E se o
Grande Irmão controlar a internet?
Estados e
empresas já testam sistemas que permitem ocultar ou eliminar, maciçamente,
conteúdos digitais. Para evitar futuro orwelliano, é preciso agir agora
Após
alimentar sonhos de uma comunicação radicalmente livre, a internet poderia
converter-se no exato oposto? A digitalização, que hoje acelera a circulação de
informações em todos os formatos e linguagens, não facilitaria, também, a
eliminação de informações e opiniões que já não têm existência material —
porque foram reduzidas a impulsos eletrônicos? Nos últimos dias, fatos novos
reforçaram a urgência de considerar estas ameaças com seriedade e de encontrar
meios para afastá-las.
Nos Estados
Unidos, depois de analisar a fundo o sistema de coleta maciça de informações
sobre as chamadas telefônicas dos cidadãos, mantido pela Agência Nacional de
Segurança (NSA) um juiz considerou-o, em 14 de dezembro, “quase orwelliano”.
Três dias depois, um grupo de consultores formado pelo presidente Barack Obama
para analisar este mesmo mecanismo recomendou
uma série de mudanças. Propôs, em especial, retirar os poderes que pequenos
grupos de assessores militares têm hoje para ordenar a vigilância direta sobre
o conteúdo das comunicações mantidas por certas pessoas, a partir da identificação
de seus interlocutores frequentes. Não há, no entanto, qualquer garantia de que
as recomendações sejam adotadas.
Ao
contrário: analistas de assuntos de segurança, ouvidos pelo “New York Times”,
disseram “duvidar” que Obama tenha “coragem” para enfrentar a vasta rede de
agências de espionagem formada após 11 de setembro de 2001 e a assinatura da “Lei Patriótica“.
Um assessor da Casa Branca afirmou que o presidente analisará as propostas em
suas férias de fim de ano no Havaí, mas que já descarta uma delas: precisamente
a que desmantelaria certas articulações entre tais agências, para limitar seu
poder.
Até onde
pode ir este controle sobre a comunicação? No texto a seguir, Peter Van
Buren, um diplomata norte-americano ainda na ativa, chama atenção para um
de seus aspectos mais aterrorizantes. Num mundo em que as informações estão
sendo digitalizadas em enorme velocidade e em que os suportes físicos estão
desaparecendo, pode tornar-se fácil demais “apagar” informação incômoda. Não se
trata apenas de hipótese. Van Buren, que escreve em publicações como The Nation, Huffington Post
e Mother Jones,
apresenta os sistemas que já são utilizados (embora em pequena escala), por
governos e empresas para restringir o acesso dos cidadãos a certos conteúdos.
No momento, prossegue ele, isso é feito com pretextos consensuais: por exemplo,
restringir o acesso a sites que estimulam a pedofilia e o abuso de crianças.
Mas, em novos cenários políticos, as mesmas técnicas de invisibilização não
poderiam ser utilizadas contra ideias dissidentes? Não estamos arriscados a
materializar o “buraco de memória” previsto por George Orwell em “1984″?
O alerta de
Van Buren não precisa ser tomado como uma sentença. Assumir a ameaça como algo
inevitável seria, aliás, um convite ao conformismo. Mas na agenda de temas
sobre os quais é preciso agir para construir um planeta habitável no futuro,
parece cada vez mais necessário destacar a disputa pela liberdade na internet.
Talvez o que esteja em jogo, nesta batalha, seja a própria possibilidade de
democracia e liberdade de expressão. (A.M.)
E se
fizessem Edward Snowden desaparecer? Não, não estou sugerindo alguma iniciativa
“inovadora” da CIA, ou uma teoria conspiratória ao estilo de “quem matou
Snowden?”, mas algo ainda mais tenebroso.
E se
simplesmente fosse possível fazer desaparecer tudo o que alguém denunciou? E
pudessem ser eliminados, em tempo real, todos os documento da Agência de
Segurança Nacional (NSA) revelados pelo ex-agente Snowden — cada entrevista que
ele concedeu, cada indício documentado sobre um Estado de segurança nacional
que fugiu de qualquer controle? E se a publicação de tais revelações pudesse
ser reduzida a um esforço estéril, como se os fatos não existissem mais?
Estou
sugerindo o enredo para o romance de algum George Orwell do século 21?
Dificilmente. À medida que caminhamos para um mundo totalmente digitalizado,
coisas semelhantes poderiam ser possíveis em breve, não na ficção cientifica,
mas no nosso mundo real, apenas pressionando um botão. Na verdade, os primeiros
protótipos de uma nova técnica de ocultameno radical já estão sendo testados.
Estamos mais perto de uma distópica realidade aterradora, que poderia ter sido
o tema de romances futuristas imaginários. Bem-vindo ao buraco da memória.
Mesmo se um
futuro governo cruzar novas linhas vermelhas e simplesmente assassinar os vazadores
de informações sigilosas, outros sempre emergirão. Mas em 1948, em sua
assustadora 1984, no entanto, Orwell sugeriu uma solução mais diabólica para o
problema. Evocou um artificio tecnológico para o mundo do Grande Irmão (Big
Brother) que chamou de buraco da memoria. Em seu futuro sombrio, exércitos de
burocratas, trabalhando ironicamente no Ministério da Verdade, passavam suas
vidas apagando ou alterando documentos, jornais e livros, a fim de criar uma
versão aceitável da história. Quando alguém caía em desgraça, o Ministério da
Verdade o excluía, e toda documentação relacionada com sua vida, ia para o
buraco da memoria. Cada artigo ou noticia que mencionava ou registrava de
alguma maneira sua vida era modificado para erradicar todo o indicio de sua
existência.
No mundo
pré-digital de Orwell, o buraco da memoria era um tubo de vácuo no qual velhos
documentos eram fisicamente destruídos para sempre. As alterações de documentos
existentes e a eliminação de outros asseguravam que nem mesmo as repentinas
alterações de alianças e inimigos globais estabilidade representassem problema
para os guardiões do Grande Irmão. Neste mundo imaginado, graças aos exércitos
de burocratas, o presente era o que sempre havia sido e os documentos alterados
comprovavam este fato, sem o risco de que memórias titubeantes pudessem
argumentar em contrário. Qualquer pessoa que expressasse dúvidas sobre a
verdade do presente seria marginalizada ou eliminada, sob acusação de “crime de
consciência”.
Censura
digital, governamental e corporativa
A maioria
de nós acessa notícias, livros, músicas, filmes e outras formas de comunicação
por meios cada vez mais eletrônicos. O Google já tem mais receita publicitária que o conjunto de todos os meios
impressos dos EUA. Mesmo a venerável Newsweek não publica mais uma edição em papel. E nesse mundo digital esta se explorando a
possibilidade de um certo tipo de simplificação. Os chineses e iranianos entre
outros, por exemplo, já implementaram estrategias de filtragem na web para
bloquear o acesso a sites e material que não são aprovados pelos governos. Do
mesmo modo (embora sem sucesso), o governo dos EUA bloqueia o acesso de seus funcionários ao Wikileaks e ao
material divulgado por Edward Snowden, ainda que a censura não prevaleça em
suas casas. Ainda não.
A
Grã-Bretanha, no entanto, dará em breve um passo significativo, no que diz
respeito ao que o cidadão pode ver na web, inclusive quando está em sua casa.
Antes do fim do ano, quase todos os usuários de internet serão incluídos num
sistema destinado a filtrar a pornografia. Por padrão, os controles também
bloquearão o acesso a material violento, conteúdo relacionado a extremistas e
terroristas, sites relacionados a anorexia, distúrbios alimentares e suicídios,
assim como sites que mencionem álcool e tabagismo. O filtro também bloqueará
material esotérico, embora grupos ativistas baseados no Reino Unidos exijam
explicações.
E as formas
de censura na internet patrocinadas pelos governos estão sendo privatizadas.
Novos produtos comerciais, de fácil aplicação, garantem que uma organização não
precise ser a NSA para bloquear conteúdos. Por exemplo, a Blue Coat
é uma empresa-líder em “segurança” na internet é uma importante exportadora de
tais tecnologias. Pode estabelecer facilmente um sistema para monitorar e
filtrar todo o uso da internet, bloqueando sites por seu endereço www, por
palavras-chaves ou mesmo por seu conteúdo. O software da Blue Coat é empregado,
entre outros, pelo exército dos EUA, para controlar o que seus soldados veem quando deslocados ao
exterior; e pelos governos repressivos da Síria, Arábia Saudita e Myanmar para bloquear ideia políticas do exterior.
Busca no
Google…
Em certo
sentido, o buscador do Google também poderia fazer desaparecer material. No
momento, é simpático aos denunciantes. Uma rápida busca (0,22 segundos) produz
mais de 48 milhões de hits sobre Edward Snowden, que se referem em sua maioria
aos documentos filtrados da NSA. Alguns dos sites apresentam os próprios
textos, etiquetados como Top Secret. Há menos de meio ano, somente membros de
um grupo muito limitado no governo, ou conectado contratualmente com ele,
poderiam ver coisas semelhantes. Agora, estão disponíveis em toda a web.
Buscador
numero um na internet, o Google parece uma máquina para difundir maciçamente —
e não suprimir — noticias. Coloque qualquer informação na web e
é provável que o Google encontre-a rapidamente, agregando-a aos
resultados de sua busca no mundo inteiro, às vezes em segundos. Mas como poucas
pessoas pesquisam além dos primeiros resultados, o simples fato de estar
presente ou oculto entre estes tem enorme significado. Já não basta fazer com
que o Google note o que você produz. O que importa agora é conseguir que
coloque o material suficientemente acima, na pagina de resultado das buscas. Se
o seu site é o numero 47.999.999, numa pesquisa sobre Snowden, você pode dar-se
por morto, praticamente desapareceu. Pense nisso como ponto de partida para as
formas mais significativas de desaparecimento, que podem nos aguardar no
futuro.
Ocultar
algo aos usuários, reprogramando as maquinas de busca, é outro passo sombrio no
futuro. Mais um é a eliminação efetiva de conteúdos, um processo que exigiria
reprogramar os computadores que realizam a pesquisa. E se o Google se negar a
implantar esta possível mudança em direção a buscas destrutivas, a NSA — que
parece já ser capaz de projetar seus tentáculos dentro
do buscador — poderia implantar sua própria versão de um código maligno,
como já fez em pelo menos 50 mil casos.
Mas não se
preocupe apenas com o futuro: uma estratégia de busca negativa já funciona,
mesmo que seu objetivo atual, agir contra os pedófilos, seja fácil de aceitar.
O Google introduziu recententemente um software que dificulta a busca
de material relacionado a abuso infantil. Como disse o chefe da empresa, Eric
Schmidt, o buscador foi programado para limpar mais de 100 mil palavras-chaves
usadas por pedófilos para buscar pornografia infantil. Agora, por exemplo,
quando os usuários fizerem pesquisas que possam estar relacionadas com abuso
sexual, não encontrarão resultados que levem a conteúdo ilegal. Em
seu lugar, o Google orienta para sites de ajuda e conselhos. Em breve
presenciaremos essas mudanças em mais de 150 idiomas, de modo que o impacto
seja verdadeiramente global, escreveu Schmidt.
Enquanto o
Google reorienta as buscas de pornografia infantil para sites de
aconselhamento, a NSA desenvolveu uma capacidade parecida. A agência controla
um conjunto de servidores com o codinome Quantum, que se encontram na rede central da internet. Sua
tarefa é reorientar objetivos, afastando-os dos destinos solicitados e
redirecionando-os para sites preferidos pela agência. A ideia é: você digita o
endereço de um site e é conduzido a outro, menos odiado pela agencia. Embora
atualmente essa tecnologia seja usada para enviar potenciais jihadistas online
a materiais islâmicos mais moderados, no futuro poderá ser empregada, por
exemplo, para reorientar as pessoas que procuram noticias de site como a
Al-Jazeera a outra agência, que se ajuste à versão dos fatos construída pelo
governo.
… e
destrói!
No entanto,
as tecnologias de bloqueio e reorientação, que provavelmente serão mais
sofisticadas no futuro, não constituem a maior ameaça. O Google já prepara o
passo seguinte, a serviço de uma causa que quase todos aplaudirão. Está
implementando tecnologia capaz de identificar imagens fotográficas de abuso
infantil cada vez que aparecem em seu sistema, assim como tecnologia de
comprovação capaz de verificar e eliminar vídeo ilegais. As ações da empresa
para combater a pornografia infantil podem ser muito bem intencionadas, mas a
tecnologia que esta sendo desenvolvida para tanto deveria nos aterrar a todos.
Imagine se, em 1971, os Papéis do Pentágono, o primeiro documento sobre as mentiras
da guerra do Vietnã a que a maioria dos norte-americanos teve acesso, houvessem
sido eliminados. Se a Casa Branca de Nixon tivesse desaparecido com esses
documentos, a história não teria seguido um caminho diferente, muito mais
sombrio?
Ou
considere um exemplo que já é realidade. Em 2009, muitos donos de leitores de
livros digitais Kindle descobriram que a Amazon havia colocado suas mãos em
seus aparelhos durante a noite e eliminado remotamente as copias de Revolução do Bichos e 1984
de Orwell (não é uma ironia). A empresa explicou que os livros, publicados por
erro em suas maquinas, eram na realidade, copias dos romances vendidas
ilegalmente. Da mesma maneira em 2012, Amazon apagou o conteúdo do Kindle de um cliente sem advertência
prévia, afirmando que sua conta estava relacionada com outra conta que havia
sido previamente encerrada por ir contra as políticas da empresa. Usando a
mesma tecnologia, a Amazon tem agora a capacidade de atualizar livros em seu aparelho, com o conteúdo alterado.
Depende da empresa informar os usuários a respeito ou não.
Além do
Kindle, o controle remoto sobre outros aparelhos já é uma realidade. Grande
parte dos softwares de nossos computadores comunica-se, em segundo plano, com
servidores da empresa produtora, sendo sujeitos a atualizações automáticas que
podem alterar seu conteúdo. A NSA utiliza malware, software maligno implantando
remotamente em um computador, para alterar o modo de funcionamento da máquina. O código do
vírus Stuxnet, que provavelmente danificou mil centrifugas usadas
pelos iranianos para enriquer urânio, é um exemplo de como pode operar algo
parecido.
Atualmente,
cada iPhone já checa, com a sede central [da Apple], que aplicativos foram
comprados; e sobre que links você clica rotineiramente, A Apple preserva-se o
direito de desaparecer com qualquer aplicativo, por qualquer motivo.
Em 2004, TiVo processou a Dish Network por entregar a seus clientes set-top
boxes [equipamento para conectar televisões], que segundo a TiVo infringiam
suas patentes de software. Apesar do caso ter sido solucionado em troca de uma
grande indenização, como remédio inicial, o juiz ordenou a Dish que desativasse eletronicamente todos os 192 mil aparatos que
havia instalado nas casas dos clientes. No futuro, pode haver cada vez mais
meios para invadir e controlar computadores, alterar e fazer desaparecer o que
está sendo lido, enviar os internautas a sites que não buscavam.
As
revelações de Snowden, sobre o que faz a NSA para reunir informação e controlar
a tecnologia, fascinaram o planeta desde junho, mas são apenas parte da
equação. Como o governo ampliará seus poderes de vigilância e controle no futuro
é uma história que ainda não foi contada. Imagine instrumentos para ocultar,
alterar ou eliminar conteúdos com campanhas difamatórias para desacreditar ou
dissuadir denunciantes. O poder que está potencialmente à disposição dos
governos e corporações tornou-se mais evidente.
A
possibilidade de ir além de alterar conteúdos, e modificar a maneira como as
pessoas atuam também se encontra, obviamente, nas agendas governamentais e
corporativas. A NSA já reuniu dados para chantagem espionando o acesso de muçulmanos radicais a pornografia
digital. Também interceptou eletronicamente um congressista norte-americano
sem possuir um mandato judicial. A capacidade de reunir informações sobre
juizes federais, dirigentes do governo e candidatos presidenciais fazem com que
os esquemas de chantagem de J. Edgar
Hoover, no FBI da década de 50, parecerem tão pitorescos quando as
meias soquete e saias poodle da sépoca. As maravilhas da Internet nos
maravilham todos os dias. As possibilidades distópicas orwellianas da rede não
tinha, até recentemente, chamado a nossa atenção da mesma forma. Elas deveriam.
Leia isso
agora, antes que seja apagado
O possível
futuro que espera os futuros vazadores de informação dos serviços de
inteligência é aterrorizante. Agora, quase tudo é digital. Se grande parte do
tráfico da internet mundial flui através dos Estados Unidos ou países aliados
(ou da infra-estrutura de companhias norte-americanas no exterior); se máquinas
de busca podem encontrar em questão de frações de segundos qualquer coisa; se,
nos EUA, a Lei
Patriótica e as decisões secretas do Tribunal de Supervisão da Inteligência Externa convertem o
Google e gigantes da tecnologia em enormes instrumentos do Estado de segurança nacional; e se
tecnologias sofisticadas podem bloquear, alterar e apagar material digital,
apertando apenas um botão, o buraco da memoria já não é mais ficção.
Revelações
vazadas terão tão pouco sentido como velhos
livros empoeirados no sótão, cuja existência é ignorada. Poste o
que quiser. As leis de liberdade de expressão permite que você o faça. Mas que
sentido haverá, se ninguém puder ler? Seu tempo seria melhor empregado parando
em alguma esquina e gritando aos transeuntes. Num futuro já fácil de imaginar,
um conjunto de revelações similares às de Snowden poderá ser bloqueado ou
excluído com tanta rapidez que ninguém poderá republicá-las.
Tecnologia
em contínuo desenvolvimento, se viradas 180 graus, poderão eliminar maciçamente
informações e opiniões. A internet é um espaço amplo, mas não infinito. Está
centralizando rapidamente informações nas mãos de poucas corporações, sob o
controle de poucos governos e os EUA encontram-se no centro das principais
rotas de trânsito da rede.
Agora, você
deveria sentir um calafrio. Estamos vendo, em tempo real, como 1984 passa de
uma fantasia futurista para um manual de instruções. Se isso ocorrer, não será
necessário matar um futuro Edward Snowden. Ele já estará morto.
Tradução Cauê
Seignemartin Ameni
Fonte: http://outraspalavras.net/
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