quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

[EUA] Mandela purificado - Por Mumia Abu-Jamal


[EUA] Mandela purificado

Nasceu Rolihlahla em julho de 1918, em uma nação onde não era realmente cidadão, em um país chamado União da África do Sul que fazia parte do Império Britânico.

O mundo chegaria a conhecê-lo como Nelson, o nome que lhe pôs um professor da escola primária. Nelson Mandela.

Finalmente, depois de viver 95 anos, Mandela regressou a seus antepassados. Entre o nascimento e a morte, ele abriu o caminho a uma vida assombrosa de amor e revolução, de luta e resistência, de prisão e isolamento, de liberdade e… trânsito.

Com sua morte, a mídia estadunidense o pintou como um tipo de líder africano dos direitos civis, talvez um Martin Luther King Quinto, com a auréola do cabelo branco.

Um presidente emitiu uma declaração lamentando seu “condenamento ilícito”.

De fato, é perigosamente enganoso fazer de Mandela um King ou um Malcolm. Não era nem um nem outro.

Era simplesmente ele mesmo: um advogado africano que utilizou cada ferramenta a sua disposição, legal quando foi possível, ilegal quando foi necessário, para resistir a um sistema que esmagava as vidas africanas como se fossem casca de amendoim. Era um revolucionário, um guerrilheiro armado e comandante de um exército guerrilheiro, Umkhonto we Sizwe (Lança da Nação) do Congresso Nacional Africano (ANC).

Depois de 1948, o governo da África do Sul se tornou um instrumento de terror e tortura que só um povo paranoico como os bóers sul africanos puderam montar.

Sob o estandarte do Partido Nacional, o governo erigiu a odiosa barreira do apartheid (“o estar a parte” em afrikaner), a qual levou a supremacia branca e a subordinação negra a níveis verdadeiramente doentios e desumanizados.

A África do Sul se tornou a encarnação do racismo branco legalizado e de uma descarada opressão brutal, planejada principalmente para obter e explorar o trabalho dos negros ao preço mais baixo. A cada oportunidade, este sistema semeou humilhação, dor e violência na vida dos africanos. Corrompeu cada faceta da vida africana – economia, educação, saúde, emprego e família – para o benefício dos brancos.

O Dr. Nelson Mandela foi encarcerado depois de ser encontrado culpado de sabotagem como parte de suas atividades guerrilheiras, e recebeu uma sentença de prisão perpétua.

O crescente movimento contra o apartheid e a subsequente campanha de desinvestimento que obrigou às instituições ocidentais a retirar seu capital investido no regime apartheid, persuadiu aos setores líderes do poder branco sul africano a sentar-se na mesa de negociações e transformar sua política.

Fizeram-no com uma importante condição: Entregaram a máquina política do país ao Congresso Nacional Africano (ANC), sim. Mas liberaram a economia do controle político.

Kwame Nkrumah, o primeiro presidente da Gana pós-colonial disse uma vez que “A independência política sem independência econômica é só uma ilusão”. A certeza do adágio de Nkrumah se demonstrou quando se ganhou a independência sul africana: aos negros se abriu a porta a cargos eletivos, mas se fechou a porta à imensa riqueza do país ao colocá-las em mãos privadas.

O Dr. Nelson Mandela foi contratado para consolidar esta situação, e hoje em dia a África do Sul é uma das nações mais desiguais economicamente sobre a face da terra, só rebaixada, talvez, pelos Estados Unidos.

Dito isto, o que fez Mandela foi dirigir uma nação conhecida como uma pária internacional e transformá-la em uma das nações mais respeitadas do mundo. Fechou a porta da história a um país que, ao que parece, buscava tomar o lugar dos nazis em racismo e ódio.

O filho de uma família real de uma tribo africana, em terra ocupada do Império Britânico, em uma nação onde a raça e cor da pele deu a um o direito ao privilégio ou a opressão, abriu a porta a uma nova nação quando saiu da prisão política para chegar à Presidência.

Esta é matéria de uma obra de grande dramatismo, de sonhos feitos realidade, de perdas épicas, de dolorosa solidão, de fazer o correto no momento correto.

Meu cunhado e diplomático estadunidense me disse uma vez que a África do Sul era o país mais bonito que jamais havia visto, mas que suas políticas e práticas racistas o haviam convertido em um dos mais feios.

O Dr. Nelson Rolihlahla Mandela e o enorme movimento internacional antiapartheid, ajudaram a devolver essa beleza.

Mandela inspirou milhões, dentro e fora da África do Sul. Inspirou milhões de pessoas brancas e europeias com o que se chamou “reconciliação”, mas o que isto significava para eles era que o governo lhes permitiu ficar com suas terras e lucros ilícitos.

Os africanos receberam orgulho e domínio político; os brancos receberam riqueza, terras e privilégios econômicos.

Uma vez mais, os negros pagaram o preço da “paz social” e de um acordo político.

Talvez eliminou-se o apartheid, mas o privilégio, não.

Para milhões de sul africanos, a longa caminhada à liberdade não termina.

Desde a nação encarcerada, sou Mumia Abu-Jamal.

Domingo, 8 de dezembro de 2013.

Tradução > Sol de Abril

agência de notícias anarquistas-ana

Cercada de verde

ilha na hera do muro:

uma orquídea branca.

Anibal Beça

Nenhum comentário: