étnica
Outra
potencial solução que está surgindo é mais direta e alarmante. A expulsão de
centenas de milhares de palestinos de seus lares foi central para o
estabelecimento de Israel em 1948. A verdade sobre isso foi negada por muitos
anos, mas a ideia de ‘transferência populacional’ está lentamente sendo aceita
e, mais preocupantemente, propagada. No passado, ‘transferência populacional’
era um discurso político marginalizado, reservado para figuras de extrema
direita como Rehavam Ze´evi, que usava palavras como “piolhos” e “câncer” ao se
referir à população palestina de Israel.
A ideia
começou a chamar atenção quando o historiador israelense Benny Morris, famoso
por seu livro sobre a expulsão de comunidades palestinas em 1948 no que agora é
Israel, falou em uma infame entrevista em 2004 sobre a “necessidade” de limpeza
étnica, lamentando que o governo israelense da época tenha “falhado” ao não
terminar o trabalho. Mesmo que inicialmente a entrevista tenha causado espanto,
pontos de vista como esse agora parecem aceitáveis em Israel ao ponto de
banalidade. De fato, até o entrevistador de esquerda, que tinha expressado
choque e desprezo em relação aos comentários de Morris, foi comovido
recentemente a dar graças àqueles que fizeram “o sujo, nojento trabalho” do
massacre e expulsão de 1948 que “garante que meu povo… possa viver.”
Em sua
entrevista, Morris argumenta que futuras circunstâncias poderão mais uma vez
justificar a expulsão de palestinos. Esse tipo de pensamento já apareceu de
forma embrionária no Knesset e corredores de poder. O ministro de relações
exteriores Avigdor Lieberman tem constantemente proposto uma política de
‘transferência suave’ de cidadãos árabes de Israel para territórios palestinos,
e ações semelhantes já foram pautadas por políticos como Otniel Schneller, do
partido centrista Kadima. Uzi Cohen, um membro influente do partido Likud já
propôs publicamente a completa transferência de palestinos e árabes
israelenses, declarando que a ideia tem “amplo apoio”. A recente sugestão do
membro do Likud Moshe Feinglin, que Israel pague os palestinos para deixarem a
Cisjordânia, foi considerada por estrategistas políticos que ajudam Benjamin
Netanyahu (do mesmo partido) como uma forma de conquistar votos de direita. O
próprio pioneiro da proposta de ‘transferência’ renovada, Rehavam Ze´evi, está atualmente
sendo reconhecido pelo Knesset, onde fundos para preservar sua memória
cresceram muito em 2013, e agora provêm materiais para escolas onde é descrito
como um “homem de princípios”, e um “idealista”. Está claro que a nova
‘transferência populacional’ saiu das extremidades da política israelense.
No fim das
contas, acordos e decisões políticas são feitas por e refletem os desejos dos
grupos envolvidos, especialmente os poderosos. O erro de quem prega o abandono
do paradigma de dois Estados é imaginar que estarão em uma posição para
determinar seu substituto. Na verdade, é a força de vontade política que
determinará o percurso do conflito entre Palestina e Israel, não o pensamento
heterodoxo de influências marginalizadas. Abandonar a ideia de soberania
palestina é abandonar décadas de luta pela Justiça; e atualmente é
positivamente perigoso. Sendo o componente decisivamente dominante da questão,
Israel tem o poder desproporcional de impor uma solução que satisfaça suas
vontades. Se tanto a ‘Opção Jordânia’ como a renovada ‘transferência
populacional’ sendo discutida até agora teoricamente serão adotadas em prática,
é algo que só o tempo nos dirá. Contudo, aqueles que esperam um Estado
binacional harmônico e justo a nascer com a implementação da solução de dois
Estados, seriam sábios em considerar a balança das probabilidades.
Tradução
por Ítalo Piva. Original em New Left Project.
Fonte: http://revistaforum.com.br/
Nenhum comentário:
Postar um comentário